Por A.C. Scartezini
Resultados como a rejeição aos presidenciáveis e a aprovação ou não ao governo possuem tanto valor quanto a cotação direta de voto em cada candidato
[caption id="attachment_4990" align="alignleft" width="300"] Presidente Dilma Rousseff com líderes do agronegócio: ela tenta recuperar um prestígio que está indo para Aécio / Foto: Roberto Stuckert Filho/ PR[/caption]
A presidente Dilma rompeu a semana de trabalho na segunda-feira e encerrou o expediente na noite de sexta com um projeto novo, mas que agora se fixou em sua cabeça: a conquista do agronegócio, que anda de namoro com o rival Aécio Neves, além de se incomodar com a ex-ministra Marina Silva na companhia de Eduardo Campos como candidata a vice-presidente.
Na manhã de segunda, a primeira coisa que a presidente fez foi a solenidade com pompa e cerimônia no Planalto para anunciar o plano anual de safra. O agronegócio não soltou foguete para comemorar. Mas na sexta, Dilma recebeu representantes da área para um jantar no Alvorada.
O programa na noite de sexta no Alvorada não deixa de ter a sua razão tática. O pessoal do campo gosta de ser franco – e às vezes, rude. Na intimidade do palácio residencial, em torno de uma mesa de jantar, quem sabe as pessoas não se quietam? Além disso, a festa já se encerra no fim de semana, quando os assuntos de trabalho podem receber uma trégua.
O plano agropecuário não chegou ao campo em festa, mas Dilma, ao encerrar o discurso de 31 minutos, registrou: “Reafirmo o meu compromisso, não só com setor agropecuário, mas com todos os setores, no sentido do investimento que o governo federal deve fazer em infraestrutura ou permitir que o investidor privado faça em parceria ou individualmente”.
Nas 37 palavras da frase, a presidente engatou aquela afirmação de que seu compromisso não é apenas “com o setor agropecuário, mas com todos os setores”. Não custa não despertar melindres em outras áreas do capitalismo, nem evitar a supervalorização de um ambiente um tanto hostil ao governo.
Mas o fato é que os negócios da cidade, também nem sempre receptivos à candidata, estiveram na semana de trabalho de Dilma, mas de uma forma um tanto estranha. O Planalto abriu as portas, na quinta, para receber os representantes de 36 setores da indústria, mas não havia uma pauta de trabalho. A presidente nem discursou. Apenas cumprimentou os convidados.
Os empresários, porém, não se fizeram de rogados. Puxaram conversa. Perguntaram a Dilma sobre um assunto que andava nos jornais da semana: a possibilidade o governo tornar permanente a desoneração da folha de pagamento das indústrias para reduzir as despesas das empresas. A presidente não respondeu. Apenas prometeu a resposta em uma semana.
Enquanto isso, Dilma ganha tempo para o governo pensar no assunto. Mas as empresas pretendem mais do que a manutenção do estímulo nos setores onde já estão. Desejam incluir novas áreas, o que aumentaria o rombo fiscal do governo. Será um teste para a candidata à reeleição.
[caption id="attachment_4988" align="alignleft" width="620"] Ministro Teori Zavascki mandou soltar 12 envolvidos em crimes, mas só Paulo Roberto Costa ganhou a liberdade[/caption]
Há uma semana, na noite de domingo, o ministro Teori Zavascki, 64 anos, sentiu-se à vontade para assinar aquela liminar em nome do Supremo Tribunal Federal para mandar soltar 12 presos na Operação Lava Jato.
Mas apenas um foi solto no dia seguinte, quando o Supremo divulgou a liminar do ministro. Era Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, cujo advogado pediu ao tribunal a liminar a favor do cliente.
Ao perceber a repercussão de sua decisão, Zavascki se arrependeu daquela noite de domingo em menos de 48 horas. Sob o sol da terça-feira, o ministro confessou que assinou a liminar sem conhecer suficientemente os processos de todos os presos. “Sem conhecer, não quero tomar decisões precipitadas”, explicou-se. Mas já tomara as decisões.
Atribuiu seu recuo a uma intervenção do juiz federal Sérgio Moro, carcereiro dos presos da Lava Jato em Curitiba. O juiz teria informado ao ministro que, entre aquelas 12 pessoas que mandou soltar, havia algumas com dinheiro depositado no exterior e que também eram ligadas a negócios no narcotráfico. Elas poderiam fugir do país.
Era o caso de quatro doleiros. Entre eles, a cabeça mais importante no meio dos 12, o doleiro Alberto Youssef, a quem o ex-diretor Paulo Roberto Costa oferecia assistência. Ele, Costa foi o único que atravessou as grades em Curitiba e foi para casa, no Rio. A retenção dos outros 11 parecia ser uma decisão do ministro arrependido. Mas não era.
Mais 24 horas se passaram e, na quarta-feira, em nova explicação a jornalista sobre o seu comportamento, Zavascki deixou escapar que a decisão de não soltar todos foi do juiz Sérgio Moro. Então, deduza-se, a soltura apenas do ex-diretor Costa foi coisa do juiz Sérgio Moro.
Antes, na véspera, o ministro, na sequência de sua fala ao admitir a precipitação e recuar, disse que ainda não sabia quem mais deveria continuar preso entre aqueles 11 que sobraram. Zavascki estava desnorteado, abalado pelos efeitos da decisão de domingo.
Novamente, deduza-se. Se o ministro mandou soltar 12 e o juiz liberou apenas um, houve uma insubordinação em Curitiba contra a ordem vinda de Brasília. Mais uma dedução: Moro mandou soltar apenas Costa porque a liminar era iniciativa do advogado dele. Além disso, em ordem de importância, o ex-diretor era o segundo, depois do doleiro Youssef, que continuava nas grades.
E Zavascki, assimilou a rebeldia de Moro? Por enquanto, sim. Conformou-se porque sua liminar pegou mal, embora juridicamente pudesse estar correta. Alguém poderia considerar nulos os atos do juiz porque o processo geral envolve três deputados federais, todos governistas, com direito a julgamento pelo Supremo: o paranaense André Vargas, ex-PT; o baiano Luiz Argôllo, do Solidariedade; e o paulista Cândido Vaccarezza, do PT.
[caption id="attachment_4985" align="alignleft" width="620"] Juiz Sérgio Moro: aviso ao ministro sobre possível fuga dos investigados na Operação Lava Jato, se fossem soltos / Foto: JF Diorio/Estadão Conteúdo[/caption]
Em silêncio, os dez colegas de Teori Zavascki no Supremo acompanharam o drama do ministro, o caçula entre eles. O ministro mais recente na casa chegou em 29 de dezembro de 2012, entre a pausa de fim de ano e as férias.
Esperava-se que aproveitasse a folga para estudar o mensalão e voltar ao trabalho em condições de integrar-se ao julgamento das infringências, uma das questões incertas no principal tribunal do país.
A insegurança jurídica existente no Supremo ficou exposta claramente no tropeção de Zavascki no caso da Lava Jato. Acidente de percurso que compromete o tribunal acima do qual não há outra instância para o cliente recorrer. O silêncio dos outros dez ministros ao longo da última semana confirma o abalo que sacudiu a credibilidade do Supremo.
No corolário do caso Lava Jato, há alguns pontos que o tribunal poderia disciplinar como legislação. Ao mandar soltar 12 presos, Zavascki se baseou no fato de que as prisões seriam nulas por causa de uma incompetência do juiz federal Sérgio Moro para apreciar, em Curitiba, um processo que inclui deputados federais, que possuem direito a foro privilegiado no Supremo.
Ao explicar o recuo na prisão dos 12, o ministro afirmou que a “jurisprudência mais recente” é no sentido de desmembrar o processo para o Supremo se ocupar dos privilegiados: André Vargas, ex-petista eleito pelo Paraná; o baiano Luiz Argôllo, do Solidariedade; e o paulista Cândido Vaccarezza, do PT. Se ele disse a “mais recente”, há instabilidade.
O juiz Moro respondeu a Zavascki que os três são apenas citados no processo. A simples citação do nome de alguém com foro privilegiado pode ser motivo para aquela pessoa, no caso, não ser da alçada do Supremo e, portanto, o processo não ser desmembrado? A propósito, uma questão a ser discutida com o Congresso: é necessária existência do foro privilegiado, quem o merece?
Outra coisa a esclarecer. Mesmo que o juiz esteja indo além das citações aos deputados por suas ligações com o doleiro Alberto Youssef, preso pela Operação Lava Jato com outros três operadores do dólar, todos aqueles 12 deveriam ser soltos?
E deve um ministro desmontar com uma liminar, por exemplo, uma operação de investigação policial como a Lava Jato ao mandar soltar os presos e, às vezes, determinar que o processo se reinicie do zero? Seria melhor entregar o poder de editar liminar a um grupo de ministros? No embalo, poderia decidir definitivamente sobre os embargos de infringências.
Esse tipo de recurso é previsto no regimento do Supremo porque, antes da Constituição de 1988, os tribunais tinham autonomia para estabelecer as regras internas do serviço. Depois, passaram a depender de aprovação parlamentar. Então a infringência se tornou obsoleta, mas o Supremo nunca a expurgou do regimento.
Daí, surgiu a primeira ação de Zavascki no novo trabalho. Ele pegou o bonde do mensalão e foi decisivo na formação da maioria que, por um voto, aceitou a validade do embargo de infringência, o que permitiu a redução de penas de mensaleiros. A infringência é um dos pontos que pode compelir o Supremo a esclarecer de uma vez por todas para ter firmeza no trabalho.
Enfim, o efeito Zavascki lembrou algo que ninguém esquece. O banqueiro mafioso Alberto Cacciola fugiu para a Itália depois de receber, em 2007, um habeas corpus do Supremo, assinado pelo ministro Marco Aurélio de Mello, para responder o processo em liberdade. Foi capturado apenas dois anos depois, ao ser surpreendido em Mônaco.
Os governistas pretendem ampliar o confronto direto com os tucanos nas peças da campanha de Dilma, como acontece na CPI da Petrobrás
O projeto do PT inclui o confronto sobre corrupção com o PSDB, mas sem investigar a Petrobrás, cujos fornecedores contribuíram para a campanha de um terço dos 12 senadores da CPI, que esqueceu a petroleira e vai investigar operações de tucanos e do PSB do presidenciável Eduardo Campos. Como revelou o repórter Murilo Rodrigues Alves, quatro senadores governistas que integram a CPI receberam doações de construtoras que fornecem serviços à Petrobrás, como a Camargo Corrêa, que financiou os quatro. Dois são petistas, o cearense José Pimentel e o pernambucano Humberto Costa. Relator da CPI, Pimentel recebeu R$ 1 milhão da Camargo. Costa teve doação também da OAS. Os outros dois senadores são o piauiense Ciro Nogueira, presidente do PP, e a amazonense Vanessa Graziottin, do PCdoB. Além da Camargo, a Votorantim financiou Nogueira. A Camargo lidera o consórcio responsável pela obra da refinaria pernambucana Abreu e Lima, que o governo colocou na CPI da Petrobrás para atingir o ex-governador Eduardo Campos. Naquele programa de televisão e rádio de quinta-feira, o PT demonstrou como pretende abordar na campanha o confronto sobre corrupção. A base da argumentação será a sustentação de que nunca nenhum governo combateu a corrupção como os petistas. No vídeo, a câmara focalizou gavetas amontoadas como quem diz que antes as denúncias eram engavetadas. “Nunca tantas pessoas foram investigadas e julgadas”, narrou o locutor, sem se referir ao julgamento de mensaleiros. “Quando eles governavam, sabe o que acontecia com as denúncias?”, mencionou os tucanos. “Morriam, eram esquecidas na gaveta”, disse e emendou: — Avançar no combate à corrupção ou voltar ao passado? Três dias antes, Lula, em entrevista ao jornal “A Tarde”, de Salvador, insinuou que a oposição espera arrecadar dinheiro com as denúncias sobre a Petrobrás, mas não sugeriu de onde viria a grana. “Tem gente querendo fazer caixa dois”, deixou a questão no ar. Há nove anos, naquela célebre entrevista em Paris à televisão, Lula admitiu o desvio de dinheiro do mensalão e explicou que a grana foi para caixa 2 de campanha – o que se faz na política “sistematicamente” neste país. Um mês depois, mudou a conversa. Em pronunciamento na televisão, Lula pediu desculpa ao povo brasileiro pela ocorrência do mensalão.
O cruzamento entre duas pesquisas do Datafolha divulgadas há uma semana revela como o governo Dilma Rousseff coincide com o aumento histórico da descrença do eleitor nos políticos. O desencanto estimula a abstenção e os votos brancos e nulos. Quando as três vertentes se transformam em protesto do eleitor, a oposição perde voto. Apesar do mensalão, o Lula se reelegeu presidente em 2006 e fez a sucessora quatro anos depois. Agora a conta pode ser cobrada pelo eleitor na reeleição da presidente Dilma. Mas sobra prejuízo para a oposição, pois a rejeição à série de escândalos neste século mais a insatisfação com o governo federal se convertem em desinteresse pelos políticos em geral. Veja-se a pesquisa do Datafolha sobre o voto obrigatório, onde a gestão de Dilma coincide com um salto histórico no número de eleitores que deixariam de votar se as urnas fossem facultativas. Se o voto não fosse obrigatório hoje, a maioria dos eleitores não votaria: 57%. Entre eles, 43% seriam dos eleitores de Dilma que deixariam de votar na presidente. A perda seria café pequeno quando comparada aos prejuízos dos dois principais candidatos da oposição. O tucano Aécio Neves perderia 58% de seus votos. E o socialista Eduardo Campos? Ficaria sem 62%. Mas fiquemos com os votos brancos ou nulos, que serão realidade em outubro. Dezesseis por cento dos eleitores tendem a votar em branco ou nulo no primeiro turno dentro de quatro meses e meio. É o índice mais alto apurado pelo Datafolha desde que iniciou as pesquisas em 1989, na primeira eleição presidencial direta do pós-ditaduras. Naquele ano, em abril, 11% dos eleitores tendiam ao voto nulo ou branco. No frigir dos ovos, em outubro, a conta foi menor: apenas 6,4% do total de votos foram brancos ou nulos. Na eleição de FHC em 1994, na pesquisa em maio 14% anunciaram o nulo ou branco. Em outubro, somente 4,1% se consumaram. Em 1998, na reeleição, 12% pretendiam votar assim. Quando outubro veio, a conta foi mais alta com 19%. As eleições de Lula. Em 2002, corria maio quando 5% dos votos se consideraram nulos ou brancos. Em outubro, as urnas receberam o dobro deles, 10%. Na reeleição em 2006, com o mensalão em campo, 7% se se revelaram brancos ou nulos em junho. Em outubro, foram 8%. Em 2010, na eleição de Dilma, em maio 6% se disseram nulos ou brancos. Nas urnas, foram 9%. Agora, quando a presidente busca a reeleição, os que votam em Dilma são os mais reconhecidos: 59% deles disseram que ela é a candidata ideal. No caso de Aécio Neves, menos da metade de seus eleitores o consideram ideal, 47%. Com Eduardo Campos, são menos ainda, 35% de seus eleitores.

[caption id="attachment_4378" align="alignleft" width="620"] O eleitor vai às urnas: pesquisa Datafolha comprova que tese do voto facultativo no Brasil ganha adeptos | Elói Corrêa\ AGECOM[/caption]
É falsa a ideia de que o desinteresse pelo voto atinge, sobretudo, os mais pobres e menos esclarecidos. A pesquisa do Datafolha a respeito voto facultativo demonstrou o contrário. Se renda e escolaridade indicam o nível de informação do eleitor, quanto mais esclarecida a pessoa, é maior o desencanto pela política.
A comprovação de que a maioria dos eleitores, 57% não votaria em presidente se o voto não fosse obrigatório supera de longe o índice de quatro anos atrás, quando a presidente Dilma Rousseff disputava a primeira eleição. Na época, 44% revelaram em maio que não votariam se o voto fosse livre.
O salto em quatro anos precisos, entre a primeira e a segunda eleição com a presidente no jogo, sugere uma alteração episódica da atitude de eleitores abalados por escândalos sucessivos, descrença e falta de esperança numa mudança politica.
Vejamos a oscilação da linha a favor do voto facultativo desde a volta da eleição presidencial direta em 1989. Em maio daquele ano, a taxa apontava os mesmos 44% de 2010. Depois a linha subiu a 49% em agosto de 1994 e estabilizou-se. O resultado se repetiu em setembro de 1998 e agosto de 2006 – em 2002 não houve pesquisa. A seguir, a queda em 2010.
Observemos os protestos desde então. O clamor silencioso está no número de votos brancos e nulos de urnas indevassáveis – que anotamos no texto anterior. Tornou-se ensurdecedor nas ruas, com manifestações que se sucedem desde que provaram a eficácia delas em junho do ano passado.
Agora, temos a Copa do Mundo com a excitação oportunista de corporações profissionais por ganho nos salários, mais os interesses de ocasião de movimentos sociais em busca de visibilidade nas ruas e na mídia, com alcance internacional.
Mesmo os capitalistas do mercado protestam publicamente contra o governo: quando o prestígio de Dilma cai nas pesquisas, a bolsa sobe e o dólar desce. Trata-se do vírus de desesperança que se propaga entre pessoas ricas e bem informadas. Mas a oposição perde votos entre pessoas com renda e informação. O protesto que gera voto nulo ou em branco vem desses eleitores.
Nesta mesma época do ano, em 1989, os que não votariam compulsoriamente seriam 44% dos eleitores. Em 1994, subiram a 49%, cotação mantida em1998 e na pesquisa seguinte em 2006. A taxa caiu 44% em 2010. Agora viria aquele salto a 57%.
Onde se concentram os eleitores que se recusariam a votar com tanta força neste 2014? Eles não são jovens nem velhos. Entre 16 e 24 anos, seriam 58%. Entre 25 e 34 anos, seriam 63%, índice que se repete na faixa de 35 a 44. A taxa salta a 68% entre 45 e 59 anos. Acima dessa idade, o índice cai a 49%.
Quanto maior a escolaridade, mais eleitores não votariam. No nível fundamental estão 53% deles. No médio, 63%. No superior, 71%. Da mesma forma, quanto maior a renda da família, eles não votariam. Até dois salários mínimos, 55% não votariam. Entre dois e cinco salários, 64%. Entre cinco e dez, 66%. Acima disso, 68% não iriam às urnas.
Resumo da ópera. O desencanto com a política, além de fomentar protestos, estimula mais a ausência dos instruídos e informados nas urnas do que a abstenção de pessoas não esclarecidas. A presença de um cliente do PT na fila de votação é mais fácil de acontecer do que a de um eleitor tucano.
Sendo assim, temos uma equação a ser elucidada pelos políticos antes das urnas de outubro. Quanto mais informação e renda, mais desencanto. Quanto mais desencanto, mais oposição ao voto obrigatório.
Seja quem for, o próximo presidente terá de administrar os militares num caso que não criou ou estimulou, mas que um dia alguém teria mesmo de encarar: a administração na área militar do processo e julgamento de seis réus acusados do atentado no Riocentro há 33 anos, todos impunes até que a juíza criminal Ana Paula Vieira de Carvalho decidiu abrir ação penal contra o grupo. Embora o caso esteja em outro poder, o Judiciário, sobram inquietações militares a serem administradas pelo Executivo. Eles estão apreensivos desde os últimos anos com a investigação civil das vísceras ocultas da ditadura. O pessoal da ativa deve continuar disciplinadamente em silêncio. Mas isso não os impede de articulações discretas junto aos comandantes, que têm o ministro da Defesa como intermediário em relação ao Planalto e os outros poderes. Hoje, o ministro é Celso Amorim. Sempre na sombra, o pessoal da ativa pode estimular articulações dos colegas da reserva, que são mais livres para atuar politicamente. Entre eles, os aposentados, deve crescer o fluxo de troca de mensagens apreensivas pela internet. Sem se tocar com as reações, a decisão da juíza do Rio de Janeiro faz história como avanço significativo da responsabilização dos crimes da ditadura militar. Outros casos podem se instalar desde que a juíza Vieira de Carvalho resolveu que os seis réus, entre eles três generais reformados, não estão protegidos pela Lei da Anistia, de 1979, dois anos antes do atentado do Riocentro. Considerou a sentença que foram “crimes contra a humanidade”, “imprescritíveis”, prática frequente e sistemática durante a ditadura. Nessas condições, o processo não deverá ser julgado pela justiça militar, mas pela comum por envolver tentativa de homicídio, formação de associação criminosa, transporte de explosivo e fraude processual. A juíza se baseou em representação do Ministério Público Federal, onde os procuradores aproveitaram documentos militares que estavam com o coronel da reserva Miguel Molinas Dias, assassinado misteriosamente em 2012, em atentado de rua, em Porto Alegre.
[caption id="attachment_4370" align="alignleft" width="300"] Atentado em show no Riocentro: crime agora tem seis réus | Arquivo/O Globo[/caption]
Desponta entre os seis réus o célebre general Newton Cruz, o Nini, na época chefe regional do Serviço Nacional de Informações em Brasília (SNI), que soube antes do atentado por uma fonte militar do Rio. Nini informou em seguida ao seu chefe no SNI, o falecido general Octavio Medeiros, que sonhou ser presidente na sucessão do general Figueiredo. Ele informou ao seu chefe, que nada fez.
Popular com temperamento explosivo, o cavalariano Figueiredo acalentava a discreta ideia de ser reeleito presidente (seria o primeiro caso) e ficou quieto em seu canto. Nada fez para impedir o atentado contra a massa popular que foi ao espetáculo musical do Riocentro naquela véspera de Dia do Trabalho. Depois, nada fez para apurar o caso. Ignorou tudo.
Figueiredo nada faria mesmo porque era visceralmente militar, mais para linha-dura do que para linha-mole, como se dizia na galhofa. Filho de general, tinha dois irmãos generais, Diogo e Euclydes Figueiredo Filho.
Quando se ensaiava um impasse por causa da falta de apuração, Figueiredo recebeu um recado dos dois irmãos: entre o mano e o Exército, Euclydes e Diogo ficariam com o Exército. Isso bloqueou de vez João Baptista Figueiredo.
Os réus. Abaixo do general Nini, o general Nilton Cerqueira, outra celebridade da ditadura. Na época, comandava a Polícia Militar do Rio. Colaborou com o atentado ao retirar o policiamento do Riocentro e das ruas vizinhas naquela noite.
O terceiro general, Edson Sá Rocha, denunciado por associação criminosa armada, ficou mais conhecido pelas suas peripécias criminais do que pela carreira militar. Como secretário de Defesa Civil de Alagoas nesta gestão tucana do governador Teotonio Vilela Filho, foi acusado de desviar R$ 300 milhões.
Antes, foi secretário de Segurança da Bahia, agraciado com uma denúncia de improbidade administrativa por obstrução na apuração pelo Ministério Público de 435 processos relacionados a 167 municípios do Estado.
No banco dos réus, o coronel reformado Wilson Machado foi denunciado porque participou do atentado como capitão. Dirigia o carro Puma que levava a bomba ao Riocentro no colo do sargento Guilherme do Rosário. Ao estacionar o automóvel, a bomba explodiu antes da hora e matou o sargento. Machado se feriu e depois retomou a carreira militar.
Major reformado, Divany Carvalho Barro, o “Doutor Áureo” do DOI-Codi, admitiu que escondeu provas que incriminavam militares no atentado. Responde por fraude processual. Enfim, o único civil, delegado Cláudio Guerra, é acusado de tentativa de homicídio, associação criminosa armada e transporte de explosivos.

A queda do prestígio de Dilma valorizou os outros dois concorrentes e estimulou Marina Silva a afastar o socialista do tucano, “o candidato do agronegócio”

[caption id="attachment_3861" align="alignleft" width="620"] Roberto Amaral, vice-presidente do PSB: “grilo falante” de Eduardo Campos / Foto: J.R.ROIZ[/caption]
A festa do agronegócio em Ribeirão Preto consolidou a aliança entre Marina e o grilo falante Roberto Amaral, a quem Campos sucedeu como ministro da Ciência e Tecnologia no primeiro governo Lula. Ao se afastar do concorrente mineiro, Campos adotou um discurso ideológico. Declarou-se mais à esquerda do que Aécio e marcou a diferença entre ambos.
“Temos projetos distintos, que têm base política e base social distintas”, sinalizou o socialista. “Estamos oferecendo caminhos que não são a mesma coisa”, reiterou num súbito ataque de sinceridade Mas Campos foi implacável ao justificar historicamente o afastamento de Aécio. Ainda em Minas, recordou uma declaração de 1979 de Tancredo Neves:
— O PMDB de Arraes não é o meu PMDB.
Tancredo, avô de Aécio, modulou a frase num caráter de rigidez definitiva que transcendia a tradicional e sólida cautela de raposa da política mineira criada no antigo PSD. Mas era o que o momento exigia dele, uma prova vigorosa de que a ao se afastar do PMDB para participar da criação do Partido Popular (PP), efêmero produto da última reforma partidária da ditadura. Assim poderia levar outros consigo.
Com os novos partidos, Arraes saiu para o PSB do neto Campos. Tancredo, três anos depois de deixar o peemedebismo, retornou quando o PP percebeu que caíra numa armadilha da ditadura para proteger o PDS. Então o PP se incorporou ao PMDB. Nessa adesão, Tancredo teve a companhia de um antigo vulto da velha UDN em Minas, Magalhães Pinto, numa espantosa aliança entre as duas raposas.
Em fim de carreira, o ex-udenista se colocou em plano secundário. Tancredo, livre para se movimentar na liderança do partido em Minas, elegeu-se governador naquele mesmo 1982. Agora, o neto de Arraes colocou o avô na disputa com o neto de Tancredo. Aécio fez o que o avô faria, não tomou conhecimento. Num segundo turno ele e Campos podem se reencontrar.
Se Campos colocou o avô Arraes em contraste com Aécio e o avô Tancredo, a coisa é séria. O bote de Marina veio na hora certa, a cinco meses da eleição. Mas o empenho da ex-ministra em orientar o rumo do PSB nas eleições federais e regionais permite a desconfiança de que deseja trocar de lugar na chapa presidencial.
Não é nada, não é nada. Veja-se uma nota que brotou em influente coluna política no meio da semana. A coluna de Ilimar Franco publicou que Marina não seria decorativa na chapa. A cotação de Campos em pesquisas, quando seu nome é associado ao de Marina, ultrapassaria Aécio em áreas do PSDB. Quais pesquisas? Públicas ou internas do PSB-Rede? Não se diz.
Mas a nota do jornal coincide com o empenho de Marina em rejeitar alianças que incluam a eleição de governadores tucanos. Em Minas, domínio dos Neves, a ex-ministra recusa apoio à eleição do tucano Pimenta da Veiga, que anda enrolado porque recebeu R$ 300 mil, em 1998, da agência do mensaleiro Marcos Valério. Pimenta diz que foi por trabalho como advogado.
Contra Pimenta, Marina com a sua Rede deseja que o PSB pesque ali, entre elas o candidato a governador. Seria o ambientalista Apolo Heringer, que militou em Minas contra a ditadura ao lado da presidente Dilma na clandestina Polop. Porém, é noviço nas urnas. Campos resiste, diz que prefere apoiar Pimenta para ter a reciprocidade do PSDB em Pernambuco.
Em São Paulo, berço do PSDB, Marina descartou o apoio do PSB à reeleição do governador Geraldo Alckmin. Exige que o candidato, nem que seja para constar, seja o deputado Márcio França, presidente estadual do PSB. França ainda pode se recusar. No Paraná, Marina nega o apoio de Campos à reeleição do tucano Beto Richa. Prefere a deputada Rosane Ferreira, do Partido Verde.
Animada com os últimos acontecimentos, Marina partiu para cima de Aécio no meio da semana em clima de beligerância. A ex-ministra reforçou o afastamento de Campos em relação ao tucano. Em entrevista ao repórter Bernardo Mello Franco, negou que Aécio seja um candidato com poder para vencer a eleição:
— O PSDB já sabe que tem o cheiro e derrota no segundo turno. O PT já aprendeu que a melhor forma de ganhar é contra o PSDB.

[caption id="attachment_3856" align="alignleft" width="620"] Senador Aécio Neves: mesmo com a investida de Marina Silva, o tucano ganhou pontos em pesquisa Datafolha / Foto: Wenderson Araujo/ObritoNews[/caption]
Toda aquela carga do PSB-Rede foi desfechada entre o fim de semana anterior e a última quarta-feira, quando o Datafolha já estava nas ruas desde a véspera para apurar sua última pesquisa em torno da eleição presidencial.
O ataque não impediu que o tucano Aécio Neves subisse na cotação dos eleitores mais do que o socialista Eduardo Campos. Assim como o vigoroso e beligerante discurso da presidente Dilma Rousseff em cadeia de televisão e rádio pelo Dia do Trabalho, semana antes. não impediu que continuasse em declínio nas pesquisas.
Dilma desceu um degrau desde a pesquisa anterior do Datafolha em abril, caiu de 38% para 37%. Em fevereiro, tinha 44 pontos. Aécio confirmou a tendência a subir. Em abril, manteve os 16% que já tinha em fevereiro. Agora foi a 20%. Campos também está em ascensão, mas mais lenta. Em fevereiro, tinha 9%. Foi a 10% em abril. Hoje está com 11 pontos.
Conforme aquele jargão “se a eleição fosse hoje”, Dilma iria ao segundo turno contra Aécio. A soma dos outros dez candidatos chegaria a 38$ contra 37% pela reeleição da presidente. Entre os nanicos, o Pastor Everaldo (PSC) é o líder, com três pontos. A seguir, com 1%, estão Eduardo Jorge (PV), José Maria (PSTU) e Denise Abreu (PTN).
Os outros quatro candidatos entraram e saíram do Datafolha sem cotação. Receberam traço, abaixo de 1%: Eymael (PSDC), Levi Fidelix (PRTB), Mauro Iasi (PCB) e Randolfe Rodrigues (PSol). Os votos brancos ou nulos chegaram a 16%, enquanto outros 8% não sabem ainda em quem votar.
Num segundo turno, Dilma bateria Aécio, como Marina Silva previu: 47% a 36%. Mas, a vitória da reeleição da presidente seria mais folgada se o outro candidato fosse Campos: 49% a 32%. Certamente, o resultado seria melhor para o PSB-Rede se a ex-ministra do Meio Ambiente ocupasse o lugar do ex-governador de Pernambuco.
Três quartos dos eleitores, 74%, desejam que o próximo presidente mantenha as ações atuais do governo. Lula é a pessoa mais credenciada a manter o que aí está, segundo 38% dos eleitores. A seguir, Aécio supera Dilma como apta à tarefa: 19 pontos contra 15. Campos ficou com 10% dos votos.
E o governo Dilma? Continua em queda. É aprovado por 35% dos eleitores, com cotação ótima ou boa. Em fevereiro, eram 41%. Em abril, os eleitores caíram a 39%. Chegaram a 65% em março de 2013.
A cotação regular está em alta: 38% contra 37% em fevereiro e 36% em abril. O governo é ruim ou péssimo conforme 26% dos eleitores. Eram 21% em fevereiro e foram a 25% em abril.
Em matéria de rejeição a candidato, a presidente Dilma está em primeiro lugar, com a taxa de 35%. Em segundo, Campos com 33% – eis outra situação que Marina Silva poderia melhorar. Em terceiro, Aécio tem 31%.
Lula venceria fácil o páreo, com a rejeição de apenas 17% dos eleitores. Três quartos dos eleitores do PT, 75%, pensam que ele deveria estar no lugar de Dilma. Fora do PT, são 58%.
A aproximação das urnas de outubro estimula a criatividade sem limite, nem ética. A presidente Dilma Rousseff ainda não era uma especialista no íntimo de candidaturas eleitorais quando discursou num palanque de inauguração de obra em João Pessoa e confessou que vale tudo numa ocasião como esta: — Nós podemos disputar eleição, nós podemos brigar na eleição, nós podemos fazer o diabo, quando é a hora da eleição. E olha que estávamos a 19 meses das urnas da reeleição e a presidente se dedicava à campanha com um discurso onde prometia que tudo seria possível para satisfazer uma população e líderes regionais ansiosos pelas atenções do poder. Há uma semana, o repórter Daniel Bramatti alertou que o presidenciável Aécio Neves (PSDB) seria agraciado com uma gentileza do Instituto Sensus, que ressurgia do ostracismo com uma pesquisa a respeito da corrida presidencial. Nas pesquisas anteriores, em 2010, o instituto submetia os nomes dos candidatos aos eleitores na forma de um disco, onde todos os concorrentes tinham a mesma chance de serem observados e reconhecidos pelos simpatizantes. Agora, não. Os nomes foram submetidos aos eleitores numa lista em ordem alfabética, onde Aécio Neves (PSDB) despontava antes de Dilma Rousseff e de Eduardo Campos (PSB). Bingo! Aécio recebeu 23,7% das preferências. Dilma, em primeiro lugar com 35 pontos, teria o tucano ao lado numa segundo turno. Campos ficou com 11%. O diretor do Sensus, sociólogo Ricardo Guedes, confirmou previamente que a pesquisa foi feita para a revista “IstoÉ”, mas só poderia explicar a preferência pela lista de nomes, em vez do tradicional disco, depois de divulgado o resultado. Ficou devendo.

Como se estivesse atordoada, a presidente cometeu em série atos eleitoralmente incorretos durante a semana, como o de confessar-se autossuficiente e revelar-se vingativa