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Orquestra Filarmônica de Goiás lança temporada 2018

Apresentações deste ano trarão obras de grandes artistas que de certa forma foram renegados pela história da música

Crônicas da América (final)

De volta ao lar, depois de um mês pelos caminhos da América, encerro estas crônicas de viagem. Exausto, sob os efeitos da "síndrome de Stendhal", recolho-me à doçura feminina, onde encontro a Beleza e o convite à sensibilidade e à conversão, pois elas nos faz seres melhores, pois como diz Adélia Prado: "mulher é desdobrável"

Mostra do MAC exibe vencedores de prêmio nacional em março

Premiados no Prêmio CNI SESI SENAI Marcantonio Vilaça irão ocupar as galerias D.J. Oliveira e Cléber Gouvêa

Festival Bananada anuncia local da edição de 2018

Como o Centro Cultural Oscar Niemeyer está fechado para reforma, edição comemorativa de 20 anos teve que mudar de lugar

“Marconi é o governador que mais apoiou as artes”, afirma Siron Franco

Artista plástico acompanhou encerramento da exposição de Frei Confaloni no Centro Cultural Oscar Niemeyer

Mostra de Frei Confaloni é encerrada neste domingo (25) no CCON

Marconi e Zé Eliton participaram do encerramento e reiteraram apoio às artes goianas

Crônicas da América (2)

"Com o pé na estrada" não seria o mais apropriado para descrever as viagens intercontinentais, mas se aplica como expressão meio surrada, mas ainda válida para mostrar ao caminhante que quando se ganha mundo, dos pés vêm-nos as melhores metáforas da viagem.

População de Trindade lota avenida no carnaval dos 30 anos do Grupo Desencanto

Padre Angelo Licati “salvou” a iniciativa, em seu início, destinando local para as atividades culturais; desfile relembrou a trajetória de três décadas

Crônicas da América (1)

Um diário de viagens incluiria a América como meu destino preferencial, caminho regular que a vida me ofereceu e eu de bom grado o tomei: onde “duas estradas separavam-se num bosque e eu —//Eu segui pela menos viajada//E isso fez a diferença toda.”

Alguém que fortuitamente me encontrasse no aeroporto, de saída para mais uma viagem internacional, poderia se surpreender com a legenda do button na minha mochila – “Eat-Sleep-Read” (Comer, dormir, ler) – interpretando-o como um lema reducionista para um período tão rico da vida (a velhice). No entanto, tem esse dístico bem-humorado representado o que mais tenho feito na vida de "aposentado", e pode ainda distinguir as atividades que mais me ocupam o tempo depois que me afastei das atividades diárias como empresário. Esta crônica que eu pretendia intitular "A conquista da América", teve seu titulo logo descartado por pretensioso, restando me lembrar que o mais venerando dos meus ascendentes consta da Crônica da conquista da Guiné, o que me basta para logo reverter o efeito devastador que poderia causar entre meus seis leitores, sugerindo que eu estaria sofrendo da síndrome de Paulo Francis em pleno século XXI. Enfim, eis-me aqui sem um assunto especifico e com muitos na pauta para iniciar este artigo sobre assunto nenhum quando meu interlocutor invisível e inamovível, aparece com sua consideração imprescindível: "que tal lembrar-se dos que te incentivaram a viajar frequentemente para a America conquistada? Diante do razoável, cedo a lembrar que, tendo sido criado em um ambiente anglófilo (e anglófono de alguma forma), fui como quase todos de minha geração treinado a nutrir um anti-americanismo compulsório, que se tornou o default no ambiente universitário no Brasil dos anos 70 do século XX. Aprendi como primeira língua estrangeira o francês, talvez como forma de ser aceito como mais um do grupo de adolescentes brasileiros de minha geração. Paradoxalmente, um francês vem a ser relevante para que eu comece a amar a America. Falo de Albert Camus ("o estrangeiro numa terra estranha: New York") que li antes de minha primeira viagem a NY para formar um juízo mais, digamos, maduro dos fatos. Incluí nessas leituras preliminares um Joaquim Nabuco ("Minha formação"), de onde me lembro ter retirado bons insights sobre uma viagem do grande abolicionista aos EUA. Depois disso, vieram o trabalho e a necessidade de aprender o idioma dos negócios - quando, costumava brincar que aprender o francês não havia me adicionado nem um centavo a minha renda ou Destino. Foi uma fase em que me vi compreendendo via indireta a importância da América em minha vida (e como teria sido diferente na vida do Brasil), desde a leitura de Tocqueville até à compreensão de uma cultura que não é (e nunca foi) apenas movida pelo pragmatismo e pela superficialidade, muito pelo contrário. Vimos, com o passar dos anos, a democracia na América consolidar-se a cada lance de alternância no Poder e pelos avanços no campo em que seus opositores mais a desdenhavam. Pela vez primeira em que vim a America, ainda não dominava o idioma a ponto de descobrir as nuances de comunicação e de sofisticação escondidas nas aparentes atitudes consideradas superficiais. Por exemplo, nos negócios, em que eu começava então a me movimentar como parceiro de uma empresa norte-americana de software, de saudosa memória (Lotus Co.). Quando consegui ler o primeiro livrinho de duas mil palavras na língua de Walt Whitman, pensei que poderia avançar e me via extremamente interessado em compreender não apenas a literatura, mas a música e os hábitos do povo e sua aparente concordância com tudo, as regras antes de tudo nos jogos e na convivência social. Veio a segunda geração dos Amaral Queiroz com uma forte decisão de tirar o melhor da América, além das canções, da Coca-Cola e das calças jeans. Eis, pois, que uma filha se inscreve, de forma um tanto surpreendente, para uma bolsa numa Universidade e por aqui fica, estudando e buscando no pais das oportunidades, o seu espaço de jovem adulta. Aprofundamos o trabalho para acompanhar a disparidade das nossas moedas e resistimos. Vimos a primeira e a segunda filhas conseguirem suas formações em boas escolas, com especializações em universidades americanas e aqui viverem por curto e longo períodos, respectivamente da mais jovem para a mais velha, tendo esta nos dado dois netos de dupla nacionalidade (brazuca-americanos). Já estava, então, este velho Queiroz de posse dos elementos para também dar seus saltos e redigir a sua própria crônica da América. Acompanhava com interesse tanto a correspondência do Diário da Corte, de Paulo Francis, como as noticias culturais de Ana Maria Bahiana - onde andará a cronista, pergunto-me agora que passo temporadas agradabilíssimas nos Estados Unidos, como esta que me levava a pensar em um artigo de dentro do caldeirão cultural chamado Estados Unidos da América. Digo, pois, tudo isso depois de 25 anos de viagens frequentes aos EUA, e mais digo a você, leitor, que a descoberta do continente me faz hoje rir sozinho quando lembro das correspondências do passado – enviadas a nossos jornais diários por meus compatriotas Francis e Ana Maria. Dela, eu me lembro do mal-entendido que lhe causara o uso do civilizado sinal de “4-way-Stop” – uma espécie de cruzamento virtual em que o condutor é o grande protagonista, exercendo o direito de ir e vir com respeito ao direito do outro. Este sinal de “parar-para os quatro cantos” que não tem tradução em nosso idioma, tampouco na nossa sinalização de trânsito, parte do pressuposto de que todos respeitam o direito do Outro. É, pois, mais um símbolo do que um “sinal-de-transito”, um marco da boa convivência no transito, que nada tem de comportamento de Western (velho oeste, como queria a cronista) e e um reflexo a mais do modo como o cidadão norte-americano se porta de forma civilizada seja numa parada obrigatória de trânsito, seja no respeito as filas e no exercício de outros símbolos de cortesia de que os norte-americanos sao professores para nos que vivemos abaixo do Equador. Hoje me questiono sobre a letra de música de um certo compositor baiano que identificava "a America católica" e seu aparente desrespeito as regras de transito e a aderência preferencial ao relativismo do nosso tempo. A decadência dos costumes se faz presente em todas as culturas e em todas as comunidades, mas os Estados Unidos dão mostra de saudável manutenção da Ordem, em meio a um caos de auto-deterioração que começa justamente pelos que aqui vieram com o propósito de "bombardeio do sistema por dentro deste" - exemplo mais do que provado pelo pensador Olavo de Carvalho ao analisar, por exemplo, a presença dos filósofos alemães da chamada Escola de Frankfurt. Não sendo o propósito desta crônica nada alem de anotações de reminiscências, deixo o assunto mais doloroso para outra oportunidade. Por ora, deleito-me com a limpeza, a ordem e a prosperidade de uma pequena comunidade no meio do deserto do Coachella Valley, na California, onde aprecio as sutilezas da Arte reunida no Museu local, na pequena cidade de Palm Springs, que tem, além de tudo uma importante e referencial mostra de cinema anual, desde o final dos anos 1990. [caption id="attachment_117025" align="aligncenter" width="300"] DOUGLASS CROCKWELL (1904-1968) "BOY DOODLING ON MASTHEAD (DOODLER)" (1937), oleo sobre tela. (c) The Saturday Evening Post ilustr.[/caption] O que está no cerne do êxito da democracia na América é o respeito à Ordem, fundamentada nos valores cristãos da sociedade e no respeito às minorias. Tocqueville já alertava sobre as fraquezas da incipiente democracia – a tirania das maiorias e a escravidão. Ora, eis que estes se mostraram como o ovo da serpente para o que veio a se tornar a ditadura das minorias sobre uma maioria silenciosa. Esta é (ou foi) uma das razões do êxito na eleição de Donald Trump, justamente, esta sintonia com estes valores da maioria silenciosa e cansada da imposição de costumes e hábitos estranhos a tradição norte-americana. Os anos Obama foram uma demonstração contumaz de desconstrução destes valores. Um exemplo emblemático (e bizarro) são os banheiros públicos para ambos os sexos (onde se tem o "direito" de ir ao banheiro com gays e lésbicas), enfim, uma aberração comportamental que em nada se coaduna com a América puritana. Sabe-se que a escravidão foi resolvida numa guerra civil e as minorias se impuseram com a primazia de dois outros valores: a liberdade de imprensa (a incrível força da primeira emenda) e o primado das liberdades individuais, que dispõe para o cidadão um leque de escolhas e de oportunidades infindas. Dan Rather, jornalista norte-americano da velha escola, testado em diversas mídias e eras resume o patriotismo, em seu mais recente livro: "patriotismo exige muito trabalho, conhecimento e engajamento com aqueles que são diferentes de você, além de imparcialidade  diante das leis e das oportunidades, o que exige de todos tomar juntos o partido das boas causas. Isso é  uma das coisas de que mais gosto nos Estados Unidos como nação não apenas de sonhadores, mas como "os de pés no chão" (fixers versus dreamers). Nós todos olharmos para nossa terra, nosso povo e dizemos continuamente: isso não é o melhor que podemos fazer, nós podemos ser melhores" ("What unites us: reflections on patriotism", Rather & Elliot Kirschner, Algonquin, 2017). Mas não é a realidade minha matéria e sim a “representação da realidade”, e sinto-me mais à vontade no domínio da arte com que a América mais me atraiu. A arte de Emily Dickinson, Walt Whitman, T.S. Eliot (embora mais inglês do que norte-americano), de Robert Frost, Elizabeth Bishop e Willa Cather – para não passar de uma meia-dúzia de amados autores, dão-me a expressão maior da América que se me tornou eterna e país a ser considerado como segunda pátria. Nestas crônicas que saem de um diário do centro do poder pretendo explicitar como este amor se deu e como ele se mantém forte a cada dia, como a recordar que entre a França de Camus e a América de Frost, havia de tomar um caminho. Duas estradas separavam-se num bosque amarelo, Que pena não poder seguir por ambas Numa só viagem: muito tempo fiquei Mirando uma até onde enxergava, Quando se perdia entre os arbustos; Depois tomei a outra, igualmente bela E que teria talvez maior apelo, Pois era relvada e fora de uso; Embora na verdade, o trânsito As tivesse gasto quase o mesmo, E nessa manhã nas duas houvesse Folhas que os passos não enegreceram. Oh, reservei a primeira para outro dia! Mas sabia como caminhos sucedem a caminhos E duvidava se alguma vez lá voltaria. É com um suspiro que agora conto isto, Tanto, tanto tempo já passado: Duas estradas separavam-se num bosque e eu — Eu segui pela menos viajada E isso fez a diferença toda. “A estrada não tomada” (The road not taken, Robert Frost), tradução do poeta José Alberto Oliveira, in Rosa do Mundo, 2001 poemas para o futuro. Adalberto de Queiroz, 62, poeta e jornalista, autor de “O rio incontornável” (Mondrongo, 2018).
Fontes: Livro de RATHER, Dan. e Elliot Kirschner, Algonquin, 2017. Sobre Tocqueville, ler a resenha de Felipe Pimenta, neste link.  

Ode ao mestre Segismundo Spina

Professor que dedicou a vida aos estudos e pesquisas nas áreas de Filologia e Literatura do Medievo e que se tornou "Emérito" por seu talento, sua vocação para ensinar e seu amor à Idade Média, Segismundo Spina é o homenageado nesta crônica

Bailarina goiana é classificada entre as melhores do mundo em disputa na Suíça

Carolyne Galvão, do Itego Basileu França, também foi eleita, por votação online, como a bailarina de melhor performance na competição

A alma do poeta e a eternidade

Deste que é considerado o maior poeta português pós-Fernando Pessoa, sabe pouco o leitor brasileiro, como de resto de toda a literatura de nossos conquistadores. Herberto Helder se impõe ao leitor que desejar romper “o isolamento”, este “desconhecimento mútuo” que separa Brasil e Portugal, no dizer do professor e poeta Claudio Willer.

Deve a história terminar em pizza?

No julgamento da Idade Média notará o Leitor desta crônica que, ao fatiar a História, só se obtêm ganhos didáticos discutíveis. Jacques Le Goff, Régine Pernoud e Ricardo Costa são âncoras que permitem ao leitor aprender "o que não nos ensinaram" sobre o tema. [caption id="attachment_115284" align="aligncenter" width="620"] Jacques Le Goff e Régine Pernoud, historiadores franceses que escreveram sobre o que não nos contaram sobre a Idade Média[/caption] Historiadores sérios como Jacques Le Goff e Régine Pernoud escreveram sobre "o que não nos contaram na Escola", provando que a Idade Média tem sua luz própria, sendo a mãe de vários renascimentos. Cabe, pois, ao cronista tratar de modo respeitoso, mas bem-humorado – daí o título –, mas na verdade cabe mais ainda ressaltar: estamos diante de um estudo respeitável, de um acadêmico à antiga neste seu “A história deve ser dividida em pedaços?[i]” do Sr. Jacques Le Goff. Nascido em Toulon (França) em 1924 e morto em Paris em 2014, Le Goff é reconhecido por muitos como um dos mais importantes medievalistas do século 20, por sua inovadora e persistente dedicação ao estudo da história da Idade Média Ocidental. No dizer do medievalista brasileiro Ricardo Costa[ii]:

Jacques Le Goff, historiador instigante, propositivo e interrogativo, indicou muitos novos e impensados caminhos. São múltiplas as suas Idades Médias. Gosto mais de algumas do que outras. Leio todas. Nós, medievalistas, fomos agraciados por uma tradição historiográfica que renovou as pesquisas históricas. Desde Marc Bloch (1886-1944) os colegas de outras áreas, inclusive os mais refratários, são obrigados a marcar passo nos medievalistas. Pois foram eles, Le Goff & Cia., os fantásticos recriadores de nosso ofício. E Jacques Le Goff ocupa um lugar de destaque. É parada obrigatória.
[caption id="attachment_115287" align="aligncenter" width="362"] "Nem tese nem antítese, este ensaio de Le Goff é o resultado de uma longa pesquisa" - assegura o Autor.[/caption] Ainda naquele artigo personalíssimo sobre o mestre admirado e refutado, Costa nos conduz às leituras que fez de Goff, ao longo de sua carreira acadêmica, para concluir: “...Devo reconhecer que ele marcou uma época em minha vida. Foram – e ainda são – muitas e muitas horas de leitura. Terminarei minha relação com ele com um pequeno “causo”. Certa vez, há muitos anos, uma historiadora me perguntou de quem eu gostava mais, de Le Goff ou de Duby. Estava em minha fase Le Goff. Todos passamos por ela. Respondi, sem pestanejar: “– Le Goff”. Ela me olhou, com um olhar bem interrogativo, pois gostava mais de Georges Duby. Hoje, mais maduro, confesso: mudei de opinião. Talvez aos 30 gostasse mais de Le Goff porque seus textos fossem “mais fáceis” para mim. Ainda o contemplo assim. Como disse, ele propõe esquemas interpretativos. Simplifica. Sintetiza e conclui. É, portanto, mais pedagógico. Por isso, nada mais natural que, durante minha formação, gostasse mais de seus textos. Já Duby é mais complexo. Não facilita. E tem um texto para poucos. Para pouquíssimos. Aos “cinquenta”, me delicio com seu artesanato textual, precioso. Mas Le Goff faz parte da formação de qualquer medievalista. Por isso, fez da minha. Por isso, presto, com a devida vênia, meu reconhecimento.” É este autor reconhecido que se me apresenta como o meu segundo livro destas “leituras desobrigadas” do verão 2018. Seja lá o que queira dizer com isso, meu interlocutor invisível retorna para cobrar-me coerência. Não seria o caso de afirmar que este é um livro do tipo sério e problematizante, do tipo de “literatura empenhada” (Segismundo Spina) própria para formação, enfim, um livro que deveria ser estudado e não lido?  Em primeiro lugar, penso como Franklin de Oliveira, que, comentando sobre “o atormentado, o tão intimamente sofrido” Hermann Hesse concluiu que “a marca terrível da vida humana está em que a ninguém é dado demitir-se do quotidiano, tirar férias do dia-a-dia, eximir-se do enfrentamento com as misérias das vinte e quatro de cada dia nos deixam na alma a morte incoativa” – a sua história, a marca indelével do Tempo que passa para todos os mortais. De fato, ao leitor não iniciado nos mistérios da História e, tampouco, afeito aos estudos da Idade Média, parecerá o livro um tratado irreconhecível e desnecessário, muito mais para uma estação de veraneio. Não sendo este o meu caso, ler Le Goff neste curto ensaio de menos de 150 páginas, é um desafio interessantíssimo, seja por ter o historiador francês aquele charme que raptou o professor Ricardo Costa, para o bem ou para o mal, daquele mestre que, mesmo sendo um esquerdista, tem sempre uma visão apurada para os acontecimentos de uma época tão importante para o leitor conservador (e católico), como é o caso deste cronista. Sim, vale a pena lê-lo, embora naturalmente a preferência recaía sobre um Duby, um Curtius, uma Régine Pernoud, sobretudo, e nesta ordem. A Idade Média, como se sabe, foi revista recentemente pela maioria dos nossos historiadores, perdendo a pecha de que lhe haviam aposto os livres pensadores do Iluminismo, não sendo mais vista como “the dark ages” – pelo menos não para a unanimidade (quase sempre burra) daqueles que a tentaram desconstruir, a partir do século XVIII; tornando quase voz corrente para o leitor mediano. Aliás, coube a Régine Pernoud nos alertar em seu inarredável “Idade Média: o que não nos ensinaram[iii]” que este período da História é mais do que “um meio-termo”, e também que não cabem “ações discriminatórias” em relação a este rico período do nosso passado. Aliás, em 1978, o nosso ilustre crítico maranhense Franklin de Oliveira alertava os incautos: “A idade Média…não foi, de forma alguma, a Dark Ages inventada pelos historiadores liberais do séc. XIX, mas genuína herdeira do mundo greco-romano. Desde logo, acentue-se que sem o conhecimento de sua história torna-se impossível a compreensão do mundo moderno, consequentemente do mundo contemporâneo. Há um fato fundamental, que, dizendo de sua importância, também elide as teorias que a definiram como época escura: ela significa a fundação da Europa em sua base cristã-romana. Para apreender-se o veio subterrâneo que a informou basta pensar, numa simplificação que, apesar de ser quase um despojamento histórico, nem por isto despe-se de significação cultural, em dois fatos que ocorreram no seu seio: o estupendo fato da literatura provençal e a aparição da poesia dos clerici vagantes. Pense-se nos vários proto-renascimentos que ocorreram no bojo do Medievo, onde Francesco d’Assisi acionou a grande revolução espiritual de que se nutriram a pintura de Giotto, o visionarismo libertário de Gioacchino da Fiore, de Giovanni da Parma, de Pier di Giovanni Olivi, Ubertino da Casale, Michele da Cesena, Almarico di Bena, os Spirituali e a poesia de Dante.[iv] É dessa mirada respeitosa e aprofundada que parte Jacques Le Goff, neste seu ensaio que não pretende ser nem tese nem antítese, mas resultado de uma longa pesquisa, no dizer do próprio autor. Este olhar do pesquisador sobre a validade da periodização da história – deu-nos a bem-apanhada situação do título, a saber: a “divisão em pedaços” como uma questão; e assim, a periodização da história é examinada desde a primeira que se conhece no mundo Ocidental, na cultura judaico-cristã, de Daniel (e seus quatro períodos) a Santo Agostinho, em “A cidade de Deus”, com seus seis períodos. A essa tentativa humana de deter o poder sobre o Tempo, já o poeta Longfellow poetizara com o seu ritmo próprio, dando-nos a noção do “tempo que nos parece domável, cada pedaço em seu lugar (como se pudesse ser divido em pedaços!)”: “Forever – Never!/Never – Forever”[v] Da lição de Ruy Oliveira de Andrade Filho sabemos que este que foi um dos últimos trabalhos de Jacques Le Goff que tem, em suma, entre outros o mérito de nos mostrar "uma extensa continuidade nas estruturas ditas “modernas” que, na realidade tiveram sua origem na Idade Média" - e que falar de "um Renascimento" só tem sentido se levarmos em conta os vários renascimentos medievais. Só podemos lamentar, como o faz Le Goff, para os que olham "com desdém para a época medieval, uma vez que, em sua opinião, o Renascimento, tomado como uma época específica pela história contemporânea tradicional “só marcou um último subperíodo de uma Longa Idade Média.” Num livro que não tem nada de apropriado àquela classificação de “leitura desobrigada”, mas que é isto sim um convite à leitura atenta e de ganhos didáticos, Ernest Robert Curtius nos adverte contra “a história de nossos antiquados livros didáticos”, para ressaltar que só se justificam os períodos, os “pedaços de espaço” e a subdivisão em períodos de tempo, as razões pedagógicas, e as mesmas razões valem para que se reconstitua “uma visão de conjunto” da história. Num mundo em que se degradam as visões do passado heroico do Ocidente, em que o princípio regente de tudo parece ser a dispersão e a visão fragmentária, é de alto valor ler (ou reler) este pequeno e poderoso ensaio de Le Goff; onde se aprende que “a periodização da história” remonta a Heródoto (século VI a.C.) e ao Antigo Testamento (Daniel, século VI a.C.) e a entrada na vida prática cotidiana é marcada pela transformação do gênero literário histórico em matéria de ensino – séculos XVIII e XIX – sempre naquela vertente Longellowniana de necessidade humana de agir sobre o tempo no qual a Humanidade evolui, seja pela invenção dos calendários, seja pela periodização. A periodização justifica-se, mas não pode ser uma barreira à visão de conjunto exaltada por Curtius. Nesse sentido, Le Goff recorre a fontes outras que não as que desmerecem a Idade média, dando-lhe sentido pejorativo. O que ele nos prova com seu ensaio é “a existência de uma longa Idade Média e da inaceitabilidade de um Renascimento como período específico” – terreno do qual emergem “novos horizontes ao estudo da história”, conclusão avalizada por um Georges Duby em “Histoire continue” e, sobretudo, por Fernand Braudel, historiador francês da mesma Escola – a “Annales”, onde Le Goff se formou.[vi] Se a formação do sentido histórico, tão necessário quanto a formação do sentido literário são hoje negligenciadas, como bem ressalta Régine Pernoud, estamos condenados a não ver aspectos positivos em ler sobre a História do mundo Ocidental, somos levados a minimizar a importância e a superioridade da civilização judaico-cristã e sua hegemonia no mundo dito “moderno”, porque os apelos dos sentidos todos os da carne por primeiro nos fazem abandonar a História, os livros, a civilização em nome da lascívia e da decadência dos relacionamentos. Daí, termos cunhado essa excrescência que é dizer que aqui a história sempre acaba em pizza, para designar que não temos nem disciplina nem respeito à Lei. [caption id="attachment_115288" align="alignright" width="224"] Régine Pernoud: uma vida para esclarecer o que os "livres pensadores" trataram pejorativamente - a rica Idade Média[/caption] Mas, “quer queiramos ou não, o homem é também um animal histórico; o lugar que ocupa no tempo é tão importante para ele como o que ocupa no espaço; e esta curiosidade natural que cada um experimenta em relação às suas origens, à sua família, aos seus parentes, e até mesmo aos seus ancestrais, é perfeitamente legítima, tanto assim que se justifica a curiosidade do médico que interroga seu paciente não apenas sobre as doenças de sua infância, mas sobre as condições de vida e morte de seus pais. É inútil insistir, no século da psicanálise, sobre o interesse imediato que representa para cada um de nós seu passado e o dos seus – interesse tão poderoso, tão profundo, como o do meio social, em geral, sobre o qual se insiste tanto no momento atual, e que se estende, naturalmente, do indivíduo ao grupo e à região” – acentua Pernoud. Por tudo isso, tirar de seu pedaço da vida o sumo revitalizante do estudo da história serviria ao leitor comum, quando mais não seja, para ter “o controle de um objetivo vital, intelectual e ao mesmo tempo carnal, como pode ser a história” – no dizer de Le Goff, “parece-me necessitar de uma combinação de continuidade e de descontinuidade. É isso que a longa duração, associada à periodização, oferece”. E assim, encerro esta crônica com Ricardo da Costa, com quem concordo. Afinal, não há como desprezar o velho medievalista, pois, mesmo para quem não é especialista na matéria, há que se admitir que “não podemos negar: somos todos filhos de Le Goff. Para o bem e para o mal.” Adalberto de Queiroz, 62, é jornalista e poeta, Autor de “O rio incontornável”, poesia, Editora Mondrongo, 2018.

[i] LE GOFF, Jacques. “A história deve ser dividida em pedaços?”, trad. Nícia Adan Bonnatti – 1ª. ed., São Paulo: Editora Unesp, 2015, 149 p.
[ii] COSTA, Ricardo da. In: Revista Brathair, vol. 16, n. 2 (2016), transcrito no website do Autor – link consultado em 20/01/18: http://www.ricardocosta.com/artigo/multiplas-idades-medias-de-jacques-le-goff-1924-2014. Também o artigo citado em [vi] de autoria de Ruy de Oliveira Andrade Filho é desta mesma fonte.
[iii] PERNOUD, Régine. “Idade Média: o que não nos ensinaram”. Trad. Maurício Bret de Menezes. S. Paulo: Linotipo Digital, 2016, 231 p.
[iv] OLIVEIRA, Franklin. “Literatura e civilização”. Rio de Janeiro: Difel; Brasília, INL, 1978, p. 18/19.
[v] Citado por Roberto Pompeu de Toledo em brilhante artigo na revista Veja, de 03/01/2018, p. 98.
[vi] DUBY, Georges. “A histórica contínua”, 1992, trad. Ana Cristina Leonardo, Porto (Portugal), Edições Asa.
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Festival de Cinema movimentará Trindade no final de maio

Gestão de Jânio Darrot acerta mais uma agenda positiva na área cultural; filme sobre Padre Pelágio será a grande atração do evento

Leituras de verão (1) Sob o sol do Nordeste, “Os olhos do deserto”

Diante da promessa de sol e mar, o cronista se propõe a aproveitar a quinzena desta temporada de verão, na companhia da família e de uma leitura desobrigada