Diante de tantos bons poetas que se me oferecem à releitura, eis-me novamente diante de William Butler Yeats, prêmio Nobel de Literatura de 1923. O que dizer de um gigante assim quando quase não concordamos com nada do que ele pensa (e elabora tão bem); e, apesar disso, por que nos sentimos extasiados com a poesia de Yeats e provocados pela sua enorme imaginação?

Yeats em busca do
William Butler Yeats (1865-1939), sempre em busca do “artifício da eternidade”

Santa Teresa d´Ávila já dissera que “a imaginação é a doida da casa”, explicitando que a casa é nossa alma. Neste caso, todas as minhas dificuldades e diferenças com o Sr. Yeats advém da imaginação dele, não da minha.

Não é recente meu contato com a poesia de Yeats. Lembro-me de ter lido a poesia dele de forma transversal, através de citações e comentários. Creio que um deles foi do meu repórter favorito dos anos 70 do século passado, o Sr. Paul Heilborn, conhecido como Paulo Francis.

Citava sempre os versos de “A Segunda Vinda”, mas não posso provar isso por ora, apenas reafirmar que ele amava o poema “A Segunda Vinda” como poema “sombrio, profético e inigualável”. “Os melhores não têm convicção alguma, enquanto os piores estão cheios de intensidade passional” era a citação de Yeats predileta do velho Francis (aquele que a Petrobras matou).

Certo é que posso reproduzir uma avaliação de Ezra Pound, que foi amigo (antípoda) de Yeats: “O sr. Yeats despiu a poesia inglesa, de uma vez por todas, de sua maldita retórica. Eliminou tudo o que é não poético – e muito do que é. Tornou-se um clássico em vida e ‘nel mezzo del cammin’. Ele fez do nosso idioma uma coisa maleável, uma fala sem inversões”.

O jovem Pound virou amigo do velho Yeats (vinte anos mais velho) e dele aproximou o seu (dele) amigo T. S. Eliot. Eram gigantes da Poesia de língua inglesa. Estavam aí reunidos dois prêmios Nobel de Literatura e um injustiçado.

T. S. Eliot na primeira conferência anual sobre Yeats, em 1940, no Abbey Theatre (Dublin), mostra-se bem desconfortável com o tema e chega a afirmar que “a poesia do jovem Yeats quase nenhuma impressão me causou até o dia em que meu entusiasmo foi desencadeado pela poesia de um Yeats mais velho”. Só assim foi que Eliot pôde considerar o poeta irlandês “um contemporâneo, e não um antecessor”.

O credo do guardião do saber oculto, o poeta anglo-irlandês W.B. Yeats
“Uma Visão”, o credo do guardião do saber oculto, o poeta anglo-irlandês W.B. Yeats

Em “Uma Visão”, o credo rosacruciano e espiritualista de Yeats, ele afirma que não lhe faltariam oportunidades de conversar.

Tudo Isso porque “Ezra Pound, cuja arte está nos antípodas da minha, cujo labor crítico louva aquilo que eu mais condeno, o homem com quem eu mais altercações teria se não nos unisse a amizade, vive há anos nuns aposentos que dão para um terraço sobre o mar. Passamos esta última hora sentados no terraço que é também um jardim, a discutir esse imenso poema de que ainda só foram publicados 27 cantos.[i]

Filho de um artista de certo renome, Yeats nasceu em Dublin, no dia 13 de junho de 1865. Tentou ser pintor, mas abandonou a Escola Metropolitana de Arte de sua cidade natal para dedicar-se à poesia, no grupo “Rhymers´ Club” de Londres, o que lhe garantiu a amizade de “William Morris, de Ernest Dowson e os pré-rafaelistas até Arthur Symons e os decandentistas”, segundo nos informa Paulo Vizioli, pesquisador e tradutor de Yeats no Brasil[ii].

O crítico Harold Bloom afirma que Walter Pater, orientador do poeta-sacerdote Gerald Manley Hopkins em Oxford, foi grande influenciador de Yeats. Não seria novidade, dado que Pater parece ter influenciado meio-mundo das letras inglesas, de Yeats a Virginia Woolf, passando por James Joyce (que é irlandês como Yeats), e parte do cânone da literatura de língua inglesa.

Bloom diz que esta influência é “praticamente [estendida] a todos os maiores autores anglo-americanos da primeira metade do século XX. T. S. Eliot dizia achar [Walter] Pater muito reduzido, mas era uma posição defensiva sua”, afirma Bloom na “Coda” do seu “O Cânone Americano[iii]”. Para ele, Pater foi o crítico ideal durante toda a longa vida do velho professor americano.

Para Eliot, há duas fases importantes a se considerar na poesia de Yeats. Primeiro, vieram os poemas ditos “antológicos”, aqueles em que o sr. William (Bill, para Pound) não se mostrava, só mostrava a arte de “proporcionar por si só uma completa satisfação e deleite” a seus leitores, numerosos até o prêmio Nobel de 1923.

É dessa fase o poema “When You Are Old” (Quando Velha e Grisalha), criado como emulação direta de um poema de Pierre de Ronsard, que se inicia com esse clássico “Quand vous serez bien vieille, au soir, à la chandelle…” e o verso inicial de Yeats: “When your are old and grey and full of sleep…”.

Esses “fragmentos a que chamei de peças antológicas”, para usar a expressão de Eliot, inclui grande conhecimento e a capacidade de recriar, se apropriando de um sentimento único do amor em épocas diferentes, como transcrevo abaixo o original de  Pierre de Ronsard, “Quand vous serez bien vieille”, e logo abaixo o poema de Yeats, na tradução de Paulo Vizioli.

Quand vous serez bien vieille, au soir, à la chandelle,
Assise auprès du feu, dévidant et filant,
Direz, chantant mes vers, en vous émerveillant :
Ronsard me célébrait du temps que j’étais belle.

Lors, vous n’aurez servante oyant telle nouvelle,
Déjà sous le labeur à demi sommeillant,
Qui au bruit de mon nom ne s’aille réveillant,
Bénissant votre nom de louange immortelle.

Je serai sous la terre et fantôme sans os:
Par les ombres myrteux je prendrai mon repos :
Vous serez au foyer une vieille accroupie,

Regrettant mon amour et votre fier dédain.
Vivez, si m’en croyez, n’attendez à demain :
Cueillez dès aujourd’hui les roses de la vie.

Yeats tem
Poemas escolhidos, de W. B. Yeats tem correta tradução e boa seleção do poeta Frederico Pedreira

Quando Fores Velha[iv]

Quando fores velha, grisalha, vencida pelo sono,
Dormitando junto à lareira, toma este livro,
Lê-o devagar, e sonha com o doce olhar
Que outrora tiveram teus olhos, e com as suas sombras profundas;

Muitos amaram os momentos de teu alegre encanto,
Muitos amaram essa beleza com falso ou sincero amor,
Mas apenas um homem amou tua alma peregrina,
E amou as mágoas do teu rosto que mudava;

Inclinada sobre o ferro incandescente,
Murmura, com alguma tristeza, como o Amor te abandonou
E em largos passos galgou as montanhas
Escondendo o rosto numa imensidão de estrelas.

De outra época e de diferente natureza é o poema “Rumo a Bizâncio”, aqui transcrito na saborosa tradução lusitana de Frederico Pedreira:

Rumo a Bizâncio[v]

I
Este país não é para velhos. Os jovens caídos
Nos braços uns dos outros, nas árvores os pássaros
– Moribundas gerações – vão cantando,
Cascatas de salmões, mares de cavalas,
Peixes, aves, a vera carne, celebram o verão inteiro
Tudo quanto é gerado, nasce e morre.
Cativos dessa música sensual, todos abandonam
Os monumentos do perene intelecto.

II
Um velho é coisa sem valor,
Esfarrapado casaco esquecido num bordão,
A não ser que a alma bata palmas e cante,
E mais alto cante cada farrapo da sua veste mortal;
Não há sequer escola de canto, somente o estudo
De monumentos ao seu próprio esplendor;
Por isso atravessei os mares e alcancei
A sagrada cidade de Bizâncio.

III
Ó sábios que permaneceis no sagrado fogo de Deus
Como no dourado mosaico de um muro,
Vinde do sagrado fogo, revolteai num vórtice,
Sede os mestres cantores da minha alma.
Reduzi a cinzas este meu coração; doente de desejo,
Amarrado a um animal moribundo,
Ele não sabe ao que vem; juntai-me
Ao artifício da eternidade.

IV
Assim que da natureza me apartar, nunca mais
Tomarei a forma corpórea de uma coisa natural,
Será antes minha a forma que os ourives gregos dão
Ao ouro quando forjado e ao quando esmaltado
Para manter abertos os olhos do sonolento Imperador;
Ou poderei antes subir a um ramo dourado e cantar
A todos os soberanos e senhoras de Bizâncio
O que passou, o que passa, ou o que está por vir.

Cabe adicionar a este poema “antológico” de Yeats, transcrito acima, o comentário de um jovem crítico-leitor de poesia de Goiás, o sr. Matheus Mavericco:

“Yeats sublima significados metafísicos, em específico a dinâmica entre o tempo, a eternidade e a arte. A Irlanda recém-nascida, por assim dizer, era uma terra cheia de vida, onde os jovens andavam de braços dados (representando, metaforicamente, a união do país) e onde a paz podia ser pressentida e a alegria se espalhava (o que pode ser lido nas aves nos galhos). Mas, posto que um e outro são uma prole efêmera – o velho porque envelhece e a ave porque é de certo modo um símbolo poético do passageiro, mas também porque necessitará, logo depois no final do poema, da mãozinha da arte pra que eternize seu canto –, eles somam a seu brado “The salmon-falls, the mackerel-crowded seas,/Fish, flesh, or fowl”. A intensidade aqui é muito maior e sem dúvidas digna de nota, pois enquanto na imagem anterior nós tínhamos os jovens congregados num espírito, presumimos, festivo, e os pássaros numa paz total, aqui nós temos um tumulto de peixes que se avoluma ainda mais graças aos efeitos sonoros das aliterações em C de mackerel-crowded e em F de Fish, flesh or fowl.
Deve-se também pontuar que o salmão é um símbolo de precedência céltica que indica vigor e coragem.” (Fonte: blog do Matheus, onde o leitor encontrará uma dezena de traduções desse poema de Yeats: http://formasfixas.blogspot.com/2015/08/velejando-para-bizancio-de-w-b-yeats.html) .
[O blog do talentoso jovem Matheus, diga-se, en passant, merece ser consultado também pela compilação de traduções do “Quando fores grisalha” (http://formasfixas.blogspot.com/2016/08/quando-fores-grisalha-de-yeats.html)]

E para finalizar esta crônica que já se vai estendendo muito, transcrevo aqui para o meu deleite e dos meus seis leitores um poeminha de minha predileção e de fácil memorização para o leitor, conforme ao conselho de Bloom (que não o transcreve no Cânone):

O Balão da Mente[vii]

Mãos, façam o que vos é pedido:
Tragam o balão da mente
Que intumesce e se arrasta ao vento
Para o seu estreito alpendre.

Para este cronista, velho leitor (muito antes de ser autor) de poesia, têm nossas mãos a tarefa principal no ofício, pois que diante do ato de criação vê-se o criador como um jovem frente a um potro a ser domado.

Nada haveria na imaginação, “essa doida da casa”, que só a visão ocultista ou cristã, rosacruciana, espírita ou budista pudesse fazer que o “estreito alpendre” da composição, da razão poética, não contivesse o balão da mente na sua exata dimensão criativa. Às mãos, ao artesão caberia o principal da poesia, Yeats o soube até os últimos momentos de seu artesanato poético.

É poema relegado a plano secundário na poesia dele, Yeats, mas como os poetas menores que fazem a alegria, o contraponto e o charme dos gênios, ele nos ensina que pode ser um pequeno aperitivo que nos leva à refeição completa da obra deste gigante que é o anglo-irlandês William Butler Yeats.


Adalberto de Queiroz, 63, é jornalista e poeta. Autor, entre outros do livro “O Rio Incontornável” (Editora Mondrongo, 2017).

[i] Yeats, W. B. “Uma visão”. Lisboa: Relógio D´Água Editores, 1994, pág. 10.

[ii] Yeats, W. B. “Poemas”, Seleção, tradução, introdução e notas de Paulo Vizioli. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, pág. 10.

[iii] BLOOM, Harold. “O Cânone Americano: o espírito criativo e a grande literatura”. Tradução: Denise Bottmann. Rio de Janeiro: Objetiva, 2017, pág. 573.

[iv] YEATS, W. B. Tradução: José Agostinho Baptista.
Do website “O poema” cf. link consultado em 09/07/18: http://www.culturapara.art.br/opoema/williambutleryeats/williambutleryeats.htm

[v] Idem à nota (ii.) acima.

[vi] YEATS, W.B. “Poemas”, Companhia das Letras, 1992, p. 103.

[vii] YEATS, W. B. “Poemas escolhidos”, tradução: Frederico Pedreira, Lisboa: Relógio d´Água, 2017, p. 175.