Resultados do marcador: Crítica
Prefeito afirma que órgão estadual “fechou os olhos por 30 anos” e agora pressiona a gestão
Ministro disse que Carta Magna deu independência ao Poder Judiciário
Ao criticar construção do Cora, tucano justifica que apenas 2% dos pacientes são crianças e adolescentes; ex-governador ignora que o câncer é a segunda principal causa de morte infanto-juvenil no Brasil
A cidade elegeu parlamentar para fiscalizar e eles não falam coisa alguma mais do Rogério [Cruz], por que estavam comungados
Subtenente Nelson Messias Pires teve a prisão preventiva decretada pela Justiça. Ele se livrou da prisão em flagrante após colegas se recusarem a prendê-lo por ter uma atente alta
Em atitude que faz falta nas discussões em redes sociais hoje em dia, o DJ tratou o cantor com reverência, como o ícone da MPB que ele é
O tempo não é o cronológico, mas o subjetivo, e as propostas e relatos revestem-se às vezes de alta complexidade, porque engendradas sob o prisma filosófico e sociológico
Com a expansão da China, é antevisto que o fazendeiro chinês e seu contraposto entrem em conflito, certamente a produtividade como um dos campos de batalha
Além da elaboração formal, Gilberto Mendonça Teles não descuida dos sentimentos divertidos e espirituosos do viver cotidiano
Sua poesia, multifária e pluridimensional, é resultado e representação semântica de uma voz em que o eu-lírico se manifesta e se estabelece enquanto fala
Os que esperam grandes embates cênicos entre Washington e McDormand se sentirão frustrados. A lady MacBeth de Joel Coen é quase um personagem secundário
Uma das características que chamam a atenção na coletânea e contos é a intertextualidade com o estilo ou a obra do autor que serve de inspiração aos textos
O escritor enveredou pelas florestas obscuras do inconsciente e trouxe à luz a história de seres díspares criados à nossa imagem e semelhança
A obra é povoada de emoção criativa, intensidade semântica e linguagem poética, na qual percebe-se um puzzle narrativo a partir do núcleo temático dos deslocamentos
Ronaldo Cagiano
Especial para o Jornal Opção
De Lisboa, Portugal — Em seu novo romance “Querida Cidade” (Record, 432 páginas), que surge após um interregno de quinze anos sem publicar, Antônio Torres dá continuidade a uma cartografia peculiar dos sertões geográficos e psicológicos e do seu interior territorial e emocional a partir de sua ancestral Junco, atual Sátiro Dias. Instância real e ao mesmo tempo mitológica de suas escrevivências, daí recolhe matéria para uma escritura que vem marcando a literatura brasileira, sobretudo por retratar as os movimentos migratórios e os choques por eles provocados na vida de seus personagens. Trata-se de uma obra densamente povoada de emoção criativa, intensidade semântica e linguagem poética, na qual percebe-se um puzzle narrativo a partir do núcleo temático dos deslocamentos que tem caracterizado sua vasta bibliografia. As histórias albergadas em seus romances e contos constituem o repositório dessa realidade tantas vezes cáustica e desafiadora, da qual não conseguem fugir as personagens, tantas vezes fragilizadas pela compulsoriedade de seus destinos, mas que por isso mesmo traduzem a sua dimensão essencial e humana.
É a partir da conversa com a mãe sobre o sumiço do pai que o gatilho da memória é deflagrado e deslinda-se o fio do romance, ao tentar desatar os nós de um passado pouco esclarecido e confuso para o filho. Ao sair de seu pequeno burgo nos idos de 1950, o protagonista – um menino de dez anos que sonha em descortinar mistérios e paragens – vai viver com um tio noutra cidade, na esperança de galgar escalas na vida, tendo o parente como exemplo de ascensão social. Esse sonho é interrompido pelo desaparecimento do seu novo protetor e seus planos de estudar e se progredir são frustrados.
Adolescente, sem em quem mais se apoiar, o menino precisa trabalhar pagar seu sustento e aluga um quarto. Aqueles efervescentes anos mudancistas, de bossa nova, de construção de Brasília, de vitória na copa do mundo e um otimismo sem fronteiras a la JK, servem de pano de fundo para que Torres como sua inegável maestria e num viés catártico, explore os rumos e percalços do próprio País.
“Querida Cidade” rastreia um imaginário social, político e coletivo, em que os totens e referencialidades de uma geração – a música, a arquitetura, o cinema, o teatro, a literatura, o futebol – vão compondo, em rica intertextualidade, um enredo híbrido em sua forma, mas com uma temática subjacente. Num ritmo fragmentário, em que o fluxo de consciência e de memória culminam num rico caleidoscópio de uma época de profundas transformações, acaba por metaforizar não apenas o desejo íntimo do personagem de não perder o bonde da história, mas de um país cujas ambições vanguardistas e modernizadoras em curso serão frustradas.
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Antônio Torres, escritor, membro da Academia Brasileira de Letras | Foto: Reprodução[/caption]
Como o Brasil, o personagem depara-se com atropelos, paradoxos e impossibilidades e a melancolia da interdição vai percorrendo toda narrativa, dando a senha para um mergulho em universos e ambientes distópicos. Entre o real e o onírico, há momentos de pura epifania, em que a expertise de Torres se projeta com toda potência e carga simbólica nos recursos e planos de que se vale para o desenvolvimento da trama. Ao criar outras atmosferas dentro desse mundo, o vivido e ao sonhado, o desejo, as fantasias e o delírio se entrelaçam em simbiótica relação, sensação que nos remete a Ana Hatherly, autora portuguesa, para quem “em arte a realidade verdadeiramente possível é a que nós inventamos”.
Passado e presente do personagem avultam numa sequência vertiginosa de relatos e situações às vezes insólitas ou suprarreais, ressonância dos melhores ecos do realismo mágico, valendo ressaltar as cenas em que do alto de um prédio ilhado por água, o narrador se vê na torrente do rio existencial, lá onde seus fantasmas e obsessões emergem sem pudor e acabam por afogá-lo no rio tumultuário da solidão e no caudal caótico e espantoso das ilusões.
“Querida Cidade” vem confirmar o percurso literário de um autor cujas obras transitam por nosso passado recente e que desnuda a realidade não apenas com a responsabilidade estética que toda arte demanda, mas com o compromisso ético de um escritor fiel ao seu mundo, ao seu tempo, às suas contradições e aos seus dilemas. Ao ler esse romance pungente, percebe-se estreita convergência da ficção de Antônio Torres com o que disse James Wood, crítico e ensaísta inglês em “A Máquina da Ficção”: “A literatura faz de nós melhores observadores da vida; e permite-nos exercitar o dom da própria vida; que por sua vez nos torna mais atentos ao detalhe na literatura; que por sua vez nos torna mais atentos ao detalhe na vida”.
Ronaldo Cagiano, escritor brasileiro, vive em Lisboa.
É o Borat saindo do Cazaquistão do ano 22. É menos debochado, mais moderno e bem trabalhado. É o “Bacurau” bem-feito, coroado com Leonardo DiCaprio e Meryl Streep
