Além da elaboração formal, Gilberto Mendonça Teles não descuida dos sentimentos divertidos e espirituosos do viver cotidiano

Heloisa Helena de Campos Borges

Especial para o Jornal Opção

É comum a discussão sobre a incompatibilidade da poesia e o mundo de hoje, esse mundo pragmático, materialista em que fazer poemas significa criar um oásis de lirismo e emoção, alienado das transformações histórico-políticas ou dos problemas sociais e econômicos, que desgastam a humanidade.

Quantas vezes a compreensão da composição poética é questionada, por se apresentar alicerçada em metáforas, simbologias, metalinguagem, enfim, construções sofisticadas que temperam a atividade literária e, muitas vezes, fazem o leitor se desinteressar por tais jogos linguísticos, deixando-o distanciado do entendimento da beleza dos poemas.

O fato é que a sociedade brasileira é formada por um grande percentual de pessoas sem noções específicas sobre poética, porém capazes de ouvir e de apreciar um poema, quando ele as faz se sentirem integradas, universalizadas e perpetuadas.

Mas é possível pensar numa poética em que a linguagem comum possa ser recurso estilístico da Criação e do Belo?

Gilberto Mendonça Teles: crítico literário e poeta | Foto: Euler de França Belém/Jornal Opção

Segundo Mário da Silva Brito, “Gilberto Mendonça Teles pertence a um grupo de poetas cuja poesia chega via apurado trabalho intelectual e fruto de incansável pesquisa da linguagem”.

Sem dúvida, é visível tal elaboração formal, pois estudioso atento da Estética, Poética, História, Linguística, entretanto, Gilberto Mendonça Teles demonstra, com invejável habilidade, não apenas o entrelaçamento dessas ciências, mas também, os sentimentos divertidos e espirituosos do viver cotidiano, cuja combinação é marcante na sua arte poética.

É inegável também que, se à princípio, a poesia de Gilberto Mendonça Teles era parnasiana, ao longo do tempo, ela se vestiu de sons, de cores e ganhou sabores.

Se houve uma fase de muita construção, de incontestável erudição e hermetismo, com o livro Saciologia Goiana, publicado em 1982, a poesia de Gilberto Mendonça Teles ganha novo colorido ao apresentar uma mistura de tons que combina, além dos recursos sonoros e semânticos já utilizados, nuances do jocoso e muita ironia, criando um discurso bem traçado, ora crítico, ora picante, onde perambulam musas, sacis, personagens comuns e a beleza simples da linguagem informal de quem conta causos, como está explicito nos versos abaixo:

Faço boca-de-pito para a fala descansada

da gente que proseia

que faz questão de prosear na sala

sob o silêncio oleoso da candeia

Vários poemas de Saciologia Goiana são também uma forma de historiar Goiás, falar do seu povo, dos seus rios, da culinária, pescaria, numa linguagem poética saborosa, que se desenvolve fincada no coloquial.

Portanto, ao longo dos anos, muitas fases podem ser distinguidas no fazer poético de Gilberto Mendonça Teles. Ele mesmo deixa isso claro nos versos do poema Língua, que, no terreno movediço da poesia, tanto pode se referir à transformação ao nosso idioma, quanto àquela das suas composições. Basta trocar a palavra língua, por Minha Poesia:

Língua/(Minha poesia)     

Esta língua (Minha Poesia) é como um elástico

que espicharam pelo mundo

no início era tensa,

de tão clássica

Com o tempo, se foi amaciando,

foi-se tornando romântica,

incorporando os termos nativos

e amolecendo nas folhas de bananeira

as expressões mais sisudas.

 

Um elástico que já não se pode

mais trocar de tão gasto;

nem se arrebenta mais, de tão forte.

Um elástico assim como é a vida

que nunca volta ao ponto de partida.

Depois de tudo que se pretendeu apontar sobre a poesia de Gilberto Mendonça Teles, poeta que, segundo seus próprios versos, confessa que:

o mar não me lavou: os meus cuidados

(o que era ruim, o que era bom demais)

ficaram por aí, pelos cerrados

à sombra dos paus-terra, de Goiás.

resta-nos aguardá-lo, em Goiás, esta terra, esta gente que lhe oferece motivos, novos “trieiros” e sempre, sempre calor, que nele inspira: Poesia.

Heloisa Helena de Campos Borges, crítica literária, é colaboradora do Jornal Opção.