Opção cultural

Recorrendo ao nonsense e à escatologia, os contos de “Um Homem Burro Morreu” fazem retrato fiel dos desconcertos que dirigem os tempos modernos

Para desvestir a obra das boas intenções, Nuri Bilge Ceylan mostra como a interferência inútil nos fatos que se resolvem por si é apenas uma forma de distorcer o que realmente importa, que é agir focado numa vida plena

“Um Amor Anarquista” desloca fatos históricos para construir uma narrativa contemporânea, que pretende falar de uma matéria atual: a falência das ideologias diante das forças individuais

Com erotismo chulo, personagens sem densidade psicológica e narrativa construída entre idas e vindas, “O Irmão Alemão”, de Chico Buarque, é um romance fraco, longe da capacidade criativa do compositor

Fundadores da produtora Gigante Filmes, os cineastas Hugo Caiapônia e Aroldo de Andrade Filho falam sobre a série de filmes do personagem Imbilino, espécie de Mazzaropi do Cerrado e fenômeno popular da produção audiovisual goiana

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Geraldo Lima
Especial para o Jornal Opção
Este ano, a Dama da Foice não economizou na colheita e ceifou a vida de muita gente boa, — gente que faz falta ao nosso cenário cultural. Fez um estrago grande no time dos artistas, dos escritores e dos intelectuais, aqui e em terras estrangeiras. Vão dizer: isso é normal, que nesse time aí tem muita gente, e a morte não descansa nunca, ceifando vidas a todo instante, sejam elas famosas ou não.
No time dos escritores, por exemplo, ela levou, sem dó nem piedade, três grandes da nossa literatura: João Ubaldo Ribeiro, Ariano Suassuna e Rubem Alves. João Ubaldo escreveu um dos livros fundamentais da nossa literatura: “Viva o Povo Brasileiro”. Um calhamaço, desses que param em pé na estante. Ariano Suassuna, por sua vez, tornou-se um dos dramaturgos mais populares do nosso tempo ao ter algumas de suas obras adaptadas para a TV e para o cinema. É o caso da peça “Auto da Compadecida”, transformada em minissérie, apresentada pela Globo, e depois em filme de grande sucesso em nossos cinemas. Defensor radical da cultura popular brasileira, criou, juntamente com outros artistas, o Movimento Armorial, com o objetivo de fundir cultura popular e cultura erudita. Rubem Alves é outro caso de popularidade. Em reuniões de professores ou em seminários sobre Educação em terras brasileiras, quase sempre se faz a leitura de algum de seus textos. Como diria Nelson Rodrigues: É batata! Educador e teólogo, ele fez, sem dúvida, a cabeça de muita gente. A minha, propensa a nadar contra a corrente, criou certa indisposição à leitura dos seus textos, — é que a onipresença tende a provocar em mim uma atitude refratária.
Para além das nossas fronteiras, a morte silenciou Gabriel García Márquez, escritor colombiano ganhador do Nobel de Literatura de 1982. Ele foi responsável, também, por criar o chamado Realismo Mágico na literatura latino-americana. Seu maravilhoso romance “Cem anos de Solidão” é um exemplo genuíno desse gênero literário. No cinema norte-americano, a vilã levou um ator de cujas interpretações eu gostava muito, Philip Seymour Hoffman, e outro que sempre me provocou certa antipatia, Robin Williams. Explico a causa dessa antipatia: ele, para mim, queria ser engraçado em todas as ocasiões, e isso me pareceu sempre excessivo, chato até. Graça demais cansa. Tolero-o em “Sociedade dos Poetas Mortos”, e só! Mas tenho consciência da sua importância para o cinema de Hollywood e do quanto ele arrancou risos de plateias pelo mundo afora. Seymour foi um ator denso, desses capazes de nos fazer sentir a vida em sua força máxima. Ator com vida interior intensa e força expressiva marcante. Um filme protagonizado por ele que recomendo é “Dúvida”. De quebra, há ainda a presença arrebatadora da atriz Meryl Streep. No Brasil, o estrago não foi menor: a infeliz calou José Wilker, Paulo Goulart e Hugo Carvana, vozes e expressões de relevo na televisão, no teatro e no cinema. Nossa mídia televisiva, tão infestada de caras inexpressivas, ficou a partir de então mais pobre e insossa.
Bom, a lista fatídica continua, daí o imenso estrago feito pela “Indesejada das gentes”. O ano está findando, torçamos, então, para que ela tenha já terminado seu triste e melancólico trabalho. A vida só não fica sem sentido com tantas perdas porque, na contramão dessa atividade fúnebre, ela se renova sempre. Daí eu saudar, neste texto, a chegada de duas novas pessoinhas à nossa família, dois novos sobrinhos: Nícolas e Maria Flor. Vida longa a vocês, pequeninos!
Para todos e todas, um 2015 de superação e harmonia!
Geraldo Lima é escritor, dramaturgo e roteirista.
Livros
Ora cômico, ora doloroso, “Graça Infinita” encapsulou uma geração ligada à ironia e ao entretenimento, mas desconectada da imaginação, da solidariedade e da empatia. No romance, seguimos os passos dos irmãos Incandenza, conforme tentam dar conta do legado do patriarca James Incandenza, um cientista que cometeu suicídio depois de produzir um filme que levava seus espectadores à morte. Enquanto organizações governamentais e terroristas querem usar o filme como arma de guerra, os Incandenza vão se embrenhar numa cômica e filosófica busca pelo sentido da vida.


Mesmo transcorrido mais de um século e meio desde sua morte, é ainda impossível dimensionar a importância da obra de Frédéric Chopin para o universo pianístico, seja clássico, seja popular. Uma das gravações consideradas obrigatórias é a que o pianista chileno Claudio Arrau, considerado um doa maiores da história, realizou das “Ballades & Scherzi” entre o final da década de 1970 e 1985. A tônica de sua leitura é o resgate da dimensão lírica e orgânica inerente à toda música de Chopin.

Um dos filmes seminais dos anos 1970, “Serpico” é considerado a obra-prima de Sidney Lumet e uma referência obrigatória no gênero policial. Frank Serpico trabalha na polícia de Nova York, levando uma vida honesta. Ao contrário de muitos de seus colegas, se nega a aceitar dinheiro oriundo da extorsão de criminosos locais. Com isso, ele passa a enfrentar a resistência de seus superiores em aceitar seus métodos pouco ortodoxos de combate ao crime. Esta edição definitiva traz o clássico em versão restaurada com uma hora e meia de extras, incluindo um documentário.


Em “Fôlego”, Rafael Mendes dá voz a personagens que tentam firmar um pacto com o passado para entender a ruína familiar

A afirmação do título pode parecer demasiadamente pessoal, mas é necessária, afinal, “O Hobbit: a Batalha dos Cinco Exércitos” coroou uma trilogia feita com o único objetivo de atrair o acúmulo dos dólares da bilheteria

Por que o herdeiro de uma das maiores fortunas do mundo viria a se interessar por um país subdesenvolvido? Por que ampliaria sua atuação para outras áreas, como a cultural, ao ponto de se tornar um verdadeiro mecenas? É o que procura esclarecer o professor Antonio Pedro Tota em “O Amigo Americano — Nelson Rockefeller e o Brasil”

Fotógrafo brasileiro multipremiado e de renome internacional, Sebastião Salgado revela no livro “Da Minha Terra à Terra” histórias de sua vida pessoal e profissional, colhidas em suas andanças pelo mundo em busca de fotografias

Rigorosamente fundamentada em documentação e no arquivo da família, “La Vita Plurale di Fernando Pessoa”, do espanhol Ángel Crespo, em nova edição italiana com tradução e revisão do crítico Brunello Natale De Cusatis, representa a biografia pessoana mais completa e atualizada já posta em circulação

Hélverton Baiano
O galo saçaricava há quase uma semana, pois a galo dado não se mata recente, tem-se de esperar pelo menos sete dias para passá-lo à panela. A sentença do galo estava determinada e chegamos dois dias antes de se cumprir, a ponto de conviver e nos enternercer pelo bichinho. É triste a sina do galo pelo que ele nos brinda com seu canto matutino, que, sozinho, como disse João Cabral de Melo Neto, não tece uma manhã.
Mas o galo canta indiferente a quaisquer perspectivas, apenas pela canora forma de nos agraciar com uma melodia única e inexorável, nos dedicando graciosamente o deleite da manhã que se prenuncia. O galo é o relógio do sertanejo, pontual como o sol que vem e vai no seu habitual, pontuando dias e noites, claro e escuro.
Aquele galo, especificamente, viveu sete dias peado e alimentado com quireras e sobras, correndo e tropeçando atencioso para o que comer, sem saber que logo viraria de-comer. Era um galo interativo e não se fazia de rogado quando lhe dava fome e os de casa se descuidavam. Ia sorrateiro e serelepe à arandela de frutas e verduras e catava de lá uma cebola ou uma banana e a traçava com tanta rapidez e eficiência, que o colocaria em primeiro lugar na olimpíada da gula galinácea.
Por dois dias fui despertado pelo doce cantarolar do galo. Mas no segundo dia me comprazia ao galinho, sabendo que daí a pouco o bichinho viraria pirão pelas mãos hábeis e traquejadas na lida de matar e cozinhar sem pena esses bichos de penas. Deu pena! Ainda mais nestes tempos de exaltação à carne branca.
O galo cantava pela última vez, um canto forte, audacioso, cocoricorando alegrias aos ouvidos da aurora, prenunciando sem querer alegorias ao novo ano que nascia há poucas horas e que fazia de leitões sua algaravia. O galo cantava o entusiasmo da festa, a plenitude de um ano que chegava com abraços e desejos de boas realizações, plenitude, harmonia, prosperidade e paz. Mesmo morrendo, o galo ajudava a sinfonia do ano novo, na verdade cantando e agradecendo pelo que viveu e não pelo futuro. Era o único entre todos a reverenciar o passado, como que a agradecer às divindades galináceas pelo tanto que viveu e cantou galando e engalanando.
Era o autêntico galo caipira que agora ia para o cadafalso da degustação, seguro pelas asas. Vi e participei de inúmeras dessas cenas e, quando menino com pouco mais de dois anos de idade, quis matar o vizinho, Seo Bilisco, como minha vó Angélica fizera com a galinha que alimentou o resguardo de mainha. O galo ia destecer a vida para alegrar nosso ano novo, detestando a máxima de Bilica Caçuador: “Galo bom é galo morto!”
Não quis presenciar nem a depenação do pescoço e muito menos a facada certeira de onde se esvairia a vida do galo cantador. Aquele galo me conquistou pela voz e pelo gosto, horas depois da missa do galo. Acho que nunca em minha vida comi galináceo tão gostoso e perfeito de condimento. Comi com alegria, lembrando-me do lindo cocoricó que pela manhã embalou sono, sonhos e emoções, almejando ao mundo um feliz ano novo.
Hélverton Baiano é escritor e jornalista.

“Todo Filme É Sobre Cinema”, é a seleta do trabalho autoral de Nei Duclós sobre obras e protagonistas de uma arte voltada para si mesma

Na coletânea “Ter Saudade Era Bom”, Moema Vilela acomoda nas formas breves a densidade criativa das narrativas longas