Opção cultural

Influenciada por Chico Buarque e Caetano Veloso e Clarice Lispector e por Pizarnik, a poeta constrói seu próprio percurso

“Jardins”, de Roseana Murray, consiste num poema completo, com uma proposta inovadora de reunir, numa só obra, uma obra de arte completa

A banda do ex-baixista do Queens of the Stone Age e do Kyuss faz show único no Shiva

Com grandes comediantes dividindo espaço com iniciantes regionais na programação, o Guardians Comedy Club se tornou um centro da cena de humor no Centro-Oeste
[caption id="attachment_219566" align="alignnone" width="620"] Luiz Titoin se apresenta no Guardians Comedy Club | Foto: Fábio Costa / Jornal Opção[/caption]
“Não tem réveillon no Brasil melhor do que o de Fortaleza. Na praia de Iracema, de graça, um monte de banda boa, é só chegar que a festa já está rolando. Para quem tem aquela mentalidade de ‘ano novo, vida nova’ é o melhor lugar para ir. É tudo novo, celular novo, carteira nova, tênis novo. Você começa o ano do zero. Às vezes até vida nova, nunca se sabe o que pode acontecer por lá”. Moisés Loureiro.
Como mostram o professor de psicologia Peter McGraw e o jornalista Joel Warner no livro “The Humor Code” (Simon & Schuster, 2014), a maioria das pessoas pensa que é engraçada, mas na verdade não é. A dupla usou investigação científica em uma road-trip por comedy clubs na tentativa de encontrar o cerne do que causa a risada. O mecanismo encontrado pelos autores aparece nos melhores programas de TV, filmes e livros de comédia, e pode ser bem percebido quando se assiste a um comediante “nu” em frente ao público, armado apenas de seu texto e microfone, sem truques ou onde se esconder.
As melhores piadas, McGraw e Warner afirmam, estão na tênue linha entre a expectativa e surpresa, a ofensa e segurança. Gostamos de ser instigados a pensar por novos ângulos e de ser confortados pela reafirmação de que não somos os únicos a passar por uma situação patética. Por isso, a característica que faz uma pessoa ser engraçada tem a ver com resistência ao desconforto, um talento raro, que corresponde à capacidade de investigação de temas desagradáveis ou dolorosos – ou, como afirma Louis CK, “comediantes são os filósofos de hoje em dia”. Também é por isso que o último trecho da apresentação de Moisés Loureiro no Guardians Comedy Club, em Goiânia, funcionou tão bem.
Moisés Loureiro finalizou seu solo no dia 7 de novembro com um texto sobre colonoscopia. Em dez minutos o comediante compartilhou a experiência que lhe tirou noites de sono por preocupação. Em um monólogo que dá a ilusão de conversa de bar, Moisés Loureiro vai da humilhação frente à enfermeira bonita para a insegurança masculina, passando por tabus da sociedade e pelo sofrimento enfrentado por minorias, tudo a partir de uma situação cotidiana. Mas o que mais impressiona é perceber a ansiedade da sala cheia para ouvir uma história sobre colonoscopia, e escutar desconhecidos rindo juntos de temas sérios, controversos e embaraçosos.
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Com dez anos de experiência, Moisés Loureiro aconselha que quem deseja ser comediante se arrisque logo no palco | Foto: Fábio Costa / Jornal Opção[/caption]
“Faço comédia stand-up há dez anos”, disse Moisés Loureiro em entrevista antes do show. “Tenho a sorte de ter nascido no Ceará, a terra do humor. Quem quer fazer comédia e nasce no Ceará já tem meio caminho andado: Renato Aragão, Chico Anysio, Tom Cavalcante, Tiririca, Ciro Gomes. Como Fortaleza é uma cidade muito turística, visitantes chegam querendo ir a um forró, a uma praia, a um show de humor. Isso criou uma demanda de mercado. O primeiro comedy club do Brasil fica em Fortaleza, o Teatro do Humor Cearense, que existe há quase 20 anos”, afirmou ele.
O restante do Brasil não tem tanta sorte. O único comedy club do Centro Oeste é o Guardians Comedy Club, aberto há três meses, em Goiânia. Existem pubs que eventualmente recebem humoristas ou que realizam acontecimentos de comédia, mas, segundo Moisés Loureiro, nada substitui a importância de um espaço exclusivamente dedicado ao stand-up, onde o público pode se familiarizar com o gênero e comediantes podem testar piadas novas.
“Fortaleza mudou muito quando abriram as casas de stand-up”, afirmou o comediante. “Até hoje, em lugares como o Teatro do Humor Cearense, que é uma casa que tradicionalmente recebe humoristas que fazem personagens, ainda tenho de explicar o que é o stand up. Não tenho dúvida que a abertura do Guardians vai mexer com a cena goiana de comédia. É um primeiro passo para quem gosta de consumir humor e para quem pensa em trabalhar com isso.”
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Ramiro Braga de Castro diz que decisão de dedicar o Guardians à comédia veio após sucesso de testes com stand-up | Foto: Fábio Costa / Jornal Opção[/caption]
Ramiro Braga de Castro, que com o sócio Marx Willian é proprietário da casa, afirma que a casa começou como um empreendimento mais tradicional, já tendo sido um pub de música. “Foi meu sócio, o Marx, quem teve a ideia de fazer uma noite de stand-up, só para testar. Começamos a fazer de 15 em 15 dias. Logo eu tinha certeza de que iríamos virar uma casa só de comédia.” Além da aceitação do público, Ramiro Braga de Castro afirmou que o retorno dos comediantes goianos também o impressionou. Atualmente, são cerca de 16 em atividade que se apresentam em diversos sub gêneros do stand-up, desde especiais solo até noites exclusivas para testes de piadas.
Luiz Titoin é um dos goianienses que se apresentam no club com frequência e que se interessou pela arte ao assistir a um stand-up ao vivo. Ele afirma que há três anos estudava para passar em medicina e que estava muito estressado, quando decidiu assistir ao show de comédia para se distrair: “Lembro até hoje do set. Era o Rodrigo Marques, Patrick Maia e Luca Mendes. No final do show, o Eduardo Castilho disse que abriria o microfone para nossos comediantes que quisessem tentar e eu falei, quero fazer isso aí.”
Então, por conselho de humoristas profissionais, Luiz Titoin começou a se apresentar “na coragem”, como afirmou. “Logo entendi que, como tudo na vida, você tem de estudar. No início coloquei a cara e tentei fazer, o que foi a melhor coisa para mim, mas no decorrer da carreira fui estudando, lendo, fazendo cursos e workshops”. Logo, Titoin começou a abrir shows de outros humoristas em diversas cidades. Segundo Ramiro Braga de Castro, esta é a importância de um local cativo para a comédia. “Toda noite com um grande comediante é um workshop”, disse ele. “É sempre um aprendizado que vem à Goiânia toda semana”.
Moisés Loureiro complementou afirmando que, ao longo dos quinze anos de história do stand-up brasileiro, os comedy clubs desenvolveram o gosto do público pelo gênero e permitiram o aprimoramento das próprias piadas dos comediantes. Durante oito de seus dez anos de carreira, Moisés Loureiro manteve o mesmo texto, mas recentemente tem sondado novas piadas graças ao espaço que encontrou nas noites de teste. Lentamente, essa forma mais singela de filosofia vem crescendo no Brasil.

“Fosca”, do italiano Iginio Ugo Tarchetti, conta as desventuras do militar que se envolve num relacionamento doentio com uma mulher feia e doente dos nervos

Não há linearidade no livro, o que causa surpresa, pois sempre imaginamos que a história começa mesmo é na primeira página
Soninha dos Santos
Especial para o Jornal Opção
Quantas vezes nos deparamos com o olhar procurando entender uma cena por nós observada? Qual o melhor ângulo para mostrar uma visão completa e privilegiada do todo que é o mundo? E se nossos olhos nos enganam e a perspectiva da visão deveria ser outra? Quanto de nosso tempo se perde quando tentamos compreender uma imagem ou paisagem e depois nos damos conta de que não a percebemos dentro de um determinado contexto? Então, nos enganamos.
Muitas vezes o que olhamos não é, deveras, o que deveríamos estar vendo. Dessa maneira, gostaria de conversar sobre um livro de imagem: “Zoom” (Brinque Book, 64 páginas, tradução de Gilda de Aquino), de Istvan Banyai. A obra inova, de maneiras inusitadas e diferentes, o livro de imagem — até pouco tempo usado nas escolas apenas para descrição de paisagens ou cenários. À primeira vista, o que parece ser apenas um livro de desenhos coloridos, sem pé nem cabeça, no final, conta uma história não linear, surpreendente, ou seja, um começo que não é um começo, mas um fim que também pode não ser o fim. Isso acontece quando começamos a folhear “Zoom”.
Primeiramente, porque o livro fala com cada leitor de uma maneira diferente; o que é visualizado numa página pode não ser o que se espera da segunda ou terceira. Um leitor pode identificar algo já no início, outro, com outra experiência de leitura, pode não identificar a mesma coisa, tornando-a assim ainda mais instigante. Não há linearidade no livro, o que causa surpresa, pois sempre imaginamos que a história começa mesmo é na primeira página. Mas isso não consiste em regra e podemos nos surpreender o tempo todo. Como acontece com nossa vida. Ele pode ser lido da primeira para a última página, como também pode ser lido da última para a primeira.
Essa leitura, particular para cada leitor, mostra que a recepção do mesmo não é e não deve ser a única, já que somos pessoas diferentes entre nós, com desejos e aspirações individuais. Temos características únicas como seres humanos e nada é certo e nem está totalmente pronto à nossa espera. A nossa identidade de leitor é única como é única nossa perspectiva de vida. O livro mostra isso, página por página; nos deixa em dúvida, não nos mostra o que é, mas aponta esteticamente, o que poderia ser; isso porque, como indivíduos sabemos que relativizar tudo sempre e o tempo todo não é tarefa para amadores. Tampouco podemos testar os limites do politicamente correto, pois tudo o que vemos ou presenciamos, depende do nosso ângulo de observação.
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Istvan Banyai: autor do livro "Zoom" | Foto: Divulgação[/caption]
Além da riqueza de detalhes, o autor faz um minucioso trabalho com as cores deixando-as sinalizarem, em todas as cenas, a riqueza da história. Cores fortes traduzem esse "zoom", nos colocam dentro da narrativa e nos faz querer ir além dos traços coloridos de Istvan Banyai.
O livro, sem nenhuma pretensão, nos leva a questionar, em meio tantas facilidades tecnológicas, se o que vemos é real ou não, o que pode ou não pode e o que é certo ou errado. O que podemos afirmar com certeza é que a Literatura Infantil e Juvenil inova em gênero e qualidade com essa obra. Ela mostra sem pretensão alguma que, desde cedo, livros de boa qualidade, permitem às crianças que as mesmas tirem suas próprias conclusões, podendo também, ajudá-las a se perceberem mais críticas e capazes de terem suas próprias opiniões sobre tudo o que as cercam.
Soninha dos Santos, professora de literatura infantil e juvenil, é colaboradora do Jornal Opção.

Edival nasceu poeta. Suas crônicas são repletas de poesia. Ele nunca se dissocia da poesia e ela gosta do colo dele, porque sabe acariciá-la e velá-la

Solemar Oliveira foi premiado com “As Casas do Sul e do Norte” (prosa) e Divino Damasceno com “Outros Versos Mais” (poesia)

Pesquisador define características da fala que permitem acompanhar as mudanças no sotaque de Goiás
[caption id="attachment_218288" align="alignnone" width="620"] "Caipira picando fumo" de Almeida Júnior, 1893[/caption]
Ônti o temporal foi tanto que, na barra do dia, a água da nascenti do córrigu estava na altura da rodela do joelho.
Ontem o toró foi tanto que, no raiá du sol, a água da nascentezinha do corgo estava na altura da pacata do joelho.
Ontem a tempestade foi tanta que, na aurora, a água da nascente do riacho estava na altura das rótulas dos joelhos.
Segundo o “Alingo – O Atlas Linguístico de Goiás: léxico-fonético” (Barra Livros), essas três formas de dizer a mesma coisa podem ser ouvidas em Posse, Aragarças e Orizona, respectivamente. Sebastião Milani, Tânia Rezende, Aline da Cruz e Daniel da Silva são linguistas e professores da Universidade Federal de Goiás (UFG) e compilaram sotaques, vocábulos e fonética praticadas em todo o estado, criando um acervo que delineia a identidade da fala goiana. Além de possibilitar outras pesquisas, o Atlas também permite mapear e acompanhar mudanças linguísticas provocadas pelo tempo e pela migração das populações.
O livro organizado pelo coordenador Sebastião Elias Milani é produto de pesquisa de quatro anos fomentada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg). Os pesquisadores visitaram 86 cidades aplicando mais de duzentas perguntas sobre a terra, o povo, a cultura local, a alimentação, a chuva e as plantas. Em cada cidade, foram entrevistados um homem e uma mulher representando cada uma das cinco faixas etárias e dos seis níveis de escolaridade selecionados, totalizando 36 entrevistados para cada uma das 50 cidades compiladas no produto final.
Entre os achados do trabalho, está a identificação do que chamamos de fala caipira, ou hipoglossia sertaneja, que se valoriza em Goiás. “Os goianos defendem com muito rigor a beleza e grandiosidade do caipira, o cara da roça que é sábio, forte, trabalhador. Por isso, apesar de ser uma população muito nova, podemos dizer que a característica geral do estado é a valorização da forma falada na zona rural”, afirma Sebastião Milani.
Em termos de fonética, o sotaque goiano se caracteriza principalmente pelo R retroflexo aproximante, o famoso R de “porteira”. A versão goiana é mais branda do que a que se ouve no interior de São Paulo – onde é tão forte que pode ocorrer até no início de sílabas – sendo detectada mais facilmente por nativos ou por ouvidos treinados. Também são características as sibilantes sempre linguoalveolares em todo o estado – ou seja, não se utiliza o S chiado pelo qual reconhecemos os cariocas.
Por último, na fala dos goianos, todos os fonemas vocálicos podem atuar como alofones uns dos outros quando ocupam as casas átonas de um signo. Isso significa que, principalmente antes da sílaba tônica de uma palavra, é possível encontrar qualquer vogal. Por exemplo: em Cristalina a ave que come carniça pode ser chamada de “arobu”, em Montes Belos se escuta “orubu”, mas a forma mais comum no Estado é “urubu”; na maioria das cidades “cotovelo” é pronunciado “cutuvelu”, mas em Piranhas também fala-se “catuvelu”. O alçamento ou abaixamento das vogais médias pretônicas não é exclusividade do goianês, e nem mesmo da língua portuguesa, mas chama atenção a grande variedade de possibilidades neste sotaque específico.
Segundo Sebastião Milani, outra característica importante é a influência que Goiânia exerce no resto do estado. “Por conta da formação recente do estado, com explosão populacional após a década de 1930, o modo de falar é vinculado à Goiânia. Nenhuma outra cidade exerce intervenção linguística. Por isso, o Estado tem regularidade”, afirma o doutor em linguística.
Quando perguntado se a padronização da fala nos moldes da capital não contradiz a valorização rural característica do goianês, Sebastião Milani afirma que não: “Goiânia é uma cidade rural. Entrevistamos pessoas em diversos bairros da cidade, e todas elas têm conhecimento da vida no campo, tanto quanto no interior. A intimidade com o campo migrou para a cidade quando ela foi fundada.”
Para a produção de Alingo, não foi entrevistado nenhum falante que não fosse nativo e filho de nativos de Goiás. O que os pesquisadores encontraram foi que nenhum entrevistado com menos de 46 anos realizou outra forma de R que não fosse o retroflexo. Mesmo em cidades fronteiriças com a Bahia e entre descendentes de nordestinos, os entrevistados jovens não usaram o D ápico dental e sem africação diante de i, tampouco o R gloto velarizado, típicos do sotaque nordestino.
Segundo Sebastião Milani, isso prova que o sotaque vindo de Goiânia tem sido aprendido e reproduzido, principalmente entre os jovens. “Se ainda não temos regularidade de fala como em São Paulo ou Rio de Janeiro, que reconhecemos facilmente, passaremos a ter em 30 ou 40 anos, quando essa geração se tornar a mais velha viva. Aí então teremos uma marca goiana muito específica”, afirma o coordenador do projeto.
Sebastião Milani conclui que as regiões de fronteiras rodoviárias, como em cidades em torno da GO-018 e da Via Salvador, fica muito evidente que a forma de falar do goiano está se tornando cada vez mais bem definida. Mesmo em contato com populações migrantes, a tendência é que a forma nativa de falar fique ainda mais clara. Desta forma, a obra se encerra prevendo que formas não praticadas em Goiânia serão cada vez menos faladas e poderão até desaparecer definitivamente do Estado.

Houve resistência no campo de concentração de Auschwitz. Entre os bravos resistentes estavam Mala Zimetbaum, Edek Galiński e Witold Pilecki

Pablo Neruda escreveu poesia adulta? O bardo chileno versou sobre o amor? Pois “Ode a uma estrela” encanta crianças e todos os leitores

O domínio que o escritor suíço tem do ofício de escritor é inequívoco e “A Promessa” e “A Pane” atestam a qualidade dessa prosa subversiva

Frieza, Ousel e Høstil trazem sonoridades que passam pelo metal de uma pessoa só e o eletrônico com toques sutis e sombrios até chegar ao minimalismo do post-rock

Cientistas dizem que não é possível. Portanto, é muito melhor cuidar do belo planeta Terra

O político começou apoiando Fernando Collor, que sofreu impeachment, e terminou derrubando a petista e apoiando Michel Temer
Biografias não-autorizadas costumam ser as melhores. Porque as autorizadas às vezes sofrem censura do biografado ou de seus familiares. Os homens públicos têm uma história que, também, deve ser pública. Ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha vai ficar na história como o político que comandou a operação para tornar possível o impeachment da presidente Dilma Rousseff, do PT, e, ao mesmo tempo, por, segundo o Ministério Público e a Justiça — que o condenou à prisão —, por operar uma grande esquema de corrupção envolvendo o governo federal e setores privados. De certo modo, privatizou a Câmara dos Deputados. Político duro, de matiz implacável, inspirava medo nos seus adversários — inclusive os de esquerda.
Compreender Eduardo Cunha é crucial para entender o momento histórico no qual atuou e até o momento atual (a crise política provocada por ele e pelo PT é, por assim dizer, “mãe” da ascensão do presidente Jair Bolsonaro). Por isso os jornalistas Aloy Jupiara e Chico Otavio decidiram estudá-lo e publicar o livro “Deus Tenha Misericórdia Dessa Nação — A Biografia Não Autorizada de Eduardo Cunha” (Record). Trata-se de uma investigação sobre o político que derrubou uma presidente da República e, sim, se derrubou — cometendo uma espécie de haraquiri.
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Eduardo Cunha e Dilma Rousseff numa fotografia dos tempos em que eram aliados | Foto: Reprodução[/caption]
O pai de Eduardo Cunha, Elcy Teixeira da Cunha, foi preso em 1965, em plena ditadura. Mas não por criticá-la, ou tentar, digamos, seu “impeachment”. Na verdade, sua prisão tem a ver com falsificação ideológica. Ele se passou por oficial do Exército e agente do Serviço Nacional de Informações (SNI). Descoberto, acabou na cadeia.
Seguindo os passos do pai, em 1970, durante a ditadura, o adolescente Eduardo Cunha formou um time para disputar o Campeonato Carioca de Pelada, no Aterro do Flamengo. A garotada tinha de comprovar ter a idade máxima de 15 anos. A maioria dos jogadores “escalados” por Eduardo Cunha tinha mais de 15 anos e, por isso, o time foi eliminado. O “Jornal dos Sports”, organizador do evento, alegou “falsificação da idade”.
Os biógrafos contam uma história estranhíssima. Quando o presidente de Furnas, Luiz Paulo Conde, se submeteu a uma operação para extrair um câncer de próstata, Eduardo Cunha, disfarçado de médico, acompanhou-o da sala de cirurgia à UTI. Tratava-se de um gesto de humanidade? Aloy Jupiara e Chico Otávio sugerem uma interpretação mais pragmática: “O que estava em jogo, além da saúde do aliado, era o poder sobre um dos pesos-pesados do setor estatal brasileiro”. O que o deputado federal realmente queria saber é se Conde iria se recuperar rapidamente. Porque, se não, poderia ser demitido. Daí o aliado tinha de se preocupar se era preciso ou não articular outra indicação — antes que outro grupo político disputasse o cargo.
Quando presidente da Alerj, em 1989, Eduardo Cunha contribuiu na campanha presidencial de Fernando Collor e bancou o fortalecimento do PRN (espécie de antecessor do atual PSL, o partido “do” presidente Jair Bolsonaro). Ele teria acabado por se envolver no caso das contas do tesoureiro da campanha de Fernando Collor — o indefectível Paulo César Farias, o PC.
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Aloy Jupiara e Chico Otavio: jornalistas de "O Globo" que investigaram a vida do ex-deputado e presidiário Eduardo Cunha | Foto: Reprodução[/caption]
Chico Otávio, segundo o repórter Marcelo Remígio, de “O Globo”, nota que Eduardo Cunha era uma de frieza que impressionava aliados e adversários. Fazia o mal como estivesse comendo pudim e fazia o bem como se estivesse comendo urtiga. Parecia um político sem emoções, com nervos de aço. O livro menciona: Eduardo Cunha “chorou discretamente, com voz embargada, no discurso de renúncia à presidência da Câmara, em fevereiro de 2006. Os demais episódios, como o afastamento do cargo por decisão do STF e, antes, a sessão de aceitação da denúncia contra Dilma, foram protagonizados pela cara de gelo do deputado”.
Os jornalistas descobriram, ao investigar a vida de Eduardo Cunha, que políticos e empresários tinham medo do ex-deputado. Medo que, claro, diminuiu (mas talvez não tenha acabado) com sua prisão. Hoje, denunciado pela Operação Lava Jato, está preso em Bangu 8. Mesmo assim, assinala Aloy Jupiara, “escrever foi montar um quebra-cabeças”.
Uma explicação sobre o título do livro: em 2016, aprovado o prosseguimento do processo de impeachment de Dilma Rousseff, Eduardo Cunha disse: "Que Deus tenha misericórdia dessa nação". Por certo, depois da prisão de Lula da Silva — um ex-presidente poderoso — e de Eduardo Cunha, Deus realmente teve-tem misericórdia do Brasil. Corruptos, políticos e empresários foram e estão indo para a cadeia. Graças a Deus? Talvez. Mas sobretudo graças aos homens competentes e de boa vontade que trabalham na Polícia Federal, no Ministério Público Federal e na Justiça Federal. Vale um elogio para a Imprensa — que publicou tudo que se apurou sobre poderosos que perderam a "proteção" dos poderes...
Leia sobre outra pesquisa de Aloy Jupiara e Chico Otavio
https://jornalopcao.com.br/colunas-e-blogs/imprensa/livro-diz-que-capitao-do-exercito-modernizou-o-jogo-do-bicho-e-produziu-uma-mafia-tropical-53592/