As armadilhas do amor e da sedução em “Fosca”, um romance do século 19

10 novembro 2019 às 00h00

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“Fosca”, do italiano Iginio Ugo Tarchetti, conta as desventuras do militar que se envolve num relacionamento doentio com uma mulher feia e doente dos nervos
Mariza Santana
Especial para o Jornal Opção
O que falar inicialmente do romance “Fosca”, do escritor italiano Iginio Ugo Tarchetti? Creio que será ressaltar o fato de a obra ter sido tardiamente traduzida para o português e lançada no mercado brasileiro, embora escrita no final do século 19.
Entretanto, o livro é um presente para os amantes da literatura. Este romance denso, cheio de nuances, em muitos momentos noir, envolve o leitor desde os primeiros capítulos no relato das aventuras e desventuras do protagonista Giorgio. E termina de forma eletrizante e envolvente, que não vou adiantar aqui para não tirar a surpresa.
Narrado na primeira pessoa, o romance conta a vida de um jovem militar italiano que se envolve em um tórrido caso de amor com Clara. Entretanto, havia um empecilho: a amada era casada.
Mas deixemos Clara de lado, pois quem vai dominar a narrativa é outra mulher. Fosca, prima do coronel na casa de quem nosso bravo capitão Giorgio é um dos comensais convidados. Fosca, de uma “fealdade” enorme, doente dos nervos, abandonada pelo marido golpista que a deixou, assim como seus pais, na mais completa miséria. Mas uma pessoa culta e de grande sensibilidade.
A feia Fosca se apaixona perdidamente pelo jovem Giorgio, que é envolvido pela sua sedução, baseada principalmente no sentimento de piedade. A mulher doentia tem os dias de vida contados. Essa teia amorosa o sufoca, deprime e lhe causa doença, mas ele não consegue se livrar.

Os relacionamentos com Clara e Fosca, o amor arrebatador e o compromisso piedoso. Ambos são sentimentos fortes que transformam o destino de Giorgio e o deixa alucinado, sem rumo. Trazem consequências imprevisíveis à vida do herói descrito por Iginio Ugo Tarchetti. O jovem militar se torna refém de seus sentimentos contraditórios e presa do jugo de Fosca. Esta, por sua vez, se mostra inabalável, às vezes suave, em outros momentos cruel e possessiva, por estar à beira da morte.
O livro “Fosca”, nas suas mais de 230 páginas, é um romance arrebatador. Narra, de forma delicada e também com fortes pinceladas, como os sentimentos humanos podem ser intensos e contraditórios. O autor, Tarchetti, foi um dos mais importantes expoentes do “Milano Scapigliatura”. Este é o nome de um movimento artístico que se desenvolveu na Itália após o período do Risorgimento. E abrangeu poetas, escritores, músicos, pintores e escultores.
Conforme a Enciclopédia Britânica, “Scapigliatura” foi um movimento artístico de vanguarda de meados do século 19, encontrado principalmente em Milão, na Itália. Foi influenciado por Baudelaire, pelos poetas simbolistas franceses, pelo prosador e poeta Edgar Allan Poe e pelos escritores românticos alemães.
Esse movimento artístico procurou substituir as tradições clássica e moralista da literatura italiana por obras que apresentassem elementos bizarros e patológicos, com descrição narrativa direta e realista. O termo Scapigliatura é o equivalente italiano do francês “bohème”, e “Scapigliato” significa literalmente “despenteado” ou “desgrenhado”.
E é exatamente assim que a obra literária “Fosca” de um dos representantes do “Milano Scapigliatura”, o escritor Iginio Ugo Tarchetti, nos mostra o estado de espírito de seu personagem principal: desgrenhado emocionalmente, perdido no abismo de sentimentos e sensações ao se envolver com a feia Fosca, de uma forma bizarra e patológica, mas inevitável.
A edição brasileira, traduzida por Jorge Wilson Simeira Jacob, tem ainda um detalhe goiano (na verdade, dois: o livro foi editado em Goiás). Na orelha do livro, quem apresenta a obra é o ex-governador e ex-senador Irapuan Costa Junior. E ele destaca: “‘Fosca’ é algo diferente, a revelar um lado diverso do romance. Se eu fosse adjetivá-lo, diria que é um romance magnético”. Ao se embrenhar nas páginas deste romance, o leitor certamente lhe dará razão.
Mariza Santana, jornalista e crítica literária, é colaboradora do Jornal Opção.