Livro Zoom, de Istvan Banyai, ou de como nossos olhos observam o mundo
10 novembro 2019 às 00h00
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Não há linearidade no livro, o que causa surpresa, pois sempre imaginamos que a história começa mesmo é na primeira página
Soninha dos Santos
Especial para o Jornal Opção
Quantas vezes nos deparamos com o olhar procurando entender uma cena por nós observada? Qual o melhor ângulo para mostrar uma visão completa e privilegiada do todo que é o mundo? E se nossos olhos nos enganam e a perspectiva da visão deveria ser outra? Quanto de nosso tempo se perde quando tentamos compreender uma imagem ou paisagem e depois nos damos conta de que não a percebemos dentro de um determinado contexto? Então, nos enganamos.
Muitas vezes o que olhamos não é, deveras, o que deveríamos estar vendo. Dessa maneira, gostaria de conversar sobre um livro de imagem: “Zoom” (Brinque Book, 64 páginas, tradução de Gilda de Aquino), de Istvan Banyai. A obra inova, de maneiras inusitadas e diferentes, o livro de imagem — até pouco tempo usado nas escolas apenas para descrição de paisagens ou cenários. À primeira vista, o que parece ser apenas um livro de desenhos coloridos, sem pé nem cabeça, no final, conta uma história não linear, surpreendente, ou seja, um começo que não é um começo, mas um fim que também pode não ser o fim. Isso acontece quando começamos a folhear “Zoom”.
Primeiramente, porque o livro fala com cada leitor de uma maneira diferente; o que é visualizado numa página pode não ser o que se espera da segunda ou terceira. Um leitor pode identificar algo já no início, outro, com outra experiência de leitura, pode não identificar a mesma coisa, tornando-a assim ainda mais instigante. Não há linearidade no livro, o que causa surpresa, pois sempre imaginamos que a história começa mesmo é na primeira página. Mas isso não consiste em regra e podemos nos surpreender o tempo todo. Como acontece com nossa vida. Ele pode ser lido da primeira para a última página, como também pode ser lido da última para a primeira.
Essa leitura, particular para cada leitor, mostra que a recepção do mesmo não é e não deve ser a única, já que somos pessoas diferentes entre nós, com desejos e aspirações individuais. Temos características únicas como seres humanos e nada é certo e nem está totalmente pronto à nossa espera. A nossa identidade de leitor é única como é única nossa perspectiva de vida. O livro mostra isso, página por página; nos deixa em dúvida, não nos mostra o que é, mas aponta esteticamente, o que poderia ser; isso porque, como indivíduos sabemos que relativizar tudo sempre e o tempo todo não é tarefa para amadores. Tampouco podemos testar os limites do politicamente correto, pois tudo o que vemos ou presenciamos, depende do nosso ângulo de observação.
Além da riqueza de detalhes, o autor faz um minucioso trabalho com as cores deixando-as sinalizarem, em todas as cenas, a riqueza da história. Cores fortes traduzem esse “zoom”, nos colocam dentro da narrativa e nos faz querer ir além dos traços coloridos de Istvan Banyai.
O livro, sem nenhuma pretensão, nos leva a questionar, em meio tantas facilidades tecnológicas, se o que vemos é real ou não, o que pode ou não pode e o que é certo ou errado. O que podemos afirmar com certeza é que a Literatura Infantil e Juvenil inova em gênero e qualidade com essa obra. Ela mostra sem pretensão alguma que, desde cedo, livros de boa qualidade, permitem às crianças que as mesmas tirem suas próprias conclusões, podendo também, ajudá-las a se perceberem mais críticas e capazes de terem suas próprias opiniões sobre tudo o que as cercam.
Soninha dos Santos, professora de literatura infantil e juvenil, é colaboradora do Jornal Opção.