Opção cultural

O pensamento do professor Lourenço, ao longo de uma carreira acadêmica invejável, voou tão longe e alcançou tantos ângulos que hoje é impossível imaginar um ensaio sobre poesia portuguesa sem levar em conta o que ele já escreveu

A cultura pop está em alta no Brasil. Prova disso são as várias feiras que têm ocorrido no País nos últimos anos, como a Comic Con Experience, a FIQ-BH, etc. E o movimento não para de crescer, e Goiânia entra no circuito com a Gibirama – Feira Goiana de Histórias em Quadrinhos, que acontece neste sábado, 11, a partir das 14h, na Galeria Pátio do Lago. A feira será gratuita e aberta ao público de todas as idades. O objetivo é congregar aficionados por HQs. Autores, colecionadores e lojistas estarão na feira, prontos para vender, comprar e trocar quadrinhos dos mais diversos gêneros. O evento contará, ainda, com lançamentos de obras da nona arte, além de sessões de autógrafos, oficinas, praça de alimentação, discotecagem de Alexandre Perini e concurso de cosplay. Edu Menna, quadrinista internacional responsável por ilustrar obras como Red Sonja, Army of Darkness e mais, é um dos convidados confirmados.
Aquecimento
O aquecimento da Gibirama acontece na Mandrake Comic Shop nesta quinta-feira, 9, a partir das 20h. O convidado especial da noite é o quadrinista Galvão Bertazzi (Vida Besta), que lançará diversos trabalhos de sua autoria e realizará uma sessão de autógrafos e bate-papo. Serviço: Gibirama – Feira Goiana de Histórias em Quadrinhos Onde: Galeria Pátio do Lago (Av. T-3, em frente ao Vaca Brava, Setor Bueno) Quando: Sábado, 11, a partir das 14h Informações: (62) 98117-3345 / 99117-4030
Repertório feminino de letras que retratam lutas por direitos iguais e equidade no tratamento entre os sexos é diversificado em estilos e discursos

Comemora-se neste 8 de março o Dia Internacional das Mulheres. E os outros dias? O Ocidente avançou muito em suas relações sociais nas últimas décadas; avanços que agora parecem regredir um pouco com a retomada de espaço pelos conservadores. A história é cíclica. Nesse contexto, o movimento feminista, que alcançou vitórias importantes não só para as mulheres, mas para a sociedade em geral, sofre fortes ataques. [relacionadas artigos="60409"] Grande parte dos "atacantes" sequer sabe do que se trata, de fato, a ideia do movimento, mas atacam mesmo assim. Outros, mais tímidos, se restringem a dizer que não gostam dos exageros do movimento. Há exageros? Sim, há exageros em todos os lugares e em relação a todas as coisas, mas o importante aqui é a ideia; é ela que precisa ser compreendida: a igualdade entre mulheres e homens é uma necessidade. Nesta lista, há mulheres falando sobre mulheres e da razão de "feminismo" nunca ter sido uma palavra popular. Não, não é de hoje; aliás, antes era pior. Não é popular a palavra, muito menos a ideia. O número de vídeos disponibilizados aqui poderia ser muito maior, mas alguns deles são grandes e, como quero que o leitor veja todos, resolvi reduzir para apenas cinco. Vale a pena assistir.
Emma Watson
Com toda a polêmica envolvendo o ensaio que atriz britânica fez para a Vanity Fair, é justo começar por ela, pois veio de Emma Watson um dos discursos mais interessantes da nova geração à frente da defesa das mulheres. É ela quem diz: "Vejo que a palavra feminismo é bastante impopular atualmente, mas a palavra não é importante; a ideia por trás dela, sim". O discurso foi o primeiro que a atriz fez na ONU, em 2014. https://www.youtube.com/watch?v=rq-jogDdKFUChimamanda Adichie
A fala da escritora é muito boa, intelectual e discursivamente. Ela diz sobre a realidade vivida pelas mulheres africanas, especialmente na Nigéria, seu país natal, mas a verdade é que muitas pessoas do sexo feminino, do Oriente e do Ocidente, se identificam com ela. O discurso de Chimamanda é, portanto, universal: "Culturas mudam. A cultural não faz os povos, os povos fazem a cultura". Aviso: a plateia aplaude demais e, na maioria da vezes, desnecessariamente, mas vale a pena ver o vídeo completo. https://www.youtube.com/watch?v=fyOubzfkjXE&list=PLGx2JkuEHDLJ1FYm6FlKIwL-gmP2ZIuvJHillary Clinton
Do discurso da então primeira-dama dos Estados Unidos na 4º Conferência Mundial das Mulheres, da ONU, em 1995, em Pequim, uma frase se destaca: "Direitos das mulheres são direitos humanos". O motivo é simples: enquanto mulheres forem tratadas como são atualmente, as chances dos seres humanos conseguirem criar o tão sonhado mundo de "paz e prosperidade" continuarão sendo mínimas. https://www.youtube.com/watch?v=6V9mHmeK7XMMarcia Tiburi
A filósofa brasileira não é vista com bons olhos por muitos atualmente devido às suas posições políticas. Porém, o leitor há de concordar que no Brasil atual nenhuma posição política é plenamente aceita. Então, vejamos o que Marcia tem a dizer sobre feminismo. O vídeo, que é uma entrevista editada, mostra posturas interessantes e é a primeira desta lista a colocar no bojo da figura feminina os travestis, homossexuais, etc., que são descriminados em grande parte por serem "feminalizados". Veja. https://www.youtube.com/watch?v=ZKwzGDH-468Simone de Beauvoir
Seu trabalho é inquestionavelmente importante para várias áreas do conhecimento, por mais que não se concorde com ele. Simone era uma intelectual e até os dias atuais ocupa um espaço relevante nos estudos teóricos. Largamente conhecida por "O Segundo Sexo", a francesa acabou se tornando um ícone do feminismo e, certamente, nenhuma das mulheres cujos vídeos precedem este estaria aqui se não fosse por Simone. De todos os vídeos, este é o que mais vale a pena. https://www.youtube.com/watch?v=J-F2bwGtsMM
Se a esperança é a última que morre e ela era Costa e Silva, podemos dizer que o Ato Institucional número 5 matou essa esperança
[caption id="attachment_88801" align="aligncenter" width="620"] Generais Costa e Silva (à esquerda) e Castelo Branco (à direita) | foto: divulgação[/caption]
Carlos César Higa
Especial para o Jornal Opção
Os militares costumam dizer que missão dada é missão cumprida. Qual era a missão daqueles que saíram dos quartéis em 31 de março de 1964 e tomaram o poder no Brasil? Não seria derrubar João Goulart, afastar o perigo comunista do território brasileiro e devolver o poder aos civis em janeiro de 1966? Pois é! Nem toda missão que é dada pode-se cumpri-la. Não tivemos eleições em outubro de 1965 que elegeria o civil que receberia a faixa presidencial do Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco.
A primeira sucessão da ditadura civil-militar faz cinquenta anos este ano. Castelo Branco não cumpriu a missão que lhe foi confiada em 1964. O seu sucessor não seria um civil, mas sim outro militar. O Marechal Arthur da Costa e Silva fora eleito indiretamente pelo Congresso Nacional. Castelo disse naquele dia 15 de março de 1967 que entregava ao seu sucessor um país organizado e em ordem.
O jornal O Globo publicou juntamente com a edição do dia 15 de março um suplemento louvando a tal da Revolução de 1964. De acordo com o editorial daquele dia, o movimento de 31 de março havia mudado os rumos do país. Costa e Silva despertava a esperança em boa parte da imprensa e dos políticos. O jornal carioca fez questão de destacar o local da posse do novo presidente: Teatro Municipal do Rio de Janeiro, local onde outros presidentes também tomaram posse.
Ao recordar os vinte e três presidentes que adentraram naquele recinto cultural, O Globo afirmava que Costa e Silva representava a esperança. Disse o jornal: O sucessor de Castelo Branco, que hoje assume o poder, o Marechal Arthur da Costa e Silva, é velho amigo do Theatro Municipal. Tem comparecido às representações do Theatro. Por isso mesmo, representa, no Poder, uma esperança a mais nos múltiplos sonhos alimentados pelos que lutam pela difusão da Cultura Artística em nosso país. Pelo menos a gente fica sabendo, lendo este texto do Globo, que Costa e Silva não ficava apenas jogando palavras cruzadas nas horas vagas. Ele ia também ao teatro. A gente fica sabendo também que, quando o Rio de Janeiro ainda era capital federal, as posses presidenciais eram mais animadas.
E a imprensa paulista? Será que tinha esperanças no governo Costa e Silva? O Estado de São Paulo de 15 de março de 1967, em seu editorial, não se dedicou ao governo que estava começando, mas sim ao que estava terminando. O Estadão não poupou tinta para criticar o governo Castelo Branco. Referindo-se ao presidente que deixava o poder, está escrito no editorial: considerou s. exa útil à realização da sua tarefa aliar-se com o que havia de mais apodrecido no regime passado. Entre os corruptos mais notórios é que s.exa foi buscar os seus principais assessores. Colocando lado a lado os editoriais dos dois principais jornais do país publicados no dia da primeira sucessão presidencial da ditadura, a gente percebe que, se havia alguma esperança no governo Costa e Silva era por conta dos inúmeros erros do governo Castelo Branco.
Se o pior era o presidente que saía, por que não dar um crédito ao que entrava? Se Castelo não cumpriu a missão que lhe foi conferida pela tal da revolução, por que então não confiá-la ao novo presidente? Dando um spoiler nessa história: se a esperança é a última que morre e ela era Costa e Silva, podemos dizer que o Ato Institucional número 5 matou essa esperança.
Para finalizar essa pílula, vale uma crônica de Brasília que o Estadão publicou semanas antes da posse presidencial. Se hoje nós criticamos as vantagens indevidas que nossos deputados recebem, saiba o nobre leitor que nem sempre foi assim. O deputado Carlos Leprevost (ARENA-PR) informava que os deputados eleitos em 15 de novembro de 1966 estavam sem apartamentos e não encontraram vaga nos hotéis de Brasília.
Os que estavam hospedados foram despejados porque o Itamarati havia reservado todos os quartos dos hotéis para as delegações estrangeiras que participariam da posse de Costa e Silva. Disse Leprevost: Os deputados que deverão estar presentes à posse do novo presidente da República não deveriam ter prioridade na ocupação das referidas unidades dos hotéis? A tal da revolução de 1964 não tinha tempo para pensar em vagas de hotéis.
Carlos César Higa é mestre em história pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e professor nas redes particular e pública de ensino na cidade de Goiânia.

Se não tivesse furos de roteiro, este não seria um filme da Fox. Porém, é um excelente pontapé inicial para a nova era da franquia X-Men nos cinemas
[caption id="attachment_88767" align="alignleft" width="620"] "Logan" não é apenas uma despedida, mas uma passagem de bastão do velho Wolverine para a nova geração de X-Men[/caption]
Ana Amélia Ribeiro
Especial para o Jornal Opção
Na crítica que escrevi sobre “X-Men – Apocalipse” falei que a franquia da Fox deveria parar de persistir nos mesmos erros – muitos personagens e pouco tempo de tela para desenvolvimento, pirotecnia exacerbada e problemas cronológicos por causa de furos do roteiro – e construir um novo enredo para a nova fase dos filmes de mutante. Afinal, depois de 17 anos, precisavam mudar. Bem, com o novo filme de Wolverine isso finalmente aconteceu.
“Logan” é uma mistura de faroeste com drama familiar, uma carta de despedida com um novo recomeço. O filme do Carcaju – é o animal no qual Len Wein se inspirou para criar o personagem Wolverine – é uma conquista incrível. É brutal, mas ao mesmo tempo muito mais emocional do que sua raiva devastadora de sempre. “Logan” deixa de lado aquela pirotecnia habitual para os filmes X-Men, e foca no que realmente importa: trabalhar o psicológico das personagens nas passagens de tempo sobre passado e presente, juventude e velhice, saudosismo e novidade. E, claro, com um pouco de problema cronológico – se não tem problemas cronológicos, não seria um filme da Fox.
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E isso só foi possível porque o estúdio resolveu chutar o balde e fazer “Deadpool” com classificação para maiores de 17 anos, o que fugiu totalmente do formato padrão usado nos filmes do gênero. A Fox, então, percebendo o sucesso estrondoso de crítica, público e bilheteria do mercenário tagarela, resolveu arriscar o personagem mais memorável da franquia: o Wolverine. Após o inexpressivo “X-Men Origens: Wolverine”, e de “Wolverine: Imortal” – nenhum dos dois faz jus aos quadrinhos –, “Logan” finalmente ganha a sequência que os fãs sempre pediram, mas, claro, com algumas restrições.
O derradeiro filme do Carcaju marca também a despedida do ator Hugh Jackman que interpretou o personagem nove vezes em 17 anos de franquia. Assim, para a última jornada de Wolverine, Jackman e o diretor James Mangold adaptaram para as telonas a HQ “O Velho Logan” (Old Man Logan), roteirizada por Mark Miller e ilustrada por Steve McNiven – dupla que também assina “Guerra Civil” – e publicada de 2008 a 2009, entre as edições #66 e #72 da revista “Wolverine (volume 3)” e no especial “Wolverine: Old Man Logan Giant-Size”.
A história dos quadrinhos é encaixada no universo dos X-Men do cinema, já o roteiro de “Logan” aproveita do arco da HQ apenas o estado de saúde do personagem principal e a ideia de um futuro distópico. A personagem X-23/Laura Kinney (Dafne Keen), por exemplo, surgiu na série animada “X-Men: Evolution” e, devido ao sucesso, ganhou espaço nos quadrinhos, mas não faz parte do universo de “O Velho Logan”.
Nos cinco primeiros minutos do filme, é possível perceber que não é se trata de um tradicional longa sobre quadrinhos. O filme já começa mostrando a que veio: briga, brutalidade, sangue, decapitações, crise da meia idade e medo do que o futuro reserva. O ano é 2029, os mutantes deixaram de nascer e os poucos restantes são perseguidos pelo governo, encolhendo significativamente a população e, diferente de como foi apresentado em “Dias de Um Futuro Esquecido”, os X-Men foram extintos.
Embora não seja inteiramente explicado no filme, a aniquilação dos mutantes fica subentendida como responsabilidade da instabilidade mental de Charles Xavier (Patrick Stewart), que teve uma convulsão que acabou matando os membros dos X-Men. O episódio em questão foi chamado de “Acidente de Westchester”, que é a localização da Mansão-X.
Nessa realidade amargurada e de desesperança, um Wolverine decrépito, debilitado, esgotado fisicamente e emocionalmente, além de um alcoólatra semi-funcional que tem dores musculares e visão desvanecida, é apresentado. Ganhando a vida como chofer de limusine para cuidar do nonagenário Charles Xavier, Logan planeja juntar o dinheiro que ganha para comprar um barco e viver junto com seu mentor no mar, já que as convulsões de Charles vêm ficando cada vez mais fortes. Essa é a forma que o Carcaju acredita ser mais fácil de proteger a todos das constantes crises do antigo professor.
Durante seu trabalho como chofer, Logan é procurado por Gabriela (Elizabeth Rodriguez), uma enfermeira mexicana que pede a ajuda do X-Men aposentado. Ao mesmo tempo em que se recusa a voltar à ativa, ele é confrontado por um mercenário, Donald Pierce (Boyd Holbrook), que está interessado em algo que Gabriela possui, a X-23/Laura Kinney — no decorrer do filme, acaba descobrindo que descobre a pequena garota é, na verdade, sua filha/clone.
Depois do longo dia exaustivo de trabalho, o mutante volta para o esconderijo e ajuda Caliban (Stephen Merchant) a cuidar do Professor X. Enquanto Logan está dando sua medicação contra convulsões, Charles conta que está conversando através de seus poderes com uma jovem mutante chamada Laura e diz a Logan sobre uma profecia em que a jovem mutante precisa dele, mandando-o encontrá-la na Estátua da Liberdade. Logan, porém, responde à menção da estátua com “a Estátua da Liberdade se foi há muito tempo, Charles...”, fazendo referência aos primeiros filmes dos mutantes.
De volta ao trabalho de chofer, Logan é chamado para mais uma corrida e mandado para o Liberty Motel. Chegando lá, ele se lembra da visão do Professor X e encontra Laura em companhia de uma Gabriela seriamente ferida. A enfermeira explica que precisa dos serviços de Logan para levá-las a um local chamado Éden, e oferece uma recompensa muito alta para que ele aceite o serviço.
Wolverine concorda em levá-las ao Éden, um refúgio utópico para mutantes em Dakota do Norte — no decorrer do filme ele descobre que Éden se originou nos quadrinhos X-Men, o que o faz questionar se o Éden realmente existe. Enquanto leva a garota para o Éden, ele, Laura, e Professor X são perseguidos e passam boa parte do longa fugindo de Dr. Zander Rice (Richard E. Grant) e dos Carniceiros de Donald Pierce.
O diretor Mangold, nesse ponto do filme, atinge um bom equilíbrio entre “Os Brutos Também Amam” e “Mad Max: Estrada da Fúria”, com uma pequena virada estilo “O Exterminador do Futuro 2: O Julgamento Final.” A partir da cena da fazenda tudo muda. Esse não é um filme de final feliz — aliás, cenas em celeiros nos filmes do Wolverine significam apenas uma coisa: morte.
O terceiro ato de “Logan” significa que agora tudo se foi, e o que restou são sombras, poeira e uma filha/clone. É quando você percebe que o filme não é apenas uma história de despedida, mas uma representação simbólica da passagem de bastão do velho Wolverine para a nova geração de Laura. É uma conclusão digna para o mutante que esteve na maioria das vezes no centro dos filmes X-Men.
É claro que a história deixou algumas pontas soltas, mas isso é tão recorrente na franquia da Fox, que a gente acaba relevando, pois é justificado com “muito enredo e pouco tempo para desenvolvimento”, apesar de ser um filme de 2h17minutos. É um filme de início, meio e fim que, apesar dos pequenos furos, se resolve muito bem na telona. Com os dois pés no chão a direção de James Mangold trouxe o que há de melhor das atuações de Hugh Jackman, Patrick Stewart e da surpreendente Dafne Keen. E isso é o que importa. Não teve o Wolverine vestido com o uniforme clássico, mas teve várias representações disso durante o filme. Não teve uma explicação mais profunda do acidente de Westchester, mas ficou ali subentendido. Não dá para ficar preso nessas questões.
A franquia “X-Men” da Fox está nas telonas há 17 anos com esse problema de furos de roteiro e agora ela terá oportunidade de trabalhar essas pontas soltas já que tem três linhas temporais para trabalhar o enredo: “X-Men: Supernova”, que se passará no final dos anos 1980, início dos 1990, contando a saga da Fênix Negra; “Deadpool 2”, com o enredo focado no presente com a aparição do vilão Cable; e no futuro com o filme “X-Men: The New Mutants”.
“Logan” foi um excelente ponta pé inicial para os filmes de quadrinhos desse ano e só nos resta esperar que os próximos filmes sigam o mesmo caminho de qualidade. Afinal, o mundo já não é mais o mesmo, e os filmes de quadrinhos também não.
Ana Amélia Ribeiro, jornalista, fã incondicional de quadrinhos, DCnauta, Marvete e muito apaixonada pela Turma da Mônica

Quando um escritor é elevado ao status de divindade, todos à sua volta são preteridos, ainda que suas obras possuam valor estético elevado. Isso aconteceu no Brasil, quando João Cabral de Melo Neto se tornou a menina dos olhos da crítica, ao passo que Jorge de Lima, poeta maior, foi praticamente ignorado

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Passado o carnaval e a atmosfera quase uníssona de axé, sertanejo universitário e funk que ele congrega, apresentamos uma playlist que se distancia muito de tudo isso. Aperte o Play e confira! https://www.youtube.com/watch?v=rUVPDJiaUlk https://www.youtube.com/watch?v=NUTGr5t3MoY&feature=youtu.be https://www.youtube.com/watch?v=L3wKzyIN1yk https://www.youtube.com/watch?v=EqFnDWdUBi8 https://www.youtube.com/watch?v=lRLu1-8vi9o https://www.youtube.com/watch?v=fgrczz-mRPo https://www.youtube.com/watch?v=dMK_npDG12Q https://www.youtube.com/watch?v=WLUDxVezNes https://www.youtube.com/watch?v=WXmTEyq5nXc

O poeta, folclorista e ficcionista lançará, no dia 15 de março, no Palácio das Esmeraldas, coletânea em quatro volumes
Waldomiro Bariani Ortencio, nascido em 24 de julho de 1923, em Igarapava, São Paulo, e radicado em Goiás desde os 15 anos de idade, é um dos mais prestigiados estudiosos de cultura popular do Brasil, e também um dos ficcionistas e poetas célebres do estado de Goiás.
Com mais de 50 livros publicados, Bariani, aos 93 anos, lançará uma caixa com quatro livros, no dia 15 de março (quarta-feira), a partir das 19h, no Palácio das Esmeraldas, Praça Dr. Pedro Ludovico Teixeira - St. Central. Dos quatro volumes, três são coletâneas de escritos inéditos.
A publicação saiu pelo selo Trampolim, da Tagore Editora. Os títulos dos quatro livros são: "O crime do mordomo e outros 'crimes'... de humor", 144 páginas. "Chão bruto", 200 páginas. "Conversando com os mitos do folclore brasileiro", 112 páginas. E "Ficção longa de Bariani Ortencio", 224 páginas, organizada pelo professor de antropologia da Universidade Federal de Goiás (UFG), Jadir de Morais Pessoa, e pela mestra historiadora-folclorista Izabel Signoreli.
O box com os quatro exemplares estará a venda por R$ 100, no local, e também no Instituto Cultural e Educacional Bariani Ortencio (ICEBO), localizado na Rua 82, nº 565.

A lembrança é o que perpetua nossa existência enquanto agentes no mundo e é contra isso que nosso velho Logan luta no novo e último filme sobre o "imortal" Wolverine
[caption id="attachment_87443" align="alignleft" width="620"] A falta de perspectiva do velho Wolverine é o grande vilão do novo longa sobre o mutante[/caption]
Milan Kundera, em seu livro "A imortalidade", declara a certa altura que o homem pode pôr fim à sua vida, mas não pode fazê-lo com sua imortalidade. Escapa dos homens o controle do tempo — tanto o biológico, quanto ainda mais o psicológico. E se a fugacidade da vida biológica é a única certeza que carregamos, por outro lado a idade mental permanece relativamente estável no decorrer do tempo. Distraído, todo ser humano é um sem-idade — constatação também de Kundera.
Quando assistimos ao novo longa de James Mangold, vemos o velho e imortal Wolverine trabalhando como chofer de limousine em algum lugar na fronteira dos Estados Unidos com o México. Abatido, dá evidentes mostras de cansaço. As inúmeras lutas e perdas da vida o consomem. De maneira paradoxal, é como se a imortalidade o matasse lentamente, dia após dia. Mas é o velho Logan que os fãs gostariam de ter visto nas telas desde o início.
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Wolverine é um personagem concebido em 1974 por Len Wein e John Romita, como membro do grupo de mutantes "X-Men", da Marvel Comics. Eventualmente também participou de outras equipes de super-herói, como a Tropa Alfa ou os Novos Vingadores. Um sucesso tão grande que terminou por alçar voo solo, ganhando uma revista própria.
A imortalidade do mal humorado James Howllet (nome "civil" do herói) é garantida por um poder de cura (conhecido nos quadrinhos como "fator de cura") e por um esqueleto revestido artificialmente de Adamantium, uma liga metálica fictícia indestrutível. É tudo o que você precisa saber para assistir a esse novo filme da Fox em parceria com a Marvel Entertainment.
Inserido no mesmo universo dos filmes anteriores dos X-Men e dos filmes solo de Wolverine (sempre interpretado por Hugh Jackman), esta obra de Mangold (que também dirigiu o controverso "Wolverine: Imortal") consegue se sustentar sozinha. Aliás, Wolverine é um personagem tão complexo — e exatamente por isso, tão rico — que pode ser considerado com o único sobrevivente de todos os nove filmes já produzidos para os mutantes (botando na lista também "Deadpool", de Tim Miller, com todas as tiradas hilárias sobre o velho Wolvie e seu alter ego da vida real, Jackman). Dentre obras promissoras como "X-Men - Primeira Classe" (2011, Matthew Vaughn) a fiascos como "X2" (2003, Bryan Singer), a franquia tem se renovado paulatinamente, mantendo apenas uma constante por 17 anos: Logan.
Nos quadrinhos, Wolverine é um cara extremamente violento, anti social e beberrão. Até o último filme lançado, muito pouco desse lado havia sido convincentemente apresentado ao público, mas isso mudou. A obra recebeu classificação indicativa "Rated R" nos Estados Unidos — o que equivale a algo como "indicado para maiores de 18 anos". No Brasil, pegou "16 anos", o que tem levantado as orelhas dos fãs.
Além da questão da classificação indicativa, a obra usa como propaganda o fato de contar, provavelmente, com a última atuação de Hugh Jackman como Wolverine.
Mas vamos logo ao cerne da questão: "Logan" é um filme de ação que cumpre muito bem seu papel. Acostumados que estamos com o visual excessivamente claro e didático de "Vingadores", talvez esse Wolvie desagrade alguns. Ostenta uma fotografia melancólica e árida, imiscuída à paisagem desértica do interior do sul americano, traduzindo o estado de espírito do velho Logan (o que orna, também, com a despedida de Jackman).
Em termos de adaptação, talvez esteja tão bom quanto os filmes de "Sin City", o Batman de Nolan, a saga "Kick-Ass" ou o último "Justiceiro". Sem dúvida alguma é um filme mais sombrio, com uma carga dramática pouco comum a filmes baseados em HQs. Depois da exibição, fica até mais fácil colocar o personagem na mesma estante de Max Rockatansky (de Mad Max), ou do Han Solo de Harrison Ford — figuras controversas, solitárias, com sua própria lógica de vida, mas sem dúvida alguma, heróis. Prepare-se, porque tem muita pinga, sangue e boca suja (as cenas de ação são fantásticas).
A jornada de Logan é completamente sem sentido, inicialmente. Porque assim tem sido a sua vida, afinal de contas. A imortalidade é uma maldição. Wolverine não sabe mais o que esperar do mundo, e se limita a cuidar devotadamente do nonagenário professor Charles Xavier — o sempre ótimo Patrick Stewart, numa interpretação bem mais livre e descomprometida do que nos últimos filmes. Logan vive num mundo em que seus conhecidos já se foram. Poucos ainda restam. Aparentemente pelo isolamento reprodutivo, os mutantes deixaram de se espalhar pelo mundo. Não há notícias de novos "mutunas" há muito tempo, o que limita as perspectivas dos vivos e envenena e envelhece quem ainda tenta se sustentar sobre as pernas. É essa falta de perspectiva o grande vilão da trama. O tempo como algoz, essa borracha implacável.
As coisas começam a mudar de tom quando bate à porta de Logan a pequena Laura (a atriz espanhola Dafne Keen), uma garota extremamente violenta (lembra-se da Hit-Girl, de "Kick-Ass"? Uma versão mexicana arisca dela — se cuida, Trump!) e que anda aos tapas com uma poderosa corporação que tem interesse em desvendar — e, muito provavelmente, exterminar — seu DNA.
No romance “Rimas de vida e de morte”, Amós Oz, proclamando uma sentença de morte muito mais óbvia e cruel do que a que estamos acostumados, diz que estaremos no mundo só até o dia em que morrer a última pessoa a se lembrar de nós. A lembrança é o que perpetua nossa existência enquanto agentes no mundo. É contra isso que nosso velho Logan luta. E é nisso que, agora com Laura, talvez encontre também sua redenção.
João Paulo Lopes Tito é advogado e estuda Cinema e Audiovisual na UEG

Em Ash Wednesday, o grande poeta anglo-americano T. S. Eliot (1888-1965) conseguiu esgarçar a realidade humana por meio da imaginação moral, abrindo caminho para poemas posteriores, como aqueles que compõem os “Quatro Quartetos”. Temos, por assim dizer, uma "caminhada em espiral do Purgatório ao Paraíso"
[caption id="attachment_88443" align="aligncenter" width="620"] T.S. Eliot, autor dos poemas "Terra desolada", "Homens ocos", "Quarta-feira de Cinzas" e "Quatro Quartetos"[/caption]
Antes de lermos “Quarta-feira de Cinzas”, na tradução de Ivan Junqueira, vejamos um dos comentários elucidativos do historiador e crítico americano Russell Kirk (1918-1994) ao poema, presente na obra “A Era de T.S. Eliot”:
"Quarta-Feira de Cinzas" segundo Russell Kirk
[caption id="attachment_88444" align="alignleft" width="150"]
Russell Kirk, biografo de Eliot[/caption]
O feito de Eliot em Ash Wednesday era exatamente expressar a experiência transcendente sob nova forma. Não estava simplesmente renovando velhas formas: o que importava para aqueles que o compreenderam ou quase o compreenderam era o fato dele relacionar a própria experiência do sonho superior, ao “sonho mais sublime”, à realidade percebida pela imaginação moral. Embora não admitisse o impulso profético, falava com autoridade: vira com os olhos da mente, sentira com profunda emoção. Empregando antigos símbolos, renovara-lhes a ligação com o homem contemporâneo. Por intermédio da contrição, a culpa poderia ser purificada ou consumida pelo fogo. A “dúbia face de esperança e desespero” poderia ser deixada para trás. O Verbo ainda poderia ser ouvido no mundo; renunciando aos desejos da carne, Gerontion poderia se tornar Gerontius; bem superior a Grishkin com sua promessa de “beatitudes pneumáticas”, poderia ser detectado um verdadeiro brilho de imortalidade, enquanto a sublime Senhora se persigna.
As visões infernais de Eliot foram aceitas como descrições válidas da realidade do século XX, donde se pode concluir que as visões purgatoriais deveriam ser levadas a sério. Tinha realizado o que eminentes eclesiásticos de sua época não conseguiram: relembrar a sua era que o mito poderia ser verdade, uma expressão simbólica das coisas permanentes da realidade experimentada em todos os tempos. Nas palavras de Voegelin, “Uma verdade cujo símbolo se tornou obscuro e suspeito não pode ser redimida por concessões da experiência que originalmente pôs em perigo os símbolos. O retorno produzirá a própria exegese (...) e a linguagem exegética fará com que os símbolos fiquem novamente translúcidos”.
(KIRK, Russell. A Era de T.S. Eliot – A imaginação moral no século XX. Trad. Mácia Xavier de Brito. São Paulo: É Realizações, 2011. pp. 324-35)
***
QUARTA-FEIRA DE CINZAS (1930)
T. S. Eliot
(Tradução: Ivan Junqueira)
I
Porque não mais espero retornar
Porque não espero
Porque não espero retornar
A este invejando-lhe o dom e àquele o seu projeto
Não mais me empenho no .empenho de tais coisas
(Por que abriria a velha águia suas asas?)
Por que lamentaria eu, afinal,
O esvaído poder do reino trivial?
Porque não mais espero conhecer
A vacilante glória da hora positiva
Porque não penso mais
Porque sei que nada saberei
Do único poder fugaz e verdadeiro
Porque não posso beber
Lá, onde as árvores florescem e as fontes rumorejam,
Pois lá nada retorna à sua forma
Porque sei que o tempo é sempre o tempo
E que o espaço é sempre o espaço apenas
E que o real somente o é dentro de um tempo
E apenas para o espaço que o contém
Alegro-me de serem as coisas o que são
E renuncio à face abençoada
E renuncio à voz
Porque esperar não posso mais
E assim me alegro, por ter de alguma coisa edificar
De que me possa depois rejubilar
E rogo a Deus que de nós se compadeça
E rogo a Deus porque esquecer desejo
Estas coisas que comigo por demais discuto
Por demais explico
Porque não mais espero retornar
Que estas palavras afinal respondam
Por tudo o que foi feito e que refeito não será
E que a sentença por demais não pese sobre nós
Porque estas asas de voar já se esqueceram
E no ar apenas são andrajos que se arqueiam
No ar agora cabalmente exíguo e seco
Mais exíguo e mais seco que o desejo
Ensinai-nos o desvelo e o menosprezo
Ensinai-nos a estar postos em sossego.
Rogai por nós pecadores agora e na hora de nossa morte
Rogai por nós agora e na hora de nossa morte.
II
Senhora, três leopardos brancos sob um zimbro
Ao frescor do dia repousavam, saciados
De meus braços meu coração meu fígado e do que havia
Na esfera oca do meu crânio. E disse Deus:
Viverão tais ossos? Tais ossos
Viverão? E o que pulsara outrora
Nos ossos (secos agora) disse num cicio:
raças à bondade desta Dama
E à sua beleza, e porque ela
A meditar venera a Virgem,
É que em fulgor resplandecemos. E eu que estou aqui
dissimulado
Meus feitos ofereço ao esquecimento, e consagro meu amor
Aos herdeiros do deserto e aos frutos ressequidos.
Isto é o que preserva
Minhas vísceras a fonte de meus olhos e as partes indigestas
Que os leopardos rejeitaram. A Dama retirou-se
De branco vestida, orando, de branco vestida.
Que a brancura dos ossos resgate o esquecimento.
A vida os excluiu. Como esquecido fui
E preferi que o fosse, também quero esquecer
Assim contrito, absorto em devoção. E disse Deus:
Profetiza ao vento e ao vento apenas, pois somente
O vento escutará. E os ossos cantaram em uníssono
Com o estribilho dos grilos, sussurrando:
Senhora dos silêncios
Serena e aflita
Lacerada e indivisa
Rosa da memória
Rosa do oblívio
Exânime e instigante
Atormentada tranqüila
A única Rosa em que
Consiste agora o jardim
Onde todo amor termina
Extinto o tormento
Do amor insatisfeito
Da aflição maior ainda
Do amor já satisfeito
Fim da infinita
jornada sem termo
Conclusão de tudo
O que não finda
Fala sem palavra
E palavra sem fala
Louvemos a Mãe
Pelo Jardim
Onde todo amor termina.
Cantavam os ossos sob um zimbro, dispersos e alvadios,
Alegramo-nos de estar aqui dispersos,
Pois uns aos outros bem nenhum fazíamos,
Sob uma árvore ao frescor do dia, com a bênção das areias,
Esquecendo uns aos outros e a nós próprios, reunidos
Na quietude do deserto. Eis a terra
Que dividireis conforme a sorte. E partilha ou comunhão
Não importam. Eis a terra. Nossa herança.
III
Na primeira volta da segunda escada
Voltei-me e vi lá embaixo
O mesmo vulto enrodilhado ao corrimão
Sob os miasmas que no fétido ar boiavam
Combatendo o demônio das escadas, oculto
Em dúbia face de esperança e desespero.
Na segunda volta da segunda escada
Deixei-os entrançados, rodopiando lá embaixo;
Nenhuma face mais na escada em trevas,
Carcomida e úmida, como a boca
Imprestável e babugenta de um ancião,
Ou a goela serrilhada de um velho tubarão.
Na primeira volta da terceira escada
Uma túmida ventana se rompia como um figo
E além do espinheiro em flor e da cena pastoril
A silhueta espadaúda de verde e azul vestida
Encantava maio com uma flauta antiga.
Doce é o cabelo em desalinho, os fios castanhos
Tangidos por um sopro sobre os lábios,
Cabelos castanhos e lilases;
Frêmito, música de flauta, pausas e passos
Do espírito a subir pela terceira escada,
Esmorecendo, esmorecendo; esforço
Para além da esperança e do desespero
Galgando a terça escala.
Senhor, eu não sou digno
Senhor, eu não sou digno
mas dizei somente uma palavra.
IV
Quem caminhou entre o violeta e o violeta
Quem caminhou por entre
Os vários renques de verdes diferentes
De azul e branco, as cores de Maria,
Falando sobre coisas triviais
Na ignorância e no saber da dor eterna
Quem se moveu por entre os outros e como eles caminhou
Quem pois revigorou as fontes e as nascentes tornou puras
Tornou fresca a rocha seca e solidez deu às areias
De azul das esporinhas, a azul cor de Maria,
Sovegna vos
Eis os anos que permeiam, arrebatando
Flautas e violinos, restituindo
Aquela que no tempo flui entre o sono e a vigília, oculta
Nas brancas dobras de luz que em torno dela se embainham.
Os novos anos se avizinham, revivendo
Através de uma faiscante nuvem de lágrimas, os anos
resgatando
Com um verso novo antigas rimas. Redimem
O tempo, redimem
A indecifrada visão do sonho mais sublime
Enquanto ajaezados unicórnios a essa de ouro conduzem.
A irmã silenciosa em véus brancos e azuis
Por entre os teixos, atrás do deus do jardim,
Cuja flauta emudeceu, inclina a fronte e persigna-se
Mas sem dizer palavra alguma
Mas a fonte jorrou e rente ao solo o pássaro cantou
Redimem o tempo, redimem o sonho
O indício da palavra inaudita, inexpressa
Até que o vento, sacudindo o teixo,
Acorde um coro de murmúrios
E depois disto nosso exílio
V
Se a palavra perdida se perdeu, se a palavra usada se gastou
Se a palavra inaudita e inexpressa
Inexpressa e inaudita permanece, então
Inexpressa a palavra ainda perdura, o inaudito Verbo,
O Verbo sem palavra, o Verbo
Nas entranhas do mundo e ao mundo oferto;
E a luz nas trevas fulgurou
E contra o Verbo o mundo inquieto ainda arremete
Rodopiando em torno do silente Verbo.
Ó meu povo, que te fiz eu.
Onde encontrar a palavra, onde a palavra
Ressoará? Não aqui, onde o silêncio foi-lhe escasso
Não sobre o mar ou sobre as ilhas,
Ou sobre o continente, não no deserto ou na úmida planície.
Para aqueles que nas trevas caminham noite e dia
Tempo justo e justo espaço aqui não existem
Nenhum sítio abençoado para os que a face evitam
Nenhum tempo de júbilo para os que caminham
A renegar a voz em meio aos uivos do alarido
Rezará a irmã velada por aqueles
Que nas trevas caminham, que escolhem e depois te desafiam,
Dilacerados entre estação e estação, entre tempo e tempo, entre
Hora e hora, palavra e palavra, poder e poder, por aqueles
Que esperam na escuridão? Rezará a irmã velada
Pelas crianças no portão
Por aqueles que se querem imóveis e orar não podem:
Orai por aqueles que escolhem e desafiam
Ó meu povo, que te fiz eu.
Rezará a irmã velada, entre os esguios
Teixos, por aqueles que a ofendem
E sem poder arrepender-se ao pânico se rendem
E o mundo afrontam e entre as rochas negam?
No derradeiro deserto entre as últimas rochas azuis
O deserto no jardim o jardim no deserto
Da secura, cuspindo a murcha semente da maçã.
Ó meu povo.
VI
Conquanto não espere mais voltar
Conquanto não espere
Conquanto não espere voltar
Flutuando entre o lucro e o prejuízo
Neste breve trânsito em que os sonhos se entrecruzam
No crepúsculo encruzilhado de sonhos entre o nascimento e a
morte
( Abençoai-me pai) conquanto agora
Já não deseje mais tais coisas desejar
Da janela debruçada sobre a margem de granito
Brancas velas voam para o mar, voando rumo ao largo
Invioladas asas
E o perdido coração enrija e rejubila-se
No lilás perdido e nas perdidas vozes do mar
E o quebradiço espírito se anima em rebeldia
Ante a arqueada virga-áurea e a perdida maresia
Anima-se a reconquistar
O grito da codorniz e o corrupio da pildra
E o olho cego então concebe
Formas vazias entre as partas de marfim
E a maresia reaviva o odor salgado das areias
Eis o tempo da tensão entre nascimento e morte
O lugar de solidão em que três sonhos se cruzam
Entre rochas azuis
Mas quando as vozes do instigado teixo emudecerem
Que outro teixo sacudido seja e possa responder.
Irmã bendita, santa mãe, espírito da fonte e do jardim,
Não permiti que entre calúnias a nós próprios enganemos
Ensinai-nos o desvelo e o menosprezo
Ensinai-nos a estar postos em sossego
Mesmo entre estas rochas,
Nossa paz em Sua vontade
E mesmo entre estas rochas
Mãe, irmã
E espírito do rio, espírito do mar,
Não permiti que separado eu seja
E que meu grito chegue a Ti.

Não é tão simples traduzir um soneto de treze versos! Sobretudo se escrito por alguém como H. P. Lovecraft e dedicado a ninguém menos que Edgar Allan Poe
[caption id="attachment_88381" align="aligncenter" width="620"] H. P. Lovecraft, mestre do gênero do horror[/caption]
Pedro Mohallem
Especial para o Jornal Opção
Edgar Allan Poe (1809 - 1849) é um daqueles casos curiosos na Literatura: ao mesmo tempo em que é venerado por escritores como Baudelaire (que via nele o arquétipo do poéte maudit) e Mallarmé (impressionado com seu virtuosismo técnico), é desprezado por outros como T. S. Eliot (que considerava sua escrita genial... para um pré-adolescente) e Henry James (que em dado momento afirmara que todo entusiasmo por Poe e seu trabalho é sinal de um nível primitivo de reflexão). Estudos analíticos do verso à parte, o que não se pode negar é a influência de seu trabalho sobre os escritores que se seguiriam, sobretudo os decadentes, dos franceses aos brasileiros. E é incrível como, na cultura pop, Poe é quase uma deidade: mesmo quem detesta poesia deixa um "NEVERMORE" bem grande gravado no plano de fundo do computador ou na capa do facebook. Dessa admiração e respeito pelo homem cujos versos amargos foram justificados pela vida ainda mais amarga, nasceram diversas homenagens -- a mais famosa, talvez, Le tombeau d'Edgar Poe, de Mallarmé:
Tel qu'en Lui-même enfin l'éternité le change,
Le Poète suscite avec un glaive nu
Son siècle épouvanté de n'avoir pas connu
Que la mort triomphait dans cette voix étrange !
Eux, comme un vil sursaut d'hydre oyant jadis l'ange
Donner un sens plus pur aux mots de la tribu,
Proclamèrent très haut le sortilège bu
Dans le flot sans honneur de quelque noir mélange.
Du sol et de la nue hostiles, ô grief!
Si notre idée avec ne sculpte un bas-relief
Dont la tombe de Poe éblouissante s'orne
Calme bloc ici-bas chu d'un désastre obscur
Que ce granit du moins montre à jamais sa borne
Aux noirs vols du Blasphème épars dans le futur.
na qual lemos, em tradução de Augusto de Campos:
Tal que a Si-mesmo enfim a Eternidade o guia,
O Poeta suscita com o gládio erguido
Seu século espantado por não ter sabido
Que nessa estranha voz a morte se insurgia!
Vil sobressalto de hidra ante o anjo que urgia
Um sentido mais puro às palavras da tribo,
Proclamaram bem alto o sortilégio atribu-
Ído à onda sem honra de uma negra orgia.
Do solo e céu hostis, ó dor! Se o que descrevo -
A idéia sob - não esculpir baixo-relevo
Que ao túmulo de Poe luminescente indique,
Calmo bloco caído de um desastre obscuro,
Que este granito ao menos seja eterno dique
Aos vôos da Blasfêmia esparsos no futuro.
[caption id="attachment_88382" align="alignleft" width="300"]
Edgar Allan Poe, autor do célebre poema "O Corvo"[/caption]
Outra menos famosa, porém não menos interessante é a que me propus traduzir, de autoria de Howard Phillips Lovecraft (1890 - 1937). A maior dificuldade encontrada nesse curioso soneto de 13 versos não foi nem a manutenção das rimas em -ore na primeira estrofe, possivelmente uma referência ao já mencionado "Nevermore" do The Raven (que traduzi em -ais/az/ás, visto que é de nosso feitio recriar a célebre fala do corvo como "Nunca Mais"), nem o fato de Lovecraft espremer um monte de significado em tão poucas sílabas, o que me obrigou a verter os pentâmetros em alexandrinos. O problema, mesmo, foi manter o bendito acróstico. Basicamente, esse acróstico é a razão de o poema ser o que é, isto é, um soneto de 13 versos. Seria no mínimo incoerente traduzir um soneto de 13 versos desprezando a principal razão de ele assim o ser. Claro, isso implicou alterações na construção de alguns versos (às vezes dava tão certo, mas a letra não batia...), e embora não haja prejuízo de sentido, cada distanciamento formal, sintático e vocabular se amenizaria sem o acróstico. Todavia, novamente, nada compensaria a perda do nome que, como um espectro, caminha sobre o poema, invisível ao olhar comum, revelado somente aos que conhecem os segredos do Verso...
Combatido o bom combate, posta minha versão na gaveta, tive contato com a tradução de Renato Suttana, que também verteu em dodecassílabos, mantendo a rima e sobretudo o acróstico. Um trabalho admirável, presente em sua antologia poética traduzida de H. P. Lovecraft, que o leitor encontrará à venda em e-book na Amazon.
Sem mais delongas...
***
IN A SEQUESTER'D PROVIDENCE CHURCHYARD WHERE ONCE POE WALK'D
Eternal brood the shadows on this ground,
Dreaming of centuries that have gone before;
Great elms rise solemnly by slab and mound,
Arch’d high above a hidden world of yore.
Round all the scene a light of memory plays,
And dead leaves whisper of departed days,
Longing for sights and sounds that are no more.
Lonely and sad, a spectre glides along
Aisles where of old his living footsteps fell;
No common glance discerns him, tho’ his song
Peals down thro’ time with a mysterious spell:
Only the few who sorcery’s secret know
Espy amidst these tombs the shade of Poe.
EM UM ERMO CEMITÉRIO DE PROVIDENCE POR ONDE POE ANDARA
Eterno é o cismar das sombras no terreiro,
Devaneando o outrora em séculos atrás;
Grave olmedal se eleva entre lousa e outeiro,
Arqueado sobre um mundo oculto que ora jaz.
Rodeando a cena, atua o lume da memória,
As folhas secas, num cicio, contam a história
Levadas por visões e sons de nunca mais.
Lastimoso e só, um espectro adeja sobre
Alas onde seus pés, vivos, deitaram pouso;
Não se avulta ante o olhar comum, embora dobre
P'lo tempo sua canção com um verso misterioso:
Os poucos a quem tal feitiço se mostrou
Entre estas tumbas veem a sombra de Edgar Poe.
(Publicado originalmente no blog Esta Pouca Cinza Fria )
Pedro Mohallem é graduando em Letras Português-Inglês pela Universidade de São Paulo (USP)

“O velho Lêdo Ivo, como certo personagem de Bergman, há muito jogava calmamente seu xadrez com a morte. O cenário, porém, não era em preto e branco, e o nórdico mar de fundo de O sétimo selo era o mar gaio de Alagoas”
[caption id="attachment_88360" align="aligncenter" width="620"] Lêdo Ivo contemplativo | Imagem da contracapa do livro "Aurora"[/caption]
Wladimir Saldanha
Especial para o Jornal Opção
Em Aurora (Rio de Janeiro: Contracapa Editora, 2016. 125 páginas), o leitor encontrará um Lêdo Ivo aparentemente límpido, muitas vezes de marcado prosaísmo; mas a facilidade esconde cerrada dimensão intratextual: “Levantou-se da terra uma roxa alvorada/ num claro desafio ao sol esbraseado/ e à nuvem emudecida que no céu passava”. Simples, à primeira vista; para certos paladares exigentes, talvez uma poesia demasiado entregue e discursiva, desde o grito epifânico do poema-título, Aurora, até uma cantante Serenata final. Mas, que amanhecer é esse, não de madrugada e, sim, sob o sol esbraseado? Lá está o adjetivo, meio imperceptível no seu contrassenso. Vejamos todo o poema – O Desafio que seu título nos propõe:
O DESAFIO
Foi em algum lugar, foi onde a relva cresce
e o mundo se dispersa e uma fogueira arde.
Foi onde o sol clareia estações desterradas
e um seio nu afronta a vontade da treva.
Onde a sombra ensombrece os dias sepultados
e no verão persiste um cheiro de jasmim
e uma abelha dourada pousa na corola
da majestosa flor que reina no jardim.
Foi onde fervilhava o rumor das charnecas
e as águas de um riacho fulgiam nas pedras
e a manhã respirava a promessa da vida.
Levantou-se da terra uma roxa alvorada
num claro desafio ao sol esbraseado
e à nuvem emudecida que no céu passava.
Roxa é a alvorada que afronta (desafia) o sol esbraseado: o poeta discretamente parece brincar com a epígrafe geral de Góngora, que fala do “paso rojo de la blanca aurora”, mas o falso cognato do espanhol, na aurora de Lêdo Ivo, é mesmo tirante a violeta, não o rubro do verso barroco. Referimo-nos a tais jogos entre o espanhol e o português na primeira parte deste estudo (link abaixo à esquerda); em outro soneto do livro, fica ainda mais evidente a apropriação: “Silenciosa e roxa e branca aurora” é o primeiro verso e, nos tercetos, sabemo-la um “derramamento de ouro e sol purpúreo,// golfo rubro no azul despetalado,/ amarelo e lilás no céu ferido,// filha da sombra, súbito murmúrio/ no silêncio do mundo despertado,/ pão de luz entre os homens repartido” (Novo Soneto da Aurora).
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Esse amanhecer de exéquias nos evoca dois livros anteriores do autor, marcados pela reflexão sobre a morte. Um é Mormaço – o último publicado em vida do poeta, no qual a proximidade da morte é associada à atmosfera acachapante, ensolarada mas sem aragem; o outro é Réquiem, o livro-poema publicado em 2008, em que Lêdo Ivo pranteia a perda da amada. Neste último, a ambiência é a localidade de Barra de São Miguel, em Alagoas, com a memória dos antropófagos caetés, dos quais descendia o poeta (o que lhe servira, durante a vida, para inúmeros motes contra os “antropófagos de papel” de 1922).
Em Réquiem se constrói a identificação entre morte e fogo, a que parece remeter o segundo verso de O desafio, passando pelo calor causticante de Mormaço: “Na noite crematória, a morte é uma fogueira”. O mar de Réquiem, mar da barra de São Miguel, exsurge como um elemento de dissolução que “apaga todos os naufrágios/ e todo fogo se extingue, todo fogo dourado/ se alastra e se extingue no silêncio do mundo”.
[caption id="attachment_88363" align="alignleft" width="150"]
Capa do livro "Mormaço"[/caption]
Isso justifica que o poeta se coloque em atitude de “espera” ante a “mesa do silêncio”, na primeira estância do livro-poema. A passagem da expectação para o convívio, podemos dizer que seria feita em Mormaço, onde, pela primeira vez na obra lediana, o signo silêncio é reiterativo. Se o “eu” lírico, retrospectivamente, confessará no Réquiem até então ter amado “o longo murmúrio nas estações ferroviárias”, em Mormaço, no poema A praça muda, vemos essa perplexidade ante o silêncio: “Ao sair do metrô/ Estação Cinelândia/ espantou-me o silêncio// que havia na cidade./ Ninguém ria ou falava./ Todos os transeuntes/ eram mudos fantasmas/ cuspidos pelo sol. [...]”. Em outro momento, a consciência poética com que arrematava sua obra é ainda mais notável:
A FALA FINAL
Já falei ao dia, hoje falo à noite.
Falei ao dia e ninguém me escutou.
Os homens passavam apressados
cada um com o seu tédio
seus embrulhos e suspiros.
Falei ao amor e era uma concha
que ressoava longe do mar.
Os anos de minha vida passaram tão rápidos
que nem sequer coube neles um vôo de pássaro.
Agora só falo à noite e às estrelas.
Só falo ao silêncio e à escuridão.
A mudança de atitude do sujeito lírico é marcada com uma grande visada na produção anterior: Lêdo Ivo, cuja poesia celebratória da vida desagradou inicialmente a alguns críticos de 1945 (não nos esqueçamos: essa é a geração do pós-guerra), agora assume o tom de pesar que lhe exigiam na juventude. Em outros poemas de Mormaço, o silêncio aparece ou é até o tema principal, alçado a título, como é o caso de O silêncio do mundo, ou de O silêncio esperado – este, claramente remissivo aos versos iniciais de Réquiem: “Aqui estou, à espera do silêncio”.
Contudo, um dos conceitos fundamentais para entender a produção lediana é a palinódia. Nosso poeta não se compraz em construir um sentido único, mas em desdizer-se e assumir múltiplas perspectivas, todas elas unificadas sob o seu mesmo nome de autor, já que abandonara a meio caminho o que seria um esboço heteronímico – Teseu do Carmo – e repudiava, talvez com certa má-vontade, a celebrada legião de heterônimos pessoanos. A Lêdo Ivo não causava nenhum incômodo a palinódia pura, o poema que retifica ou contesta outro poema – e há exemplos não só livro a livro, mas às vezes numa mesma obra. Isso, evidentemente, cria uma dificuldade a mais para sua compreensão, torna-o particularmente difícil de ser antologiado e alvo fácil daquele tipo de leitura subjetiva que vai dar na superinterpretação apontada por Umberto Eco, ou seja: é relativamente simples achar o Lêdo Ivo que nos fala mais de perto, o Lêdo Ivo de nossas próprias crenças. Difícil será aceitá-lo em sua contradição fundadora... Quanto a Aurora, eis um dos momentos que parecem rever a perspectiva anterior, de Mormaço:
O ESTALIDO
São passos furtivos na escada.
Talvez seja apenas um eco da memória, uma sombra
que se esgueira no ar como uma nuvem ou um pássaro
ou a palavra desejada que atravessa o dia lunar
como um sopro da brisa marinha.
Sempre esperei o visitante que não veio.
Deixei inutilmente a porta aberta.
Perguntei e não obtive resposta.
Agora, para mim, tudo é irrelevante.
Para que perguntar? Para que responder?
Após o estalido do fim da escada virá o silêncio
que dispensa a pergunta e a resposta.
O “silêncio” agora é diferido: o poeta está por um átimo novamente em meio a rumores, estalidos que parecem significar. Indaga-se em outra peça: “Sou um mudo entre os que falam, ou alguém que fala entre os mudos?” (poema Escutar). Já o silêncio que aguarda não é o do luto anunciado em Réquiem e maximizado em Mormaço. É silêncio de outra ordem, silêncio de quem já tateia o indizível.
[caption id="attachment_88362" align="alignleft" width="150"]
Capa do livro "Aurora"[/caption]
“Deixei inutilmente a porta aberta” – diz um dos versos do poema transcrito. Dediquemos algum espaço a essa percepção, pois outro signo de Mormaço revisto em Aurora é bem esse – o da “porta”. Há muitos exemplos, em toda a poesia do autor, de como tal substantivo se ergue à categoria de símbolo agenciador de sugestões, pedra angular de sua dicção. Não podemos, aqui, historiar todo o percurso. Fiquemos com algumas aparições de Mormaço: ali há uma “porta sem chave” que não é jamais aberta (O segredo irrevelado); uma porta que não existe ou não se sabe onde exista – é antes uma “chave sem porta/ que fulgura sozinha” (A saída); uma sombra inextinguível “junto à porta entreaberta” (A última lição); e, em certo poema de amor em meio à maioria lutulenta, diz o poeta que o “dia se abre/ como uma porta/ para que passes” (Além da noite escura).
Essa última perspectiva parece ganhar força em Aurora. Ao postar-se Atrás da porta cerrada, e aparentemente negar uma continuidade da existência depois da morte – “Não há nada atrás da porta./ Nenhum céu para que vivas/ entre os anjos radiosos” –, estaria Lêdo Ivo jogando com o nosso vocábulo português, cerrada, no sentido de porta encostada ou fechada sem tranca (cf. Dicionário Priberam), e o espanhol cerrada, correlato quase transparente de fechada?
Diante do andamento da obra, temos a nossa confirmação nesse pequeno e belo poema:
OS DOIS LADOS
No outro lado da noite alguém gritava.
No outro lado do muro eles se amavam
e espalhavam murmúrios e gemidos.
Todas as portas estavam fechadas.
A vida era um segredo, era um suspiro.
E o amor lavrava doido e revirado.
Amar de um lado só já não bastava?
Era cara e coroa, era em dois lados,
moeda que a si mesma se pagava.
Aqui se reencontram os amantes apartados em Réquiem. A porta fechada – ou apenas cerrada – agora nada interdita: protege. Já não poderia o poeta confirmar as amargas palavras de Réquiem: “O que perdi, perdi para sempre”. Aurora é mais um lance – e no particular da lírica amorosa, o último – de um longo jogo entre crença e ceticismo, que por vezes faz a obra de Lêdo Ivo identificar-se com uma postura deísta, de um Deus ausente da criação, e em outras se reaproxima do sentido cristão de seus primeiros livros, quando dizia, na Ode ao crepúsculo, em 1946: “Ó meu Deus,...// Dai-me o que não tenho, o que não posso ter/ pois em meu combate com o anjo não busco senão o inefável”.
Em busca do “inefável”, palavra cara ao vocabulário simbolista que some da obra lediana desde Cântico (1949), o poeta continuará sua perquirição, e a fronteira da vida lhe será sempre um dos temas mais caros. O velho Lêdo Ivo, como certo personagem de Bergman, há muito jogava calmamente seu xadrez com a morte. O cenário, porém, não era em preto e branco, e o nórdico mar de fundo de O sétimo selo era o mar gaio de Alagoas. Ou os manguezais que o poeta converte em símbolo da mistura de elementos, água e terra no conúbio que uma lógica binária parece repelir, como nesse outro momento de Aurora:
(...)
Venho dos pântanos.
No céu claro de Rotterdam que se recusa a aceitar a imposição do escuro
a prolongada noite de verão cobra de mim promessas não cumpridas.
Na mesa do silêncio eu deposito minha desculpa e justificação.
Só mereço perdão e tolerância.
Venho dos pântanos e dos miasmas que fervilham na água negra das lagunas
e só trouxe comigo uma pátria perdida e a lembrança de um púbis bem-amado.
(...)
O púbis, como o seio que se entrevê no poema O desafio, citado inicialmente, são metonímias do “corpo bem-amado” de Réquiem: “Fui sempre amor no leito memorável/ e agora a minha mão errante só encontra a treva/ no lugar em que estava o corpo bem-amado.” E a terra natal alagoana, cenário do livro-poema – “pátria perdida”; “água negra das lagunas” – impõe-se a Rotterdam, na malha poética de Aurora.
[caption id="attachment_88364" align="alignleft" width="150"]
Capa do livro "Réquiem"[/caption]
O poema longo e inteiriço que é Réquiem revive a inflexão das primeiras odes de Lêdo Ivo, o largo fôlego das enumerações, ali submetidas a um timbre ocluso, consentâneo com o tema que o inspira. É um dos grandes pontos de chegada, porque o amor recíproco, ansiado nas obras iniciais e celebrado a partir de Cântico, em quase sessenta anos de poesia (de 1949, fim da escritura de Cântico, até 2008, quando se publica Réquiem), foi muito mais que o “trocadilho” ressaltado pelo amigo Manuel Bandeira, ou o amor dos “acentos circunflexos”, como no vers de circonstance de Ribeiro Couto (cf. E agora adeus – correspondência passiva). Com a companheira Maria Lêda Sarmento de Medeiros, Lêdo Ivo compôs o “mundo gêmeo num só astro” de um dos seus sonetos, e pausou − para celebrar o amor vivido e correspondido − a lira de “espasmo e espanto” de suas primeiras obras, em que se debatia na busca de uma ansiada reciprocidade, àquela hora encontrando nas marés (cf. Ode e elegia, Ode à noite) o correlato imagístico de seu ir e vir.
[caption id="attachment_88361" align="alignleft" width="150"]
Lêdo e seu filho, Gonçalo Ivo[/caption]
Por tudo isso – não apenas pela datação editorial, mas pela dobra que significa na obra anterior –, a Aurora que o leitor de Lêdo Ivo tem agora diante de si é póstuma. Morre nela o sol esbraseado de Mormaço, de par com o silêncio que Réquiem anunciava: “Agora o silêncio do mundo lacra minha alma./ O róseo raio da rósea alvorada/ aponta para a noite escura”. Retirado esse lacre, o poeta aceita a aurora violácea (curiosamente crepuscular, na identidade dos signos de sua eleição). E o livro Aurora, assim como Réquiem, faz-se acompanhar de pinturas do filho do casal, o artista plástico Gonçalo Ivo, compondo, também visualmente, um cenário dialogal entre as obras. Vê-se um Lêdo Ivo flagrado em contemplação perplexa na contracapa; sem dúvida este, que tem –
OS OLHOS ABERTOS
Nas minhas mãos abertas cabe a aurora
como um fruto que amadurece na limpidez do verão.
Nos meus olhos abertos os teus seios fugitivos
se acercam e se afastam como proas de navios.
Os meus lábios fechados aboliram a morte
para que pudesses voltar quando o dia renasce
e a seiva da vida circula nas árvores e nas veias dos homens
e escorre das estrelas
e sustenta as luzes do arco-íris.
As fontes calam para que nenhum barulho perturbe o teu regresso
a tua passagem entre o nevoeiro e o sol ardente
a tua sombra que dança entre as marés
a tua voz usurpada pela noite
e o teu corpo que a escuridão não ousa esconder
de meus olhos abertos para sempre.
Entre seiva e árvore, lábio e arco-íris, o leitor desambientado dessa obra talvez se agrade mais dos seios que são proas ou da sombra entre marés, sombra “usurpada pela noite”. Veio até aqui, esse leitor presumível, acedendo ao convite de uma resenha, recolhendo para si as beautés éparses de Aurora – no caso do poema citado, sobretudo o final tão límpido quanto perturbador dos “olhos abertos para sempre” – mas, só ao cabo do volume de trinta e uma peças, terá sua paga do poeta ancião em alguns raios luminosos, poemas inteiros, ou boa monta de cintilações em versos e estrofes.
Já outro, um segundo leitor, buscará ouvir as reverberações da obra pregressa, e poderá ir mais longe. É para ele que pensamos falar, ou antes: para que o primeiro, não iniciado talvez pelos motivos que elencamos no ensaio precedente – todas as barreiras críticas erguidas ao conhecimento de Lêdo Ivo – seja convidado não apenas a ler Aurora, mas a reler alguns signos nesse livro epilogal, signos que compõem uma espécie de vocabulário poético do autor e ressurgem como em diálogo do “eu” lírico de Aurora com “eus” anteriores.
Wladimir Saldanha é poeta e tradutor. Doutor em Letras pela UFBA, com tese sobre a poesia de Lêdo Ivo.

Não é fácil cantar em português, então é preciso valorizar o esforço dos estrangeiros A língua portuguesa não facilita a vida dos artistas. Não é fácil escrever em português e, muito menos compor (de maneira decente, eu digo) nesta língua. É claro que isso não torna as músicas brasileiras de qualidade superiores às de outras línguas, afinal é difícil compor em qualquer idioma, mas agrega valor a elas, sobretudo aos ouvidos que entendem de música. Por isso, não é simples para um estrangeiro cantar em português: há dificuldades, inclusive, físicas para falar a língua. Então, é preciso valorizar o esforço. A lista tem esse propósito. Uma observação: O que reproduzo aqui está — como todas as listas — ancorado no gosto pessoal, mas não invalida a qualidade do conteúdo apresentado. Aprecie, caro leitor.