Opção cultural

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Romance de Zoé Valdés é uma denúncia candente contra a tirania da dinastia Castro

Como a escritora, a personagem Pátria-Yocandra fugiu da ilha que, ao propor o paraíso, criou o inferno

Símbolo do cinema nacional nos deixa órfãos – um mês da morte de Zé do Caixão

Por Erivaldo Nery*

[caption id="attachment_111570" align="alignnone" width="620"] Zé do Caixão estará em Goiânia | Foto: divulgação[/caption] Enquanto estava acontecendo a mostra de cinema Amor, a morte e às paixões. Da qual eu participava, O cinema faz referência às coisas humanas da mostra que aconteceu no Cine Lumiere, organizado pelo Gerson Santos e Lisandro Nogueira. “Na ocasião eu autografei o livro de minha autoria Sétima arte e Set de filmagem, editado pela editora Kelps em parceria pela editora Puc. Crítico de cinema e ex- da Ancine.no dia 19 de fevereiro deste ano. Um grande mestre do cinema do gênero de terror, sempre valorizado no cinema pelo os criadores das produções cinematográficas, com veteranos e às novas gerações do cinema nos anos seguintes, a admirado pelos estudantes de cinema e jovens cineastas ao o cineasta Zé Mojica Marins.  Chegou e veio à Goiânia para contribuir com cinema nacional, dando oficinas como maquiagem de cinema, exibindo seus filmes no Cine Cultura. Lançando um livro mostra sua trajetória na sétima arte. “Foi de suma importância sua vinda inúmera vezes à Goiânia. Como o mestre do cinema do gênero com o gênero de Terror para contribuir culturalmente enriquecendo de formação de novas gerações de filmes de terror” MINHA RELAÇÃO COM ELE Fui em morar em São Paulo em 1985 para estudar artes cênicas, lá conheci vários cineastas importantes da época. Mas, me chamou atenção dois cineastas como Zé Mojica Martins e cineasta Clery Cunha, em que lançou vários atores de sucesso hoje na televisão, no cinema e no Teatro. Minha carreira em São Paulo começou com esses dois cineastas. No set de filmagem fui valorizado pelo ator global Turibio Ruiz. No qual eu qual eu contracenei em A hora em do medo. Lamento muito não fazer o personagem do filme Sete Ventre para um Demônio de Zé do Caixão. Uma pena que esse filme não realizado por falta de verba. Tive de fazer cinema em São Paulo com lata de filme de 35 e 16 milímetros, com ele e outros cineastas indicado por ele. Aprendi muito com esse mestre da Sétima arte. Zé do caixão, reconheceu meu talento, meu potencial como ator foi explorado em seus filmes. Quando nos encontramos em São Paulo, na avenida São João com a avenida Ipiranga ao lado do largo Paissandu tomando café e Chamates. Onde eu vivia, e frequentava, quando vivia em São Paulo.  Nossos encontros eram mais no polo de cinema também conhecido como Boca do lixo, lá fiz muitas amizades com produtores de cinema, um momento histórico com ele era quando eu vestia nele seus casacos no bar na boca do lixo. Zé era meu amigo, pedia ajuda para mim vestir seu blazer pegando em seu braço e vestia.  Por causa de suas unhas serem muito grandes. Se fosse hoje eu tinha como registrar nossos melhores momentos, naquela era difícil revelar o negativo, era caro, hoje não. Agora tive registros fotográficos com ele quando esteve em Goiânia. Eu tive muito tempo para conversar com ele e sua filha Liz Martins, produtora de cinema. *Erivaldo Nery é ator-poeta premiado, diretor teatral, professor de Artes Cênicas, dramaturgo premiado, cineasta, autor de vários livros publicados , compositor musical e jornalista filiado à AGI. Diretor-presente da CIA de Teatro Olho cênico, e dá EN Produções – Produtora Cinematográfica.

15 discos que todo mundo precisa ouvir uma vez na vida

Hábito de ouvir disco de cabo a rabo olhando para a parede pode muito bem ser resgatado nestes dias difíceis de isolamento social

Saramago prova que as histórias para crianças devem ser leitura obrigatória para adultos

“A Maior Flor do Mundo” convida o adulto a deixar de ser adulto por um tempo e recuperar o menino perdido dentro de todos Soninha dos Santos Especial para o Jornal Opção Certo dia, passando a mão pelas prateiras de uma livraria, na parte dedicada a crianças, um nome me chamou a atenção: José Saramago. Depois, retirei o livro da estante e prestei atenção à capa: uma criança no canto inferior, do lado esquerdo, olhando para o alto, sem antes seguir a direção de uma fita métrica medindo o que parece ser a haste de um bambu. Toda a ilustração segue assim, misturando técnicas que João Caetano demonstra conhecer muito bem e, o mais interessante, depois do susto, perceber que tudo foi, milimetricamente pensado, para compor o texto de Saramago, Nobel de Literatura. José Saramago inicia seu belíssimo texto afirmando que “as histórias para crianças devem ser escritas com palavras muito simples, porque as crianças, sendo pequenas, sabem poucas palavras e não gostam de usá-las complicadas”. Então, o mestre se queixa dizendo que tem pena de si mesmo por nunca ter aprendido essas palavras. Mal sabe ele que, com tais palavras iniciais, qualquer criança se mostraria interessada pelo texto, pois suas palavras iniciais são um convite ao desconhecido, à leitura de um texto diferente do que até então lhes é apresentado. Se a ele, como diz, falta paciência para escolher palavras, à criança não falta curiosidade, vontade de conhecer o novo e reinar sobre ele. O tempo todo, durante a narrativa poética por excelência, Saramago pede desculpas e, por isso mesmo, o leitor quer ir adiante, ver onde vai dar todos os seus questionamentos e todas as suas incertezas. Quer ganha nesse embate é o leitor, brindado, página por página, por um texto forte, leve e que nos remete à mais tenra memória da infância. À memória das histórias e dos causos. À memória da poesia que perdemos ao crescer. Saramago nos convida a buscar, com o menino anônimo da história, essa flor, a maior do mundo, a flor da nossa consciência humana, em tempos onde a humanidade está cada vez mais distante dela mesma. “A Maior Flor do Mundo”, de José Saramago (Companhia das Letrinhas), nos convida para deixarmos de ser adultos por um tempo e recuperar o menino perdido dentro de todos nós: aquele menino que procura incansavelmente, a maior flor do mundo. Fica a dica. Você só tem a ganhar com a leitura desse livro. Soninha Santos é professora de literatura infantil e juvenil. https://youtu.be/YUJ7cDSuS1U

Hipertemia, de Hugo Brockes: um romance quase profético, antecipa a tragédia do coronavírus

O ex-publicitário escreve um romance, que, discutindo questões políticas, da esquerda, contém informações que parecem ter sido escritas hoje

O pianista Oriano de Almeida é autor de um livro admirável sobre Claude Debussy

A obra resgata a história do compositor francês e relata o encontro do imperador Pedro II com o escritor Victor Hugo

Castelo Rá-Tim-Bum ensinou em 1994 que é preciso lavar as mãos

Há 26 anos, brasileiros tinham primeiro contato com um programa infantil da TV Cultura que marcaria uma geração por muitos motivos, mas também pelo conteúdo educativo

Favoritismo de Prior no BBB e a admiração dos brasileiros por ícones “sincerões” que ultrapassa o reality

Brother se tornou favorito por "falar o que pensa". Já vimos esse filme antes: no próprio programa e na política recente. Confundimos política com BBB, o inverso ou há conexão? 

Poesia de Wilson Pereira “navega” pelo rio heraclitiano do passado

“Vento, Cavalo do Tempo” transita por diversas instâncias, em que referenciais que habitam o inconsciente do poeta forjam uma narrativa repleta de signos e sutilezas

Miles Davis entre dois mundos: jazzista se reinventou e reinventou seu público

Documentário mostra trajetória do jazzista que reinventou o gênero

Crônica de uma violência anunciada contra camponeses em Goianésia

Jagunços, a serviço de gente da alta sociedade, mataram e feriram pessoas. Crianças, mulheres e idosos passaram fome

Sai no Brasil a polêmica peça “Praça dos Heróis”, do austríaco Thomas Bernhard

O escritor critica o nacionalismo e o antissemitismo na Áustria, país que foi anexado pela Alemanha em 1938

O dia em que falei com Conceição Evaristo

Mineira de Belo Horizonte e carioca de coração, Conceição Evaristo dá voz às brasileiras negras das periferia que a sociedade resiste ouvir

Entre contos e calhamaços – uma entrevista com André de Leones

Apesar de acreditar que “a gente escreve como pode, não como quer”, André de Leones acumula o sucesso de seis romances e outros livros publicados, além de prêmios literários [caption id="attachment_239835" align="alignnone" width="616"] André de Leones | Foto: Roseli Vaz[/caption]

Por Adérito Schneider*

André de Leones é um escritor menos conhecido do que deveria. Ao menos, é o que eu acho. E é um dos melhores autores literários brasileiros em atividade, é o que eu acredito também. Há um bom tempo, venho combinando com ele esta entrevista, mas o caos da vida fez com que as coisas demorassem um pouco mais do que deveriam. Tudo bem. A vida no Brasil começa mesmo somente após o Carnaval e 2019 ainda não acabou (e, talvez, não acabe tão cedo). Portanto, comece seu ano com uma boa entrevista feita por email. Boa e longa. Sem medo de sermos felizes, fizemos uma entrevista bem comprida, grande mesmo; no estilo de um amontado de muita coisa escrita, como nós gostamos. Quem já conhece um pouco da vida e/ou obra de André de Leones, sugiro que pule este trecho e vá direto para a primeira pergunta/resposta. No entanto, aos desavisados, informo que ele nasceu em Goiânia (GO) e foi criado em Silvânia, no interior do estado. Há um bom tempo, vive em São Paulo (SP). Em 2006, venceu o Prêmio Sesc de Literatura com seu romance de estreia Hoje está um dia morto (2006). Mais? Ele é autor ainda do livro de contos Paz na Terra entre os monstros (2008) e dos romances Como desaparecer completamente (2010), Dentes negros (2011), Terra de casas vazias (2013), Abaixo do Paraíso (2016) e Eufrates (2018). Em 2018, participou da antologia Cidade sombria com o conto “Melissinha”. Em 2019, lançou o livro infanto-juvenil Daniel está viajando. Mais ainda? André de Leones é graduado em filosofia e colabora para os jornais O Estado de São Paulo e O Popular. Recentemente, seu romance Hoje está um dia morto foi adaptado para o cinema por Robney Bruno Almeida, que escreveu e dirigiu o filme longa-metragem Dias vazios (2018).  Adérito Schneider: Você nasceu em Goiânia, que é uma “metrópole roceira”, e foi criado em Silvânia, interior de Goiás, ou seja, o “interior do interior”. Gostaria que você iniciasse esta entrevista falando sobre como esta experiência marca sua vida e sua obra literária — pensando não apenas em Hoje está um dia morto (2006), em que esta vivência claustrofóbica de cidade pequena de interior é um dos temas centrais do romance, mas também em suas obras mais recentes, que são mais “cosmopolitas”. André de Leones: Silvânia era uma cidade peculiar. Cerca de dez mil habitantes (na área urbana) e três colégios católicos. Festas religiosas, procissões, o pacote completo. Ao mesmo tempo, ao menos entre parte da minha geração (dizem que as gerações posteriores são mais saudáveis), grassava certa atmosfera hedonista. De uma forma ou de outra, à vista ou em prestações, alguns conhecidos meus se mataram. Escrevi Hoje está um dia morto para lidar com essa claustrofobia e com aquelas perdas, e também para compreender melhor a minha relação com a cidade, ao mesmo tempo em que procurava dar o fora dali. O distanciamento tornou mais claros o material que eu tinha em mãos e as formas de se trabalhar com ele. O distanciamento e as leituras, claro. A partir do momento em que me distanciei da cidade (mesmo enquanto ainda vivia lá), consegui pouco a pouco encontrar maneiras de transformar aquela vivência em ficção. Muitos dizem que aquela Silvânia só existe na minha cabeça e nos meus livros. Mas não é sempre assim? Faulkner ainda criou um condado fictício para ter mais liberdade ao recriar o Sul. Não cheguei a tanto, mas sei o que vi e o que passei enquanto crescia por lá. Quando saí, primeiro para Brasília, depois para várias outras cidades — fui meio nômade até os trinta anos —, percebi que era possível universalizar aquela “silvaniedade”. Em outras palavras, e isso é uma coisa bastante óbvia, todos passamos mais ou menos pelas mesmas coisas: o Brasil sempre encontra meios de nos maltratar, quer vivamos no interior de Goiás, quer vivamos na maior cidade do país. Às vezes, brinco dizendo que São Paulo não passa de uma grande Silvânia. Com a emergência da boçalidade e desse nacionalismo doentio, vejo que o Brasil inteiro não passa de uma grande Silvânia. Não existe cosmopolitismo no Brasil. Tudo é roça, tudo é provinciano, quase tudo é estúpido e mesquinho.  A.S.: Como é isso de sair de Silvânia e tornar-se um cidadão “cosmopolita” em São Paulo, percurso que ao mesmo tempo seduz e amedronta tantos brasileiros dos interiores deste enorme, diverso e complexo país? De que forma a cidade de São Paulo se apresenta em sua literatura? E em que medida é um olhar naturalizado de quem vive há anos em São Paulo e em que medida ainda é um olhar estrangeiro? A.L.: O fato de ter crescido no “interior do interior” permitiu que eu tivesse uma visão despudorada dos grandes centros urbanos que vim a conhecer, no Brasil e no exterior. Reitero: São Paulo é uma grande Silvânia. Claro, há teatros, museus, shows, concertos, mostras de cinema, restaurantes, todas essas coisas que tornam a cidade interessante para mim, mas, animicamente, quando você anda por aí e conversa com a maioria das pessoas, percebe que não há muitas diferenças entre as capitais e o interior. A claustrofobia, as vidas interrompidas, o desespero (mudo ou gritado), a violência, todas essas coisas eu conheço desde que me entendo por gente. Entre lá e cá, temos apenas uma questão de proporção e, claro, em se tratando da capital paulista, de anonimato — ninguém conhece ninguém para valer, em São Paulo ou em Silvânia, mas, na metrópole, as pessoas quase não se dão ao trabalho de fingir que se conhecem. Estou há dez anos em São Paulo, e ainda hoje me impressiono com a ignorância do paulistano médio acerca do próprio país. Não só do paulistano. O carioca, por exemplo, não é muito diferente. O Brasil, então, é esse amontoado de terras estrangeiras, e o outro é sempre algo muito, muito distante. Nos meus livros, procuro explorar esses ruídos, essa espécie de autismo. Dentes negros, por exemplo, tem muito dessa ignorância do brasileiro médio acerca de si e do próprio país.  A.S.: Em Eufrates (2018), além de Jerusalém e de Buenos Aires, aparecem de forma marcante algumas cidades brasileiras: São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Goiânia, Belém, além de Pirenópolis (GO). E muitas dessas cidades aparecem em suas obras anteriores. Ademais, lembro que ao menos Silvânia e Anápolis (GO) estão presentes em sua produção literária. Existem outras? Qual é sua relação com estas cidades e qual a importância de pensar suas obras literárias a partir de uma questão geográfica? Essas cidades são afluentes que formam o seu rio como autor (impressão que eu tive de forma mais clara a partir de Eufrates [2018], cujo título é o nome de um rio importante da geografia mundial)? A.L.: Eu dependo muito dos espaços geográficos para escrever. As ruas das cidades que conheço e pelas quais passeei são muito úteis para o desenrolar das minhas histórias. Gosto de situar geograficamente os personagens, fazê-los andar por aí. Esse palmilhar sempre diz algo a respeito de cada um deles. Em Abaixo do Paraíso, quando o protagonista se coloca em fuga, as cidades pelas quais passa servem para sublinhar sua condição e sua fantasmagoria, por assim dizer. Hoje está um dia morto “precisa” da Silvânia que recriei ali para se sustentar; as ruas vazias e escuras ecoam o vazio e a escuridade interior de alguns personagens. Gostei muito da imagem dessas cidades como afluentes de um rio literário; com a sua permissão, vou usá-la a partir de agora. Voltando às cidades, sempre que visito alguma, circulo bastante, faço anotações, fico olhando mapas, tento descobrir como a cidade se organiza ou desorganiza e já imagino um dos meus personagens flanando por ali, sentando-se à mesa de algum boteco, cortando os cabelos em um salão qualquer, trocando ideia com um frentista de posto de gasolina, essas coisas. As cidades meio que “põem” meus personagens no mundo. Elas me inspiram muito, sugerem ações e situações, possibilitam um ambiente concreto para os meus personagens.  A.S.: Em algum momento da sua formação como escritor e como autor literário você elaborou conscientemente reflexões sobre as questões de uma “literatura regionalista” e de uma literatura brasileira ou mesmo “cosmopolita”, “globalizada” para decidir seus projetos literários? A.L.: Não, jamais. Considero essas noções (uma vez que, na minha opinião, não chegam a constituir conceitos propriamente ditos) extremamente falhas e até preconceituosas.  O “regionalismo”, por exemplo, só aponta para o interior e/ou para localidades que escapam ao olhar e à imaginação das pessoas que vivem no “eixo”, nas capitais do Sul e do Sudeste. É a distância alimentada pela ignorância, uma forma de manter a maior parte do Brasil no escuro, como algo “folclórico”, “peculiar”. Ao escrever, penso nas cidades e nos lugares que conheço bem e me valho deles conforme a história pede ou se desenrola, conforme tentei explicar na resposta anterior.  A.S.: Neste ano (2020), você completa 15 anos da consagração como vencedor na categoria “romance” do Prêmio Sesc de Literatura (2005), com a obra Hoje está um dia morto (2006). Qual é sua relação hoje com este prêmio e com este romance? A.L.: Minha relação com o prêmio e com o romance é a melhor possível. O prêmio persiste e todos os anos revela novos talentos, novas vozes. Sempre fico feliz quando participo de reuniões e eventos relativos ao prêmio, pois tenho a oportunidade de conhecer melhor os outros vencedores, novos e veteranos, e constatar a importância da iniciativa mantida pelo Sesc e pela Record. Quanto ao romance, volta e meia alguém me escreve para dizer algo a respeito dele, compartilhar alguma experiência, comentar alguma passagem, falar da própria vivência e sobre como Hoje está um dia morto se relaciona com ela. É um livro que conversa muito bem com seus leitores, pelo que posso perceber. E o fato de ter sido adaptado para o cinema (o longa-metragem Dias vazios, de Robney Bruno Almeida) só alimenta isso. O romance também foi importante para que eu pudesse exorcizar alguns demônios e seguir em frente, explorar outras formas de recriar não só a região na qual fui criado como outras que vim a conhecer no decorrer da vida.  A.S.: Sua estreia em publicações vem do Prêmio Sesc de Literatura (2005), na categoria “romance”, o que fez com que você, logo de cara, fosse publicado pela Record, uma das maiores editoras brasileiras, que publicou posteriormente seu até então único livro de contos (e novela). Depois, foram quatro romances pela Rocco, que é também uma grande editora. Além disso, você chegou a trabalhar em um projeto (Amores Expressos) com a Companhia das Letras, outra das grandes editoras brasileiras, mas o romance acabou não sendo publicado por esta editora. E agora, seu até então mais recente romance (Eufrates [2018]) saiu pela José Olympio, que é do Grupo Editorial Record (isso, claro, sem falar de sua recente estreia em infanto-juvenil, pela Quase Oito). Enfim, por que estas mudanças de editoras? E como foi a experiência em cada uma delas? A.L.: A minha experiência com cada uma dessas editoras foi a melhor possível. Sempre procuro pessoas afinadas com os meus projetos. Encontrei isso na saudosa Vivian Wyler, que me recebeu de braços abertos na Rocco. Mesmo antes da Vivian falecer, em 2017, senti que um ciclo se encerrava. Carlos Andreazza, editor-executivo do Grupo Editorial Record, contratou Eufrates quando o livro era apenas um projeto (menos que isso, até), ou seja, ele confiou em mim e demonstrou ter um interesse real em trabalhar comigo. Então, é sempre uma questão de afinidade, de procurar e encontrar profissionais que compreendem o que quero fazer e me auxiliam da melhor forma possível. As sugestões que recebo no processo de edição são sempre as melhores possíveis, e livros como Terra de casas vazias (editado por Rosana Caiado), Abaixo do Paraíso (editado por Flávio Izhaki) e Eufrates (editado por Luiza Miranda) passaram por alterações significativas graças às intervenções desses profissionais.  A.S.: Quando você conversa com os seus amigos escritores goianos (ou de outros lugares), surgem comparações entre a sua trajetória, direto com editoras grandes (e “nacionais”), e a galera que acaba tendo acesso apenas às editoras pequenas e, muitas vezes, especificamente as editoras locais, regionais? Quais são as semelhanças e diferenças mais marcantes nestes dois universos aparentemente tão distintos? Ou, se preferir, o que existe de positivo e negativo nessas diferenças? A.L.: Não me lembro de conversar a respeito dessas coisas com meus amigos escritores, talvez por não ter muitos amigos escritores ou não conviver tanto com pessoas do meio literário. Em geral, falamos sobre futebol e a respeito do que temos lido. Quanto às diferenças, acho que elas dizem respeito às tiragens e à distribuição. Editoras menores fazem um trabalho mais pontual, por assim dizer, vendem os livros nos sites e em locais específicos. Também acho que as editoras maiores têm mais facilidade para emplacar resenhas e matérias nos (ainda) chamados jornalões, embora isso esteja mudando — talvez porque muitos escritores publicados por editoras pequenas estejam ganhando prêmios literários importantes, como ocorreu com as extraordinárias Paula Fábrio e Cristina Judar.  A.S.: Em Eufrates (2018), você coloca como epígrafes em alguns dos capítulos trechos dos escritores goianos Wesley Peres e Heleno Godoy. O Wesley Peres e outros (como a Dheyne de Souza, por exemplo) aparecem também em outras obras suas, em agradecimentos, dedicatórias... Qual é sua relação com o pessoal da literatura em Goiás e como isso marca seu trabalho, ainda que você viva há anos em São Paulo e publique por editoras do “eixo Rio-São Paulo”? Qual é sua relação com a “literatura goiana”, caso seja possível falar de uma “literatura goiana”? Que autores e obras gosta (“clássicos” e contemporâneos)? Com que escritores têm uma relação de amizade, de parceria profissional ou de afinidade? A.L.: Começando pelo fim, aprecio as obras de Heleno Godoy, Wesley Peres, Miguel Jorge, Yêda Schmaltz, Bernardo Élis, Dheyne de Souza, José J. Veiga e Edmar Guimarães. Sou amigo de Wesley Peres há mais de uma década e também convivi com Dheyne de Souza quando ainda vivia em Goiás. À exceção do Wesley e de uns poucos escritores que considero amigos, não tenho muito contato com meus colegas goianos ou de outros estados. Olhando para os nomes que citei, creio que a única coisa que os liga é o fato de terem nascido ou se radicado em Goiás. Não percebo muitas semelhanças estilísticas ou sequer temáticas entre eles. É por essas e outras que sempre considero esses rótulos (“literatura goiana”, “literatura regionalista” etc.) uma bobagem.  A.S.: Quando eu organizei o projeto e a antologia Cidade sombria (2018), da qual você é um dos autores convidados, eu fui muito deparado com a seguinte pergunta, que passo agora para você: existe uma “cena literária” em Goiânia ou em Goiás? Caso sim, você faz parte dela ou ao menos a acompanha (e de que forma)? A.L.: Embora tenha nascido em Goiânia, só passei três anos da minha vida na cidade (1998, 2003 e 2006). Logo, não saberia dizer se existe uma “cena literária” ou coisa que o valha na cidade. Imagino que exista, mas não penso muito nesses termos. Acho que em toda parte há escritores trabalhando, e alguns deles se conhecem e se estimulam, divulgam os trabalhos uns dos outros, e isso também é importante. É bacana saber que você não está sozinho. Logo, em qualquer lugar, projetos como Cidade Sombria ajudam a divulgar os trabalhos dos mais diversos autores, e é importante que os governos locais invistam nesse tipo de coisa. Mas se tais e tais autores formam ou não uma “cena” é irrelevante. Importam as obras e o que elas nos dizem.  A.S.: Apesar de sua estreia como vencedor do Prêmio Sesc de Literatura, que é voltado para autores iniciantes, e diversas publicações em editoras grandes (“nacionais”) de 2005/2006 para cá, suas obras nunca se consagraram vencedoras destes que são considerados os principais prêmios da literatura brasileira e/ou em língua portuguesa. Com Eufrates (2018), por exemplo, você despontou como semifinalista ou finalista ao menos do Prêmio São Paulo de Literatura, Prêmio Jabuti e do Prêmio Oceanos, mas sem consagrar-se como vencedor (o famoso “bater na trave”). Sei que estou tocando numa questão bastante delicada aqui, pois estes prêmios passam longe de serem unanimidades e existem muitas questões (pessoais, políticas, de mercado editorial...) envolvidas nestas eleições, mas é que tenho a impressão de que autores que não ganham estes prêmios estão praticamente fadados a não terem muita visibilidade (muitas vezes, até mesmo os vencedores destes prêmios estão “presos” a seus próprios “nichos” de público, pois sabemos que os brasileiros, de maneira geral, leem muito pouco literatura e que os autores mais vendidos nem sempre são os eleitos nessas premiações). E você, por exemplo, é um autor que eu considero que tem uma visibilidade muito menor do que merecia, inclusive em terras goianas. Como é para você lidar com isso tudo (prêmios, relação com mercado editorial, público...)? A.L.: Tenho uma relação muito boa com o mercado editorial. Quero dizer, nunca tive muitos problemas para publicar meus livros e circular com eles por aí. Quanto ao alcance desses livros, bom, você mesmo sublinhou que o brasileiro lê pouco. Participo de eventos, visito escolas, faço o possível para divulgar o meu trabalho e o trabalho das pessoas que admiro, mas meu alcance é limitado. Em relação aos prêmios, é bacana ser lembrado e imagino que seja muito bom — inclusive financeiramente — ganhar algum deles, mas nunca escrevi uma linha sequer pensando nisso. Sou pragmático e não perco tempo pensando em coisas que não controlo. Se ganhar, ótimo. Ganhando ou não, sigo trabalhando da mesma forma. E, como você também disse, mesmo para vários dos vencedores, a visibilidade não aumenta tanto assim. Fico lisonjeado que você me julgue merecedor de mais visibilidade, mas essas coisas independem de mim. A única coisa que posso fazer — e faço — é seguir concentrado na única coisa que realmente importa: escrever. Talvez eu tenha mais visibilidade depois que morrer. É algo bastante comum. Ou talvez meus livros desapareçam junto com os meus restos. Se for o caso, também não vejo problema algum, pois terei vivido bem, trabalhando no que gosto, e já estarei morto, não precisarei me preocupar com a minha reputação.  A.S.: Você vive exclusivamente de literatura (e/ou da escrita, considerando que você escreve também para jornais, trabalha com revisão e tradução etc) no sentido financeiro mesmo da pergunta (um tanto quanto sacana)? Como é sua relação profissional, laboral, com a escrita e com a literatura? Pergunto isso porque sei que esta é uma curiosidade ainda muito recorrente para escritores iniciantes, especialmente para quem está longe deste tal de “eixo Rio-São Paulo”, e porque sei ainda que este lance de “viver de literatura” pode ser tanto um sonho, uma libertação, quanto uma armadilha, uma prisão (no sentido de que a pessoa acaba acumulando muitos trabalhos e corre o risco de nunca sobrar tempo para os projetos pessoais e para a escrita literária, propriamente – embora, claro, como você mesmo já disse em outras entrevistas, exista quem prefira o “rolê” de ser escritor ao ato de escrever literatura, propriamente). A.L.: A maior parte da minha renda vem de trabalhos ligados direta ou indiretamente à literatura. De uns anos para cá, precisei procurar por outras coisas a fim de complementar a renda, pois a vida cultural brasileira está sendo sufocada e a quantidade de trabalho diminuiu bastante. Acho que “viver de literatura” é tudo isso que você falou: sonho, libertação, armadilha, prisão — varia conforme as circunstâncias externas. Acho que os escritores iniciantes precisam se preocupar em ler e escrever. Se tiverem fontes extraliterárias de renda, tanto melhor. Se não tiverem, boa sorte e meus sentimentos.  A.S.: Paz na terra entre os monstros (2008) é sua segunda publicação e, até então, sua única obra de contos (oito contos e uma novela). Gostaria que você falasse um pouco sobre essa obra e sobre o porquê de nunca mais ter publicado livro de contos. Qual é a sua relação com o conto literário? A.L.: A verdade é que eu não sou um bom contista. Admiro muito esse talento específico (assim como admiro os poetas), amo ler contos (Carver, Cheever, Alice Munro, Maira Parula, Dalton Trevisan, Marçal Aquino, Márcia Denser, Singer e Rubem Fonseca estão entre os meus prediletos), mas a minha praia como autor é mesmo o romance. Hoje, só escrevo contos por encomenda, e em geral eles se parecem com trechos de uma história maior. Na verdade, boa parte de Eufrates nasceu de contos que fui rascunhando ao longo da década anterior. Mostrei um deles (o trecho em que Jonas está em Buenos Aires, escrito ali por 2011 ou 2012) a um amigo e ele me disse: “Isso não é um conto, é um pedaço de romance”. Ele estava certo, claro. Mas gosto de Paz na terra entre os monstros porque ele foi extraordinariamente bem editado pelo mesmo Flávio Izhaki que depois lidou com Abaixo do Paraíso; eram quase trinta contos na primeira versão, e Flávio sugeriu que eu cortasse a esmagadora maioria deles, graças a D’us. (Flávio, aliás, é um excelente romancista, autor de livraços como Amanhã não tem ninguém e Tentativas de capturar o ar.) Ficamos com nove contos razoáveis e uma novela, Aneurisma, que eu até hoje considero uma das coisas mais bacanas que escrevi. E, a exemplo do que acontece com Hoje está um dia morto, há uma certa faixa de leitores (gente mais jovem, em geral) que gosta de Paz na terra entre os monstros. Eles apreciam a linguagem mais desbragada e as brincadeiras estilísticas. Uma das coisas mais legais para mim é saber que um determinado livro encontrou seus leitores.  A.S.: Ao final de Eufrates (2018), você fala que “este romance foi tomando forma aos poucos, no decorrer dos últimos doze anos, quando eu não estava trabalhando em meus outros livros. Trechos dele aparecem como contos no meu site e em diversas publicações [...]” (p.376). Gostaria que você comentasse um pouco o processo de escrita e publicação deste romance, considerando esta mais de uma década de produção da obra e estas publicações fragmentadas que antecedem o romance em formato de livro. A.L.: Eufrates surgiu de várias outras histórias. Eu gosto muito de explorar um determinado tipo de estruturação, em que diversas histórias e vários personagens circulam pela obra. Também fiz isso em Como desaparecer completamente e Terra de casas vazias. Terminei de escrever Abaixo do Paraíso em janeiro de 2015 e fiquei mais de um ano sem saber o que fazer a seguir. Iniciei e abandonei vários projetos. Então, peguei aquele emaranhado de “contos que pareciam pedaços de romance” e comecei a pensar em uma trama que os abarcasse. Eu queria escrever uma história sobre a amizade, algo cada vez mais em desuso nesse Brasil tão polarizado. A coisa decolou a partir do momento em que criei os personagens Jonas e Moshe. Os temperamentos de cada um ditaram os ritmos e o andamento do romance. Eu sabia que seria um livro extenso, e é importante que uma obra assim respire, acelere e desacelere, envolva o leitor nessas mudanças de registro. Usei os pais e as companheiras de cada um como contrapontos e a história se ergueu sem maiores contratempos.  A.S.: Você afirmou certa vez, no seu Instagram, que ama “calhamaços”. Qual é sua relação com os “calhamaços” da literatura e que papel eles ocupam hoje, na literatura contemporânea? Quais seus “calhamaços” preferidos? A literatura do século 21 produziu algum bom “calhamaço”? A.L.: Bom, gosto de livros com os quais posso conviver por um espaço de tempo maior. Acho que isso diz muito do meu temperamento e explica por que me tornei romancista, pois a escrita de um romance sempre se prolonga por meses e anos. Gosto dessa “convivência”, como leitor e como autor. Alguns dos meus calhamaços prediletos são a Ilíada, de Homero, Guerra e paz, de Tolstói, The recognotions e JR, de William Gaddis, Ulysses, de James Joyce, The making of americans, de Gertrude Stein, O arco-íris da gravidade, de Thomas Pynchon, Grande sertão: veredas, de João Guimarães Rosa, Viva o povo brasileiro, de João Ubaldo Ribeiro, Graça infinita, de David Foster Wallace, Submundo, de Don DeLillo, e 2666, de Roberto Bolaño. Há sempre bons calhamaços pululando por aí. Em anos recentes, gostei muito de Uma vida pequena, de Hanya Yanagihara, O pintassilgo, de Donna Tartt, Cidade em chamas, de Garth Risk Hallberg, De espaços abandonados, de Luisa Geisler, Vidas novas, de Ingo Schulze, A ponte invisível, de Julie Orringer, e Os luminares, de Eleanor Catton. Eles ocupam o papel de qualquer bom livro, independentemente do tamanho: são pontes para o outro, esforços imaginativos, obras de arte.  A.S.: Eufrates, com suas cerca de 400 páginas, é resultado deste amor pelos “calhamaços”? Pretende escrever/publicar algo que ultrapasse essa quantidade de páginas? (Em seu primeiro romance [Hirudo Medicinallis ou carta aberta de um vampiro de brinquedo ao espectro de Orson Welles, de 2002], o também escritor goiano Ademir Luiz falou que queria escrever um livro que, ao cair no chão, fizesse barulho...). A.L.: Acho que a coisa simplesmente aconteceu, não foi algo premeditado. Quando Eufrates começou a tomar forma, percebi que seria um romance extenso por conta das histórias que precisaria amarrar ali; seria impossível fazer isso em menos de trezentas páginas. Aliás, por sugestão da editora, cortei toda uma seção do livro que estava muito desconectada das tramas principais; se tivesse mantido essa parte, o romance teria ultrapassado as quinhentas páginas. Se a minha intenção fosse escrever um “romanção”, por certo não teria cortado nada (e o livro resultaria pior). Estou começando a desenvolver um novo projeto e, pelo que tenho rascunhado, creio que ele terá mais ou menos o mesmo tamanho que Eufrates. Talvez eu esteja ficando prolixo com a idade.  A.S.: Lembro que em uma entrevista mais antiga que você concedeu (não lembro data e local, pois a vi há alguns anos) você falava que estava “encaretando” (a expressão aqui é minha) como escritor, no sentido de se preocupar menos com experimentações (busca por inovações) de forma e de estrutura narrativa. Lembro até que você falava que isso era influência de obras literárias do século 19, em especial da literatura russa (acho que você comentou especificamente o citado Guerra e paz [1865/1869], de Tolstói). É isso mesmo? Seu amadurecimento como autor literário significou perder o medo de soar “careta” em forma, te deixou menos preocupado com “malabarismos” na questão da forma, da estrutura? Você ficou menos “moderno” e mais “clássico”? A.L.: Acho que fiquei mais “moderno” e menos “pós-moderno”. Gosto das experimentações que arrisquei em Hoje está um dia morto, Aneurisma e Como desaparecer completamente, mas, a partir de Dentes negros, senti que elas não estavam me ajudando a fazer aquilo que realmente importa para mim: contar histórias. Ainda exploro bastante coisas como o discurso indireto-livre, mas, em termos gerais, fiquei mais “careta”, é verdade. Também percebi que livros como Terra de casas vazias e Abaixo do Paraíso chegaram a uma parcela de leitores que não se interessaram por Hoje está um dia morto (claro que o contrário também aconteceu, e vários leitores do Dia Morto dizem preferir minha produção inicial a esses livros mais recentes).  A.S.: Também em seu Instagram, você falou certa vez que “adoraria ser autor de policiais, desses que escrevem 78 livros com um mesmo personagem por décadas a fio”. Qual é sua relação com a literatura policial e por que a sua “praia acabou sendo outra”? Em quais de suas obras a literatura policial aparece de forma marcante? E que obras literárias do gênero policial você gostaria de escrever e (ainda?) não escreveu? A.L.: Gosto muito de policiais, mas, como disse na mesma postagem, a gente escreve como pode, não como quer. Acho que minha praia acabou sendo outra porque também gosto de Joyce, Gaddis, Roth e outros autores que não lidam com esse gênero, e essas formas de abordagem literária talvez tenham me parecido melhores para desenvolver as histórias que queria. Várias dessas decisões, sobretudo nos primeiros anos de carreira, são tomadas meio inconscientemente. Há passagens de Terra de casas vazias e Abaixo do Paraíso em que a influência das minhas leituras policiais é bem visível. Não creio que venha a escrever livros policiais, contudo. Acho que é meio tarde para redirecionar meu foco criativo, por assim dizer. A.S.: O sexo (no sentido mesmo de ato sexual) é recorrente em sua obra literária, presente de maneira muito notória desde Hoje está um dia morto até Eufrates. Qual é a importância do sexo em seu projeto literário? A.L.: Acho que é uma excelente forma de abordar os personagens. Eles se conhecem e se estranham por meio do sexo. O leitor descobre muitas coisas a respeito deles e da história que está sendo contada dessa maneira. Então, o sexo é um dispositivo narrativo ao qual recorro sempre que julgo necessário. Em alguns livros, como Hoje está um dia morto, Abaixo do Paraíso e Eufrates, pelas próprias naturezas das histórias ali narradas, o sexo é mais presente; em outros, menos.  A.S.: É possível afirmar que a “crise da masculinidade” também é um tema recorrente de sua obra literária? Caso sim, qual é a importância para você desse tema e como costuma trabalhá-lo? Aliás, esta parece ser uma questão marcante na literatura brasileira contemporânea, né? A.L.: Nunca pensei nesses termos, seja como leitor, seja como escritor. Crio personagens e os solto por aí. Eles têm problemas porque todos temos problemas, vivem crises porque todos vivemos crises, mas nunca pensei em qualquer personagem meu como um repositório desse tipo de... diagnóstico? Sobre a literatura brasileira contemporânea, os melhores livros que li em anos recentes (Noite dentro da noite, de Joca Reiners Terron, As visitas que hoje estamos, de Antônio Geraldo Figueiredo Ferreira, Hanói, da Adriana Lisboa, Outro Lugar, de Luis Krausz, entre outros) não lidam com esse tema. Se há um tema recorrente em nossa produção contemporânea, talvez seja o da nossa relação com a memória.  A.S.: Apesar disso, muitas de suas obras contam com personagens mulheres como protagonistas e/ou com destaque. Como o feminino está presente em sua literatura? E como é pensar sua literatura a partir destas personagens femininas? A.L.: Fabiana (de Hoje está um dia morto), Ana Maria (de Dentes negros), Teresa (de Terra de casas vazias) e Simone (de Abaixo do Paraíso) estão entre meus personagens prediletos. A única coisa em que penso é que elas devem ser críveis. Em alguns casos, eu me inspiro em pessoas que conheci e com as quais convivi, mas não por completo, não de todo — acho importante deixar bastante espaço para a imaginação. De certo modo, o processo é sempre o mesmo tanto para personagens masculinos quanto para os femininos. Escrevo sempre me perguntando: eu acredito nessa pessoa? Ela me parece crível, real?  A.S.: Jerusalém (Israel) tem presença marcante em sua obra literária, em especial em dois romances: Terra de casas vazias (2013) e Eufrates (2018). Qual é sua relação com Jerusalém (Israel) e com o judaísmo? A.L.: Esta é uma questão muito particular e eu prefiro não falar a respeito. Digo apenas o seguinte: a fé (ou a sua ausência) é uma questão íntima, pessoal e intransferível, e o mundo seria um lugar bem melhor se ela fosse tratada como tal; minha relação com D’us é intraduzível para outrem, pois não pode ser racionalizada ou colocada em palavras.  A.S.: As “desgraças” também são recorrentes em suas obras literárias, né? Suicídios, criança morta por atropelamento, catástrofes de um mundo distópico ou pós-apocalíptico, atentado terrorista, assassinato por homofobia, latrocínio, overdose e tantas outras desgraças... O mundo é uma desgraça? A humanidade é uma desgraça?  A.L.: Bom, desgraças ocorrem o tempo todo, em toda parte, e é natural que elas tenham lugar em minhas histórias. Eu diria que o mundo também é uma desgraça, que a humanidade também é uma desgraça, mas que ambos também são ou, em alguns casos, almejam ser outras coisas, melhores e mais aprazíveis. Se eu não acreditasse nisso, não veria sentido em continuar vivendo, e em todos os meus livros procuro apontar para esse sentido possível ou, pelo menos, sugerir que ele existe e está ao alcance de todos nós.  A.S.: Talvez, seja possível dizer que Dentes negros (2011) seja o ápice, em sua obra literária (até então), de elementos distópicos, de literatura especulativa e até mesmo do horror. A impressão que eu tenho é que, depois deste romance, você partiu para uma literatura mais calcada na realidade, no cotidiano, ainda que as relações humanas e mesmo as situações limites sejam temas sempre presentes em suas obras. É isso mesmo? Caso minha afirmação seja verdadeira, gostaria de entender o que significa Dentes negros na sua trajetória como autor literário e os motivos para o “abandono” deste lado mais “fantástico” (e até mesmo “pop”) de sua literatura. Além disso, gostaria que você comentasse sobre uma possível “continuação” a ser lançada, pois vi uma outra entrevista recente sua em que você comenta uma “volta” a Dentes negros. A.L.: Mesmo em Dentes negros, não obstante o gênero desse livro e o contexto da história ali desenvolvida, eu procuro me deter no cotidiano, nos detalhes das vidas dos personagens, suas rotinas e tudo o mais. Claro que há elementos fantásticos e ocorrências extraordinárias, mas o que me interessa é descrever como os protagonistas — aqueles que sobreviveram à epidemia e à violência descritas na obra — levam suas vidas adiante, inclusive se apoiando uns nos outros. O final de Dentes negros conversa com o final de Terra de casas vazias, por exemplo. Ambos apontam para recomeços possíveis, mas que ainda não estão muito claros e talvez nem venham a ocorrer, mas que estão ali, ao alcance dos personagens. Pensando por esse lado, não creio que tenha “abandonado” nada, e é verdade que não descarto voltar ao universo de Dentes negros, se e quando me ocorrer uma história que julgue bacana.  A.S.: Em Eufrates (2018), a discussão sobre a atual conjuntura política brasileira está presente, com discussões sobre o petismo, Junho de 2013 etc. Diante da atual situação política do país e da presença tão marcante de debates públicos (rasteiros ou sofisticados) nas redes sociais, torna-se difícil que essas questões não permeiem a atual produção literária brasileira? O que pensa desta relação entre literatura e o debate político do tempo presente? A.L.: Não creio que seja possível escrever um romance que se situe no Brasil contemporâneo sem abordar de alguma forma os acontecimentos políticos. Essas discussões estão em toda parte, desde as mesas dos botecos até os grupos de WhatsApp. A relação entre literatura e debate político é tão boa quanto o escritor que lida com ela. Alguns são bem-sucedidos, outros não são, e as razões pelas quais alguns se dão bem e outros se dão mal são muito específicas, dizem respeito a cada obra. Em geral, os melhores livros são aqueles que não submetem a voz do autor ou da autora à (des)ordem do dia, por assim dizer, mas o contrário. Há discussões políticas em vários romances meus, mas elas estão umbilicalmente ligadas às histórias e aos personagens, isto é, elas não surgem do nada, não “contaminam” as páginas, não estão ali por uma imposição qualquer, mas porque é natural que os personagens conversem sobre isso ou aquilo nos contextos de suas existências, em seu cotidiano.  A.S.: Ainda sobre esta relação entre produção literária e conjuntura política do presente, gostaria que você comentasse como isso se manifesta na sua obra, ao longo destes 15 anos ou mais. Tenho a impressão de que sua obra é marcada pela questão política, mas não da maneira explícita como as pessoas costumam entender a política e, particularmente, a política na arte. No entanto, percebo também que há em Eufrates (2018) uma visibilidade notória e mais explícita deste debate político, de uma forma que você não costuma trabalhar em suas obras literárias. É isso mesmo? A.L.: Em Eufrates, há uma reflexão de cunho filosófico sobre alguns aspectos das manifestações de 2013, explícita em um diálogo entre Moshe e seu pai. O que eu rejeito — como leitor e como autor — é toda e qualquer abordagem panfletária. Infelizmente, em tempos assim conflagrados, muitos autores se deixam levar pelas circunstâncias e produzem obras que reagem, mas não refletem sobre o momento histórico que atravessamos. Essas obras já nascem velhas, a meu ver. A política é algo que me interessa e que sempre procuro abordar, seja tratando de seus mecanismos mais comezinhos (vide o protagonista de Abaixo do Paraíso), seja lidando com questões de fundo (como na referida passagem de Eufrates). Gosto muito da forma como Cristóvão Tezza, Bernardo Ajzenberg e Julián Fuks abordam diversas questões contemporâneas, cada qual a seu modo, em livros recentes. Saindo do Brasil, a última obra-prima de Philip Roth, Fantasma sai de cena, é uma aula sobre como abordar acontecimentos “quentes” (por exemplo, a reeleição de George W. Bush) sem soar histérico ou panfletário. Por fim, como afirmei na resposta anterior. acho difícil escrever um romance que se passe nos dias de hoje sem abordar, ainda que marginalmente, a nossa morte política e a brutal emergência do neointegralismo. A questão é sempre encontrar o tom e a abordagem mais adequados, e cada escritor, bem ou mal, lida com isso a seu modo.  A.S.: Que tema você julga importante e que ainda não está presente (ou não está presente da maneira como gostaria) em sua obra literária? A.L.: Não sei. Talvez o fim do mundo. Talvez no futuro eu retome mesmo Dentes negros. Estou planejando retomar os personagens de Abaixo do Paraíso, mas por outra via, tocando em outras questões; odiaria me repetir.  A.S.: Hoje está um dia morto (2006) foi recentemente adaptado para os cinemas. O cineasta (goiano) Robney Bruno Almeida adaptou o roteiro e dirigiu o filme longa-metragem Dias vazios (2018). Como é isto de ver um romance seu virar filme? Existem outras propostas ou projetos de adaptação cinematográfica de sua obra literária? A.L.: Eu não participei do processo de adaptação. Desde o começo, pareceu-me claro que aquela devia ser a viagem do Robney, e que ele deveria se sentir livre para adaptar o romance como bem entendesse. Assim, Dias vazios é bem diferente de Hoje está um dia morto, e isso eu também achei interessante e recompensador: que a mesma história pudesse ensejar abordagens tão díspares. Em outras palavras, fiquei muito satisfeito com o resultado final. O mesmo Robney adquiriu os direitos para adaptar Abaixo do Paraíso, mas, dadas as circunstâncias atuais, não sei quando ele conseguirá levar o projeto adiante. A.S.: Qual é a sua relação com o cinema e como o cinema está presente em sua produção literária? Você tem experiências com roteiro cinematográfico? A.L.: Nunca escrevi roteiros cinematográficos ou, pelo menos, nunca escrevi um roteiro que tenha sido filmado. Minha primeira formação foi em Cinema e tenho uma relação muito próxima com essa forma de arte, mas apenas como apreciador, não como criador. Acredito que meus três primeiros livros flertam mais com determinadas abordagens tipicamente cinematográficas (há até um capítulo de Como desaparecer completamente que parodia um roteiro de cinema), mas fui deixando isso de lado nos trabalhos seguintes. O estilo seco de Dentes negros deve tanto à literatura de Appelfeld quanto a qualquer flerte cinematográfico ou mesmo cinefílico.  A.S.: De seus livros lançados, qual é o seu preferido e de qual gosta menos? Por quê? A.L.: Meu predileto é Terra de casas vazias. Foi o romance no qual encontrei um determinado tom (mais compassivo e compassado, como gosto de dizer) que ainda hoje exploro, além de ser estruturalmente bem resolvido, sobretudo em relação àquela ideia de organizar várias histórias que correm paralelas e tudo o mais. Não desgosto ou me arrependo de ter publicado nenhum de meus livros. Todos eles encontraram seus leitores e ainda circulam por aí, e isso me deixa muito feliz. A.S.: Você alimenta um blogue, que dá espaço não apenas a sua produção literária, mas também a críticas de filmes etc. Os blogues foram uma ferramenta fundamental para os escritores que pegaram o início da popularização da internet no Brasil, mas soa como uma coisa meio ultrapassada hoje, para as novas gerações (até mesmo o Facebook virou coisa de tiozão). Qual é sua relação com o blogue e qual sua relação com as redes sociais, de maneira geral? Qual a importância dessas ferramentas para sua produção (ou divulgação) literária? A.L.: Em se tratando das redes sociais, parei de usar o Facebook há anos e não pretendo voltar. Aquele é um ambiente pouco saudável; por mais que ajudasse na divulgação do meu trabalho, as chateações se tornaram muito frequentes, e eu achei melhor dar o fora. Uso o Twitter para me informar e me manter em contato com várias pessoas. Ignoro ou bloqueio os chatos, e é a minha rede social predileta. Também curto o Instagram, que uso mais para divulgar meus livros e outras coisas (e uso bem menos do que o Twitter). Quanto ao blogue, ainda o considero o espaço ideal para publicar textos mais extensos, inclusive acadêmicos. A julgar pela quantidade de acessos, não creio que as pessoas (ao menos, as pessoas que me leem) considerem essa ferramenta ultrapassada, pelo contrário. Acredito que determinados usos dos blogues se tornaram ultrapassados, mas não a ferramenta em si. Também utilizo o espaço para arquivar e linkar textos a respeito do meu trabalho e, claro, divulgar meus livros, eventos de que participo e outras coisas. Enquanto tal, o blogue me serve muito bem.  A.S.: Recentemente, você lançou seu primeiro livro infanto-juvenil, Daniel está viajando (2019). Gostaria que você falasse um pouco sobre esta obra e sobre a experiência de escrever para esta faixa etária. A.L.: Daniel está viajando nasceu durante a escrita de Terra de casas vazias, ali por 2011 ou 2012. Há um trecho desse romance que é protagonizado por uma criança. Na época, curti a experiência e, entre uma revisão e outra do romance, decidi investir em uma pequena história sobre uma criança usando a imaginação para lidar com uma grande perda. Como sou novato na área, levei bastante tempo para encontrar uma editora disposta a lançar o livro — no caso, a excelente Quase Oito. A melhor parte de todo o processo foi trabalhar com a ilustradora Lina Nestorova. Graças a ela, Daniel está viajando resultou muito melhor do que eu esperava.  A.S.: Para finalizarmos com (mais) um clichê... Quais são seus projetos em desenvolvimento, no momento? O que virá em breve para pessoas que, como eu, acompanham sua trajetória artística com bastante interesse? A.L.: Comecei a desenvolver essa sequência de Abaixo do Paraíso a que me referi, retomando alguns personagens e os colocando nesse Brasil alquebrado e surtado com que nos deparamos hoje. Senti necessidade de abordar as circunstâncias políticas e anímicas atuais, mas não pretendo escrever um romance propriamente “político” ou um panfleto. A coisa ainda está bem no começo; não sei quando o terminarei.    * Adérito Schneider é jornalista, roteirista, professor de Cinema e Audiovisual do Instituto Federal de Goiás (IFG) – Campus Cidade de Goiás e um dos escritores e organizador de Cidade Sombria (2018), uma antologia de contos noir ambientados em Goiânia e escritos por autores goianos.  Para acessar o site do autor André de Leones e conhecer mais e melhor seu trabalho e suas publicações, clique em: www.andredeleones.com.br