A leitura de Hegel fundamental hoje e sempre

23 novembro 2020 às 15h52

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O filósofo nos torna capazes de desvendar mistérios da alma humana. Compreendemos que a vida é cheia de contradições, que devem ser superadas e não suprimidas
Helvécio Cardoso
Especial para o Jornal Opção
Tem havido grande interesse no filósofo alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831 — viveu 61 anos) ultimamente. Tem muita coisa no Youtube sobre ele. Mas é o tipo da coisa: entenda Hegel sem ler Hegel. E o que tem de informação errada.

Hegel é mais conhecido por ter sido a grande e decisiva influência sobre Marx, que o critica respeitosamente. É também conhecido como criador da tal dialética. Mas o que se vende por aí como “dialética de Hegel” é, na verdade, dialética de Fitche (1762-1814), exposta por ele na “Doutrina da Ciência”.
A famosa tríade dialética — tese, antítese e síntese — não pertence ao vocabulário hegeliano. No caudaloso “Ciência da Lógica”, Hegel usa uma única vez esta expressão ao referir-se à filosofia de Kant — que Hegel critica respeitosamente.
Também é outro equívoco dizer que a dialética é a “estrutura formal da natureza”. Em Hegel, a dialética é a estrutura dinâmica do pensamento. Afinal, ele era idealista, embora, como observou Lênin, seu pensamento tenha tendências materialistas — ver “Cadernos Filosóficos”, recém publicado pela editora Boitempo.
A grande conquista da assim chamada dialética de Hegel está nas intrincadas relações do universal com o particular e destes com o singular. “O universal é a alma do concreto, ao qual é imanente, sem impedimentos e igual a si mesmo na multiplicidade e diversidade dele.” Este aspecto crucial do pensamento hegeliano nunca é destacado. Fica-se num fichteanismo de meia tigela e insuportavelmente reducionista.
Hegel não é fácil. Seu texto é denso. Seu vocabulário — cheio de neologismos — soa estranho ao leitor de primeira viagem. No entanto, não há como compreender Hegel a não ser lendo seus livros, sobretudo a “Fenomenologia do Espírito” e a “Ciência da Lógica”. São obras disponíveis em excelente tradução pela Editora Vozes. Ler Hegel exige a suspensão do senso comum e uma disposição para o perigo. É como fazer trapézio no escuro e sem rede de proteção.
Hegel não é para ser lido, é para ser estudado. É preciso ler, reler e tresler sua obra. Para quem deseja uma introdução a Hegel, recomendo “Razão e Revolução” (Paz e Terra, 413 páginas), de Herbert Marcuse. Ele nos dá uma visão panorâmica do hegelianismo sem apelar à linguagem insossa e pedante dos acadêmicos.
Já se disse que toda filosofia moderna não passa de rodapé a Platão e Aristóteles. Eu digo que toda filosofia contemporânea não passa de rodapé à obra de Hegel. Não se fica indiferente a ele. Antes mesmo de sua morte, aos 61 anos de idade, ele já era amado por uns e odiado por outros. Engels disse que com Hegel a filosofia clássica alemã chegou ao fim, e teve início a era das ciências sociais. Não entro nesse debate, mas o fato é que ele deixou muito pouco a fazer pelos que vieram depois.
E daí? O que se ganha lendo Hegel? Ficamos mais sabidos e capazes de desvendar mistérios da alma humana. Com Hegel compreendemos que a vida é cheia de contradições, que devem ser superadas e não suprimidas.
Helvécio Cardoso é jornalista.