Romance de Julia Navarro sobre o Oriente Médio não deixa ninguém indiferente
22 novembro 2020 às 00h00
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“Dispara, Eu Já Estou Morto” é o relato de uma história viva. A escritora espanhola usa a imaginação para recriar a história — com uma linguagem poderosa e nuançada
Celeste Gomes del Salto
Especial para o Jornal Opção, de Madri
“Dispara, Eu Já Estou Morto” (Bertrand, 840 páginas) é um romance que não deixa ninguém indiferente. Devo ser franca: gostei muito do livro.
Com este romance, Julia Navarro reaparece na lista dos mais lidos — depois do sucesso de vendas de seu livro anterior, “Diga-me Quem Eu Sou”.
Em “Dispara, Eu Já Estou Morto”, a autora mergulha no conflito árabe-israelense por intermédio de duas famílias. A narrativa abrange um amplo espaço de tempo, do final do século 19 até o momento presente (o livro é de 2014).
O romance começa com o encontro entre Marián, membro de uma ONG que foi enviada a Israel para investigar os territórios ocupados, e Ezequiel, um pai judeu idoso. Ele é o chefe pensante da política de ocupação, que Marian está procurando. Assim, dia após dia, um e outro narram, subjetivamente, o porquê dessa política. Marián contará a história da família Ziad e Ezequiel narrará a história dos Zuckers.
A narração começa com Samuel, um judeu russo que, vítima de pogroms em sua terra natal, é forçado a fugir dela. Por meio das linhas deste romance a autora nos levará a Paris, Londres, Rússia… E finalmente à Palestina, onde Samuel encontra, coincidentemente, Ahmed Ziad — com o qual estabelecerá um laço de amizade que só será quebrado pela morte.
Por meio da leitura, é possível verificar, geração pós geração, as relações das duas famílias. O leitor constatará que a situação de convivência das duas religiões e povos já estava gravemente danificada desde antes do Holocausto que se originou na Europa invadida pelos nazistas. Veremos como as grandes potências se intrometeram no assunto propondo a solução “salomônica” de dividir a Palestina em duas, independentemente da história real, já que os sobreviventes do Holocausto se tornaram um problema para os Aliados que não queriam apoiá-los na Europa. Veremos como o povo judeu sempre sofreu perseguição e como os palestinos tiveram que lidar com uma invasão de seu território, e como ninguém os apoiou. Vamos perceber o absurdo desta luta que ainda continua, sem que ninguém consiga agarrar o touro pelos chifres. Tudo isso é narrado de forma magistral por Julia Navarro em “Dispara, Eu Já Estou Morto”. A escritora mostra seu respeito por ambos os lados do conflito por meio de duas famílias e destaca o valor da amizade e da honra, passando por qualquer ódio inter-racial.
Quanto aos personagens, a autora os perfila perfeitamente, com um forte fardo psicológico sobre cada um e torna o leitor cúmplice na situação a cada momento da leitura. O leitor viverá junto com os personagens as tristezas, as alegrias, as convicções, os sonhos de cada um. Pode-se sugerir que o romance é um relato de uma história viva. Julia Navarro usa a imaginação para recriar a história — com uma linguagem poderosa.
No romance de Julia Navarro encontramos ódios, rancores, amores, mortes, assassinatos, honra, violência, lealdade… tudo isso faz com que o livro seja também um trabalho para a posteridade. Com uma sobriedade elegante, a autora não deixa nenhum momento da história intocado. Conta com detalhes as torturas durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e os terríveis acontecimentos do Monte Scopus ou Deir Yassin. Essa história sobre o Oriente Médio não deixa ninguém indiferente.
Breve biografia de Julia Navarro
Nascida em Madri em 1953, Julia Navarro desenvolveu uma carreira notável no mundo do jornalismo antes de se tornar uma das escritoras mais conhecidas da cena literária espanhola.
Especializada em análise política, trabalhou mais de 35 anos para mídias como Cadena Ser, Cope ou Europa Press, entre outros importantes veículos de comunicação (emissoras de rádio, imprensa escrita e televisão). Em 1977 Julia Navarro publicou seu primeiro livro “O Novo Socialismo”, e continuou publicando obras de jornalismo político. Os seus primeiros livros de ensaio foram dedicados a analisar a transição espanhola, bem como as notícias políticas dos anos 90.
Julia Navarro deu o salto para a literatura em 2004 com a publicação de “A Irmandade do Santo Sudário” (Ediouro, 453 páginas), um romance histórico que, cheio de suspense e bons personagens, obteve sucesso expressivo, tendo sido traduzido e publicado em quase toda a Europa.
A partir desse momento, o peso da carreira literária suplantou seu trabalho como jornalista. Julia Navarro publicou vários sucessos literários e de vendas: “A Irmandade do Santo Sudário Brasil”, “A Bíblia de Barro Brasil” (Ediouro, 564 páginas), “O Sangue dos Inocentes”(Bertrand), “Diz-me Quem Sou” (Bertrand), “Dispara, Eu Já Estou Morto” (Bertrand, 840 páginas) e “História de Um Canalha” (Bertrand). Entre outros.
Atualmente, Julia Navarro é analista política na Agência de Imprensa OTR/Europa. Ela tem uma coluna de opinião, crônicas parlamentares e análises publicadas em mais de cinquenta jornais em toda a Espanha. Também participa em programas de várias emissoras de rádio.
Celeste Gomes del Salto, jornalista radicada em Madri, é colaborada do Jornal Opção.