Opção cultural

Entre os ganhadores estão Lêda Selma, Gyovana Carneiro, Fernando Costa Filho, Iuri Moreno, Edney Antunes

Márcio Cruzeiro tem 56 anos, é funcionário da Universidade Federal de Goiás e é goiano de Piracanjuba

Não engulo a maquinaria monomaníaca da civilização tecnológica e financeira. Sou apaixonadamente conectado ao passado. Reconstruí-lo, não sei
Gabriel Nascente
A angústia originária do pecado de Adão é angústia inocente, tanto quanto — penso eu —, o pecado do primeiro homem (segundo a fábula teológica) também é inocente. Visto que o paraíso pode ser uma invenção puramente bíblica; e que, portanto, é controverso. Uma vez que o tálamo carnal que deu origem à espécie humana, ainda permanece encoberto de mistérios. É um enigma. Pois se o pecado original foi a primeira cópula da espécie humana, então deduz-se que toda a humanidade é pecadora. Ora, se o verbo deu luz à palavra, antropologicamente a carne é a origem da vida.
[caption id="attachment_285960" align="aligncenter" width="464"] Pintura de Ticiano| Foto: Reprodução[/caption]
Em sufoco de dúvidas, perguntem a Santo Agostinho, e depois ao dinamarquês Sören Kierkegaard, e ainda a Camus, o quê significa isto? Menos a mim, que sempre fui um doidivana metafísico, um estoico apaixonado. E só acredito na inocência da luz, na dignidade das estrelas e na engenharia artesanal das abelhas.
Se a natureza é Deus, estou dentro, mesmo que a vida nos seja tão somente uma embarcação de palha, soprada pelo suspiro de algum deus desocupado.
O que vivemos é uma esperança sem Deus, de sonhos que se tornaram angústias, abrindo crises espirituais terríveis em nossas vidas de hóspedes deste mundo, asfixiados. Os animais estão desaparecendo, os oceanos se transformando em gigantescas latrinas de lixo industrial; a água cada vez mais escassa em seus mananciais de finitudes; e as florestas se reduzindo a cemitérios de cinzas. Isto tudo me obceca. É odioso. E crava espinhos em minha alma.
A realidade nos mostra claramente que já nos afundamos a pique. E que só nos resta erguermos um brinde às vazias ilusões de estarmos vivos. Porque o simples fato de estarmos vivos já é triunfo de todos os milagres.
Eu sou uma espécie de gente muitíssimo rara neste planeta. Quero dizer: reconhecidamente em desuso; isto é: não engulo a maquinaria monomaníaca da civilização tecnológica e financeira. Sou apaixonadamente conectado ao passado. Reconstruí-lo, não sei. É loucura. Mas é dentro dele que estão os meus fantasmas, nitidamente vivos, como se fossem tambores ruflando no armazém das minhas lembranças.
Estúrdio! As duas maiores pandemias que invadiram a humanidade, nesta virada de milênio, são desastrosamente a Internet e a Covid-19. Nossos herdeiros sofrerão, no cérebro, o impacto desses avanços em níveis destruidores. Penso eu que o coronavírus, por exemplo, não é biológico, é resto de bomba atômica, bactéria nuclear capaz de destruir a própria eternidade. Morrerá o tempo, mas a desgraça desta epidemia, não.
Calma, minha gente! A internet é apenas uma cirrose eletrônica, contendo tudo de letal e maléfico armazenado na metodologia de seu labirinto. E tê-la, em nosso cotidiano, é tê-la como uma doença mental, nos conduzindo fatalmente à terrível alienação do vício. Daqui a pouco a humanidade não saberá mais usar as pernas nem a boca. Pois, ao desconectá-la dos computadores e dos celulares, caímos na mais nefasta das solidões, de volta à angústia de estamos sozinhos dentro de nós mesmos. Conclusão: a pandemia da internet é mais perigosa do que a pandemia do coronavírus. Pense nisto.
Gabriel Nascente é cronista do Jornal Opção.

A ficção ‘Musas provisórias’ analisa a posição da mulher na sociedade brasileira a partir de uma narrativa intimista

“Pátria” mostra que, para além do separatismo da Espanha, o ETA criou uma espécie de separatismo entre pessoas dentro do país basco

Nova tradução de Rei Lear por vencedor do Prêmio Jabuti oferece ao público leitor as sutilezas do verso shakespeariano

A Coca-Cola não se importou com a música. Um diretor disse: “Você conhece aquele dito popular, falem bem ou mal, mas falem de mim?”

“Deixou a máscara em casa e foi pra farra. Voltou tarde da noite em má companhia”

Eu soltei as represas da inspiração, primitivamente iletrada e inculta, a encher de poesia as páginas do caderno de aritmética. Com o apoio de Aidenor Aires

Bárbara dos Santos pode ser a primeira negra a receber o prêmio de melhor atriz no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro

A obra literária “Mais que um olhar”, de Renata R. Corrêa, traz representatividade e diversidade ao narrar a história de uma jovem cega

O poeta realça as vivências de anti-heróis, a partir da contemplação do novo mundo que nasce naquela faixa que marca o surgimento do mundo judeu
Adelto Gonçalves
Especial para o Jornal Opção
Uma poesia que traz à tona ideias cabalistas tradicionais que desestabilizam lógicas tradicionais e contemporâneas e, portanto, constitui uma poesia do movimento que retorna e se renova na perspectiva do laço sem fim nem começo. É assim que o tradutor Moacir Amâncio define, no prefácio, o labor poético do poeta israelense Amir Or — que chega pela primeira vez ao Brasil com o livro “A Paisagem Correta” (Relicário, 76 páginas, 2020), traduzido diretamente do hebraico.
É uma poesia que alinha várias tendências, o que a torna difícil de ser explicitada, mas que sobretudo é marcada pela sensação de incompletude, de coisas que não se completam e não chegam ao final. Tradutor do grego clássico e conhecedor de religiões, inclusive aquelas de cunho budista, Or coloca-se numa posição superior diante do mundo, à imitação do Deus criador do Gênesis, mas não pense o leitor que estará diante de um poeta indecifrável porque em sua poesia pode-se encontrar temas tratados sob uma ótica muito pessoal que, de certo modo, como observa o tradutor, ecoa a literatura da beat generation, em meio a elementos orientais, cristãos e judaicos.
Aliás, Or é autor de uma obra intitulada “On the Road” (2018), espécie de homenagem ao livro de 1957 com o mesmo título traduzido como “Pé na Estrada”, no Brasil, e “Pela Estrada Fora”, em Portugal, do norte-americano Jack Kerouac (1922-1969), um dos líderes do movimento literário da geração beat, que no Brasil teve como principal representante o poeta Cláudio Willer (1940).
A filiação à literatura beat fez de Or um divisor de águas na poesia praticada em Israel porque, até pouco antes do aparecimento de sua geração, os poetas e os escritores israelenses de um modo geral estavam ainda vinculados ao sionismo tradicional que procurava fazer com que a construção da nação fosse pautada por ideais coletivistas, com oportunidades para todos aqueles que deixavam seus países de origem, imigrando para a parte que idealmente lhes caberia naquela faixa do Oriente Médio.
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Amir Or: poeta israelense | Foto: Reprodução[/caption]
Segundo o seu tradutor, “Or já se formou num ambiente menos submetido ao peso da sociedade ideológica”. O que não significa, porém, que tenha deixado de lado o tom majestoso e mesmo religioso que caracteriza a poesia épica porque a tradição ainda marca lugar em sua produção. Só que, em vez contar façanhas de um herói que pudesse simbolizar as grandezas de sua pátria, o que o poeta faz é realçar as vivências de anti-heróis, a partir da contemplação do novo mundo que nasce naquela faixa que, de certa maneira, marca o surgimento do mundo judeu e, de pois, do cristão, na raiz também da cultura muçulmana.
Um exemplo dessa perspectiva pessoal que Or passa ao leitor é o poema “Não longe” que pode ser classificado mais como prosa poética: “Não longe da agitação da rua, da hábil colmeia e do barulho do pensamento, além das torres do enxame, além da margem pavimentada, o jorro dos rios de asfalto, / estirada aos olhos do dia e se bronzeando, a nudez animal da cidade das gentes; / escancarada como uma fossa, miqvê de lágrimas e pecados, Tel Aviv de fora / mas dentro, delicia-se consigo mesma no jogo de fluxo e refluxo no baldio da areia e do mar, no rito de mergulho e adoração a o sol, / um burburinho sem sentido faz com que esqueçamos toda vítima / humana, todo esforço, todo heroísmo e toda oração respondida em ato (...). Como observa o tradutor, miqvê é aqui uma referência ao mar de Tel Aviv, comparado com um reservatório de água, em que é feito o banho ritual judaico de purificação.
Pela amostra acima, o leitor já pode ter uma ideia do que vai encontrar neste livro: alguns poemas de Or constituem epigramas, que às vezes são reflexões ou digressões, embora, em outras ocasiões, sejam textos breves. Seja como for, o importante é que, como diz o escritor e professor universitário João Anzanello Carrascoza, que assina o texto de apresentação do livro, a beleza da poesia de Or “está acima das explicações”. E que pode ser resumida na frase inicial do poema “Lembrança. O fora é rasgado de dentro dele” em que ele diz: “(...) o poema é memória, como sol/ que fica no olho após a olhadela no sol; assim / é o poema, verso após verso (...).
O poeta Amir Or (1956), nascido em Tel Aviv, estudou religião comparada na Universidade Hebraica de Jerusalém, onde, mais tarde, foi professor de grego e religião. É também romancista, tradutor de poesia erótica grega, ensaísta e editor, além de ativista cultural, tendo organizado vários festivais. Criou a publicação “Helicon”, da qual surgiu a Escola de Poesia Árabe-Hebraica.
Coordenou o programa Poetas pela Paz, patrocinado pela Organização das Nações Unidas (ONU), que reuniu escritores árabes e israelenses. Recebeu os mais importantes prêmios literários de seu país e tem sido convidado a fazer conferências sobre escrita criativa em universidades de Israel, Europa, Estados Unidos e Japão. Viveu alguns anos no Japão e atualmente reside em Tel Aviv.
É autor de treze livros de poesia em hebraico, dois romances e onze livros de traduções para o idioma hebreu. Um de seus livros mais conhecidos é A Canção de Tahira (2001), ficção épica em prosa métrica. Também atua como ensaísta e tem sido reconhecido como uma das principais vozes da nova geração. Suas obras foram publicadas em mais de 50 idiomas. É autor de “The Madman's Prophecy” (2012), “Loot” (poemas), “Child” (2018) e “Discourse”, ensaios (2018), entre outros. Em 2015, publicou o romance “The Kingdom” sobre a vida do rei Davi e a sociedade contemporânea.
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Moacir Amâncio, poeta, tradutor e professor | Foto: Marcos Santos/USP Imagens[/caption]
O tradutor Moacir Amâncio
Já o tradutor Moacir Amâncio (1949), nascido em Espírito Santo do Pinhal (SP), poeta e professor de Literatura Hebraica na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP), estreou na literatura com a novela “O Saco Plástico” (1974), que foi seguida pela prosa fragmentária de “Estação dos Confundidos” (1977). Jornalista, passou a maior parte de sua vida profissional nas redações dos jornais “Folha de S. Paulo”, “O Estado de S. Paulo”, “Gazeta Mercantil” e “O Globo” e das revistas “Visão” e “Shalom”. Foi correspondente do “Estadão” em Israel.
Publicou os livros de contos “O Riso do Dragão” (1981) e “Súcia de Mafagafos” (1982). Mas, a partir de 1993, rendeu-se de vez à poesia com o livro “Do Objeto Útil”, que lhe valeu o Prêmio Jabuti. Em “Figuras na Sala” (1996) fez uma homenagem à melhor tradição modernista brasileira, assumindo-se como herdeiro do impulso poético de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) e João Cabral de Melo Neto (1920-1999).
Em 1997, publicou um livro de reportagens e artigos, “Os Bons Samaritanos e Outros Filhos de Israel”. Logo voltou à poesia com “O Olho do Canário” (1998). Em 1999, deu à luz “Colores Siguientes” em que reuniu poemas escritos em castelhano. É o livro que marca o início de uma série de peregrinações poliglotas, que vão atingir o seu auge com “Abrolhos” (2007) em que várias composições estão escritas em hebraico. Publicou ainda o livro de poemas Kelipat Batsal (Book Link, 2005), que também foi impresso em ousada edição da antiga e histórica revista d e litera tura e arte Et Cetera, nº 5, de Curitiba.
“Em Ata” (Record, 2007) reuniu seis livros de poemas publicados até então e outros inéditos. Publicou também “Yona e o Andrógino — Notas Sobre Poesia e Cabala” (Nankin/Edusp, 2010), que aborda a obra da poeta israelense Yona Wollach (1944-1985), além de uma antologia de poemas do israelense Ronny Someck (1951), intitulada “Carta a Fernando Pessoa” (Annablume, 2015).
Depois, em “Contar a Romã” prestou homenagem ao idioma de Cervantes (1547-1616). Em 2001, publicou sua tese de doutoramento, “Dois Palhaços e uma Alcachofra — Uma Leitura do Romance ‘A Ressurreição de Adam Stein’ de Yoram Kaniuk” (Nankin), na qual discute as diferentes formas de se ver o Holocausto em estudo sobre a obra do escritor israelense Yoram Kaniuk (1930-2013). Sua tradução anterior é o volume de poemas “Terra e Paz”, do poeta israelense Yehuda Amichai (1924-2010), publicada pela Bazar do Tempo em 2018.
Também traduziu “Badenheim 1939” (2012), livro de Aharon Appelfeld (1932-2018), e participou da tradução dos poemas da poeta israelense Tal Nitzán (1960), incluídos no livro “O Ponto da Ternura” (2013). É autor ainda de “O Talmud”, tradução de trechos e estudos (1995), e organizador de “Ato de Presença: Hineni” (2005), coletânea de ensaios em homenagem à professora Rifka Berezin, da FFLCH/USP. Em 2016, publicou “Matula” (Annablume), seu sétimo livro de poesia.
Uma série de poemas hebraicos medievais e contemporâneos, traduzidos por Moacir Amâncio, saíram neste ano na monumental antologia “Pelo Tejo Vai-se Para o Mundo”, sob coordenação geral da professora Helena Buescu, da Universidade de Lisboa, publicada pela editora Tinta da China, em Portugal.
Adelto Gonçalves é doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela USP e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; Publisher Brasil, 2002), Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003), Tomás Antônio Gonzaga (Imprensa Oficial do Estado de São Paulo (Imesp)/Academia Brasileira de Letras, 2012), Direito e Justiça em Terras d’El-Rei na São Paulo Colonial (Imesp, 2015), Os Vira-latas da Madrugada (José Olympio Editora, 1981; Letra Selvagem, 2015) e O Reino, a Colônia e o Poder: o governo Lorena na capitan ia de São Paulo 1788-1797 (Imesp, 2019), entre outros. Colaborador do Jornal Opção. E-mail: [email protected]

As idílicas férias de verão, usufruídas por um grupo de jovens ingleses em um castelo da Campânia italiana, vão definir o futuro e o amadurecimento de cada um deles; protagonista faz uma reflexão sobre os caminhos que se adota na vida

Converso com o caneteiro, que reclama que vende pouco... e ele foi saindo, cabisbaixo, como quem queria arrancar os olhos para chorar

Se o setor cultural já vinha sofrendo com algumas decisões antes da pandemia, como a extinção de uma pasta própria para a cultura - sendo incorporada, em um primeiro momento, como uma secretaria especial à pasta da Cidadania e, posteriormente, ao Ministério do Turismo -, com escassez de políticas públicas para a área, entre outras situações, nesse período de pandemia a situação só piorou.