Escritor coloca seus personagens diante de situações-limite cuja sedução por energias do outro mundo é um dos elementos que mais hipnotizam os leitores

Marcelo Miranda

Ler Aickman é como assistir à apresentação de um mágico, e muitas vezes nem sei qual foi o truque que ele usou. Sei apenas que ele o fez de modo brilhante” — Neil Gaiman

Em 1975, quando recebeu o World Fantasy Award de melhor conto por sua história “Páginas do diário de uma menina”, o britânico Robert Aickman (1914-1981) disse: “Acredito na vida após a morte e me recuso a pormenorizar o significado dessas palavras, pois, de todas as tentativas fúteis e reducionistas de definição, esta é a mais ociosa”. A mensagem, algo enigmática, tinha por centro uma das principais características do autor: sua propalada crença no sobrenatural e naquilo que estivesse além da morte. Aickman fez disso parte de sua melhor literatura, justamente por colocar seus personagens diante de situações-limite cuja sedução por energias de outro mundo é um dos elementos que mais hipnotizam os leitores. Mas suas narrativas não se limitavam a isso. Considerado o grande esteta das histórias de estranhamento e horror psicológico modernas, denominadas de “strange tales” (histórias estranhas) pelo próprio autor, Robert Aickman desenvolveu, ao longo de três décadas, uma arrojada abordagem de tramas insólitas, muitas vezes borrando os limites do horror, do weird e do suspense.

Seus enredos têm como ponto de partida situações simples que vão se desdobrando de modo cada vez mais estranho, levando seus personagens a situações limite: um motorista se perde na estrada e é acolhido em um estabelecimento incompreensível, um pintor atormentado por um encontro sinistro, uma senhora que se descobre em um hotel para insones, a primeira (e aterrorizante) experiência sexual de um rapaz, uma cidade que encobre um segredo macabro, onde os sinos repicam sem trégua, uma ilha grega habitada por três mulheres sedutoras e onde ninguém desembarca impunemente. Essas são algumas das nove narrativas selecionadas para a primeira antologia de Aickman em língua portuguesa. São ficções consideradas “autênticas obras-primas” pelo pesquisador Philip Challinor, conforme escreve no posfácio da edição, por representarem o “estilo singular, ricamente alusivo e consideravelmente desconcertante” de Aickman.

Robert Aickman: “A sofisticação da prosa é um de seus grandes diferenciais, pelo controle total do uso da palavra e do encadeamento narrativo” | Foto: Reprodução

Por meio de sua escrita rica e envolvente, Aickman amplifica os sentidos e as possibilidades das marcas reconhecíveis do horror a partir de encadeamentos narrativos cuja clareza instiga pelo enigma proposto. Ler suas histórias é se deixar conduzir por relações humanas marcadas por personagens fascinantes e situações misteriosas que, aos poucos, revelam-se e se desconstroem por caminhos imprevisíveis. Como grande admirador das histórias clássicas de fantasmas — tendo inclusive organizado oito volumes de contos do gênero —, Aickman teve a ambição de criar sua própria forma de narrar tramas ambiguamente sobrenaturais, que ficam quase sempre no limite entre o mundo ordinário e o extraordinário.

A sofisticação da prosa de Aickman é um de seus grandes diferenciais, pelo controle total do uso da palavra e do encadeamento narrativo. Alguns escritores contemporâneos assumem admiração pela obra do britânico justamente por esses aspectos. Neil Gaiman, um dos autores mais celebrados dos últimos anos, afirma: “Ler Aickman é como assistir à apresentação de um mágico, e muitas vezes nem sei qual foi o truque que ele usou. Sei apenas que ele o fez de modo brilhante”. A premiada autora argentina Mariana Enriquez já revelou que seu contista favorito é Aickman.

Neil Gaiman: um dos entusiastas da obra de Robert Aickman | Foto: Reprodução

Tendo sido publicado entre os anos 1950 e 1980, Robert Aickman é um escritor que permanecia inédito no Brasil até 2021, quando a Editora Ex Machina, em parceria com a Clepsidra, anunciou o lançamento da coletânea de contos “Repique Macabro e Outras Histórias Estranhas”. O livro está em pré-venda até o dia 4 de julho, no seguinte endereço: www.catarse.me/historiasestranhas e repete a união das editoras que já produziram juntas a antologia “Contos Clássicos de Fantasma” e a Biblioteca Lovecraftiana Fundamental, com os livros “Contos Reunidos do Mestre do Horror Cósmico”, de H.P. Lovecraft, e “Mitologia lovecraftiana”, de Caio Bezarias.

Serviço

“Repique Macabro e Outras Histórias Estranhas” — Robert Aickman (1914-1981)

Editora Ex Machina/Editora Clepsidra (2021)

Tradutores: Bruno Costa, Oscar Nestarez, Ronaldo Gomes e Alcebíades Diniz.

Posfácio: Philip Chalinnor

Arte de capa: Tulio Caetano

https://www.catarse.me/historiasestranhas