Imprensa
O jornalista André Forastieri é o novo editor-executivo do portal R7, do grupo da TV Record. Ex-“Folha de S. Paulo” e ex-“Bizz” e Ex-“Set”, Forastieri vai chefiar o setor de “Entretenimento” do R7. “A chegada do Forastieri ao entretenimento do R7.com serve para mostrar o quão ‘fora da caixa’ podemos ir, levando às agências e anunciantes, formatos diferenciados e exclusivos de cobertura, além de proporcionar ao internauta uma visão mais plural sobre a indústria cultural”, disse Antonio Guerreiro, diretor-geral de novas mídias da Rede Record.
Saiu na capa da revista “Época”: “Exclusivo — O elo entre o diretor da Petrobrás preso e o esquema de Cachoeira”. Trata-se do goiano Carlos Cachoeira, investigado pela Operação Monte Carlo, da Polícia Federal. A reportagem, assinada por Hudson Correa e Isabel Clemente, diz ter descoberto “um elo entre o esquema usado pelo doleiro [Alberto] Youssef para atender Paulo Roberto [Costa, ex-diretor da Petrobrás] e as operações do bicheiro Carlinhos Cachoeira, envolvido em 2012 numa rede de pagamentos de propina da Construtora Delta”. Paulo Roberto teria dinheiro fora do Brasil e, para tanto, teria usado o esquema do doleiro Youssef. A MO Consultoria Comercial e Laudos Estatísticos, da qual é sócio Edilson Fernandes Ribeiro, seria uma das empresas de fachada usada no esquema. O mesmo Edilson seria sócio de outra empresa de fachada, a RCI Software e Hardware, de São Paulo. “A RCI aparece noutro documento, o relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito que investigou os negócios de Cachoeira. Os documentos sugerem que o mesmo esquema usado por Cachoeira foi usado por Youssef para atender Paulo Roberto”, relata a “Época”.
Um dos principais colunistas da revista "Veja", Rodrigo Constantino, autor do livro "Esquerda Caviar", cita o artigo de José Maria e Silva -- "Regime militar salvou o Brasil de se tornar uma grande Angola" -- publicado no Jornal Opção desta semana. A seguir, recolho um trecho do artigo de Constantino: "Evitar tais visões maniqueístas [sobre a ditadura] é o grande desafio, que o jornalista José Maria Silva, no Jornal Opção, consegue enfrentar com eficiência. Seu texto nos carrega para o contexto da época, mostra como há um duplo padrão de julgamento hoje, principalmente de uma esquerda que ignora os abusos cometidos pelo ditador Getúlio Vargas, enquanto tenta demonizar os militares, como se a ditadura de 20 anos fosse desde o começo o único objetivo do que se passou em 31 de março de 1964."

[caption id="attachment_999" align="alignleft" width="300"] Biografia relata que o general Humberto de Alencar Castello Branco, irritado com “perseguição” do general e ministro Henrique Lott e impulsionado pela política americana da Guerra Fria, se tornou o cérebro do golpe civil-militar de 1964[/caption]
O golpe de 1964 faz 50 anos e sua história começa a ser escrita com menos paixão ideologizada. Historiadores, como Daniel Aarão Reis Filho, sugerem uma linguagem “nova”: golpe civil-militar e ditadura civil-militar. Aarão Reis afirma que, ao se retirar o elemento civil, que foi decisivo tanto no golpe quanto na ditadura, reforça-se o peso do militarismo, mas a verdade passa a ser apresentada apenas parcialmente. Como ignorar que civis como Magalhães Pinto, Carlos Lacerda, Adhemar de Barros, para citar apenas três políticos, foram decisivos para o golpe? O governador goiano Mauro Borges (PSD), com mais seis governadores, ajudou a escolher o general Castello Branco como primeiro militar presidente da República (eleito pelo Congresso), no ciclo militar, em 1964.
Como rejeitar que especialistas civis — Roberto Campos, João Paulo dos Reis Veloso, Mario Henrique Simonsen, Delfim Netto, Carlos Medeiros, Gama e Silva, Francisco Campos e Leitão de Abreu — foram fundamentais na construção do planejamento econômico e do esforço fazendário e na elaboração do novo arcabouço institucional? Militares chegaram a dizer que civis propunham atos mais duros contra os adversários do regime. O AI-5 aprovado pelo presidente Costa e Silva teria sido mais “ameno” do que o proposto por um civil. Há outro aspecto que os historiadores, como Aarão Reis e Denise Rollemberg, começam a discutir, e sem receio de ferir suscetibilidades: a esquerda armada, os guerrilheiros, não era democrática. Antes mesmo de 1964, parte da esquerda já se mostrava golpista e antidemocrática. Contra a ditadura da direita, pensava-se numa ditadura da esquerda. Ruim não era a ditadura. Ruim, para a esquerda, era a ditadura da direita. Aarão Reis sugere, também, que a ditadura durou menos do que se imagina. Acabou, na sua perspectiva, em 1979. Não durou, portanto, 21 anos.
Aos poucos, depois de longo inverno, jornalistas e historiadores começam a analisar, sem a pressão do desapareço ideológico, os protagonistas militares do golpe e do regime. Gláucio Ary Dillon Soares, Maria Celina D’Araujo e Celso Castro, professores universitários com doutorado, publicaram, entre 1994 e 1995, três livros sensacionais: “Visões do Golpe — A Memória Militar Sobre 1964” (Relume Dumará, 257 páginas), “Os Anos de Chumbo” (Relume Dumará, 327 páginas) e “A Volta aos Quartéis” (Relume Dumará, 329 páginas). As obras abrem espaço para entrevistas muito bem feitas com militares que contribuíram para o golpe e para a ditadura. Em 1997, Maria Celina D’Araujo e Celso Castro lançaram em volume exclusivo “Ernesto Geisel” (Fundação Getúlio Vargas, 494 páginas), uma longa entrevista com o general que, como presidente e aliado ao general Golbery do Couto e Silva, matou a ditadura, contrariando a linha dura militar, que queria seu prosseguimento. Geisel conta que Castello Branco não queria cassar o governador Mauro Borges, em 1964, porque eram aliados e o goiano havia apoiado o golpe, depois de romper com o presidente João Goulart. “Sugeri ao presidente a nomeação do Meira Mattos para interventor”, revela Geisel.
O terceiro presidente militar, Emílio Garrastazu Médici, é o patinho feio da ditadura, embora seja o responsável pelo Milagre Econômico que levou o país a crescer 10% ao ano. “Segredos de Médici” (Marco Zero, 90 páginas, 1985), do jornalista A. C. Scartezini (analista de política nacional do Jornal Opção), é um livro raro (pequeno e importante), porque o presidente é pouco explorado. “Médici — O Depoimento” (Mauad, 94 páginas, 1995) contém a entrevista de Roberto Nogueira Médici, filho do general, aos pesquisadores Maria Celina D’Araujo e Glaucio Ary Dillon Soares. O norte-americano Daniel Drosdoff, jornalista e doutor em história por Columbia, publicou “Linha Dura no Brasil — O Governo Médici: 1969-1974” (Global, 175 páginas, tradução de Norberto de Paula Lima, 1986).
O melhor livro sobre a relação entre Ernesto Geisel e Golbery do Couto e Silva é “A Ditadura Derrotada — O Sacerdote e o Feiticeiro” (Intrínseca, 580 páginas, edição revista), do jornalista Elio Gaspari. Trata-se de um relato empático, mas crítico, que mostra como os generais que ajudaram a formular a ditadura, em 1964, decidiram extingui-la, entre 1974 e 1979. O presidente que acabou com a censura e o AI-5 disse: “Recebi no palácio todos os donos de órgãos de comunicação. Nenhum me pediu o fim da censura”. Por que decidiu acabar com a ditadura? “Porque o regime militar, outorgando-se o monopólio da ordem, era uma grande bagunça” (o texto entre aspas é de Gaspari, traduzindo o pensamento do general). Em 1977, Geisel exonerou o ministro do Exército, Sylvio Frota, que avaliou, errado, que o presidente era um Castello Branco com pinta de alemão. Mas Geisel não era Castello Branco e Frota não era Costa e Silva. Ao derrubar Frota, Geisel enquadrou a linha dura, que havia chegado a pensar em retirá-lo do poder e, até, a matar Golbery.
Leitor do Padre Vieira
O primeiro presidente militar, o general Humberto de Alencar Castello Branco (1897-1967), foi examinado por livros de Luís Viana Filho (“O Governo Castello Branco”, Editora José Olympio, 1975) e John W. F. Dulles (“Castello Branco: O Caminho Para a Presidência”, Editora José Olympio, 1979, e “Castello Branco: O Presidente Reformador”, Editora UnB, 1983). Mas a melhor biografia é “Castello — A Marcha Para a Ditadura” (Contexto, 429 páginas, 2004), do jornalista Lira Neto. Como Castello Branco, militar legalista e adepto da democracia — apreciava a França e os Estados Unidos —, se tornou um apóstolo da ditadura? Lira Neto mostra, com mestria, como isto ocorreu. Com 1,67m, com problemas na coluna e dores permanentes nas costas, Castello Branco impressionava pela feiura (parecia não ter pescoço e era conhecido como Quasímodo) e pela inteligência. Preferia o teatro — era leitor da obra de Shakespeare — ao cinema. Leu os “Sermões” do padre Antônio Vieira e “Nova Floresta”, do padre Manuel Bernardes. Ouvia música erudita. “Colecionava, com singular entusiasmo, todos os textos, imagens e livros sobre Napoleão Bonaparte”, informa Lira Neto. No início da vida militar, seu ídolo era o advogado e político baiano Ruy Barbosa. Na intimidade, era um mestre na arte de contar piadas e tinha a língua afiada. Ao conhecer a mulher, Argentina, sua única paixão, apresentou-se como pé de valsa. (Uma irmã de Argentina, Inês, foi paixão platônica do poeta Carlos Drummond de Andrade.) Era admirador das ideias e das obras de Gustavo Barroso, líder integralista. Era, no início e durante boa parte da carreira militar, um legalista. “Acreditava, como Ruy [Barbosa], que ‘a nação governa, o Exército obedece’.” Na década de 1920, apesar da força do tenentismo, permanece contra o golpismo civil-militar. “Nós éramos revolucionários; ele [Castello Branco], um legalista”, disse o general Emídio da Costa Miranda. Apegado aos regulamentos, era um militar da ordem. Mas em 1924, suspeito de subversão, o tenente Castello Branco foi preso. Motivo: era amigo do rebelde Riograndino Kruel, irmão do também militar Amaury. Na escola militar, era um aluno aplicado. Em 1922, perdeu o primeiro lugar para o tenente Henrique Lott. Aí começava uma rivalidade que, de pessoal, se tornaria político-militar. Mais tarde, a serviço do governo federal, combateu a Coluna Prestes. [caption id="attachment_1000" align="alignright" width="620"]
Hora do conspirador
Em 1961, mais do que apoio, Castello Branco admite que o parlamentarismo era uma saída para evitar uma crise mais ampla. Em 1962, general-de-exército, se alinha com os militares golpistas, por rejeitar o presidente João Goulart e alguns de seus aliados, como Miguel Arraes, governador de Pernambuco (e avô de Eduardo Campos, atual governador do Estado). Tornou-se, afirma Lira Neto, o “mais arguto” dos conspiradores contra Jango. “Acredito que a infiltração comunista é facilitada pela colocação de propagadores do comunismo em postos de administração, do ensino e de organismos estatais” — era um ataque de Castello Branco ao presidente e aliados. Enquanto Jango se apresenta como o “general” dos soldados, cabos e sargentos, aos poucos Castello Branco afigura-se como líder dos generais e dos civis que queriam a deposição do presidente. Aconselharam o presidente a expurgar o general, mas, na sua inação habitual, o líder petebista nada fez — “o general Assis Brasil me disse que o homem é sensível e que, se for punido, poderia até se suicidar”, disse Jango a João Pinheiro Neto — e Castello Branco foi ficando cada vez mais forte. Era o general que estava desafiando o poder, quase sempre nos bastidores, ao lado de Golbery do Couto e Silva, Cordeiro de Farias, Ernesto Geisel, Adhemar de Barros, Antônio Carlos Muricy, Bizarria Mamede. Luís Carlos Guedes, Olympio Mourão Filho e de civis, como Carlos Lacerda e Magalhães Pinto. Deixando de ser legalista, por ter se tornado crítico acerbo da anarquia militar — sargentos já estavam quase mandando em generais — e por denunciar o fantasma do comunismo, Castello Branco passa a se colocar como articulador de um golpe civil-militar. Começa a se reunir com políticos da oposição, empresários (a maioria integrava o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais) e magnatas da imprensa, como Roberto Marinho, de “O Globo”, e Júlio Mesquita Filho, de “O Estado de S. Paulo”. A conspiração se dava em sua casa, em Ipanema, no Rio de Janeiro. “Castello observou que eles, militares, poderiam inclusive lançar mão da quebra da ordem institucional, desde que fosse para impedir o ‘avanço comunista’.” Depois de vários encontros com políticos, empresários e militares, o general Adhemar de Queiroz disse: “Já temos um líder”. Tinham: Castello Branco articulava o golpe com habilidade e relativa discrição. O governo dos Estados Unidos, por intermédio do embaixador Lincoln Gordon e, depois, do coronel Vernon Walters, também via Castello Branco como aliado e pró-americano. Em 31 de março de 1964, quando o general Olympio Mourão, com o apoio do general Luís Carlos Guedes, pôs o golpe em evidência, em Juiz de Fora (MG), Castello Branco ainda tentou segurá-lo um pouco mais. Não dava mais tempo. O golpe estava nas ruas, mas era possível impedi-lo, se o presidente Jango tivesse agido com mais energia. O caos, entre 31 de março e 1º de abril, era um fato dos dois lados. Levou o poder aquele que tinha um líder mais consistente, talvez por ser um militar experimentado. Uma boa história do golpe pode ser lida em “A Ditadura Envergonhada” (Intrínseca, 431 páginas), de Elio Gaspari. Mas, para compreender como um general legalista se tornou golpista e acabou se tornando o primeiro presidente militar da ditadura, é importante ler o livro de Lira Neto. (Para entender o figadal rival de Castello, recomenda-se a leitura de “O Soldado Absoluto — Uma Biografia do Marechal Henrique Lott”, de Wagner William, Editora Record, 571 páginas, 2005.)
As Ligas Camponesas ganharam estudos jornalísticos e acadêmicos e agora seu principal líder tem a vida vasculhada no livro “Francisco Julião — Uma Biografia” (Civilização Brasileira, 853 páginas), de Cláudio Aguiar. Trata-se de uma narrativa simpática ao personagem, mas não é uma hagiografia. As relações com o ditador Fidel Castro, notadamente o financiamento dado por Cuba às Ligas Camponesas, que seriam a ponta de lança da Revolução no Brasil, poderiam ter sido mais bem exploradas. Pode-se acusar o autor de “suavizar” o papel “revolucionário” de Julião, ao apresentá-lo, no geral, como moderado? Talvez não. Não deixa de ser sintomático que Luiz Carlos Prestes, o chefão do Partido Comunista Brasileiro, vivia às turras com o líder das Ligas Camponesas. Num encontro em Cuba, na presença de Fidel Castro, o Cavaleiro da Esperança passou uma descompostura no rival. O líder cubano, depois de conversar em particular com Prestes, disse a Julião: “O Cavaleiro está lá, mas toda esperança [de reconciliação com Julião] se foi”. A causa da guerrinha: o líder dos camponeses não queria ser fantoche do PCB.
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Livro demonstra que a ligação de Francisco Julião, líder máximo das Ligas Camponesas, com Fidel Castro, líder de Cuba, era muito forte[/caption]
Antes de apoiar Leonel Brizola, a quem teria chamado de “El Ratón” (não há evidência de que o futuro líder do PDT tenha se apropriado do dinheiro enviado por Cuba para fins pessoais), e de bancar a guerrilha de Carlos Marighella, da Ação Libertadora Nacional (ALN), Fidel Castro financiou as Ligas Camponesas. O campo do Nordeste, teoricamente, seria a Sierra Maestra do Brasil. Não deu certo, mas as relações do cubano e do brasileiro permaneceram amistosas.
Em 1960, um ano depois da Revolução, Fidel Castro mandou um avião buscar integrantes das Ligas Camponesas para que participassem das comemorações do Dia do Trabalho em Cuba. Esso, Texaco, Atlantic e Shell não quiseram abastecer o avião cubano, mas, relata Cláudio Aguiar, “camponeses, operários e estudantes ameaçaram explodir os depósitos de uma delas. Coube à Shell a tarefa de fornecer combustível, impondo o pagamento em dólares e à vista”. Quando voltaram para o Brasil, os camponeses foram perseguidos.
Na década de 1960, Edward Kennedy, então assessor do irmão presidente, John Kennedy, visitou Pernambuco e pediu para conhecer integrantes das Ligas Camponesas. Tendo ao lado o economista Celso Furtado, seu intérprete, e o governador de Pernambuco, Cid Sampaio, o jovem Kennedy visitou o Engenho Galileia e perguntou aos camponeses: “Como desejam ver seus filhos quando eles crescerem?” O camponês Zezé da Galileia respondeu: “Doutor, o que desejamos é que o sr. peça a seu irmão presidente para dr. Cid tirar a polícia daqui. Não existe desordem e a polícia é desnecessária”. Kenndey prometeu e enviou um gerador de energia elétrica aos camponeses, mas Cid Sampaio decidiu não entregá-lo. Mais tarde, quando governador, Miguel Arraes mandou levá-lo para os proprietários legítimos, que, como não tinham dinheiro para comprar gasolina, o repassaram para uma escola.
Os movimentos camponeses são antigos no Nordeste, mas um movimento em particular influenciou a luta das Ligas Camponesas. “A revolta camponesa de Trombas e Formoso, liderada pelo camponês José Porfírio de Souza, ocorreu entre 1950 e 1957, na região norte de Goiás, em área de quase 10 mil quilômetros quadrados. A luta dos camponeses travou-se fundamentalmente contra os grileiros. (...) O movimento teve um caráter especialíssimo, pois, à medida que conquistavam o poder local, os camponeses revoltosos elegiam as autoridades — prefeitos, vereadores e juízes — e se recusavam a pagar impostos e taxas ao governo de Goiás. Talvez tenha sido uma das primeiras vitórias alcançadas por camponeses no Brasil republicano. O governador Mauro Borges foi obrigado a desapropriar a terra em conflito e a distribui-la em parcelas aos camponeses, o que pôs fim ao litígio armado. José Porfírio foi eleito deputado estadual em 1960, sendo o primeiro líder camponês a eleger-se parlamentar”, registra Cláudio Aguiar. O sucesso dos camponeses de Goiás deixou implícito que era possível mexer na estrutura agrária do Nordeste.
As Ligas Camponesas tinham seu braço militar, armado. Um dos responsáveis pelo dispositivo militar, Clodomir Morais, ao ser preso depois do golpe de 1964, disse que seu papel era mais de aconselhamento jurídico. Mas Cláudio Aguiar o corrige: “Sua participação no esquema dos ‘aparelhos clandestinos’ ultrapassou os limites de meras atividades jurídicas”. Julião mandou Clodomir “desmantelar” a organização armada, pois o considerava como “o principal articulador e ‘comandante do esquema militar’”. A história foi confirmada por Pedro Porfírio, pelo pintor Antônio Alves Dias e pelos “integrantes do grupo de Dianópolis, em Goiás [hoje, Tocantins], como Amaro Luiz de Carvalho, o Capivara, Cleto Campelo Filho, Adauto Freire”.
Julião disse: “Imediatamente tratei de pôr uma pessoa em contato com o Clodomir para lhe dizer: ‘Vocês estão cometendo uma série de erros gravíssimos, que podem comprometer o movimento’. Afinal de contas, consegui tirar toda essa gente dos dispositivos e liquidar com tudo isso. Mas eles vinham muito acelerados e era preciso metê-los em um grande movimento de massas, para ver se desaceleravam um pouco. Por isso que os meti na campanha de Pernambuco e da Paraíba e tive de aguentar o radicalismo da sua linguagem. (...) Isso influiu muito para a diminuição de meus votos e para aumentar o ataque que era feito contra mim”.
Com Julião afastando Clodomir da militância revolucionária armada, um goiano, Tarzan de Castro, assumiu o controle da estrutura militarizada. Cláudio Aguiar diz que Tarzan estava “na direção do comitê central do Partido Comunista do Brasil (PC do B), facção dissidente do PCB, recém-organizada”. O jornalista Flávio Tavares, que teve militância esquerdista, disse que se tratava de uma “esquizofrênica aventura armada das Ligas Camponesas”. Um dos militantes ativos das Ligas, Carlos Franklin Paixão de Araújo, foi casado com a presidente Dilma Rousseff.
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Tarzan de Castro: o goiano teria sido comandante de dispositivo armado das Ligas Camponesas em Goiás, segundo biografia[/caption]
A desmobilização do condomínio armado das Ligas Camponesas começou com a descoberta dos dispositivos de Dianópolis e Petrópolis. Cláudio Aguiar até estranha a ação da força armada em Goiás, pois o governador Mauro Borges “revelara-se aliado das esquerdas”.
“O desmantelamento do dispositivo de Dianópolis começou quando um oficial da confiança do governo Jango, designado pelo governador Mauro Borges para dirigir o serviço de repressão ao contrabando, recebeu a denúncia de que enormes caixotes contendo geladeiras estavam sendo remetidos para uma fazenda, no interior goiano, onde não havia energia elétrica”, relata Cláudio Aguiar.
Ao invadirem a fazenda, os agentes do serviço de repressão ao contrabando descobriram uma carga estranha: “os caixotes continham bandeiras cubanas, retratos e textos de Fidel Castro e de Julião, manuais de instrução de combate, além dos planos de implantação de outros futuros focos de sabotagem e informações sobre a origem dos fundos financeiros enviados por Cuba”.
O presidente João Goulart, que era apontado pela direita como esquerdista, embora não fosse, “reclamou diretamente a Fidel”. O líder cubano enviou o presidente do Banco Nacional de Cuba, Zepeda, para “apagar o incêndio provocado pelo caso de Dianópolis, em Goiás. Jango entregou ao ministro o relatório com a documentação apreendida”.
Mas o Boeing em que viajava Zepeda caiu e todos os passageiros morreram. “A pasta de couro em que o ministro Zepeda levava a documentação foi encontrada entre os destroços e entregue à CIA, que divulgou os documentos num carnaval acusatório a Cuba pelas três Américas”, conta Cláudio Aguiar.
Tarzan de Castro também esteve envolvido com o dispositivo armado em Petrópolis, segundo Cláudio Aguiar. O pesquisador diz que “nunca foram divulgados documentos comprovatórios de que as armas procediam de Cuba”. Numa entrevista, Clodomir disse era fácil comprar armas no Brasil, no início da década de 1960.
Se o dinheiro para a suposta guerrilha era ou não cubano não se sabe com certeza, mas o jornalista pernambucano Antonio Avertano Barreto da Rocha reporta a Julião que Clodomir e seus ‘guerrilheiros’ viviam praticando grandes orgias, inclusive no Rio. Diziam que Clodomir possuía 12 apartamentos no Rio, comprados com o dinheiro mandado por Cuba para as ‘guerrilhas’. Ainda eram citados como envolvidos nas orgias Amaro Luiz de Carvalho e Tarzan de Castro, além de outros que viviam à tripa forra”. Ressalve-se que Tarzan de Castro já contestou tal denúncia. Ao receber a reclamação, Julião disse: “Clodomir é o sol e vocês são os pirilampos”.
O livro conta que o poeta Ferreira Gullar e o cientista político Vanderley Guilherme dos Santos trabalharam para o jornal “Liga”, das Ligas Camponesas. Gullar denunciou o autoritarismo de seus “ideólogos”.
Torturadíssimo pelo delegado Sérgio Fleury, o frei Tito de Alencar não se recuperou. Permaneceu um torturado, mesmo exilado na França, onde se matou. Sua dolorosa história ganha finalmente uma biografia ampla: “Um Homem Torturado — Nos Passos de Frei Tito de Alencar” (Civilização Brasileira, 420 páginas), de Clarisse Meireles e Leneide Duarte-Plon. Trecho do release fornecido pela editora à Livraria Cultura: “Contar a história de Tito é se debruçar sobre o momento histórico da ditadura civil-militar, instalada em plena guerra fria, quando a luta contra o comunismo era a principal preocupação do bloco ocidental liderado pelos EUA. A ditadura, que se instalou com o incrível nome de revolução, fechou o Parlamento, governou com os atos institucionais e colocou na prisão os opositores políticos que resistiam com ou sem armas. “Frei Tito foi um dos que não se calaram e preferiram combater a ditadura sem armas, com a força das ideias e dos ideais de justiça social. Na Universidade de São Paulo, onde participava ativamente do movimento estudantil, Tito chegou a ter momentos de dúvida e de incerteza sobre a possibilidade de conciliar Marx e Cristo. “Assim como Tito, outros frades foram encarcerados porque eram considerados ‘terroristas’ por terem feito a ‘opção preferencial pelos pobres’ pregada pelo Concílio Vaticano II. Eram ‘subversivos’ por praticarem um Evangelho que tenta transformar o mundo. Eram ‘perigosos’ porque pregavam a liberdade e a igualdade. O ‘ópio do povo’ estava do outro lado, do lado da Igreja conservadora que não entendia aquele combate.”
Um relançamento fundamental (a edição anterior é disputada a tapa no Estante Virtual): “Anatomia da Crítica” (É Realizações, 584 páginas, tradução de Marcus de Martini), do grande crítico canadense Northrop Frye. Monumento da crítica (ou da teoria) literária, trata-se de um livro, que, mais do que ensina, obriga a pensar sobre como a literatura, dependendo da abordagem, pode dizer sempre mais.

“Juramento de Vingança” (“Major Dundee”, de 1965), que sai pela Versátil, é um belo faroeste de Sam Peckinpah, com atuações fortes de Charlton Heston e Richard Harris, com participação de James Coburn. A versão restaurada acrescenta “mais de 10 minutos de cenas inéditas”, além dos extras (que, sim, acrescentam).
O major Amos Dundee (Heston) lidera soldados da União e confederados, em 1864, numa caçada aos apaches que, depois de um massacre, haviam levado crianças brancas. É quase uma guerra particular, a de Dundee e de um inimigo quase cordial, dentro de outra maior, a Guerra Civil Americana. As tropas que combatem o apache Sierra Charriba têm dois comandos, o de Dundee e, sobretudo, o do capitão confederado Tyreen (Harris).
Costuma-se tratar Peckinpah, com razão, de “poeta da violência”, um lídimo precursor de Tarantino. Talvez seja apropriado acrescentar que se trata de um poeta da imagem. Além da violência, conta-se uma história, às vezes desconjuntada, porque a vida é assim, ambígua e complexa, com textos e belas imagens. Peckinpah trata seus heróis quase que como anti-heróis, tornando-os mais humanos do que alguns heróis do western, que, mesmo quando duros e implacáveis, carregam certa santidade. No Oeste de Peckinpah os homens são o que são, não são meramente idealistas, construtores de uma nação.
O diálogo entre Dundee e o reverendo Dalhstrom é um dos melhores do filme. O religioso diz: “Qualquer homem com uma causa justa deve viajar com a palavra de Deus”. O militar replica, seca e friamente: “Com todo o respeito, Deus não tem nada com isso. Eu pretendo derrotar os maus, não salvar os pagãos”. O reverendo integra-se ao batalhão brancaleônico de Dundee.
Dundee é sulista, mas luta ao lado dos ianques, contra os confederados, daí ser considerado “traidor” por Tyreen. Depois da caçada aos apaches, este jura matar aquele. No ótimo “Publique-se a Lenda: A História do Western” (Rocco, 220 páginas), A. C. Gomes de Mattos escreve que, ao perseguir os apaches, nortistas e sulistas trabalham juntos e, assim, ganham uma identidade: se tornaram “americanos”. A caçada aos índios, os primeiros americanos, consagra os novos americanos — incluindo a participação dos negros e, por intermédio da bela humanista Senta Berger (o major e o capitão a disputam), das mulheres.
Com ou sem filosofice, um belo filme. Os críticos profissionais certamente dirão: “Heston” atua como o canastrão de sempre. Quem sabe acrescentem que Harris não fica atrás. Não deixarão de ter razão. Ainda assim, os dois estão muito bem no filme, muito bem dirigidos. Nos extras, Senta Berger conta que Heston e Harris, antes das filmagens, ficavam se medindo, disputando até quem era mais alto (Heston). O depoimento de James Coburn (o batedor Sam Potts no filme) é divertido. Peckinpah, bom copo, aprontava antes e durante as filmagens.

Jornalista revela como Brizola fugiu do país, em 1964, e como, segundo um coronel da Aeronáutica, Tancredo Neves teria acobertado o assassinato do major Rubens Vaz, em 1954

Horowitz foi de esquerda e migrou para a direita. Tornou-se "o mais odiado ex-radical de sua geração"

Quem acessar este site (www.renatorusso.com.br), partir de quinta-feira, 27, ficará sabendo quase tudo sobre grande compositor, cantor e músico Renato Russo. Ele faria 54 anos exatamente no dia 27 de março deste ano. Trata-se de do primeiro site oficial, portanto legal, do artista.
O site terá fotos, biografias, curiosidades e toda a discografia do Legião Urbana. O leitor vai encontrar também informações sobre livros, peças teatrais e filmes que contam a vida de Renato Russo. O site pretende ser uma fonte de consulta segura a respeito do genial artista.
Bancado pela Legião Urbana Produções Artísticas, gerida por Giuliano Manfredini, único filho de Renato Russo, o site foi desenvolvido pela agência carioca Milk Design.

Comenta-se no meio cultural que o secretário da Cultura da Prefeitura de Goiás, o petista Ivanor Florêncio Mendonça, é caipira e que seu sonho é construir um Caipiródromo na capital. Papo furo, coisa de ressentidos e de elitistas, porque o novo chefão quer uma gestão mais popular (o que não quer dizer populista) no campo cultural. Observe-se que ele começa a se cercar de gente competente e séria.
Ivanor Florêncio, mostrando que tem bom olho para escolher auxiliares, nomeou o jornalista e músico Amauri Garcia para diretor do Departamento de Musicalidade. O nome é meio pomposo, simulando coisa do realismo socialista, mas o que importa mesmo é que Amauri Garcia é competente e sério. Ele vai fazer alguma coisa, ou melhor, ele vai fazer a coisa certa. A área de música só tem a ganhar com a indicação.
Na primeira metade da década de 1940, a Europa estava praticamente dominada pela Alemanha do nazista Adolf Hitler (discípulo do rei Leopoldo, da Bélgica?). Enquanto a Inglaterra lutava bravamente contra a Wehrmacht, as forças armadas alemãs, a França e a Bélgica, para citar dois países europeus, obedeciam as tropas de Hitler. Muitos franceses e belgas se empolgaram com o nazismo. Quando os Estados Unidos decidiram participar da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a Europa estava praticamente agachada, à espera do golpe final e quase admitindo que teria de falar alemão. Os EUA do presidente Franklin D. Roosevelt, depois da hesitação inicial (a sociedade americana não queria participar de uma guerra distante e que, aparentemente, nada tinha a ver com seus interesses), mandou homens para lutar contra os alemães e enviou recursos para a Inglaterra de Winston Churchill e para a União Soviética de Stálin. Historiadores admitem que, sem o farto apoio militar e financeiro dos americanos, a Europa dificilmente teria resistido.
Quase 70 depois do fim da guerra, com a economia da Europa reestruturada, é muito fácil esquecer o apoio dos Estados Unidos e, como fazem os norte-americanos, relegar a bravura dos soviéticos a um implausível segundo plano. Na quarta-feira, 26, o presidente Barack Obama visita o Cemitério e Memorial americano no Campo de Flandes, na Bélgica, onde estão enterrados 368 americanos que morreram na Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Ele será acompanhado pelo rei Felipe e pelo primeiro-ministro da Bélgica, Elio di Rupo. Porém, quem sabe desmemoriado e certamente percebendo o país de Abraham Lincoln e Barack Obama tão-somente como rei do imperialismo, o jornal belga “De Morgen” publicou uma montagem na qual Obama e sua mulher, Michelle, aparecem como se fossem macacos. O jornal sugere que a montagem havia sido enviada pelo presidente da Rússia, Vladimir Putin, no momento, dados aos problemas na Ucrânia-Crimeia, num contencioso com os Estados Unidos.
“De Morgen” inicialmente tentou se defender sugerindo que a montagem havia sido publicada na seção de sátiras e, em tese, o humor é livre para “criticar” o que quiser. Ante a avalanche de críticas, e não apenas na Bélgica, o editor do jornal belga recuou: “Quando você considera o fragmento fora do seu contexto, que funciona corretamente na seção de sátira, então você não vê a piada, mas apenas uma imagem que evoca puro racismo. Nós supomos erradamente que o racismo não é mais aceito, e que, desta forma, não poderia ser objeto de uma piada”.
Ao humor, de fato, se concede uma liberdade ampla. Mas que humor há em apresentar Obama e Michelle como macacos? Nenhum. No caso, é racismo mesmo.
Se
Rudyard Kipling
Se és capaz de manter a tua calma quando
Todo o mundo ao teu redor já a perdeu e te culpa;
De crer em ti quando estão todos duvidando,
E para esses no entanto achar uma desculpa;
Se és capaz de esperar sem te desesperares,
Ou, enganado, não mentir ao mentiroso,
Ou, sendo odiado, sempre ao ódio te esquivares,
E não parecer bom demais, nem pretensioso;
Se és capaz de pensar — sem que a isso só te atires,
De sonhar — sem fazer dos sonhos teus senhores.
Se encontrando a desgraça e o triunfo conseguires
Tratar da mesma forma a esses dois impostores;
Se és capaz de sofrer a dor de ver mudadas
Em armadilhas as verdades que disseste,
E as coisas, por que deste a vida, estraçalhadas,
E refazê-las com o bem pouco que te reste;
Se és capaz de arriscar numa única parada
Tudo quanto ganhaste em toda a tua vida,
E perder e, ao perder, sem nunca dizer nada,
Resignado, tornar ao ponto de partida;
De forçar coração, nervos, músculos, tudo
A dar seja o que for que neles ainda existe,
E a persistir assim quando, exaustos, contudo
Resta a vontade em ti que ainda ordena: "Persiste!";
Se és capaz de, entre a plebe, não te corromperes
E, entre reis, não perder a naturalidade,
E de amigos, quer bons, quer maus, te defenderes,
Se a todos podes ser de alguma utilidade,
E se és capaz de dar, segundo por segundo,
Ao minuto fatal todo o valor e brilho,
Tua é a terra com tudo o que existe no mundo
E o que mais — tu serás um homem, ó meu filho!
[Tradução de Guilherme de Almeida]
If
Rudyard Kipling
If you can keep your head when all about you
Are losing theirs and blaming it on you,
If you can trust yourself when all men doubt you
But make allowance for their doubting too,
If you can wait and not be tired by waiting,
Or being lied about, don't deal in lies,
Or being hated, don't give way to hating,
And yet don't look too good, nor talk too wise;
If you can dream — and not make dreams your master,
If you can think — and not make thoughts your aim;
If you can meet with Triumph and Disaster
And treat those two impostors just the same;
If you can bear to hear the truth you've spoken
Twisted by knaves to make a trap for fools,
Or watch the things you gave your life to, broken,
And stoop and build ‘em up with worn-out tools;
If you can make one heap of all your winnings
And risk it all on one turn of pitch-and-toss,
And lose, and start again at your beginnings
And never breath a word about your loss;
If you can force your heart and nerve and sinew
To serve your turn long after they are gone,
And so hold on when there is nothing in you
Except the Will which says to them: "Hold on!"
If you can talk with crowds and keep your virtue,
Or walk with kings — nor lose the common touch,
If neither foes nor loving friends can hurt you;
If all men count with you, but none too much,
If you can fill the unforgiving minute
With sixty seconds' worth of distance run,
Yours is the Earth and everything that's in it,
And — which is more — you'll be a Man, my son!

“East of Sumatra” virou “Ao Sul de Sumatra”. “O tradutor deve ter ganhado sua bússola numa rifa. ‘East’”, como se sabe em Sumatra mas não no Brasil, é ‘leste’”

[caption id="attachment_692" align="alignleft" width="620"] James Salter: aos 88 anos, o prosador norte-americano lança mais um romance, aclamado pela crítica. Ele diz que arrepende-se de não ter escrito mais livros | Foto: Corina Arranz/ABC[/caption]
A repórter Inés Martín Rodrigo, do jornal “ABC”, de Madri, entrevistou longamente o escritor americano James Salter, autor de “Última Noite e Outros Contos” (Companhia das Letras, tradução de Samuel Titan Júnior). A entrevista, com 17.112 caracteres (o que prova que os espanhóis valorizam o texto longo de qualidade), saiu na edição de 3 de março deste ano. Para lê-la integralmente, clique aqui.
A entrevista foi feita a propósito do novo romance de Salter, “Todo lo que hay” (“All That Is”, de 2014). Depois de longo inverno, ele diz que está de volta ao batente — tanto que o título da entrevista é: “Tenho 88 anos e estou pronto para começar de novo”. Recomendo que o leitor inicie a leitura da obra de Salter por suas belíssimas memórias, “Dias Intensos — Reminiscências” (Editora Imago). Seus livros são de alta qualidade; Salter merece ser mais conhecido e editado no Brasil.
Traduzi trechos da entrevista, às vezes mais adaptando, por isso, no parágrafo anterior, forneço o link para o leitor que quiser ler a entrevista inteira e, ele próprio, fazer uma versão mais precisa das falas da entrevistadora e do entrevistado.
Inés Martín Rodrigo — O fracasso é uma possibilidade na vida do escritor?
James Salter — Se não tem certo reconhecimento pode ser que o escritor se sinta fracassado. Mas pode não ser um fracasso. Pense em Emily Dickinson: nunca publicou nada em vida e se converteu em uma das grandes poetas americanas.
Inés — O que pensa do e-book?
Salter — Não sei muito as respeito. Não uso e-reader. Minha mulher tem um, aprecia e me parece bom. Mas, nos livros de papel, posso escrever, é uma necessidade, gosto de tocar o papel.
Inés — O livro em papel sobreviverá?
Salter — Bem, não sei. Isto quem terá de averiguar é você. Creio que sim, porque há algo agradável nos livros, inclusive seu cheiro. Tocar na tela do Kindle é como estar em um hotel, onde tudo parece muito agradável, mas nada disso é seu. O livro eletrônico não é seu.
Inés — “Todo lo que Hay” tem recebido muito boas críticas. Aos 88 anos, que importância tem a crítica para o sr.?
Salter — Neste momento de minha vida, uma boa crítica não é mais importante do que outra que não é tão boa. Com isso não quero dizer que seja indiferente às críticas. Todo mundo gosta de receber elogios. Quem escreve quer ser lido e admirado. Sou perfeitamente humano, mas sou um homem velho.
A entrevistadora diz que, depois de 30 anos sem publicar um romance, Salter está de volta ao batente, e publicando um livro de qualidade. Sua resposta:
Salter — Estou pronto para recomeçar. Mas um escritor precisa de tranquilidade para escrever, eu ao menos necessito de silêncio, calma, tranquilidade.
O escritor afirma que, no momento, tem dificuldade de encontrar um lugar silencioso. 2013, afirma, foi “um ano muito agitado”. Ele revela que, quando está escrevendo, gosta de solidão, “Mas não gosto de viver isolado.” Só aprecia a solidão quando a busca, em geral para escrever seus contos e romances.
Inés — O sr. escreveu romances, relatos, jornalismo de viagens, memórias e até um livro de culinária com sua mulher. Porém, quem é James Salter?
Salter — Sou um prosador. É como me sinto mais seguro. Meu único arrependimento, ao longo de todos esses anos, foi não ter escrito mais. É sempre um prazer escrever coisas, inclusive pequenas. Encontro um grande prazer escrevendo, inclusive no ato físico de escrever. É um desfrute, um gozo.
Inés — Quando encontrou sua voz?
Salter — Acredito que foi em “Juego y Distracción” [no Brasil, “Um Esporte e um Passatempo”, Editora Imago]. Mas há pessoas que tentam me convencer que encontrei minha voz desde o princípio. Não sei. Em “Um Esporte e um Passatempo” senti que sabia como escrever.
Inés — Em “Quemar los Diás” [no Brasil, “Dias Intensos — Reminiscências”], suas memórias, o sr. disse: “A morte dos reis pode ser contada, mas não a de um filho”.
Salter — Eu nunca pude usá-la como material narrativo. Não pude escrever sobre a morte de minha própria filha. [Uma filha de Salter morreu eletrocutada em Aspen. Ele encontrou o corpo.]
Inés — Pensa em um leitor em particular quando escreve?
Salter — Penso sobretudo nos leitores jovens. Estão cheios de vida, são curiosos e inteligentes, porque, do contrário, não teriam ouvido falar de certos livros.
Inés — Que são o amor e o sexo para um escritor como o sr.?
Salter — Creio que a pessoa mais afortunada é aquela que tem amor, paixão e sexo... Sobretudo se tem os três ao mesmo tempo [risos de Salter]. São os ingredientes básicos da vida.
Inés — De volta ao mundo anglo-saxão: por que há tanta obsessão com a ideia do Grande Romance Americano?
Salter — Não sei quem formulou essa frase pela primeira vez, mas os escritores que surgiram depois da Guerra [Segunda Guerra Mundial, 1939-1945], ao menos a minha geração (Saul Bellow e Philip Roth, entre outros), tinham a ideia de que o Grande Romance Americano ainda estava por ser escrito e um deles poderia escrevê-lo. A ideia persiste, mas não sei se existe tal coisa. O Grande Romance Espanhol é provavelmente “Dom Quixote” [Salter diz “O Quixote”, de Miguel de Cervantes] e se há um Grande Romance Americano é “Huckleberry Finn” [de Mark Twain]. Ainda há autores que acreditam que podem escrevê-lo [ou alcançá-lo, o que confere um sentido mais dúbio à fala de Salter. Convém ressaltar que, na tradução, uso “é”, mas, na verdade, o escritor prefere seria “Huck Finn”].
Inés — Quando Jonathan Franzen lançou “Liberdade”, a revista “Time” publicou o título: “O grande romancista americano”.
Salter — Bom, é demasiado cedo para julgá-lo. Não o li.
(“Como tanta gente, eu sonhava em escrever o Grande Romance Americano.” Quem disse isto? Norman Mailer, Truman Capote, John Updike? Nada disso. A frase é de Jacqueline Kennedy. A história está contada na página 30 do livro “Jackie Editora — A Vida Literária de Jacqueline Kennedy Onassis” (Record, 432 páginas, tradução de Clóvis Marques), de Greg Lawrence. Felizmente, a obsessão americana não é de todos os países. Depois de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis, de “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos, e de “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa, ninguém parou de escrever e pensou, certa e seriamente, em escrever o Grande Romance Brasileiro.)