Livro apresenta Tarzan de Castro como um dos líderes do braço armado das Ligas Camponesas de Francisco Julião

04 abril 2014 às 14h59
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As Ligas Camponesas ganharam estudos jornalísticos e acadêmicos e agora seu principal líder tem a vida vasculhada no livro “Francisco Julião — Uma Biografia” (Civilização Brasileira, 853 páginas), de Cláudio Aguiar. Trata-se de uma narrativa simpática ao personagem, mas não é uma hagiografia. As relações com o ditador Fidel Castro, notadamente o financiamento dado por Cuba às Ligas Camponesas, que seriam a ponta de lança da Revolução no Brasil, poderiam ter sido mais bem exploradas. Pode-se acusar o autor de “suavizar” o papel “revolucionário” de Julião, ao apresentá-lo, no geral, como moderado? Talvez não. Não deixa de ser sintomático que Luiz Carlos Prestes, o chefão do Partido Comunista Brasileiro, vivia às turras com o líder das Ligas Camponesas. Num encontro em Cuba, na presença de Fidel Castro, o Cavaleiro da Esperança passou uma descompostura no rival. O líder cubano, depois de conversar em particular com Prestes, disse a Julião: “O Cavaleiro está lá, mas toda esperança [de reconciliação com Julião] se foi”. A causa da guerrinha: o líder dos camponeses não queria ser fantoche do PCB.

Antes de apoiar Leonel Brizola, a quem teria chamado de “El Ratón” (não há evidência de que o futuro líder do PDT tenha se apropriado do dinheiro enviado por Cuba para fins pessoais), e de bancar a guerrilha de Carlos Marighella, da Ação Libertadora Nacional (ALN), Fidel Castro financiou as Ligas Camponesas. O campo do Nordeste, teoricamente, seria a Sierra Maestra do Brasil. Não deu certo, mas as relações do cubano e do brasileiro permaneceram amistosas.
Em 1960, um ano depois da Revolução, Fidel Castro mandou um avião buscar integrantes das Ligas Camponesas para que participassem das comemorações do Dia do Trabalho em Cuba. Esso, Texaco, Atlantic e Shell não quiseram abastecer o avião cubano, mas, relata Cláudio Aguiar, “camponeses, operários e estudantes ameaçaram explodir os depósitos de uma delas. Coube à Shell a tarefa de fornecer combustível, impondo o pagamento em dólares e à vista”. Quando voltaram para o Brasil, os camponeses foram perseguidos.
Na década de 1960, Edward Kennedy, então assessor do irmão presidente, John Kennedy, visitou Pernambuco e pediu para conhecer integrantes das Ligas Camponesas. Tendo ao lado o economista Celso Furtado, seu intérprete, e o governador de Pernambuco, Cid Sampaio, o jovem Kennedy visitou o Engenho Galileia e perguntou aos camponeses: “Como desejam ver seus filhos quando eles crescerem?” O camponês Zezé da Galileia respondeu: “Doutor, o que desejamos é que o sr. peça a seu irmão presidente para dr. Cid tirar a polícia daqui. Não existe desordem e a polícia é desnecessária”. Kenndey prometeu e enviou um gerador de energia elétrica aos camponeses, mas Cid Sampaio decidiu não entregá-lo. Mais tarde, quando governador, Miguel Arraes mandou levá-lo para os proprietários legítimos, que, como não tinham dinheiro para comprar gasolina, o repassaram para uma escola.
Os movimentos camponeses são antigos no Nordeste, mas um movimento em particular influenciou a luta das Ligas Camponesas. “A revolta camponesa de Trombas e Formoso, liderada pelo camponês José Porfírio de Souza, ocorreu entre 1950 e 1957, na região norte de Goiás, em área de quase 10 mil quilômetros quadrados. A luta dos camponeses travou-se fundamentalmente contra os grileiros. (…) O movimento teve um caráter especialíssimo, pois, à medida que conquistavam o poder local, os camponeses revoltosos elegiam as autoridades — prefeitos, vereadores e juízes — e se recusavam a pagar impostos e taxas ao governo de Goiás. Talvez tenha sido uma das primeiras vitórias alcançadas por camponeses no Brasil republicano. O governador Mauro Borges foi obrigado a desapropriar a terra em conflito e a distribui-la em parcelas aos camponeses, o que pôs fim ao litígio armado. José Porfírio foi eleito deputado estadual em 1960, sendo o primeiro líder camponês a eleger-se parlamentar”, registra Cláudio Aguiar. O sucesso dos camponeses de Goiás deixou implícito que era possível mexer na estrutura agrária do Nordeste.
As Ligas Camponesas tinham seu braço militar, armado. Um dos responsáveis pelo dispositivo militar, Clodomir Morais, ao ser preso depois do golpe de 1964, disse que seu papel era mais de aconselhamento jurídico. Mas Cláudio Aguiar o corrige: “Sua participação no esquema dos ‘aparelhos clandestinos’ ultrapassou os limites de meras atividades jurídicas”. Julião mandou Clodomir “desmantelar” a organização armada, pois o considerava como “o principal articulador e ‘comandante do esquema militar’”. A história foi confirmada por Pedro Porfírio, pelo pintor Antônio Alves Dias e pelos “integrantes do grupo de Dianópolis, em Goiás [hoje, Tocantins], como Amaro Luiz de Carvalho, o Capivara, Cleto Campelo Filho, Adauto Freire”.
Julião disse: “Imediatamente tratei de pôr uma pessoa em contato com o Clodomir para lhe dizer: ‘Vocês estão cometendo uma série de erros gravíssimos, que podem comprometer o movimento’. Afinal de contas, consegui tirar toda essa gente dos dispositivos e liquidar com tudo isso. Mas eles vinham muito acelerados e era preciso metê-los em um grande movimento de massas, para ver se desaceleravam um pouco. Por isso que os meti na campanha de Pernambuco e da Paraíba e tive de aguentar o radicalismo da sua linguagem. (…) Isso influiu muito para a diminuição de meus votos e para aumentar o ataque que era feito contra mim”.
Com Julião afastando Clodomir da militância revolucionária armada, um goiano, Tarzan de Castro, assumiu o controle da estrutura militarizada. Cláudio Aguiar diz que Tarzan estava “na direção do comitê central do Partido Comunista do Brasil (PC do B), facção dissidente do PCB, recém-organizada”. O jornalista Flávio Tavares, que teve militância esquerdista, disse que se tratava de uma “esquizofrênica aventura armada das Ligas Camponesas”. Um dos militantes ativos das Ligas, Carlos Franklin Paixão de Araújo, foi casado com a presidente Dilma Rousseff.

A desmobilização do condomínio armado das Ligas Camponesas começou com a descoberta dos dispositivos de Dianópolis e Petrópolis. Cláudio Aguiar até estranha a ação da força armada em Goiás, pois o governador Mauro Borges “revelara-se aliado das esquerdas”.
“O desmantelamento do dispositivo de Dianópolis começou quando um oficial da confiança do governo Jango, designado pelo governador Mauro Borges para dirigir o serviço de repressão ao contrabando, recebeu a denúncia de que enormes caixotes contendo geladeiras estavam sendo remetidos para uma fazenda, no interior goiano, onde não havia energia elétrica”, relata Cláudio Aguiar.
Ao invadirem a fazenda, os agentes do serviço de repressão ao contrabando descobriram uma carga estranha: “os caixotes continham bandeiras cubanas, retratos e textos de Fidel Castro e de Julião, manuais de instrução de combate, além dos planos de implantação de outros futuros focos de sabotagem e informações sobre a origem dos fundos financeiros enviados por Cuba”.
O presidente João Goulart, que era apontado pela direita como esquerdista, embora não fosse, “reclamou diretamente a Fidel”. O líder cubano enviou o presidente do Banco Nacional de Cuba, Zepeda, para “apagar o incêndio provocado pelo caso de Dianópolis, em Goiás. Jango entregou ao ministro o relatório com a documentação apreendida”.
Mas o Boeing em que viajava Zepeda caiu e todos os passageiros morreram. “A pasta de couro em que o ministro Zepeda levava a documentação foi encontrada entre os destroços e entregue à CIA, que divulgou os documentos num carnaval acusatório a Cuba pelas três Américas”, conta Cláudio Aguiar.
Tarzan de Castro também esteve envolvido com o dispositivo armado em Petrópolis, segundo Cláudio Aguiar. O pesquisador diz que “nunca foram divulgados documentos comprovatórios de que as armas procediam de Cuba”. Numa entrevista, Clodomir disse era fácil comprar armas no Brasil, no início da década de 1960.
Se o dinheiro para a suposta guerrilha era ou não cubano não se sabe com certeza, mas o jornalista pernambucano Antonio Avertano Barreto da Rocha reporta a Julião que Clodomir e seus ‘guerrilheiros’ viviam praticando grandes orgias, inclusive no Rio. Diziam que Clodomir possuía 12 apartamentos no Rio, comprados com o dinheiro mandado por Cuba para as ‘guerrilhas’. Ainda eram citados como envolvidos nas orgias Amaro Luiz de Carvalho e Tarzan de Castro, além de outros que viviam à tripa forra”. Ressalve-se que Tarzan de Castro já contestou tal denúncia. Ao receber a reclamação, Julião disse: “Clodomir é o sol e vocês são os pirilampos”.
O livro conta que o poeta Ferreira Gullar e o cientista político Vanderley Guilherme dos Santos trabalharam para o jornal “Liga”, das Ligas Camponesas. Gullar denunciou o autoritarismo de seus “ideólogos”.