Por Marcelo Gouveia

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MPF-GO pede suspensão do Minha Casa, Minha Vida em 68 municípios goianos

O foco das ações está na não divulgação permanente do cadastro e da identificação dos inscritos para consulta da população

Audiência pública sobre reajuste do IPTU é marcada por embate entre Prefeitura e oposição

Aumento linear do imposto em 57,8% foi motivo de contestação por vereadores e representantes de setores organizados da sociedade. A suposta falta de transparência por parte do Paço e a politização do tema também entraram na pauta do encontro

Hair stylist de Goiânia fica entre as 10 melhores do Brasil em premiação da Joico

A premiadíssima hair stylist Danielly Cristine, do D'Steel Studio Hair, está entre as 10 melhores profissionais em atividade no Brasil na área de colorimetrista capilar.

Amastha propõe impacto com reforma de olho na reeleição à Prefeitura daqui a dois anos

[caption id="attachment_20077" align="alignleft" width="300"]Prefeito Carlos Amastha: minirreforma para ganhar fôlego administrativo Prefeito Carlos Amastha: minirreforma para ganhar fôlego administrativo[/caption] Gilson Cavalcante Depois do insucesso nas eleições de outubro deste ano, o prefeito de Palmas, Carlos Amastha (PP), tenta recuperar espaço político para não ver a sua reeleição ameaçada em 2016. Amastha, numa atitude intempestiva, arriscou em duas candidaturas que não tiveram êxito nas urnas: Thiago Andrino (federal) e vereador Major Negreiros (estadual), ambos de seu partido, além de criar animosidades internas e fechar acordo com o governador Sandoval Cardoso (SD). Ao se indispor com o deputado estadual Wanderlei Barbosa (SD) durante a campanha eleitoral, Amastha perdeu um aliado. O parlamentar foi reeleito e o preferido do prefeito (Negreiros), não. O prefeito precisa reconstruir a sua base política e aglutinar novas forças, visando à reeleição daqui a dois anos. Amastha é sabedor que irá enfrentar forças políticas, que querem assumir o Paço, como Marcelo Lelis (PV), Raul Filho (PT), Eli Borges (Pros), Eduardo Gomes (SD), deputado Aragão (Pros), Wanderlei Barbosa (SD) e Dulce Miranda (PMDB), possíveis pré-candidato à prefeitura da capital. No momento, os partidos que o prefeito pode contar em sua reeleição são PSL, PCdoB, PTN e PP. Diante desse novo cenário, Amastha aposta numa reengenharia política ao seu modo. E já deu carta branca a Andrino, que assumirá super-secretaria no município para aproximar o PP do governador eleito Marcelo Miranda. A estratégia do prefeito de Palmas, nesse momento, é realizar uma minirreforma administrativa. Uma reunião esse sentido, com os vereadores da base aliada e secretários, está prevista para esta terça-feira, 10. Na pauta também os resultados da eleição 2014. A tarefa de Amastha não será nada fácil para tentar recompor os cacos de seus estragos políticos. Para ganhar visibilidade, deve cortar 20% dos comissionados e gratificações. Com a exoneração da secretária da Educação, Berenice Barbosa, irmão do deputado Wanderlei Barbosa, a pasta, pelo que se especula, deve ser assumida por Danilo Melo, que já a comandou durante a gestão do ex-prefeito Raul Filho e também em nível estadual, durante a última gestão de Siqueira Campos. Danilo foi derrotado na disputa por uma vaga de deputado estadual. A Prefeitura de Palmas já encaminhou para a Câmara de Palmas um projeto de lei que visa diminuir 20% dos cargos comissionados. Atual­mente são 480 cargos. O prefeito pretende, com a minirreforma, erradicar a miséria e, com isso, oferecer melhor qualidade de vida à comunidade. “Queremos uma cidade sem miséria e sentimos a necessidade de ter uma pasta para usar os recursos de maneira que erradicaremos a miséria e teremos uma harmonia social”, defende o Executivo. Resumo da ópera: Amastha não quer perder tempo e cuida logo de se movimentar politicamente, na tentativa de reunir em torno de seu projeto de reeleição os partidos de forte densidade eleitoral, a exemplo de PMDB e PT.

De vereador de Planaltina a “dono” do Pros e “amigo da Dilma”

O ex-vereador do interior de Goiás se aventurou a criar um partido a partir do zero. Deu certo e ele foi o único goiano no palco em que a reeleita Dilma Rousseff fez o discurso da vitória. Agora, promete ser a ponte entre Goiás e o Planalto

Nova Planta de Valores irá propor reajuste linear em cerca de 60% para IPTU e ITU

[caption id="attachment_20024" align="alignleft" width="620"]Secretário de Finanças, Jeovalter Correia anuncia nova Planta de Valores, mas não se pronuncia sobre dívidas Secretário de Finanças, Jeovalter Correia anuncia nova Planta de Valores, mas não se pronuncia sobre dívidas[/caption] O secretário municipal de Finanças, Jeovalter Correia, reuniu a imprensa na tarde de sexta-feira, 7, para pôr fim ao impasse da Planta de Valores Imobiliários de Goiânia e o aumento do IPTU e ITU, que vem se arrastando desde o meio deste ano. De acordo com ele, o Paço Municipal conseguiu acordo com os vereadores da base e anunciou que o reajuste será linear e igualitário, isto é, o aumento será para todos os contribuintes, independente da localização do imóvel. Em 2015, conforme o projeto, os valores serão reajustados em 57,8% e, no ano seguinte, em 29,7%. Na nova Planta de Valores, a matéria aprovada pela Câmara no dia 29 de setembro, que previa a progressividade dos impostos por meio da alteração das alíquotas, será prorrogada para 2018. “As alíquotas praticadas no ano passado e as zonas fiscais continuam”, explicou Jeovalter, ressaltando que a mudança está centrada no valor do reajuste dos impostos – de 57,8%. O cálculo dos impostos – que foi mantido – é feito com base na localização do imóvel para ser fixado o IPTU ou ITU – a capital é dividida em zonas, que indicam este cálculo. Na Lei Complementar aprovada em setembro, estava prevista uma progressão de valores: o IPTU e ITU estariam vinculados ao valor venal do imóvel (estimativa que o Poder Público realiza sobre o preço de determinados bens) – o que acarretaria em um maior imposto para imóveis/terrenos mais valiosos. Neste sentido, haveria uma cobrança diferenciada, diferente da que está prevista, agora, na nova Planta de Valores, na qual todos serão incindidos de maneira linear, igual. Em relação a isso, o secretário expressou insatisfação por parte da prefeitura, mas declarou que foi a saída encontrada pelo prefeito Paulo Garcia (PT). A insatisfação advém do fato de que, segundo especulações dos próprios vereadores, a porcentagem cobrada de alguns imóveis seria muito superior aos 57,8% acertados.

Dívidas

O secretário confirmou também que a prestação de contas do prefeito Paulo Garcia (PT) será realizada no dia 18 deste mês. A apresentação do balanço estava marcada anteriormente para o dia 28 de outubro e foi adiada, mas agora Jeovalter garante que a nova data será mantida. Porém, Jeovalter não quis adiantar nenhuma informação e nem comentar sobre o problema de contabilidade que foi apontado por vereadores. “Só com o prefeito. Não vou falar nada”, respondeu aos jornalistas. Atualmente, a dívida da prefeitura gira em torno de R$ 1,3 bilhão. Esse valor é a soma dos R$ 988.309.429,33 da dívida fundada e os R$ 400 mi­lhões da dívida flutuante.  

IBGE: taxa de desemprego cai no segundo trimestre

A taxa de desemprego brasileira ficou em 6,8% no segundo trimestre de 2014, 0,3 ponto percentual a menos que a dos três meses imediatamente anteriores, divulgou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na Pesquisa Nacional por Amostra de Domi­cílios (Pnad) Contínua. No primeiro trimestre, a taxa havia subido 0,8 ponto percentual em relação ao fim de 2013, ficando em 7,1%. Se comparada ao segundo trimestre do ano passado, a taxa caiu 0,6 ponto percentual, pois o indicador estava em 7,4%. Segundo o IBGE, no segundo trimestre deste ano, 92,1 milhões de pessoas estavam ocupadas.  

Baterista do AC/DC é preso em Nova Zelândia

O australiano Phil Rudd, baterista da clássica banda de rock AC/DC, foi preso na última quinta-feira, 6, após uma batida policial em sua casa, na Nova Zelândia. Rudd, de 60 anos, está sendo acusado de tentar contratar em setembro um matador para assassinar duas pessoas, cujos nomes não foram revelados. Horas depois da prisão, o músico compareceu a um tribunal na cidade de Tauranga. Na batida policial também foram encontradas anfetaminas e maconha. Rudd pagou fiança e agora vai aguardar o julgamento.  

Edição do Canto da Primavera será em dezembro

A Secretaria de Estado da Cultura de Goiás (Secult) informou que o Canto da Primavera deste ano será realizado entre os dias 17 e 21 de dezembro, na cidade de Pirenópolis. Outro evento, a Mostra de Teatro Nacional de Porangatu (TeNpo), também será realizada no mês de dezembro, entre entre os dias 11 e 14. A programação de ambas as mostras ainda não foram divulgadas e a secretaria disse apenas que em breve chegará ao público. A Secult informou que excepcionalmente este ano os eventos estão sendo realizados em dezembro. Entretanto, os atrasos do Canto da Primavera são recorrentes, por exemplo no ano passado, quando o evento ocorreu em novembro. A Secult explica ainda que este ano as datas foram adiadas em virtude do período eleitoral e da disponibilidade de artistas consultados para compor a programação dos dois festivais.  

Decoração deixa Goiânia já com espírito natalino

A prefeitura de Goiânia iniciou na semana passada a montagem da decoração natalina na capital. As avenidas 24 de Outubro, 85, T-63 e os viadutos Latif Sebba e João Alves de Queiroz são alguns dos locais que contarão com iluminação natalina. Com a Comurg à frente dos trabalhos, a montagem começou pela Praça Tamandaré com a instalação do tradicional túnel de luzes. No local, serão montadas, ainda, a Aldeia do Papai Noel e uma árvore iluminada de 18 metros de altura, além de outros enfeites complementares. De acordo com o presidente da Comurg, Ormando Pires, grande parte da nova decoração é fruto de material reciclável. Os gastos previstos para este ano com a iluminação natalina devem ser de aproximadamente R$ 250 mil. Os trabalhos devem ser finalizados até o final de novembro.   semana.qxd

Forte em 16, base terá de se reinventar para 18

Oposição está desorientada pela 5ª derrota, e dificilmente conseguirá se reorganizar até as eleições municipais. Mas, depois a história é outra

De 22,5 mil para 47,5 mil veículos

Desde 2010, mais do que dobrou a frota com placas do município. Secretaria alerta para maior fluxo e pede colaboração

PT trabalha o autoritarismo pela via da democracia

Projeto bolivarianista do partido é explicitado em mensagem da executiva e, se for cumprido, colocará o Brasil sob jugo do pensamento único

Vazios modernos

“Amores, Truques e Outras Versões”, de Alex Andrade, acompanha uma caçada por prazeres vulgares, na qual a tecnologia serve de motor para o abismo de sentimentos

O imaginário conveniente (parte 1)

Em “Caminhos de Goiás”, o historiador Nars Chaul procura desconstruir os conceitos de “decadência” e “atraso” para caracterizar o desenvolvimento do Estado

Florinda, a beata

[caption id="attachment_20100" align="alignright" width="620"]M. File M. File[/caption]

José Fernandes

Florinda entrou pela porta lateral da Matriz de São José de Botas e ajeitou-se à frente do primeiro ban­co, próximo à nave. Contrariando a es­pécie, não se deitou ou demonstrou qualquer constrangimento por encontrar-se em meio àquela multidão. Acompanhou a missa com o rabo espichado, revelando-se senhora de seu ato, como se aquele evento religioso fizesse parte de seus hábitos. Executava os mesmos movimentos dos fiéis. Levantavam-se; ela se levantava. Sentavam-se; ela se sentava. Padre José Paiva, compenetrado no rito e no ritual da transubstanciação, não lhe sentiu a presença. Á hora da consagração, ela abaixou a cabeça. No momento da pronúncia das palavras de poder e transformação, ergueu os olhos, como se também dissesse “Senhor meu e Deus meu”. Só não trazia um ramo às mãos, a despeito de tratar-se de missa de Domingo de Ramos.

Ao término da cerimônia eucarística, sem que a ninguém incomodasse, colocou-se ao lado, próximo à porta, aguardando os fiéis se organizarem na procissão que percorreria a Praça Cônego Pinto, Rua do Rosário e retornaria à Matriz. Tudo pronto, ela se pôs atrás dos fiéis, como a observar a ordem das filas e a sentir melhor a repetição do rito que lembrava o ontem cristão. Ao retornar, procurou adaptar-se ao novo espaço à frente do altar, posto que as crianças, portanto ramos às mãos, em atualização daquele gesto primeiro, dispuseram-se entre os bancos e a mesa do sacrifício. Ao longo do percurso, entretanto, encontrou um ramo no chão, certamente perdido por alguma beata distraída, ou por alguma criança traquina, recolheu-o entre os dentes e caminhou com ele, como se sua posse fosse imprescindível à consumação daquele ritual.

Finda a cerimônia, cada um voltou à sua casa. Creio que poucos se deram pela sua presença e por aquele fato inusitado. Mas, durante toda a Semana Santa, ela acompanhou todos os gestos que trazem à memória o trágico acontecimento da morte de Cristo. À cerimônia do lava-pés, ela se postou ao lado das personagens que representavam os apóstolos. Portava um olhar indefinido, expressão de curiosidade e de quem desejasse também ter os pés lavados, a fim de purificar-se de alguma mácula invisível, sequer desconfiada pelos humanos. Na procissão do Se­nhor Morto, enquanto Verônica can­tava e desenrolava a efígie do Cris­to coroado de espinhos, ela ga­nia baixinho, fazendo coro a alguns fiéis mais emotivos, certamente arrependidos de seus pecados. Houve quem risse do inusitado e quem se contristasse a pensar que ela trouxesse alguma mensagem do além. No domingo de pás­coa, após a missa, deitou-se em meio à calçada entre a casa de Ro­bson e a de Elias. Dava a impressão de que aguardava algum pedaço de chocolate ofertado pelas crianças, felizes por haverem encontrado o ninho do coelho.

A partir daquela semana, em todos os eventos religiosos da cidade, Florinda se fazia presente. Não se sabe como ela sabia dos horários e dos lugares em que eles se realizariam. Chegava, à hora exata, às missas, inclusive quando elas foram transferidas para a igreja de Nossa Senhora Aparecida, em decorrência da reforma por que passou a Matriz. Em dias de novena, como a que se faz por ocasião da Senhora Peregrina, ela ia à casa dos componentes do grupo, religiosamente. Acom­pa­nhava o terço, sem incomodar quem quer que fosse, e se retirava, ao final, quase sem ser percebida. A cidade já se acostumara com sua presença, e até havia quem visse nela a reencarnação de alguma alma penada a pagar os seus pecados. Houve até quem arriscasse algum palpite, nomeando pessoas que, segundo se relatava, assombravam porteiras, capoeiras e encruzilhadas. Os pelos furta-cores de Florinda propiciavam ilações relacionadas com algum falecido, pois conferia, à noite, uma tonalidade espectral, além de seus uivos chorosos em noites de lua-cheia.

O tempo propiciou-lhe co­nhecer todas as pessoas da cidade e, inclusive, saber-lhes os hábitos, pois, em uma missa de sétimo dia, a que as irmãs Timim compareceram, a fim de homenagear a amiga de infância, Ernestina Fernandes, Florinda as recebeu com alegria esfuziante. Ao contrário de outras ocasiões, fugiu inteiramente ao ritual de condolências próprios das missas de réquiem. Parecia dar-lhes as boas vindas, já que as via, pela primeira vez, a participarem de um culto religioso. Entrou pelo meio dos bancos e lhes pulou aos colos. Quase lhes beijou as faces. Mas, tudo de forma muito educada, como se soubesse até onde deveria expandir a sua satisfação. Os olhos dos fiéis, mesmo daqueles mais concentrados na celebração, caíram sobre elas. Não houve quem não deixasse escapar um risinho maroto, não sei se pela simpatia das Timim, ou se pelo comportamento inesperado de Florinda.

Mas a religiosidade de Florinda não se encerra na frequência às missas. Dispunha de um faro especial para cerimonias religiosas. Não se sabe como, bastava que alguém pensasse abrir as portas da Matriz, que ela já estava por ali, à espera do acontecimento. Duas semanas após a Semana Santa, faleceu Antônio Pedro. Era uma quarta-feira, e não havia nenhum culto, à tarde. Todavia, o passamento do avô do Padre José Paiva requeria missa de corpo presente, com todos os ritos propícios aos mortos. Aberta a porta lateral, ao lado direito, Florinda entrara junto com o sacristão. Quando Padre José chegou, ela, discretamente, aguardava a chegada do cortejo fúnebre. Assim que a urna mortuária chegou, colocaram-na sobre a essa. Assim que os familiares tomaram seus assentos, Florinda sentou-se ao lado da essa, como que entristecida pela próxima ausência eterna daquele ser humano.

Normalmente, cachorro entra na igreja porque encontra a porta aberta e, quase sempre, sai logo, porque as pessoas, discretamente, dão um jeito de vê-lo longe do templo. Com Florinda, talvez em decorrência de sua discrição, ninguém se incomodou. Por isso, manteve-se ali, encolhida, durante a missa e, depois, na realização da benção do corpo. Na sequência, aguardou que todos saíssem para, em um gesto inesperado pelos presentes, acompanhar o féretro até o cemitério. Saiu pela porta da frente, como todos os acompanhantes, a fim de não desorganizar o cortejo e, pareceu-me, em sinal de respeito, pois sair pela porta lateral implicaria interromper os passos do falecido à casa dos tempos. Cultural_1885.qxd

O cortejo seguia a passos lentos, como se todos estivessem retardando aquele momento imponderável de separação. Os filhos, tantos; os netos e bisnetos, inúmeros; e os amigos colhidos ao longo dos longos anos. Se o féretro parava por momentos, Florinda mantinha-se à distância, sem misturar-se ao grosso do povo, talvez receosa de que alguém a molestasse, embora parecesse acreditar ser aquele o seu lugar, pois estava curiosa por ver como ocorria a despedida definitiva de um humano.

Um dia, à tarde, agoniada, corria em volta do templo à procura de uma porta aberta. Em pouco tempo, via-se o féretro subindo a rua do meio. Ela, imediatamente, correu ao encontro do cortejo e, à frente, dirigiu-se à igreja. Entrou e postou-se próximo à essa, aguardando que, nela, alojassem o caixão. Ao choro dos familiares, começou a ganir em tom agônico o passamento de Antônio Feliciano, morto na fazendo de Antônio Belo, perto de Arco Verde.

Terminado o ritual das exéquias, ministrado pelo Padre Geraldo, àquele dia, aguardou os acompanhantes do féretro porem-se em movimento, para iniciar sua tarefa de guia até o cemitério. Lá, guiada por algum instinto ou por algum espírito dos mortos, dirigiu-se, como que magnetizada, ao túmulo da família. Posto o ataúde no chão, ouvia as palavras do orador, como se as entendesse, porque, a cada palavra de expressão doída, em decorrência da passagem do amigo por ele proferida, parecia-lhe dilacerar o corpo, em uma dor de real confrangimento. À reza do réquiem, fechou os olhos, a fim de se pôr em comunhão com o falecido e, sobretudo, com o Senhor dos mortos, para que recebesse com a alegria de amigo aquele que fora ceifado da vida.

Assim que saiu das dependências do cemitério, porém, seu comportamento macambúzio e discreto converteu-se em alegria, ao perfilar-se com Beijinho. Pulava e corria para lá e para cá, ao seu redor, como se lhe fizesse uma festa. Ele, que a via pela primeira vez, não entendia aquele carinho; ainda mais quando ela, erguendo-se, rapidamente lhe deu verdadeiro beijo na face. Essa cadela deve estar me confundindo com alguém aqui da cidade. Nunca vi um animal me fazer tanto carinho; nem o Tupi, que viveu, até morrer, na fazenda, e me ajudava a juntar o gado no pasto. E olha que eu o tratava como se fosse alguém da família, tamanha a amizade que nos devotávamos. Estou até constrangido, no meio dessas pessoas que só conheço de ver pelas ruas da cidade.

— Florinda gostou de você, compadre Beijinho! Será o que ela viu em você? Deve ser o cheiro do Cambalé que você trouxe na barra das calças. Ele não lhe acompanhou pelo pasto hoje?

— Pode ser, compadre Cas­simiro. O fato é que não estou gostando dessas intimidades! Nunca vi esse animal antes!

Duas semanas se passaram, quando Florinda, em uma manhã de sábado, acho que 14 de agosto, postou-se à porta do cemitério, ao aguardo da chegada do coveiro. Acompanhou a abertura da cova naquela parte mais sinistra, em que se não veem túmulos. Horácio estranhou que ela não se encontrasse, como sempre, nas proximidades da matriz de São José. Ao ver o féretro vindo dos lados de Arcoverde, correu e pôs-se à frente dos poucos acompanhantes, a guiá-los ao local exato em que se procederia ao sepultamento. Era Beijinho, assassinado no capoeirão de João Pinto por Adão Bento!

Diferentemente dos outros enterros de que Florinda participara, ela não demonstrou aquele semblante soturno e contristado e nem aquele comportamento discreto que lhe possibilitou conquistar a simpatia dos habitantes de Alto Rio Doce. Parecia alegrar-se com a morte daquele amigo de poucos minutos, conquistado há apenas duas semanas; mas respeitou a mansão dos mortos. Porém, assim que se viu fora de suas dependências, pôs-se a saracotear em frente de José Belo, num verdadeiro ritual de saudação à amizade. Zé Belão, assim chamado pelos amigos, ficou vermelho, ao ser distinguido entre os participantes do cortejo com aquelas manobras de carinho. Será que ela sentira em mim o cheiro do Botuca? Cachorro é um animal muito estranho. Apenas vi essa cadela assistindo a algumas missas. Nunca me aproximei dela, e nem ela de mim, e ela vem me assediar hoje. O pior é que pula no meu peito e me suja a camisa. Já corre na cidade que ela previu a morte do Beijinho. Eu, heim!

Semanas depois, Zé Belão sentiu-se sufocado. Era meia-noite, na roça, sem condução para ir à cidade. Andava pra lá e pra cá, dentro de casa, sem pegar no sono. Seu irmão, Ângelo, chegou a vê-lo naquele estado. Deu-lhe um calmante, na esperança de que ele dormisse, para, no outro dia, levá-lo ao médico. Mas ele fora categórico: minha hora chegou. Pela manhã, Ângelo, ao dirigir-se ao seu quarto, encontrou-o morto. A notícia logo chegou à cidade. Elias, ao saber do ocorrido, ficou ressabiado, pois presenciara o ritual celebrado por Florinda, dias antes. O enterro, entretanto, seria em Arcoverde, no túmulo da família. Todavia, assim que o coveiro começou a subir o morro que demanda aa cemitério, a fim de providenciar a abertura do túmulo, deu com ela à porta da igreja. Ela encontrava-se ali para chorar a morte. Credo! Se essa cadela vier pro meu lado, vou dar-lhe uns pontapés. Sai de mim coisa ruim!

Ninguém a viu voltar à cidade. Mas, na missa de sétimo dia, celebrada pelo Padre José Paiva, lá estava ela, contrita, a fazer coro aos amigos de Zé Belão. Lembro-me bem de que, a despeito de a igrejinha de Arcoverde encontrar-se lotada, ela entrou pela porta lateral, do lado da casa paroquial, e ficou ali, à frente, próximo aos familiares do falecido. Deu uma olhada para Floripes e Alípio, mas não os incomodou. Terminada a missa, saiu discretamente enquanto os amigos cumprimentavam, com sofridos pêsames aos irmãos de Zé Belão: Ângelo e Conceição. Mas, comentando mais tarde o ocorrido, em uma roda de amigos, Edith, Cátia, Cristina e Adair disseram-nos que, no mesmo dia e horário, ela estava no sepultamento e na missa de sétimo dia do Padre Geraldo.

Jose Fernandes é escritor, crítico literário e doutor em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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Poemas que leio, poetas que admiro: Sylvia Plath

A poesia de Sylvia Plath dialoga com episódios de uma vida marcada pelo sucesso intelectual contrastante com uma série de experiências traumáticas e a sua recusa em aceitar o papel socialmente imposto às mulheres do seu tempo

Vem, vamos voar daqui. Lá do alto dá pra ver como somos pequenos

[caption id="attachment_20085" align="alignleft" width="620"]Foto: Artchive Foto: Artchive[/caption]

André J. Gomes Especial para o Jornal Opção

Ah… pessoa amiga, essa vida tem de tu­do. Tem risos e choros, brigas e tréguas, a­chados e perdidos, secos e mo­lhados. Tem quem ganha e tem quem perde, quem encontra e desencontra. Tem tanto medo provocando nossas coragens! Tanta dúvida, tanto “só Deus sabe”, tanto Amém para pouca reza. E entre tudo isso estamos nós, caminhando nossos altos e baixos, na vida que tem mesmo de tudo um pouco. Mas é certo que, de quando em vez, esse pouco vira muito ou, no mínimo, mais do que a gente aguenta.

Nessas horas, eu tenho uma sugestão: vamos sair daqui! Tanta confusão não pode nunca fazer bem. Vê quanta vontade de tristeza? Quanto desejo de dor? Essa frieza acalorada, esse abafamento gritado, esse gelo queimando no ventre. Olha quanta gente buscando o desencontro, quanta disposição para a guerra! E o barulho? Quanto barulho! Vamos deixar isso para trás, para baixo. Vamos para longe. Vamos voar daqui.

Segura a minha mão. Aperta forte. O solavanco da subida assusta, sobressalta, mas é só no início. Depois acalma, tudo se ajeita. Logo estaremos lá em cima, no silêncio manso e morno, voando sobre o tumulto.

De lá, à distância, veremos as coisas em justa perspectiva. E assistiremos a nós mesmos assim como somos: pequenos seres desesperados, perdidos em miudezas, carregando suas migalhas, trombando uns nos outros, juntando farelos para sabe-se lá o quê.

Assim, mirando do alto nossa vida aqui embaixo, pensaremos serenos sobre a distância, as faltas e as sobras, os nós e os dós. Um vento forte cortará as emendas de nossa pele e fará gelar aqui dentro uma saudade funda de tanta alegria rara que vem e vai. Ainda que lá no alto, deslizando acima de nossas obrigações terrenas, doerão em nós as tantas vezes em que deveríamos perdoar ou pedir perdão e decidimos não fazê-lo.

Então buscaremos lá de cima, correndo os olhos aéreos pelos desenhos divertidos das árvores e lagos e plantações e estradas de terra, em algum lugar cá no chão, os perdões que perdemos no caminho. Sonhando a hora certa de cada um deles brotar com alegria de planta nova.

Para longe desse quiproquó que entope as ruas de lixo e ódio, você e eu nos encontraremos na lembrança da alegria de ter os amigos perto, e de sermos aqueles a quem os amigos procuram na falta e na sobra. Juntos, suspeitaremos a eternidade do instante de um abraço esperado.

Veremos do alto tantas casas cheias de vazios, suas paredes clarinhas que o tempo escurece de fumo e mofo e ressentimento, como a inocência apagada de pancadas e mágoas. E logo ali, vê? Ali, sentada sobre os telhados, olhando longe, reconheceremos nossa incapacidade de falar na hora certa sobre o que nos parece errado, aplaudindo comovidos os seus gritos para o nada.

Lá das alturas, olharemos a beleza dolorida dos velhos na janela e suas vistas embaçadas de lembranças. Sentiremos o grandioso amor das criaturas pequenas e seus fragores ligeiros, inesperados, instantâneos. Veremos as pessoas reduzidas a sua vontade enorme e irrefreável. Riremos com a alegria inocente dos cachorros, das crianças e das almas simples que praticam a amizade, o amor e a gratidão.

E então um arrepio nos congelará por dentro quando notarmos a esperteza dos que vivem à espreita, sucumbidos à sua própria maldade, camuflados como mariposas turvas de ódio posadas nas paredes do estômago, aguardando seu tempo de esvoaçar raivosas pelas vísceras de um mundo atormentado.

Nessa hora, aperta a minha mão mais forte. Segura firme. Será o tempo de voltarmos ao chão. Porque há muito que fazer aqui. Nossa vontade de alegria, nosso desejo de amor, nossa inclinação para o encontro precisam de terra firme e boa para arraigar e florescer. É nesse barulho, nessa guerra que eles encontram sentido. Mas agora, para vermos tudo isso em merecida perspectiva, você e eu precisamos sair do alvoroço.

Vem, pessoa amiga. Vamos começar de novo. Vamos voar daqui para ver, lá de cima, o quanto somos pequenos. Po­bres seres rasteiros em busca de um amor que nos leve mais longe. Vem. Vamos voar daqui.

André J. Gomes é escritor e publicitário.

via Revista Bula