Por Editor

Encontramos 711 resultados
Avanço do Nexus é consolidação do desrespeito às leis e às instituições

Ao mesmo tempo em que há o investimento de centenas de pessoas no empreendimento, é preciso dar atenção aos milhões de cidadãos da região metropolitana que, com a desobediência às normas, veem negado seu direito à qualidade de vida

Condenação de Lula prova que, ao contrário do que prega o PT, a democracia brasileira é sólida

O recado da condenação de um ex-presidente da República é claro: ninguém está acima da lei. É um recado do Brasil moderno para o Brasil que permanece arcaico: a lei vale para todos

Uma pequena e instrutiva história de como os presidentes da República caem no Brasil

A palavra golpe é central na história do Brasil. O que derrubou Dilma Rousseff? Mais a incompetência do que a corrupção. O que pode derrubar Temer? O cansaço com a corrupção

“Goiânia é ‘digital’, mas o casal Iris a governa no sistema analógico”

Um dos nomes mais respeitados da Câmara, vereadora tucana faz críticas à administração municipal e à política tradicional. Sobra puxão de orelhas até para seu próprio partido

Iris diz que ainda não escolheu líder para evitar “fiasco” na Câmara

Prefeito, que sofre derrota após derrota no Legislativo, sugeriu que pode anunciar decisão "na próxima semana"

Prefeitura está apequenando Iris Rezende e o peemedebista está apequenando Goiânia

O líder do PMDB parece desconectado dos goianienses atuais. É provável que, se as eleições fossem realizadas seis meses depois de sua posse, os eleitores optariam por Vanderlan Cardoso ou Francisco Júnior

Roberto Naves: “Anápolis terá de agradecer por décadas ao governador Marconi”

Prefeito enalteceu trabalho do governo estadual e parcerias firmadas com o município, que receberá, só do Goiás na Frente, R$ 10 milhões

A inconciliável leviandade do ser

"Precisava de uma solução plausível. Verdadeiramente plausível. Por essa razão, uma das experiências mais marcantes na minha vida foi ouvir dizer do trabalho do filósofo Olavo de Carvalho. Ou melhor: de sua luta pela autoconsciência" [caption id="attachment_97227" align="aligncenter" width="620"] Escola de Atenas, obra do pintor renascentista Rafael[/caption] Bruno Gama Duarte Especial para o Jornal Opção Tanto no colégio em que eu estudava quanto dentro de casa, política era sempre um assunto em pauta. Era muito comum discutir a respeito. Amigos meus participavam de movimentos estudantis ou tinham parentes ligados a algum partido político ou ainda mesmo simpatizavam por esta ou aquela personalidade histórica. Uns mais à esquerda; outros mais à direita. Eu, na verdade, só fui me interessar no tema quando entrei na adolescência, aceitando todo tipo de ideia anárquica que me aparecia. Foi, justamente, nesse período que levei em consideração o fato de que nunca havia estudado as disputas político-sociais mais importantes desde a Revolução Francesa até a Revolução Russa. Repetia os chavões e lugares-comuns acerca da Ditadura Militar, do Imperialismo Norte-Americano, do Socialismo como todo moleque de 16 anos costuma fazer; e porque, afinal de contas, havia um quê de transgressor ao redor disso. Era bonito. [relacionadas artigos=" 97125 "] Com base nesse sentimento de ignorância sobre um assunto que me chamava atenção, desenvolvi um apetite por livros e filmes cuja temática girasse em torno das transformações e do desenvolvimento do espírito humano desde o advento do mundo. Por muito tempo eu o via apenas como uma ilusão que passava pelos meus sentidos e buscava algum tipo de residência aparentemente cômoda e segura dentro da minha memória. Eu tinha uma ideia do mundo e quanto mais eu exigia um significado comprobatório acerca dele mais ele se afastava de mim. Eu não conseguia manter uma conversa honesta comigo mesmo enquanto todas as minhas energias tinham se direcionado a submeter à prova toda e qualquer experiência que eu me metia. Fracassei ano após ano até perceber que dar enorme crédito a algumas falsas suposições podia ter a ver com a má resolução das minhas atitudes. Por causa disso, fiz questão de substituir cada uma de minhas ideias. Se antes tive de aceitar algo falacioso, depois tive de me dar ao trabalho de jogar fora tudo o que fui obrigado a acreditar naquele momento. A opinião recalcitrante fazia mal a mim, mas evidentemente não era o foco do problema. Outras pessoas cheias de opiniões que eu conhecia discutiam ocasionalmente sobre quaisquer pontos levantados naquele instante e eram pessoas tranquilas, espertas, envolventes, cujas vocações e carreiras profissionais continham o mesmo peso e relevância que cabe a qualquer outro ser humano normal responder. Meu problema se resumia numa oposição entre a vontade indômita e o raciocínio obsessivo sobre o qual não daria apenas para aplicar meus gostos e preferências. Tentei fugir desse problema por um bom tempo. Até porque, ideias têm consequências, alteram o nosso comportamento e nos orientam a cada problema que surge. Mais cedo ou mais tarde, temos de saber como administrar isto. É, inclusive, o que se espera de alguém bem resolvido consigo próprio. De uma pessoa consideravelmente adulta. Precisava de uma solução plausível. Verdadeiramente plausível. Por essa razão, uma das experiências mais marcantes na minha vida foi ouvir dizer do trabalho do filósofo Olavo de Carvalho. Ou melhor: de sua luta pela autoconsciência. [caption id="attachment_97228" align="alignleft" width="299"] Filósofo Olavo de Carvalho[/caption] Olavo de Carvalho restaura a mente das pessoas. É um exemplo vivo de um sujeito que restabeleceu o processo normal e sadio do padrão básico do comportamento racional. Pode-se dizer, também, muito por conta disso, que o filósofo é um personagem que tem a função de representar o modelo ideal de conduta diante das dificuldades da existência. Sendo um produto da tradição intelectual, ele é um modelo que deve ser admirado, pois demonstra o como as coisas funcionam corretamente; quer dizer: uma biografia que funcionou a despeito dos altos e baixos do drama pessoal, apesar de toda a sua dificuldade e aspereza. Assim, desta maneira, o filósofo serve de instrumento ao seu povo. De modelo. Ele expressa e encarna, por assim dizer, as tendências mais altas do espírito humano. Esse é o papel dentro da sociedade que o filósofo representa. Algo de curioso nisso é que, muita das vezes, só é percebido de forma ingênua pelos sentimentos. Nada mal. Absolutamente. Quando ouvimos falar da história de um gênio, pode haver uma identificação imediata com a figura dele e ser contaminado mais pelo humor, pelo temperamento, pela iconoclastia revelados em seus exemplos de conduta do que qualquer outra coisa. Para ilustrar esse ponto, imaginemos, por exemplo, uma tribo que está prestes a entrar em extinção. E acho que nem preciso comentar que os índios dessa tribo desistem muito facilmente de suas tarefas, abandonam o campo de batalha e sucumbem em razão, justamente, da falta de um modelo de coragem a seguir. Não há por quê. Até que, miraculosamente, surge alguém repleto de histórias e explicações sobre os mistérios da vida e conta as saídas possíveis dos problemas de cada membro de sua tribo. É isso que poderá orientá-los outra vez. Simplesmente, pelo forte coeficiente psicológico da presença de um sujeito que detém os conhecimentos elementares do mundo. Esse modelo possui valor afetivo, antes de mais nada. Ele tem vida e significado. Poder-se-ia colecionar todas os grandes prodígios do mundo, e todos os santos e sábios e líderes, e tudo o mais, e não significaria absolutamente nada, se se deixasse de lado o aspecto emocional, afetivo do fenômeno. Ele oferece as perspectivas e ao mesmo tempo reanima a força de vontade de seu povo. Por caridade. Ele ensina que é preciso sempre captar toda a experiência vivida e depurá-la, por meio do exercício da confissão, onde, como e com quem determinada ideia foi parar em nossas cabeças. A riqueza do conhecimento está na sua vigilância autoconsciente: o filósofo sabe que sabe. Ainda mesmo com as suas existentes falhas de caráter, possíveis neuroses, tendências genéticas aviltantes, etc. Está tudo dentro do pacote. A maravilha em saber algo está em superar o sofrimento em cima disso. Seria muito fácil somente ler artigos pinçados e livros a esmo sem correr o risco de perder o pescoço. Difícil, na verdade, é fugir das leis da condição humana segundo as quais levam todas em última análise diante da onipresença inevitável da morte e da eternidade. Que é que eu fiz da minha vida? Qual o meu legado? Quem amei? Que me distingue deste e daquele? Que fiz em troca do maravilhoso dom da vida? A noção de que o filósofo tem algo a oferecer para a sua sociedade nasce exclusivamente daí. Está longe de ser uma vida confortável, justa, mas oferece o mínimo de dignidade necessário para seguirmos em frente. Ao ponto de não perdemos a coração. Comecei duvidando do mundo, depois nunca mais dediquei o mesmo ódio a ele, em querer reformá-lo, torná-lo meu, e poucos ideais ainda ocupam espaço na minha cabeça. Tudo isso com algum esforço, mas foi o rumo que as minhas leituras dos livros do prof. Olavo de Carvalho foram tomando. Iniciei outros projetos de estudo, embora não tenha terminado os de 10 anos atrás; foram só aumentando, para falar a verdade. E o resultado é que – não só eu –, mas uma porção de pessoas captou sua mensagem ao esgotar em poucos dias os ingressos para o documentário “O Jardim das Aflições”. Dando indícios de uma sessão permanente. É que as pessoas estão começando a entender a tremenda importância da busca apaixonada pela verdade. De que somente ela pode dar algum sentido realmente profundo e verdadeiro para as nossas vidas. Por mais miserável e absurda que elas nos pareçam. Bruno Gama Duarte vive em Goiânia, é escritor.

“Do Olavo de Carvalho não se fala”, ou A importância do documentário “O Jardim das Aflições”

Para a indignação de todos os que tecem inúmeras ofensas ao filósofo, esse momento não conseguiu passar em vão. Aquele que deveria ser relegado ao esquecimento, hoje está em um documentário tendo o seu pensamento exposto para todo o Brasil [caption id="attachment_97126" align="aligncenter" width="620"] Filósofo Olavo de Carvalho e Josias Teófilo, diretor do documentário "O Jardim das Aflições"[/caption] Tobias Goulão Especial para o Jornal Opção “Do Olavo de Carvalho não se fala”, disse certa vez o líder comunista Milton Temer, e essa frase resumiu durante alguns anos a posição que se tomava sobre o autor. O homem de 70 anos, atualmente morando no estado da Virgínia, nos Estados Unidos, autor de livros de sucesso como "O imbecil coletivo" e "Aristóteles e nova perspectiva", entre outros, e que durante um bom tempo constava entre os colaboradores dos veículos de mídia como revista Época, O Globo, Jornal da Tarde, Folha de São Paulo, Diário do Comércio, passou por uma tentativa de ser relegado ao esquecimento. Motivo: atitude de denúncia do establishment brasileiro. O que a casta dos intelectuais e políticos tupiniquins esqueceu foi que não havia mais uma hegemonia na forma de exposição de ideias, no fornecimento de aulas, na difusão de conhecimento. A internet e a iniciativa particular conseguiram suprir o ostracismo que tentaram impor a Olavo de Carvalho, que ainda continuou a escrever, a lecionar e a semear em uma terra desolada. O resultado é que hoje, em 2017, não há mais como ignorar Olavo de Carvalho. Até mesmo o cinema é prova disso. O documentário O Jardim das Aflições, lançado recentemente, em 30 de maio, e que está percorrendo as principais cidades do país, é prova da importância que Olavo de Carvalho exerce no meio intelectual, mesmo ainda sendo ignorado por muitas pessoas que compõem a intelligentsia no país. O filme dirigido por Josias Teófilo foi rodado sem nenhuma verba governamental e conseguiu, por financiamento coletivo, uma soma de 315 mil reais - um baixo orçamento se comparado às grandes cifras de filmes que são rodados via Lei Rouanet. Em uma combinação de diálogos, leituras de trechos de obras filosóficas do próprio Olavo e de outros autores, as três partes do documentário caminham, como uma escrita sinfônica à maneira que o poeta Bruno Tolentino classificava a escrita de Olavo, a um arremate belo após a grande execução. As três partes, I Contra a tirania do coletivo, II Como tornar-se o que se é, III e As ideias dos náufragos, são uma forma de dar espaços à observação que o autor faz sobre as forças que tem ação sobre nós. Assim ele destaca o poder que o Estado exerce sobre os indivíduos, coisa que outrora não encontramos paralelo e como a esfera da ação política em busca desse controle tomou conta de todas as atividades, inclusive da religião. Após expor o avanço do controle via Estado, há uma longa exibição de como buscar a consciência de si, de como moldar a própria personalidade tentando caminhar em meio às inúmeras forças que exercem sobre nós algum poder e, mesmo assim, saber utilizar todas como meio de auxílio na nossa formação. Por fim, após o encontro com o poder, com a noção de construção daquilo que somos, Olavo fala a nós sobre aquelas ideias que levam os homens à ação, as ideias que movimentam e que acabam por construir um caminho na história humana. Como um bom estudioso das ideias clássicas, ao dialogar fica claro o ponto em que, citando Platão, nos lembra que a filosofia nos ensina a morrer; mais ainda, a filosofia acaba mostrando ao fim que peso possuem nossas ações, pois a distinção final é a que mesmo não mais presentes corporalmente nossas ações, nosso ser que, em tempos passados, surgiu e agiu não perde nada dessa condição. Aquilo que é ser, não pode ser não-ser; aqueles que realizaram alguma ação, não podem desfazê-las. Nas escolhas de filmagem de Josias Teófilo, tudo é caminho para encontrar a figura do filósofo distante da torre de marfim que muitos intelectuais cultivam. As panorâmicas na cidade onde ele habita, o passeio na pequena livraria, as cenas em família, a reunião na sala, o tempo na biblioteca e até mesmo os relatos sobre o Olavo feitos pela esposa Roxane caminham para mostrar a integridade do que o filósofo fala e daquilo que ele vive. A montagem faz relação com toda a narrativa do documentário, sendo elemento que representa, ora de forma clara e outras simbolicamente, aquilo que Olavo está explicando. As cenas retiradas de entrevistas conferidas pelo autor, trechos retirados de filmes somados às cenas que se passam em Brasília, seja na visão aérea da catedral, seja no plano-sequência que traz a explanada dividida em tempos de impeachment, são excelentes ilustrações dos temas discutidos: poder, consciência e transcendência. Ainda é importante citar na construção do filme o peso da fotografia do premiado Daniel Aragão. Ele soube passar muito bem a atmosfera da proposta inicial de Josias: partir do livro e expandir o tema de O Jardim das Aflições. Ou seja, da tirania imposta pelo Estado, da importância de saber quem se é e do elemento transcendental no homem. Um detalhe à parte é a trilha sonora: 1ª Sinfonia de Sibelius, além de ser uma obra magistral que completa a composição do cenário o qual ambienta a vida do filósofo, é uma referência à forma da escrita do Olavo. [caption id="attachment_97127" align="alignleft" width="300"] Cartaz de "O Jardim das Aflições"[/caption] Mas aquilo que o documentário melhor retrata é um simples fato: o filósofo no seu exercício de filosofar. A definição que Olavo de Carvalho oferece de filosofia, “a busca metódica pela unidade do conhecimento na unidade da consciência e vice-versa”, é justamente o que está exposto em O Jardim das Aflições. No filme, principalmente na exposição da consciência de si que compõe a segunda parte do documentário, vemos esse exercício. As reflexões feitas por Olavo nada mais são que esse ato de fazer uma filosofia que esteja diretamente ligada à realidade e aos elementos circunstanciais que dão ao indivíduo a matéria-prima para ser aquilo que é. É justamente a composição de uma sinfonia que transmite a busca da unidade entre as ideias que estão em ação no indivíduo, a procura por entender a realidade que está em constante relação com essas ideias e como elas não devem ser apenas uma obra de gabinete, mas uma composição que busca justamente determinar a unidade do real. As circunstâncias, referência direta ao filósofo espanhol José Ortega y Gasset, que já foi comentado pelo próprio protagonista do documentário como um dos responsáveis por abri-lhe os olhos para fora do mundo marxista, são as condições que estão ligadas diretamente à formação de nossa realidade como pessoa. Considerar o efeito dos elementos internos e externos a nós é um dos temas que serão expostos e que dão um tom importante ao desenrolar da explicação de Olavo sobre a nossa busca para nos tornarmos aquilo que somos. Outra referência não feita no documentário, mas que pode ser percebida mesmo que levemente, é vinda do francês Louis Lavelle, que em outras situações é mencionado pelo filósofo brasileiro e que tem em seus escritos justamente uma busca por essa consciência de si, ligada a um aprofundar-se no próprio ser e um expandir-se ao encontro do outro. O que é feito nesse exercício filosófico que vemos no documentário é aquilo que certa vez Olavo de Carvalho explicou ter visto de um filósofo de fato, não de um professor de história da filosofia. Em seu tempo como aluno do Pe. Stanislavs Ladusãns, sacerdote católico vindo da Letônia, disse que este fazia em suas aulas o exame dos problemas propostos seguindo uma linha que passava pelas respostas de vários autores até chegar a uma solução. Esse método do exame, da narrativa do problema e da observação de suas causas, efeito e solução é o que temos nas lições dadas durante o documentário. Como lembra Eric Voegelin, autor a quem Olavo faz referência durante o documentário, filosofar é algo que deve ser feito para resgatar a realidade. Justamente essa é a obra de resgate a qual Olavo dedica boa parte de seu trabalho. É intenção dele o resgate das inteligências no Brasil, uma ação de esquecimento das ideologias e procurar, na realidade, ligar-se ao que ela é e assim buscar a compreensão da vida humana. Apelo à realidade esse que também pode ser encontrado em outro grande filósofo por vezes mencionado por Olavo em outras ocasiões, o espanhol Xavier Zubiri, que traz na sua filosofia a mesma noção de se ligar ao real e, a partir de nossa relação com ele, buscar a compreensão apartada das vias ideológicas que têm como intuito apenas nublar a verdade das ações da realidade. Além de Voegelin, Aristóteles e Platão são outras referências citadas várias vezes durante o documentário, o que mostra a conexão entre a filosofia não como uma sucessão de ideias nas quais a cada moda se esquece os antecessores, mas como um conjunto concreto no qual se utiliza de toda a verdade que há em seu trajeto histórico até hoje, talvez uma mostra do que Mario Ferreira dos Santos fez em sua Filosofia Concreta, este que também é um autor muito estudado por Olavo. Para a indignação de todos os que tecem inúmeras ofensas a Olavo de Carvalho, esse momento não conseguiu passar em vão. Aquele que deveria ser relegado ao esquecimento, ser tratado como pária, hoje está em um documentário tendo o seu pensamento exposto para todo o Brasil. A figura que deixou toda uma casta intelectual com muita indignação está novamente nos holofotes, o que reflete a influência que ele exerce, cada vez mais, em uma população que começa a se levantar do lamaçal ideológico em que estamos mergulhando (vide as referências diretas a ele nas várias manifestações públicas que tivemos no país). Para “um filme que não deveria existir”, O Jardim das Aflições veio dar novos ares ao cinema e uma nova visibilidade para a filosofia no Brasil. Tobias Goulão é mestre em História pela Universidade Federal de Goiás. Assista ao trailer do filme: https://www.youtube.com/watch?v=ErvhYt_EUzE&t=48s

A arqueologia da memória em “Natal de Herodes”

Livro de Wladimir Saldanha sustenta-se sobre uma interessante combinação de gêneros: além do lírico, que é a essência da obra, temos, ainda, procedimentos narrativos, elementos propriamente épicos e uma estruturação dramática do conjunto [caption id="attachment_96640" align="aligncenter" width="620"] Wladimir Saldanha. Ilustração: Felipe Stefani[/caption] Emmanuel Santiago Especial para o Jornal Opção Natal de Herodes (Mondrongo, 2017) é o quarto livro de poesia de Wladimir Saldanha. Nele, referências históricas e intertextuais se misturam ao drama pessoal/familiar de um eu lírico marcado pela ausência paterna, o que constitui o eixo em torno do qual se integram rememoração e reminiscência (as duas dimensões da memória). Temos, então, um eu lírico que procura no metafísico, na Comunhão com a figura de Cristo, uma via de redenção para seu dilaceramento interior. Contudo, engana-se quem pense tratar-se de uma obra apologética, de viés proselitista, pois os poemas, além de ser a elaboração estética de uma experiência ao mesmo tempo pessoal e com aspirações ao universal, não se negam às contradições de uma fé sincera e, por isso mesmo, às vezes vacilante e algo irreverente. Não só por conta disso, mas também pelo manejo habilidoso de diversas formas poéticas (o que inclui tanto o verso metrificado quanto o livre), Natal de Herodes pode ser colocado em linha de sucessão com Invenção de Orfeu, de Jorge de Lima, um dos momentos mais altos da poesia brasileira. O livro possui duas partes, “Tempo do Advento” e “Tempo do Natal”, cada uma dividida em três seções. Na primeira delas, há um movimento centrífugo da vivência particular em direção à tradição, em que as lembranças pessoais evocam imagens do passado histórico e do campo artístico. A primeira seção, “Registro dos enjeitados”, pode ser descrita como uma empreitada do eu lírico em reconstituir a própria história, costurando fragmentos de sua infância, marcada pela falta da figura paterna. No último poema da seção, “Os bens do ausente”, entra em cena um recurso amplamente utilizado ao longo do livro, o da dramatização do conflito interior, em que o eu lírico assume uma personagem, máscara dramática, para representar suas vivências, conforme os já manjados versos daquele autor português que definia a si mesmo como “poeta dramático”: “O poeta é um fingidor./ Finge tão completamente/ Que chega a fingir que é dor/ A dor que deveras sente”. Em vez de destacar o caráter fictício da fabulação poética, chamo atenção ao “A dor que deveras sente”, à vivência pessoal que serve de referente ao trabalho ficcional. Em “Os bens do ausente”, o conflito com o pai se exprime num paralelo com a história do parricida Édipo: Porque andas tempo inteiro, tenho, pai, os pés inchados. Salvou-me que pegureiro, a mim seu filho, ou de Laios? Salvou-me; após me daria a outro, este a um Políbio, de quem, chamando-me filho, fujo eu sem profecia, mas já por medo da palavra pai, que me pilhastes: tua ausência me escalavra os signos, torna-os trastes. Aqui, a máscara é vivida como símile, como paralelo. Porém, ao longo da obra, ela vai adquirindo uma natureza metafórica, fundindo-se à identidade do “eu lírico vivencial”, digamos assim, que encena seu drama particular diante do leitor. Na segunda seção da primeira parte, “As paternidades”, procura-se reinventar a história pessoal, lançando mão de referências históricas, artísticas e, sobretudo, literárias (ou, num outro sentido, busca-se ressignificar aquela por meio destas) num diálogo cerrado com a tradição. Trata-se de um mosaico intertextual por meio do qual se pretende recompor a imagem do pai ausente, um esforço de, no âmbito da ficção — revisitando a vida e a obra de escritores como Rilke, Borges, João Cabral, Verlaine, entre outros —, recriar o enredo do drama pessoal/familiar que é o fio condutor do livro. Um ponto interessante é a tentativa de suprir a carência da figura paterna, substituindo-a por artistas, como se vê em “Sufrágio por três pais”, série de poemas dedicados a Jorge Amado, Lêdo Ivo e Tom Jobim. Já na terceira seção, “Palimpsesto de Cesareia”, assiste-se a um verdadeiro zigue-zague entre fragmentos da história antiga, ligados ao contexto do surgimento do cristianismo, e eventos biográficos. Assistimos a uma arqueologia da memória, em que acontecimentos, paisagens e objetos do passado ganham nova significação à luz das vivências de uma perspectiva contemporânea que, aliás, identifica ressonâncias épicas e míticas em elementos do cotidiano. De acordo com as categorias do pensamento de Walter Benjamin no ensaio “O narrador”, estaríamos diante de uma convergência entre a dimensão individual da memória, que se constitui por meio das vivências do sujeito — a rememoração — e a dimensão coletiva, matéria da tradição e construída com base na experiência social — a reminiscência. Trata-se de procurar, na reminiscência, o significado existencial que escapa às vivências que o eu lírico recompõe com o trabalho da rememoração. É nesta parte que a dramatização do conflito interior começa a ser encenado por sua máscara preferencial: Herodes, suposto autor de três poemas que se passam por fragmentos textuais. Neles, o fantasma do idumeu que governou Israel como rei cliente sob domínio romano depara com as ruínas atuais da cidade de Cesareia, por ele construída. O que lhe chama atenção é a ausência da água que, no passado, era transportada pelos aquedutos. A água ausente, como fica claro na abertura do terceiro fragmento, é um símbolo da ausência paterna: Tive pai, mas o meu envenenaram e porque fui idumeu, o meu, negaram-se sempre alguma coisa, por isso o apreço pela falta. Começamos a vislumbrar, então, a importância da máscara de Herodes. Ela representa, de diferentes maneiras, a condição do “filho prólogo” (que é o título do poema que abre o volume). O filho prólogo é aquele preterido pelo pai em nome de um segundo filho, de outra mãe, devidamente reconhecido. Já o órfão Herodes, por ser idumeu e, portanto, de linhagem ilegítima, vive assombrado com a possibilidade de que sua coroa lhe seja usurpada por algum pretendente de maior legitimidade, como seu cunhado Aristóbulo (mote do poema “O afogamento de Aristóbulo”). A correspondência entre o filho prólogo e Herodes é explicitada nos seguintes versos de tal poema, em que se verifica o já citado zigue-zague entre vivência contemporânea e história antiga: [caption id="attachment_96641" align="alignleft" width="300"] "Natal de Herodes", Mondrongo, 2017[/caption] (...) Como de brincadeira, insuportavelmente, nos jardins, piscinas infláveis ou de armação, brincam Aristóbulos com seus pais e Herodes sem linhagem têm de assistir à ablução risonha, sem exprobar! (...) O título “Natal de Herodes”, portanto, sugere a ideia de um monarca encolhido à sombra do futuro “rei dos judeus” que está para nascer (ideia presente no poema “Pelo Rei Herodes”, da segunda parte do livro), o que corresponderia à situação do primogênito bastardo preterido pelo rebento mais novo de uma relação legítima do pai. Esse jogo de máscaras por meio do qual se representa o drama pessoal/familiar é metalinguisticamente desvelado em “Hipólito, Teramenos”, em que o eu lírico se traveste ora de Hipólito (personagem de uma tragédia euripidiana, retomada por Racine em Fedra), ora de Ícaro: (...) meu Teramenos amigo! Perdoa se oscilo eu entre  Hipólito e Ícaro: ambos morrem pelo Egeu e os deuses pelo que digo. Neste ponto, já é possível perceber que as diversas máscaras que o eu lírico assume são alegorias que visam a representar o drama da ausência paterna. T. S. Eliot, no ensaio “Talento individual e tradição”, destaca que a poesia “não é a expressão da personalidade, mas uma fuga da personalidade”, pois se trata de uma combinação de referências literárias e extraliterárias — por vezes estranhas à vivência particular do autor — que, à força do processo compositivo, integram-se na objetividade do poema, artefato linguístico. Na criação poética, em suma, há um processo de alienação da vivência, que se transforma em algo qualitativamente distinto. Para tanto, é preciso que o poeta abandone a própria personalidade, tornando-se uma caixa de ressonância das palavras dos autores mortos que constituem a tradição literária. Saldanha, contudo, obtém uma sutil alquimia: apropria-se das referências da tradição e lhes empresta um significado novo, que, mesmo não sendo o da vivência real do autor, é sua reinvenção, sua elaboração estética; ele faz, da tradição, matéria íntima. É isso o que se pode chamar de intimismo universal: a intimidade do autor se infiltra na universalidade dos arquétipos literários, atualizando-os e os atraindo à realidade contemporânea. Se “Tempo do Advento” se caracteriza por um movimento centrífugo da vivência particular para a tradição, em “Tempo de Natal”, a segunda parte do livro, temos o movimento inverso, centrípeto. Em sua primeira seção, “Natal de Herodes”, seguido de um “Calvário de Herodes”, as máscaras dramáticas do eu lírico, interpretando personagens bíblicas, fazem-se presentes de poema a poema: Reis Magos, Herodes, Maria, José e Zacarias. Ao final da seção, em “Calvário de Herodes”, vemos o rei consumido pela culpa de ter condenado à morte Mariana, sua amada esposa, por desconfiar que ela tramava contra ele. O mesmo movimento centrípeto, em que as referências bíblicas e históricas se remetem à vivência particular, constata-se na terceira seção, “Responsório do silêncio”. Na segunda seção, entretanto — “Desdobramentos do Natal”—, novamente o vetor da fabulação poética parte da vivência contemporânea do eu lírico, envolvendo, por vezes, acontecimentos triviais relacionados ao feriado natalino. Atravessa-a por inteiro a esperança de, por meio da Comunhão com uma criança divina prestes a nascer, alcançar a redenção do sentimento de incompletude gerado pela ausência paterna, como se percebe nitidamente nos dois poemas de “Se não tenho pai, se ela usa túnica”. Em “Responsório do silêncio”, mais uma vez, referências históricas e mitológicas são convidadas a participar do drama do pai ausente: o Caim ciumento, assassino do irmão preferido por Deus; o Isaac que tem “o cutelo do pai ausente contra a garganta”; mais Herodes, Judas, Pedro, Zaqueu etc. Um dos poemas mais interessantes (na verdade, uma coroa aberta de 10 sonetilhos em redondilha maior) é “Dois reis” em que, num procedimento dialético ao gosto de João Cabral, são comparadas as figuras de Jesus e Édipo. Já em “A pergunta”, o eu lírico entoa o Salmo 22, repetido por Jesus à cruz, impregnando-o de reverberações pessoais: Eu não salmodio, não entoo Davi. Eu pergunto ao pai ausente em meus botões, por que me abandonaste? POR QUE ME ABANDONASTE? (...) Na segunda parte de “Natal de Herodes”, é perceptível a iminência do nascimento de Jesus como uma promessa de redenção do eu lírico, existencialmente mutilado pela falta do pai. Por meio da Comunhão com Cristo — e, num certo sentido, também com a tradição —, espera-se atingir um estado de plenitude que a vivência, destituída de um significado intrínseco, não possibilita, fazendo com que seja necessário buscar algum significado no âmbito da cultura e no metafísico. Entretanto, o enredo desse drama é mais complexo e ambíguo que isso. Cristo não é apenas esperança, promessa de redenção. Para Herodes, por exemplo, espécie de alter ego do autor (como fica claro na nota de agradecimento ao final do livro, assinado por um “Eu, El-Rei Herodes”), Jesus significa a ameaça de um potencial usurpador. Figura polissêmica, o Filho assume diversos significados, inclusive o de substituto ao pai ausente (faceta semântica que predomina ao longo do livro). É preciso reconhecer, porém, que, mesmo em sua função redentora, esse Cristo costuma se fazer presente sobretudo como ausência, ou melhor dizendo, como latência. Assim, a identidade do Filho com o pai ausente estende-se também à imagem daquele que não está, de lacuna na personalidade do eu lírico. Em “Por José (I)”: Então ser pai é esta ausência ao lado. Imensa ausência, maior até do que a primeira que lhe impusera: Pai daquele de quem é quem ele era. Em “Por Maria (II)”, por sua vez: O primeiro aniversário sem Ele é este vazio de rotunda sem edícula este frio de Eternidade esta verdade na canícula Natal de Herodes não apresenta uma história de redenção, como no caso de A divina comédia de Dante, monumental alegoria do reencontro da alma perdida (por metonímia, a humanidade) com o Criador; trata-se, na verdade, do drama de uma procura e — por que não? — também de uma dramatização de uma neurose obsedante. O Natal segue-se ao Advento, nasce o Messias, mas o vazio, que tem o peso de todas as possibilidades, não se dissipa. Estamos diante de uma trajetória que vai da mágoa à esperança, verdadeira sublimação de profundas questões psicológicas. O livro de Wladimir Saldanha sustenta-se sobre uma interessante combinação de gêneros: além do lírico, que é a essência da obra, temos, ainda, procedimentos narrativos, elementos propriamente épicos e uma estruturação dramática do conjunto, como se vê pelas diversas máscaras que o eu lírico assume. Como se não bastasse a grande qualidade poética de Natal de Herodes e o virtuosismo de seu autor, é preciso dizer que o livro em si é uma atração à parte graças às ilustrações de Felipe Stefani, com seu vertiginoso traço que, ao mesmo tempo em que empresta diafaneidade às figuras, destaca o aspecto material do traço, rabisco que se concentra numa forma inteligível; ambiguidade entre o material e seu conteúdo ideal, que dialoga muito bem com a tortuosa busca metafísica que os poemas expressam. Emmanuel Santiago é poeta, tradutor e professor de literatura. __________________ Referências bibliográficas BENJAMIN, Walter. “O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov”. In: Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Tradução de Sergio Paulo Rouanet. 7ª ed. Rio de Janeiro: Brasiliense, 1994, pp. 197-221. ELIOT, T. S. “Talento individual e tradição”. In: Ensaios. Tradução Ivan Junqueira. São Paulo: Art, 1989, pp. 37-48. SALDANHA, Wladimir. Natal de Herodes. Itabuna: Mondrongo, 2016.  

“Há um Lúcio Flávio que foi candidato e outro sentado na cadeira de presidente da OAB-GO”

Conselheiro seccional que foi um dos primeiros a se colocar na oposição faz críticas duras à atual gestão da Ordem e diz que vai cobrar até o último dia o cumprimento da carta-programa

O próximo presidente da República do Brasil pode ser o palhaço Tiririca?

Espera-se que não. A ditadura destruiu vários políticos, com o objetivo de acabar com a corrupção. Não acabou. A democracia está destruindo outra geração. Para colocar quem no poder?

Acreditando em decisão justa no TRE, Jânio Darrot recebe visita de vereadores trindadenses

Vereadores vão até o gabinete de Jânio Darrot para expressar apoio e solidariedade ao prefeito

Leitura de autores como o queniano Thiong’o ajudam a descolonizar nossa visão eurocêntrica

Resta em nossa educação um misto de preconceito e prepotência acerca do que é “cultura de qualidade” ou “cultura superior”. A resistência às literaturas africanas é reflexo dessa educação colonizada

Instituto cultural lança terceiro número de revista sobre artes e letras de Goiás

Neste mês de maio, foi lançado o terceiro número da revista Sicoob Cultura, do Instituto Cultural Sicoob UniCentro Brasileira, da cooperativa financeira de mesmo nome. Sicoob Cultura é um periódico que traz conteúdo interessantíssimo àqueles que estão interessados nas letras e artes produzidas em Goiás. A capa da revista conta com a imagem de “Mulher Tropical”, escultura do artista plástico Elifas Modesto. Ao longo do volume, aparecem também a reprodução de algumas pinturas do artista plástico Amaury Menezes. Entre os textos disponíveis, encontramos: Um poema de Adalberto de Queiroz, intitulado “Oh, navios à barra atados”, uma crônica de Aidenor Aires sobre D. Maria Nicolina, um ensaio de Bento Fleury sobre Antonio Americano do Brasil, um conto de Edival Lourenço, intitulado “O Farsante das Águas Ilusórias”, uma entrevista de Miguel Jorge com Moema de Castro Silva Olival, um testemunho de Hélio Moreira sobre Gercina Borges Teixeira, um poema de Heloisa Helena de Campos Borges, intitulado “Sem rodeios”, um excerto do livro “Poder e Paixão”, que trata do “Doutor Corumbá”, de Lena Castelo Branco e, por fim, um ensaio de Nasr Chaul, a respeito do “Concubinato nas raízes de Goiás”. Meu destaque vai para entrevista com a escritora e crítica Moema Olival. Indagada pelo escritor Miguel Jorge se as novas gerações se interessam pela crítica, Olival responde:

Talvez não, em si. Mas, uma vez bem informados no correr do curso fundamental, passam a registrar o seu alcance, a partir do momento em que avaliam, na media de suas possibilidades, ainda em formação, a finalidade primeira da leitura que exige a condição de “saber ler”. Umberto Eco insiste nesse procedimento com toda razão. Para gostar da obra é preciso entender a sua capacidade de abrir novos horizontes, de revelar a riqueza de saber captar e apreender a sua verdade literária, seus meios de expressão, de apreciar os processos estilísticos como, por exemplo, as montagens, as figuras de estilo capazes de permitir a movimentação da trama e o dinamismo da linguagem. Daí, como afirma Eco, distinguir o leitor “um”, ou seja, o leitor cuja leitura horizontal está apenas em função de conhecer o livro, numa busca elementar de seu poder de comunicação, e o leitor “dois”, capaz de apreciar em profundidade aquele universo que se abre às sua apreciação, permitindo uma visão em profundidade de seus valores existências e do manejo de suas possibilidades de persuasão.