Por Cláudio Ribeiro

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15 grandes poemas para homenagear as mulheres

Segue uma lista com quinze poemas sobre mulheres, seja em termos gerais ou dedicados a determinadas personalidades, como Helena de Tróia e Maria, mãe de Jesus, bem como alguns escritos por mulheres, como Emily Dickinson, Cecília Meireles e Safo de Lesbos

“Mad Men” e a derrocada do homem contemporâneo

A série representa a derrocada do homem enquanto sujeito contemporâneo. Ao nos contar a história de Draper, Weiner conta a história do sujeito humano em vias de se transformar em pós-moderno, nas bordas das grandes explosões políticas e socio-culturais que já vivemos

17 livros que são armas contra a ascensão de regimes políticos tirânicos

[caption id="attachment_98875" align="alignleft" width="278"] Capa do livro "Sobre a Tirania: vinte lições do século XX para o presente" (Companhia das Letras, 2017, 168 páginas)[/caption] No livro Sobre a Tirania: vinte lições do século XX para o presente (Companhia das Letras, 168 páginas, tradução de Donaldson M. Garschagen), recém-publicado no Brasil, o historiador americano Timothy Snyder oferece ao leitor uma lista de dezessete livros que, se lidos com atenção, podem servir como verdadeiras armas contra a irrupção de regimes políticos tirânicos. A lista se encontra na "lição número 9", intitulada "Trate bem a língua", na qual podemos ler, como advertência inicial, o seguinte: "Evite proferir as frases que todo mundo usa. Reflita sobre sua maneira de falar, mesmo que apenas para transmitir aquilo que você acha que todos estão dizendo. Faça um esforço para afastar-se da internet. Leia livros." Pois bem, então, o que ler? É esta a questão que Snyder procura responder. E sua resposta começa pela literatura, indo de um clássico incontestável até um romance infantojuvenil de grande sucesso editorial:

"Qualquer bom romance estimula nossa capacidade de pensar sobre situações ambíguas e de julgar as intenções alheias. Os irmãos Karamázov, de Dostoiévski, e A insustentável leveza do ser, de Milan Kundera, talvez sejam adequados a nosso momento. O romance Não vai acontecer aqui, de Sinclair Lewis, talvez não seja uma grande obra de arte. Complô contra a América, de Philip Roth, é melhor. Um romance conhecido por milhões de jovens americanos e que oferece um relato de tirania e resistência é Harry Potter e as relíquias da morte, de J. K. Rowling. Se você, seus amigos ou seus filhos não o entenderam assim da primeira vez, vale a pena lê-lo de novo.”
Após a indicação desses cinco romances, Snyder indica onze livros de não ficção, que abordam a política e a história do século XX. E finaliza a lista indicando a leitura das Sagradas Escrituras, da tradição judaico-cristã. Para tanto, argumenta:
“Os cristãos podem retornar ao seu livro fundamental, que sempre é muito oportuno. Jesus ensinou que ‘é mais fácil um camelo passar através do buraco de uma agulha do que um único rico entrar no reino de Deus’. Devemos ser modestos, porque ‘quem se exaltar será humilhado e que se humilhar será exaltado’. E é claro que temos de nos preocupar com o que é verdadeiro e com o que é falso: ‘E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará’.”
Reuni, abaixo, todos os dezessete livros indicados. A maior parte está traduzida e publicada no Brasil. Referencio todas as edições, tanto as disponíveis no mercado editorial nacional quanto aquelas que ainda não estão. É uma ótima oportunidade de leitura, sobretudo para quem está de férias!

Segue a lista:

Os irmãos Karamázov, de Dostoiévski (Editora 34, tradução de Paulo Bezerra). A insustentável leveza do ser, de Milan Kundera (Editora Companhia de Bolso, tradução de Tereza Bulhões de Carvalho). It Can't Happen Here [Não vai acontecer aqui], de Sinclair Lewis (Editora Signet Classics-Penguin Group). Complô contra a América, de Philip Roth (Editora Companhia das Lestras, tradução de Paulo Henriques Britto). Harry Potter e as relíquias da morte, de J. K. Rowling (Editora Rocco, tradução de Lia Wyler). "A política e a língua inglesa”, de George Orwell, presente no volume Como morrem os pobres e outros ensaios (Editora Companhia das Lestras, tradução de Pedro Maia Soares). LTI: A linguagem do Terceiro Reich, de Victor Klemperer (Editora Contraponto, tradução de Miriam Bettina P. Oelsner).  Origens do totalitarismo, de Hannah Arendt (Editora Companhia de Bolso, tradução de Roberto Raposo).  O homem revoltado, de Albert Camus (Editora BestBolso, tradução de Valerie Rumjanek). Mente cativa, de Czeslaw Milosz (Editora Novo Século, tradução de Dante Nery). The Power Of The Powerles [O poder dos sem poder], de Václav Havel (Editora Routledge). "How to Be a Conservative-Liberal-Socialist" [Como ser um conservador-liberal-socialista],  de Leszek Kolakowski, presente no volume Modernity On Endless Trial (Editora University Of Chicago Press). The Uses of Adversity [Os usos da adversidade], de Timothy Garton Ash (Editora Random House). O peso da responsabilidade, de Tony Judt (Editora Objetiva, tradução de Otacílio Nunes). Ordinary Men [Homens comuns], de Christopher Browning (Editora Harper Perennial). Nothing Is True and Everything Is Possible [Nada é verdadeiro e tudo é possível], de Peter Pomerantsev (Editora Faber & Faber). Bíblia de Jerusalém (Editora Paulus, vários tradutores).

Sobre o autor:

Timothy Snyder é professor de história em Yale e membro do Instituto de Ciências Humanas em Viena. É autor, entre outros, de Terras de sangue (Record, 2012), livro vencedor de doze prêmios e traduzido para trinta idiomas, Pensando o século XX, em coautoria com Tony Judt (Objetiva, 2014), e Terra Negra (Companhia das Letras, 2016).

“Mãe!”: uma poderosa alegoria repleta de chaves de leituras

Novo filme de Aronofsky é um exercício semiótico, que se configura em diversas camadas e chaves de leitura. Uma obra que se desdobra em várias. É o tipo de trabalho, vindo de um grande estúdio, que não víamos brotar desde diretores do calibre de Kubrick

“Do ponto de vista da escrita ensaística, este é meu livro mais arriscado e radical”, diz João Cezar de Castro Rocha

Professor do Instituto de Letras da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) fala de seu último livro, recentemente lançando pela editora É Realizações, “Culturas Shakespearianas: Teoria Mimética e os Desafios da Mímesis em Circunstâncias não hegemônicas”

A rendição ao caos: o caso Queermuseu e a falência da crítica

Episódio envolvendo a exposição no museu do Santander Cultural de Porto Alegre (RS) mostra que, no Brasil atual, a capacidade de fazer perguntas e averiguar detalhes está sendo gradativamente obnubilada por atitudes irascíveis, o que impede avaliações criteriosas

Cristiano Deveras lança livro de contos “Jantar às 11h”, em Goiânia

Será lançado hoje, no Restaurante Cateretê, localizado na avenida T-2, nº 318, Setor Bueno, em Goiânia, o livro "Janta às 11h", do escritor Cristiano Deveras. O evento começará às 20h.  "Jantar às 11h", publicado pela editora Nova Alexandria, reúne contos do autor, dentre os quais Fim de semana amoroso ou da efemeridade do eterno, que pode ser lido abaixo. ***

Fim de semana amoroso ou da efemeridade do eterno

por Cristiano Deveras Ela vivia entre cifras e números. Trainee de uma multinacional, MBA quase concluído, ótimas notas, curriculum perfeito; ele, entre palavras e estrofes. Poeta semi-profissional, escritor por opção, ex-executivo, ex-empresário, extenuado pela busca da carreira correta, alguns contos reconhecidos, alguns rabiscos elogiados. Conheceram-se em uma sexta-feira. Ela animada com o começo do final de semana; ele, buscando beber de graça no coquetel da empresa dela. Alguns passos para o mesmo lado, a escolha da mesma bebida (sem gelo, por favor!), um olhar correspondido e uma avassaladora paixão nascendo; conversas até a madrugada sobre tudo o que cerca os antenados... Uma despedida na manhã, dois telefones trocados e um beijo para ser lembrado. Saíram no sábado, conforme o combinado na sexta, ela mostrou a ele o prédio da Bolsa (ainda vou trabalhar ali!), ele profetizou que ainda lançaria alguma coisa no prédio do Masp (nem que fosse o próprio corpo, lá do alto...). Os beijos se tornaram mais ardentes e os olhares mais profundos; a lua na madrugada os encontrou se amando por entre sussurros e desejos, as primeiras promessas brotando. No domingo acordaram abraçados, beijando-se sem se escovar, rindo-se das mesmas coisas, bebendo do mesmo copo, trocando apelidos e segredos, constatando na pele as marcas físicas de uma noite de amores... Constatação essa que reiniciou todo o fogo, todos os movimentos. No auge do calor, a bomba: prometeram-se mutuamente amor infinito por todos os séculos que ainda restassem, juraram que seus sentimentos estavam em sintonia para todo o sempre... Na segunda ela saiu para trabalhar cedo, ele ficou deitado de cuecas... Ela ligou de tarde dizendo que estava tudo acabado: iria se transferir para Nova York com um dos filhos do presidente da empresa; ele suspirou aliviado: a mulher e os quatro filhos deveriam estar putos da vida com seu desaparecimento... Esvaziou o barzinho dela e se escafedeu para o subúrbio.  

Memórias de Fausto Valle são reunidas sob o título de “No Meio de Tanto Graveto”

Livro póstumo do escritor mineiro, radicado em Goiás, será lançado na sede da União Brasileira dos Escritores, Seção Goiás

Uma Defesa do “Nonsense”

É significativo que no maior dos poemas religiosos, o Livro de Jó, o argumento que convence o descrente não é uma imagem da benevolência ordenada da criação; é, pelo contrário, uma imagem da sua enorme e indecifrável sem-razão

A desilusão romântica segundo Philip Roth

Em "O Professor do Desejo", o sumiço da atração carnal confere à história narrada um clima de inadequação com as normas sociais revelado num pathos deveras trágico

Indicações preciosas de Marcos Fayad – Parte 1

O diretor de teatro Marcos Fayad é um incansável agitador cultural. E dos melhores, diga-se de passagem! Além de uma carreira marcada por espetáculos primorosos, como "Cara de Bronze" (peça adaptada de um conto do livro "Corpo de Baile", de Guimarães Rosa), foi diretor do Circo Voador, no Rio de Janeiro, e idealizou e dirigiu o Centro Cultural Martim Cererê, em Goiânia. Pois bem! Nada melhor do que alguém com o seu perfil para fazer indicações sobre as mais variadas e excelentes obras artísticas, literárias, sobre música (popular e erudita), etc. É esta a proposta do programa Indicador Cultural, cujo conteúdo é postado no Youtube duas vezes por semana, e que o Opção Cultural terá, a partir de hoje, a grata felicidade de reunir e divulgar toda sexta-feira. Confira, abaixo, os episódios que já foram ao ar, até agora! https://www.youtube.com/watch?v=F-bwdvGy2ZI https://www.youtube.com/watch?v=IFnbe-jwTFQ&t=69s https://www.youtube.com/watch?v=A3VsTb_OORI https://www.youtube.com/watch?v=4prd-y7DLL8 https://www.youtube.com/watch?v=Zk4vIgXg_9I https://www.youtube.com/watch?v=dP_sxCm3UsM https://www.youtube.com/watch?v=io7inZ7MIrk https://www.youtube.com/watch?v=S2OtuNulqbs

Cristiano Deveras lança livro de contos na FLIP, nesta quinta-feira

O escritor goianiense Cristiano Deveras lançará hoje, em Paraty (RJ), durante a Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP), o seu livro de contos “Jantar às 11” (Editora Nova Alexandria). O lançamento ocorrerá, às 15h, na Casa Libre & Nuvem de Livros, situada na  Rua da Lapa, n.8, no centro histórico da cidade. [caption id="attachment_100880" align="alignleft" width="650"] "Jantar às 11", Cristiano Deveras (Nova Alexandria, 2017)[/caption]

Personagens de Helio Brasil parece que saíram do universo ficcional do autor de Dom Casmurro

A exemplo de Machado de Assis, a visão do autor carioca tem de seus personagens não é sentimental, mas realista. Ao mesmo tempo, não se pode deixar de reconhecer um tom saudosista do tempo que ele mesmo viveu no bairro de São Cristóvão

Programa do Sebrae Goiás fomenta o sistema de franquias no Estado

Objetivo é fazer com que micro e pequenos empresários com potencial de crescimento se tornem franqueadores

Os 10 melhores poemas de Bruno Tolentino

Morto há dez anos, Bruno Tolentino deixou uma obra poética incontestavelmente sólida e importante, que pode ser apreciada em poemas como "O Anjo Anunciador",  "O Pavão", "O Morto Habituado", "Noturno" e muitos outros [caption id="attachment_98972" align="aligncenter" width="620"] Poeta Bruno Tolentino (1940-2007)[/caption] Na última terça-feira, 27, a morte de Bruno Tolentino completou uma década. A fim de alimentar um pouco da chama da obra do grande poeta carioca, solicitei ao crítico Jessé de Almeida Primo (que, junto a Juliana P. Perez, fez os comentários e notas à edição especial de "As Horas de Katharina" [Record, 2010]) que fizesse uma lista dos 10 melhores poemas de Bruno. Ou, melhor dizendo: dos 10 poemas mais importantes e emblemáticos, que expusessem, sobretudo àqueles que ainda não são familiarizados com o autor de "O mundo como ideia", a dicção e o universo poético tolentiniano. Jessé, muito gentilmente, me forneceu a lista que reproduzo abaixo. Apreciem!

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O MORTO HABITUADO Não são leves os laços do absurdo exercício: o homem lado a lado com seu laçado ritmo. muito menos cumprido do que dependurado, plataforma do umbigo ao pescoço do hábito. Mas ao engravatado qual o conforto vindo provar que o inimigo não inventou o laço? Por outro lado, fausto do que secreto visgo se o absurdo do ato costuma ser tranquilo? Discreto e convencido, como não dar o laço, rebento do risível com o bem comportado? Conhecer o ridículo quando se chama exato, isento de impossível e impossibilitado? Demasiado antigo, já não é bem um trato: vertical compromisso, enforca-se o enforcado. NOTURNO Não sou o que te quer. Sou o que desce a ti, veia por veia, e se derrama à cata de si mesmo e do que é chama e em cinza se reúne e se arrefece. Anoitece contigo. E me anoitece o lume do que é findo e me reclama. Abro as mãos no obscuro, toco a trama que lacuna a lacuna amor se tece. Repousa em ti o espanto que em mim dói, noturno. E te revolvo. E estás pousada, pomba de pura sombra que me rói. E mordo o teu silêncio corrosivo, chupo o que flui, amor, sei que estou vivo e sou teu salto em mim suspenso em nada. AO DIVINO ASSASSINO
Uma litania ante o Sagrado Coração concebida em Paray-le-Maulnier, tempos depois do acidente fatal de Anecy Rocha Senhor, Senhor, o Teu anjo terrível é sempre assim? Não tens um refratário à hora do massacre – um mais sensível que atrasasse o relógio, o calendário? Ao que parece a todos tanto faz por quem o sino dói no campanário. Começa a amanhecer e uma vez mais rebelo-me, mas sei que a minha vida não tem como ou por que voltar atrás. Aceito que a mais dura despedida é bem mais que metáfora do nada a que se inclina o chão; que uma ferida e a papoula sangrenta da alvorada pertencem ao mundo sobrenatural tanto quanto uma lágrima enxugada à beira de um caixão. Mas afinal, Senhor, amas ou não a humanidade? Não fui ao escandaloso funeral e imaginá-la em Tua eternidade dói demais! Vou passar mais este teste, sim, mas protesto contra a insanidade com que arrancas à muque o que nos deste! Tu sabes que a soberba da família era maior que a dela e eu tinha a peste – pai e mãe apartavam-me da filha e o irmãozão nem falar… E hoje, coitados, como hão de estar? Aqui é a maravilha, as genuflexões… Os potentados e os humildes, a nata da esperança, todos chegam por cá meio esfolados, sangrando como a luz. Não só da França, toda a Europa rasteja até aqui esfolando os joelhos, não se cansa de ensangüentar-se até chegar a Ti e ao menos a um pixote do Além Tejo restituíste a vista; eu quando o vi solucei – mas que o cego e o paraplégico saiam aos pinotes, que o Teu coração se escancare e esparrame um privilégio aqui e outro acolá na multidão, só me faz perguntar: E ela? E ela…? Não consigo entender que a um aleijão concedas tanto enquanto a uma camélia Tu deixas despencar… Por que, Senhor? Olho tudo do vão de uma janela, mas vejo a porta de um elevador escancarar-se sobre um outro vão, um vão sem chão… E a seja lá quem for aqui absurdamente dás a mão! Me pões trêmulo, gago, estupefato, pasmo, Senhor – mas consolado não. A mesma mão que fez gato e sapato da minha doce Musa, cura e guia, cancela as entrelinhas do contrato, Dominus dixit… Mas quem merecia mais do que uma açucena matinal um manso desfolhar-se ao fim do dia, quem mais do que uma flor, Senhor? Igual nunca viram os mais alvos crisantemos, tinha direito a um fim mais natural, à morte numa cama, em casa ao menos… Mas não – tinha que ser total o escândalo! Por que, se nem nos circos mais extremos Teus mártires andaram despencando sobre os leões, se nem o lixo cai de oito andares aos trancos, Santo Vândalo?! Não vim denunciar o Filho ao Pai ou o Pai ao Filho, não vim dar razão aos que recusam e usam cada ai contra a humildade; vim porque a Paixão me chamou pelo nome e a alma obedece e aceita suar sangue – como não? Mas não sei mais unir o rogo à prece do que a elegia ao hino de louvor, não sei amar-Te assim… Caso o soubesse teria que ficar aqui, Senhor, aqui, arrebentando-me os joelhos, esfolando-me todo ante um amor que vai tornando sempre mais vermelhos, mais duros os degraus do Teu altar. Tu, que tudo consertas, dos artelhos que desentortas e repões a andar até às pupilas mortas de um garoto, do cachoupinho que me fez chorar; Tu, que a este lhe dás a flor no broto e àquele o lírio pútrido do pus; Tu, que passas por um de quatro e a um outro pegas no colo e entregas a Jesus; Tu que fazes jorrar da rocha fria; Tu que metaforizas Tua luz ao ponto de fazer de uma agonia um puro horror ou a morna mansuetude – que hás de fazer, Senhor, comigo um dia? Quando eu agonizar, boiar no açude das lágrimas sem fundo… Quando a fonte cessar de soluçar e uma altitude imerecida me enxugar a fronte… Como há de ser, Senhor? Oxalá queiras que a mim me embale a barca de Caronte como o fazia a velha Cantareira, o azul da travessia… A Irrecorrível arrasta a cada um de uma maneira e a quem quer que se abeire ao invisível recordas a promessa: aquele a escuta e este a recusa porque a dor é horrível, mas, se a todos a última permuta terá sempre o sabor da anulação, o travo lacrimoso da cicuta, a ela Tu negaste o próprio chão, deixaste-a abrir a porta sem querer! Nunca falou na morte, e com razão, intuía, quem sabe, o que ia ver… Sentença Tua? Em nome da promessa não há negar Teu duro amanhecer – mas quando arrancas mais uma cabeça como saber que és Tu, que não mentia O que ressuscitou? Talvez na pressa, no pânico de Pedro, eu negue um dia e trate de escapar, mas hoje não; hoje sofro com fé e, sem poesia, metrifico uma dor sem solução, mas não vim negar nada! Faz efeito essa dor: faz sangrar, mas faz questão de defender-me como um parapeito contra a queda e a revolta… Um Botticelli despedaçou-se todo, mas que jeito, se por Lear enforcam uma Cordélia e encarceram a Ariel por Calibã…? Alvorece, a manhã beata velha enfia agulhas no Teu céu de lã, tricoteia Paray-le-Maulnier * e eu penso: ela morreu… Hoje, amanhã, enquanto Te aprouver e até que dê a palma ao prego e o último verso à traça, vai doer – mas Amém! Não há por que amar a morte, mas que venha a Taça, aceito suar sangue até ao final, como não… Tudo dói, menos a graça, mata, Senhor, que a morte não faz mal! Da Festa do Sagrado Coração em Julho de 1979 até aos 26 de Outubro de 1997.  
EM FRONTISPÍCIO "Eu vos compensarei pelos anos que o gafanhoto comeu…" (Joel, 2: 25) O Senhor prometera nos compensar os anos que a legião dos gafanhotos devorara, meu coração, mas a promessa era tão rara que achei mais natural vê-Lo mudar de planos que afinal ocupar-Se de assuntos tão mundanos. Assombra-me, portanto, ver uma luz tão clara fecundar-me as cantigas, coração meu — repara como crescem espigas entre escombros humanos… Naturalmente, quem sou eu para que Deus cumprisse em minha vida promessa tão perfeita, e no entanto hei-Lo arando, limpando os olhos meus, fazendo-os ver que, no trigal em que se deita a luz dourada e musical, se algo perdeu-se foi como o grão — entre a seara e a colheita. O ANJO ANUNCIADOR — Ouve, Maria, a nossa (não, não te assustes!) é uma luminosa tarefa: retecer o pequeno clarão que abandonaram, o lume que anda oculto pela treva! Porque irás conceber! Porque a mão, desejosa e tosca, que O tentara reter, ainda que leve, desfez-se ao toque, assim como uma vez tocado o sopro se desfaz a avara, a dura contração do peito ansiado... Mas a haste, o jasmim despetalado, é tudo o que ainda resta dos canteiros do céu aqui na terra, que um seco vento cresta e uma longa agonia dilacera. No entanto a morte há de morrer se tu quiseres, ó gota concebida bendita entre as mulheres para que houvesse vida outra vez, e nascesse desse fundo obscuro do mundo, o ninho incompreensível do teu ventre. Não, não toques ainda nem a fímbria do manto nem o centro do mistério que anima a tua túnica: aguarda, ó muito séria, a ave mansa e recebe em teu corpo de criança a Verônica única, a enxurrada de pétalas te abrindo. Em tumulto reunidas, as cores da perdida Primavera vão retornar, virão numa enchente de asas, aluvião, púrpura, sempre-viva, nascitura estranheza do amor da criatura, constelação descendo ao rosto teu: é Ele, é O que reúne o coração e o grande anel da esfera, o fogo, a língua ardendo, o incêndio vivo, a coluna de luz, o capitel que se perdeu... Que eu venho anunciar apenas a um esquivo, humílimo veludo, a frágil chama que há de crescer em ti, que hás de ser cama ao parto do Perfeito, e hás de ser cântaro e fonte e ânfora e água, hás de ser lago em que as sombras se afogam, que naufragam no imenso, ó jovem branca como um lenço; hás de conter a lágrima do Infinito, o Seu vulto e os tumultos da luz na travessia entre a dádiva, a perda e a renúncia: quando de um certo dia cheio de luz amarga em que serás enfim a sombra esguia que O deu à luz e que O assistiu morrer... Atravessa, ó Maria, os abismos do ser, ouve este estranho anúncio e deixa-te invadir para colher, mais fundo que a razão e o corpo, o sopro cálido, o prenúncio da mais viva alegria: entreabre-te ao clarão da visita suave, mas terrível, terrível, deixa a ave do imenso sacrifício te ofender. Ó pétala intocada, hás de sofrer intensa madrugada e num lago de luz como afogada hás de durar suspensa entre a graça imortal e a dor imensa. Mas canta, canta agora como a fonte borbulha, como a agulha atravessa o bordado, canta como essa luz pousa ao teu lado e te penetra e tece a nova aurora, a nova Primavera e a tessitura do ramo que obedece e se oferece para o mistério e pela criatura. Canta a alucinação, o toque enfim possível dessa mão que há de colher para perder e ter o infinito que nasce do deserto e a semente que morre se socorre tudo o que no estertor tentava ser. Canta a canção do lírio e do alecrim, essa canção que és e que na treva, na escuridão da carne, andava perto da imensidade que te invade. E assim como o imenso te ampara, ó voz tão clara que consolas e elevas, vem, desperta, matriz da eternidade e d'O sem-fim, ó mãe de Deus, canta e roga por mim. O GAVIÃO Pousava aqui como quem chega pesaroso de alguma lousa, de uma tumba qualquer; já não pousa como certa mulher, a cega que mendigava por aqui quando eu era ainda noviça; as primeiras vezes que o vi lembrei-me dela e da carniça que lhe davam, suas unhas duras e sujas agarrando aquilo! Onde andarás? Se nas alturas, terá modificado o estilo e provavelmente a ração; senão... O gavião é o mesmo, disso estou certa! Mas desde então cresceu muito, já não voa a esmo por aí, hoje arrebata a caça, e quando mata chega de outro jeito, com outro ar: pousa satisfeito, é todo a máscara, a couraça da arrogância! Dá-me raiva vê-lo, prefiro o modelo anterior... Como uma escultura de gelo, esse de agora é ameaçador, frio, irreal, o senhor das caçadas traz o nada no bico e no porte: não vem dos mortos, vem da morte! Tinha antes só duas pegadas, era solene como um cemitério; hoje ele mesmo faz-se um e é o Não que chega aqui com um ar estéril e pousa desprezando o chão. CELEBRAR ESTE MUNDO Celebrar este mundo adivinhando a incurável leveza, a inabalável certeza do esplendor interminável da luz de Deus, aurora ruminando para sempre a quietude do imutável. Somos reflexos dessa luz, um bando de flamingos ardendo, misturando- se ao sol nascente, ao inimaginável incêndio indescritível, todo asas, todo luz... Somos feitos como brasas abrindo o voo, somos como o voo dos flamingos em brasa ao oriente... E nunca há de apagar-se aquele ardente sol perfeito que neles se espelhou. OS OLHOS TROCADOS Solidão, cisne-ganso em voo frio ante as margens extremas: tu conheces o eco do vazio e a sem-razão do tempo, que arrefeces com tua sombra altíssima na alma; ouve bem: no silêncio indiferente, no cume a que baniste a coisa ardente (que em quase pedra calma aos poucos converteste), este parceiro teu, itinerante, guardou a profusão do que lhe deste longe de tudo, e pelo teu diamante trocou os próprios olhos! Que dirias se os pedisse de volta por uns dias? — Para quê? Ensinei-te a ver tudo o que vês... Acabei sendo eu o teu deleite, tua visão, talvez, em todo caso tua ama-de-leite. Daquelas vez, quando inventaste de trocar por um enfeite teus olhos, meu diamante e a lucidez, deixei que te afastasses, mais de ti que de mim, e que viste? Voltaste ainda mais triste. Leva-os, se queres. Estarei aqui quando os vires devolver, não vejo quem mais contentaria o teu desejo...   O PAVÃO Por lá o Outono chega anunciado pelos gritos agudos do pavão dilacerando o ar; é só então que se percebe o dardo vindo da sombra, o arpão da última luz nas folhas de um para o outro lado. O outro lado das sombras que se estiram no chão como mais um bordado de Penélope fria que tece a escuridão. Pobre animal! Começa o baile temporão e ele anuncia aos gritos, seu leque depenado pluma por pluma na penúltima estação... Quando acabar de se fechar a mão que a luz cadente estende ao povoado das sombras que não vão a parte alguma, o último emblema do Verão irá ciscar sozinho, como que envergonhado, nas agulhas caídas do pinheiral gelado. É por isso, por causa da desaparição de um Estio tão breve num bailado tão rápido, é por isso que o pavão trespassa o ar, grito por grito apaixonado, e a reverberação da luz nas folhas se parece tanto a um dardo. E LHE CANTEI ENTÃO ESTE ACALANTO: Dorme, Minotauro, Mouro da mais amarga Veneza, mudo amor na correnteza do balbucio, homem-touro tossindo no labirinto da névoa e da solidão, cala o instinto e o indistinto e dorme, descansa, irmão! Não existes, não existo, nada existe neste mundo aquém ou além do fundo da linguagem. É tudo um misto de silêncio e de ruído no coração de quem sofre preso num malentendido como um inseto num cofre. Perdoa-te... Nada ganhas com dar e redar teus nós na teia da velha aranha retendo e perdendo a voz no pescoço que partiste: a garganta bipartida entre a elegia do triste e o último sopro da vida não te vai dizer mais nada. Tudo o que pôde foi dito. No silêncio, na calada da noite, escuta o infinito para além da grade, tua e dos outros prisioneiros entre a linguagem e a luta. Os últimos e os primeiros tampouco entenderam Aquele que ia morrer e lhes disse que este universo era Dele e o resto tudo crendice. Nem tudo é só desperdício. Tudo e nada nesta vida se confundem, fim e início, chegada como partida trocam-se em pura ruína mas o verme engole a aranha, believe it or not! A sina que escolhestes não se ganha sem um sacrifício imenso, mas que vale mais que a cena em que por causa de um lenço Otelo mata Desdêmona ou o velho rei Lear, louco e só, só pelo e osso, vê e não vê balançar Cordélia pelo pescoço. Se o amor não aprende a língua do ser amado, esse amor é um louco morrendo à míngua do que seja, ou do que for... Deixa-te embalar, amigo, como eu me deixo cantar este acalanto e te digo, te juro que o verbo amar só Deus conjuga contigo.