Por A.C. Scartezini

Dilma recebeu o recado como se fosse abuso de autoridade, com alarmismo e uma ordem para demitir petroleiros, o que não aceita

[caption id="attachment_23384" align="aligncenter" width="620"] Ministro do STF Teori Zavascki: Lula quer que ele cuide dos interesses do PT | Nelson Jr./ SCO/ STF[/caption]
Completa hoje um mês que a Operação Lava Jato prendeu 18 pessoas acusadas pela participação no petrolão e apreendeu documentos sobre o esquema de pagamento de propinas na Diretoria de Serviços da Petrobrás, no esquema liderado pelo ex-diretor Paulo Roberto Costa junto com o doleiro Alberto Youssef. Outras duas pessoas fugiram e entregaram-se depois.
Oito dias antes, um grupo de construtoras que agiam em conjunto acreditava que seria poupado de uma eventual ação policial. Acreditava que as empreiteiras eram importantes demais para serem punidas. Mesmo assim, o grupo articulava uma ação comum de defesa para o caso de ocorrer o que não esperavam: a repressão. Poderia gastar R$ 1 bilhão na defesa de todos.
A comprovação está em documentos e anotações apreendidos pela Polícia Federal junto à Engevix. “Janot e Teori sabem que não podem tomar decisão”, anotou-se num papel. “Pode parar o país”, desafiou-se alguma decisão policial ou judicial contra as construtoras que prejudicasse a indústria da construção e de exploração de serviços de infraestrutura.
Afinal os planos políticos e econômicos do PT no poder se sustentam no apoio de serviços e investimentos das grandes empreiteiras, patrocinadoras de viagens e palestras caras e exclusivas do ex-presidente Lula. Daí as menções das construtoras a Janot e Teori.
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ainda não revelara a autonomia que agora demonstrou ao denunciar a corrupção no governo a partir do petrolão. Teori Zavascki é ministro do Supremo Tribunal Federal indicado pela presidente Dilma e atua junto a Janot.
Por ironia, agora o Ministério Público Federal (MPF) deseja que as empresas e pessoas envolvidas no petrolão devolvam aos cofres públicos R$ 1,1 bilhão como indenização, quantia que se aproxima daquele R$ 1 bilhão que as construtoras teriam para pagar a defesa conjunta em caso de repressão.
Cabe ao procurador encaminhar as denúncias ao Supremo na pessoa de Zavascki, encarregado de centralizar no tribunal o processo da Lava Jato e depois distribuí-los a tribunais competentes. Indicado por Dilma a ministro, Zavascki é uma referência do governo. Em sua última passagem por Brasília, Lula demonstrou a petistas estar atento à atuação do ministro no petrolão.
A previsão daquele grupo falhou em relação a Janot, agora que o MPF denunciou criminalmente 36 pessoas pela corrupção na Petrobrás. Entre elas, estão 25 donos, executivos e funcionários de seis empreiteiras: Camargo Corrêa, Engevix, Galvão Engenharia, Mendes Júnior, OAS e UTC. Não chegou a vez da Odebrecht.
Como informou Janot, esta é a primeira leva do petrolão. Gradualmente, as denúncias criminais incluirão autoridades e políticos de partidos beneficiados pelos assaltos à petroleira. O clima deve aquecer quando chegar a vez de Renato Duque, antigo tesoureiro do PT, de onde saiu para operar a Diretoria de Serviços, berço do petrolão.
Esclareceu o MPF, todo o trabalho feito até agora com a participação da Polícia Federal se restringe a Serviços da Petroleira desde 2004, quando o governo Lula colocou Paulo Roberto Costa, o amigo Paulinho, como diretor da área para operar em nome do PP, para repartir o lucro dos subornos com o PT e outros partidos aliados.
A certeza de que não demora a vez de Duque consta de documento entregue pelo MPF à Justiça Federal na quinta-feira. “As condutas de Renato Duque e de outros empregados corrompidos da Petrobrás serão denunciadas em manifestações próprias”, registrou a procuradoria. Segundo o documento, a ação de Duque e Paulinho “garantiam que os intentos do grupo fossem atingidos”.
A disposição do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em denunciar a corrupção do petrolão pairou com uma força inesperada na longa conversa da presidente Dilma com Lula e outros companheiros naquela mesma terça-feira, no Alvorada. Mas o que vazou indica que o PT deseja mais dinheiro da Petrobrás — e não austeridade. Com os olhos no retorno de Lula ao Planalto dentro de quatro anos, companheiros desejam proteger os negócios das empreiteiras, vítimas há um mês de nova etapa da Operação Lava Jato, de modo a permitir a realização de obras no segundo governo Dilma. Entre outras coisas, a Petrobrás bancaria o pagamento de terceirizados pelas construtoras em dificuldades. O problema seria convencer o Ministério Público Federal, chefiado por Janot, a ser compreensivo com questões sociais, como a garantia de emprego, salários e direitos trabalhistas de pessoas empregadas por fornecedores da petroleira. A agressividade recente do procurador-geral pode ser um recurso dele para afastar o MPF da nova trama. Quem esteve no Alvorada relata que Dilma se chocou com a fala de Janot contra a corrupção. Considerou que o procurador cobrava ação dela. Centralizadora e dominadora, ela detesta cobranças, não gosta de prestar contas. Classificou como escândalo a sugestão para a demissão da diretoria da Petrobrás. Chocou-se porque Janot afirmou que o país se “convulsionou” diante do petrolão. A presidente não aceitou que o país seja extremamente corrupto, na fala do procurador. Desapontou-se com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, porque não teria defendido o governo com o vigor e argúcia que ela recomendou ao pedir que respondesse a Janot. Trata-se de algo que pode desviar de Cardozo a vaga de ministro aberta no Supremo Tribunal Federal.

[caption id="attachment_23383" align="aligncenter" width="620"] Lula da Silva aos companheiros petistas: ignorando o escândalo e culpando a “elite” pela criminalização do partido| Ricardo Stuckert/ Instituto Lula[/caption]
Um advogado de júri poderia alegar que a maior prova da culpa dos governistas no petrolão está no fato de que a CPI do Congresso que investigou a Petrobrás encerrou seus trabalhos no meio da semana sem responsabilizar qualquer pessoa e sem encontrar vestígio de saque aos cofres da petroleira.
Ironicamente, a CPI controlada pelo PT fechou as portas na quarta-feira, no intervalo entre dois dias expressivos. Na véspera, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, publicamente, cobrou providências do governo contra a corrupção em seu organismo. No dia seguinte, a procuradoria indiciou criminalmente as primeiras 36 pessoas às voltas com o petrolão.
No entanto, na mesma manhã em que Janot discursou, a presidente Dilma se reuniu por cinco horas com Lula e mais alguns companheiros, na residência do Alvorada, onde almoçaram. Um dos temas servidos foi o impacto no PT do saque à Petrobrás e seu reflexo na estabilidade do governo e no sossego petista.
Enquanto isso Lula participou na noite de quarta de um encontro do PT e demonstrou que está de olho na atuação do ministro Teori Zavascki, indicado por Dilma ao Supremo Tribunal Federal, onde centraliza as informações sobre o escândalo da petroleira. Ocorreu num momento em que comparou mensalão ao petrolão.
Queixou-se de que, no momento em que Zavascki analisar um processo sobre a empresa, a imprensa já terá condenado o PT por antecipação, influenciando a opinião pública e pressionando o Judiciário. Com auditório ocupado por dirigentes e militantes do PT, Lula denunciou a existência de um movimento na elite pela “criminalização do partido”.
“Ah, o PT cometeu o crime de criar políticas que permitiram o reconhecimento internacional de que a fome neste país acabou”, ironizou Lula. “O PT cometeu também o crime imperdoável de ter promovido a maior transferência de renda de todos os tempos através dos aumentos do salário mínimo”, continuou.
E foi em frente com a ironia. “Também cometeu o crime horrível de abrir as portas das universidades para os que nunca sonharam chegar lá. Mas o crime realmente imperdoável foi o fato de a Dilma ter sido reeleita. Nós somos o partido que por mais tempo terá governado este país. Quando Dilma terminar o seu mandato, serão 16 anos.”
Nesse momento, surgiram no público apelos ao “Volta, Lula”. O próprio desviou a conversa. “Ninguém tem que pensar em 2018”, respondeu. “Tem que pensar em primeiro de janeiro de 2015, na posse da presidenta Dilma e na resposta que temos que dar ao país. Ela precisa governar. Vamos repetir aquele refrão: Deixem a mulher trabalhar.”
Era uma nova comparação entre o mensalão e o petrolão feita por Lula. Recorde-se que em 2006, quando ele se apresentou à reeleição, sofria incômodo com contrariedade social diante da corrupção mensaleira. Então surgiu o refrão. “Deixem o homem trabalhar”, propagava o PT.
Agora, entre as palavras de ordem difundidas no encontro petista, estava o apelo à militância para resistir “a toda forma de golpismo”. À saída do auditório, as pessoas recebiam adesivos de outra palavra de ordem antiga, agora adaptada à nova difusão: “Mexeu com Dilma, mexeu comigo”.
A mobilização da militância é um dos recursos táticos discutidos no Alvorada pelos petistas. A ideia é ter um conjunto de táticas que se integrem numa estratégia de autoproteção do governo e do partido diante da onda de denúncias de corrupção, de especial o petrolão.
Aquele auditório de quarta-feira foi alugado, originalmente, para abrigar uma discussão interna dos preparativos para o próximo congresso nacional do partido. No pós-Alvorada passou a ser uma ferramenta de motivação da militância para ir às ruas e redes sociais em defesa do governo e do partido.
Difundiram-se palavras de ordem, para resistir “a toda forma de golpismo”. Como foi dito ao auditório, golpismo são as mobilizações do outro lado, contra a corrupção; o apelo à volta dos militares (que não dispõem de meio de volta); a pregação do impeachment de Dilma; a instalação de uma nova CPI da Petrobrás; e a propagação do petrolão.
A mobilização na posse de Dilma, em 1º de janeiro, é outro recurso tático. O projeto é reunir na Praça dos Três Poderes caravanas vindas de todos os Estados. Assustados com a onda adversa, petistas apostam em grandes manifestações que intimidem e calem o outro. Se alguém mexer com Dilma, mexeu com eles.

[caption id="attachment_23376" align="aligncenter" width="600"] Venina Velosa da Fonseca abasteceu Dilma Rousseff com denúncias | Foto: Reprodução[/caption]
Saiu da sombra a antiga gerente da Petrobrás que prestava depoimentos sobre corrupção na empresa, mas se escondia do público. Agora ela revelou à imprensa o seu simpático rosto, o nome e o sobrenome. Venina Velosa da Fonseca afirmou que, enquanto Dilma Rousseff ministra de Minas e Energia e chefe da Casa Civil, abasteceu-a com denúncias.
O alvo de Venina seria a Diretoria de Serviços na gestão do célebre Paulo Roberto Costa, não por acaso seu chefe. Trabalhou no ninho que gerou e distribuiu entre partidos o dinheiro que vinha do petrolão, doado por empresas que prestavam serviço à Petrobrás.
Se Venina não pode apresentar prova de que Dilma recebeu seus e-mails e documentos sobre o que se passava no seu entorno de sua gerência, a direção da petroleira confirma que acolheu denúncias da moça, examinou, considerou improcedentes e decidiu demitir a então gerente-executiva, mas esbarrou numa licença médica. Mais tarde foi afastada.
A atitude de Venina se enquadra bem naquele código de golpismo que Lula, Dilma e outros companheiros estabeleceram para proteger o PT e o governo contra ataques externos. Sim, a moça é nitidamente golpista. Ainda mais que saiu da sombra e apresentou-se ao público na sexta-feira. Golpista também é a oposição, que se apoia em Venina para pedir a demissão da primeira amiga Graça Foster da presidência da Petrobrás.

A presidente receia um processo judicial que se some à corrupção e à crise na economia para desestabilizar o novo governo que ainda não começou

[caption id="attachment_22704" align="alignleft" width="620"] Vice-presidente dos EUA, Joe Biden: vinda agrada Dilma Rousseff / Lintao Zhang[/caption]
O risco para o governo é a possibilidade de que a sucessão de escândalos dentro do petrolão crie um ambiente que, como no efeito mensalão, excite a indignação da elite branca a que se refere Lula. A soma entre a indignação com a corrupção, a crise na economia, oposição aguerrida e um processo judicial contra a presidente Dilma por conta do superávit primário seria explosiva.
A presidente sabe que a governabilidade por intermédio do presidencialismo de coalizão que os companheiros prezam também corre um risco lá fora, com grave repercussão aqui dentro. São as duas investigações feitas nos Estados Unidos em torno do petrolão. Uma do governo e outra da SEC, organismo que controla o mercado de capitais deles.
O governo do presidente Obama quer saber se empresas e cidadãos participaram da corrupção no governo brasileiro subornando funcionários. A xerife do mercado financeiros procura verificar se investidores norte-americanos são prejudicados pela queda do prestígio internacional da Petrobrás. São casos que abalam a vinda de investimento estrangeiro.
Por isso, Dilma anda satisfeita com a vinda do vice-presidente Joe Biden para a sua posse no novo mandato, na virada do ano. Em nome dos negócios brasileiros, ela está interessada em se aproximar do governo Obama, que também procura a reaproximação com o Planalto.
A questão é a oposição do PSDB do senador Aécio Neves. Pela primeira vez nos 12 anos de poder do PT os tucanos fazem oposição real, encorajados pela gestão precária do governo. Como quem estica a mão ao PSDB, Dilma preparou a cerimônia, no Planalto, para receber o governador Geraldo Alckmin e assinar um contrato com o governo de São Paulo.
O acerto estabelece que a Caixa Econômica Federal emprestará R$ 2,6 bilhões, vindos do FGTS, para o Estado aplicar numa rede de abastecimento contra a falta de água. A presidente também liberou R$ 500 milhões do orçamento federal para a expansão da linha de trens metropolitanos na capital.
Quase no final de um discurso de 11 minutos e meio, onde se distribuíram 1.208 palavras, Dilma dedicou 191 delas a uma proposta aos tucanos de trégua pós-eleitoral, certamente pensando em Aécio Neves. “Temos de respeitar as escolhas legítimas da população”, discursou.
Vale a transcrição do trecho para se observar o encadeamento do recado:
“É fato que durante a campanha é natural divergir, é natural criticar, é natural disputar. E mesmo em alguns momentos é, diríamos assim, compreensível que as temperaturas se elevem. Mas, no entanto, depois de eleito, nós temos de respeitar as escolhas legítimas da população brasileira. E essas escolhas legítimas, elas em um país que preza a democracia, que está em processo, inclusive, de construir cada vez mais, e de aprofundar a sua democracia que está ficando cada vez mais madura. E isso é algo extremamente necessário, essas relações republicanas e parceiras.”

[caption id="attachment_22699" align="alignleft" width="620"] Ministro do STF Gilmar Mendes: relator dos dois processos que envolvem o PT com o dinheiro roubado na Petrobrás / Fellipe Sampaio/ SCO/STF[/caption]
Estratégicos ao PT, dois processos do partido estão na mão do ministro Gilmar Mendes, aquele a quem Lula tentou chantagear, em 2012, para evitar que o Supremo Tribunal Federal iniciasse o julgamento do mensalão. Lula ameaçou investigar Mendes na CPI de Carlinhos Cachoeira pela amizade do ministro com o então senador Demóstenes Torres.
Dois anos e meio depois, Mendes se tornou relator dos dois processos que envolvem o PT com o dinheiro roubado na Petrobrás. Na quinta, recebeu para relatar no Supremo a interpelação do PT ao senador tucano Aécio Neves porque ele atribuiu a derrota na eleição presidencial a uma “organização criminosa”. O PT quer saber se a referência era mesmo ao partido.
Na madrugada do último domingo foi ao ar a entrevista de Aécio à televisão, onde definiu a derrota diante da reeleição da presidente Dilma:
“Eu não perdi a eleição para um partido político, eu perdi a eleição para uma organização criminosa que se instalou no seio de algumas empresas brasileiras, patrocinadas por este grupo político que ai está.”
Há três semanas, outro sorteio no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) indicou o ministro Mendes como relator da prestação de contas da campanha pela primeira eleição de Dilma, em 2010. A importância da prestação de contas cresceu diante da recente denúncia de que empresas envolvidas com o petrolão fizeram doações ao PT naquela eleição.
Mendes herdou a relatoria da prestação de contas porque o relator original e colega Henrique Neves se aposentou antes de apresentar o parecer. Há uma semana, Mendes comunicou a amigos que iria iniciar agora o exame do processo de quatro anos atrás. Em seguida, estourou a informação de que o PT recebeu doação de dinheiro roubado à Petrobrás.
Vazou na quarta-feira a delação premiada do executivo Augusto Ribeiro Mendonça Neto sobre doações feitas ao PT pela Toyo Seral, fornecedora da petroleira. Mendonça teria informado que a empresa entregou ao partido o dinheiro de propinas na Petrobrás, conforme instrução que recebeu de Renato Duque, na época diretor de serviços da estatal e antigo tesoureiro do PT.
Pelo menos R$ 4 milhões teriam sido pagos pela Toyo à direção nacional do partido entre 2008 e 2011. Antes e depois da primeira eleição de Dilma. Naquela prestação de contas que está com Gilmar Mendes, a direção nacional petista registra que, em 2010, contribuiu para a campanha presidencial com R$ 21,2 milhões.
O julgamento dos dois processos, no Supremo e no TSE, será uma oportunidade para a avaliação política das relações do governo com os dois tribunais, onde predominam em cada um ministros nomeados pelo Planalto sob ocupação petista.
Além disso, o Supremo pode julgar recurso da oposição a respeito da mudança da Lei de Responsabilidade Fiscal para atender a Dilma com a dispensa da exigência de superávit nas contas deste ano. Mais à frente, poderá julgar o petrolão, processo com repercussão maior do que a do mensalão.

[caption id="attachment_22695" align="alignleft" width="300"] Ministro demissionário Guido Mantega: ainda com tempo para errar / Fabio Rodrigues Pozzebom/ Agência Brasil[/caption]
Não se passou uma semana que o economista Joaquim Levy foi anunciado como virtual ministro da Fazenda e a posição dele já se tornou menos confortável, o que afeta a confiança do mercado em seu novo trabalho. Ao se apresentar ao público como futuro ministro, há dez dias, Levy anunciou a redução de repasses do Tesouro aos bancos estatais, mas em menos de uma semana o governo anunciou o aporte de até R$ 30 bilhões ao BNDES.
“Esse compromisso é fator indispensável”, referiu-se Levy ao compromisso de transparência na economia em seu discurso do último dia 27, ao lado de seus parceiros no novo comando da área, o virtual ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, e o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini.
[caption id="attachment_22696" align="alignright" width="300"]
Futuro ministro Joaquim Levy: torpedeado antes mesmo de assumir o cargo / Valter Campanato/ Agência Brasil[/caption]
Naquele discurso, Levy afirmou que as metas de superávit primário propostas pelos três para os próximos anos eram o suficiente para conter o endividamento público, mas com uma ressalva agora contrariada pela presidente Dilma:
— Desde que não haja ampliação do estoque de transferência de recursos do Tesouro para as instituições públicas.
A transparência seria outro pilar da nova equipe para assegurar credibilidade ao governo, como a redução de repasses aos bancos públicos iniciados por Lula e continuados por Dilma, mas sem sucesso como ferramentas de impulsão de investimentos privados. A ideia do novo comando era trabalhar apenas com metas fiscais possíveis e transparentes nas contas públicas.
Porém, a engenharia do repasse de R$ 30 bilhões ao BNDES constitui uma vistosa amostra de fantasia na contabilidade para fechar as contas deste ano que se encerra em 24 dias. A ideia é esconder déficit, como na manobra com a Lei de Reponsabilidade Fiscal. As duas iniciativas se completam como disfarces e elevam a R$ 440,8 bilhões a dívida do banco junto ao Tesouro.
A presidente assinou uma medida provisória que autoriza a equipe do ainda ministro Guido Mantega, sempre ele, a usar receitas do superávit financeiro fictício para pagar despesas básicas obrigatórias, como os servidores públicos e a previdência. O dinheiro seria recuperado com a emissão de títulos da dívida pública – cuja compra exige credibilidade no governo.
Com o moral alto de quem ainda tem o que fazer no Ministério da Fazenda, Mantega, em tom firme, comunicou à imprensa que a velha política de Dilma continua em vigor com a ideia de financiar estímulos aos investimentos privados:
— Estamos liberando financiamento (pelo banco) para a aquisição de bens de capital. Existe uma demanda e vamos liberar.
Se for assim mesmo, seria financiada a compra de ferramentas produtivas, como máquinas, equipamentos, tratores e ônibus, no antigo conceito dilmista de desonerações fiscais. Numa espécie de provocação irônica ao provável sucessor Joaquim Levy, Mantega disse aos repórteres que as volumosas transferências a bancos públicos terminam por aqui:
— Para o próximo ano, certamente será menor. E mesmo assim, neste ano será menor do que no ano passado.
Ela se trai e revela a intenção de intervir no plano de ajuste de Levy, Barbosa e Tombini como se continuasse a determinar a linha econômica
[caption id="attachment_21973" align="alignright" width="620"] Joaquim Levy e Nelson Barbosa, respectivamente, nos ministérios da Fazenda e do Planejamento: missão de consertar os estragos cometidos em 4 anos l Wilson Dias/Agência Brasil[/caption]
No momento em que a presidente Dilma recebia Joaquim Levy, Nelson Barbosa e Alexandre Tombini em almoço no Alvorada, o ainda ministro da Fazenda, Guido Mantega, levava para São Paulo a pasta com os despachos do dia. Constrangido pelo poder paralelo de seu virtual sucessor, Levy, o líder do novo trio.
O que Mantega gostaria mesmo era de ir mais cedo para a sua casa paulistana. Chegou a anunciar entre amigos que o caminhão de mudança não tardaria. Não é nada, não é nada, ministro há mais de oito anos, desde a reeleição de Lula, Mantega foi demitido há três meses, quando Dilma prometeu a repórteres que “governo novo, equipe nova” se fosse reeleita.
Mas Mantega não está só. No Ministério do Planejamento, a companheira Miriam Belchior também é constrangida a continuar no trabalho em função paralela à de seu sucessor virtual, Nelson Barbosa. Nem Levy, nem Barbosa ainda foram nomeados. Porém, todos sabem que os dois companheiros estão em situação inferior aos sucessores.
Para começar, os dois ministros de papel passado continuam a dar expediente na Esplanada dos Ministérios. Quanto ao futuro, é improvável que Mantega continue em Brasília no segundo mandato de Dilma, a partir de janeiro. Belchior, deve permanecer na cidade, mas se falam em tantos ministérios que qualquer um parece servir a ela. Ou ela a qualquer um.
Enquanto isso, os sucessores se preparam na Praça dos Três Poderes para assumir as cadeiras dos petistas, instalados os novatos no Palácio do Planalto, no terceiro andar, a metros da sala de Dilma. Levy, porém, disse algo depois daquele almoço que sugere distanciamento da chefe no trabalho do comando econômico:
— A autonomia, eu acho, está dada. O objetivo é claro. Os meios a gente conhece.
Quis dizer que o grupo deve ser livre para cortar gastos, como os de programas sociais, e fazer ajustes em despesas como as de benefícios sociais. “Quando uma equipe é escolhida, é porque há uma confiança nessa equipe”, observou e arrematou que não tem porque esperar outra coisa da presidente:
— Eu não tenho indicação nenhuma em sentido contrário.
O grupo pode propor o reequilíbrio das contas com aumento de impostos? Conhecido pela maneira implacável com que corta alguns gastos e cobra outros por onde passa, Levy respondeu não esperar turbulência:
— Essa questão vai se responder de maneira muito tranquila. A gente vai ver dia a dia como é que ela (autonomia) ocorre.
[caption id="attachment_21975" align="alignright" width="620"] Peemedebistas Renan Calheiros e Eduardo Cunha: eles ajudam o governo se forem eleitos para comandar o Legislativo l Ivaldo Cavalcante/Agência Câmara[/caption]
A presidente Dilma não tem data para desfazer os poderes paralelos na economia com as nomeações de Joaquim Levy na Fazenda e de Nelson Barbosa no Planejamento, nas vagas de Guido Mantega e Miriam Belchior. Mas gostaria de assinar os papéis depois que o Congresso aprovar a emenda à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que anula a exigência de superávit primário nas contas deste ano.
Ao trazer Levy e Barbosa, na quinta-feira, para o poder paralelo e temporário, ao lado de Mantega e Belchior, e instalar os novatos no Planalto a presidente preenche parcialmente a ansiedade em trocar os ministros e reiniciar a política econômica.
Enquanto espera o momento há semanas, Dilma faz o aquecimento dos dois virtuais ministros. Quando pensa que chegou a hora de nomear, não dá certo. Há dez dias, autorizou a equipe do palácio a vazar os nomes de alguns favoritos ao ministério, entre eles Levy e Barbosa, aos quais esperava empossar no meio da semana passada. Não funcionou, a emenda não foi aprovada.
Então, Dilma mandou a equipe vazar que estava indignada com aquele outro vazamento de nomes. Queria livrar a cara na frustração. Mas não foi bem assim. A posse dos dois não gorou por causa de vazamento. Gorou porque o Congresso não aprovou antes a emenda da LDO que adultera Lei de Reponsabilidade Fiscal (LRF) para permitir ao governo gastar mais do que arrecada.
Sendo assim, o novo aquecimento da dupla ficou para a última quinta-feira, quando Barbosa e Levy deram entrevista a respeito da volta de ambos ao trabalho na Esplanada, por onde já passaram como assessores. A posse deles, agora, ficaria para esta semana. Porém, mais uma vez o plano de Dilma pode gorar. O Congresso pode não aprovar nesta semana o novo superávit.
Há três semanas que a presidente tenta aprovar a LDO de forma a despachar o superávit ao beleléu. O panorama político de hoje tende ao novo adiamento no Congresso. Nem a bancada do PT está firme com o Planalto. Os aliados, menos ainda. Antes, os partidos amigos querem negociar cargos e verbas das emendas parlamentares.
Se Dilma não entregar os anéis, a ideia de atropelar o superávit original poderá, agora, malograr pela quarta semana seguida, o que seria um risco para o Planalto. O calendário não ajuda. A próxima sexta-feira cairá no dia 5 e, mais um pouco, deputados e senadores saem em férias em 22 de dezembro, que cai numa segunda. Eles gostariam de largar o serviço na quinta, dia 18.
Se o Congresso entrar em recesso sem aprovar a LDO deste ano com a mudança no superávit estará legalmente consumada a violação da LRF por Dilma. As diretrizes orçamentárias de 2014 não podem ser aprovadas no ano seguinte, em outro exercício fiscal. Sem a alteração na LDO, a presidente pode ser processada. Seria a abertura da via para o impeachment.
Mas a LDO será aprovada com a emenda, mais dia, menos dias. Basta a presidente se render. No caso do PT, a dificuldade está mais na ideologia: a resistência contra a expansão do capital na Esplanada. Há um racha a ser explorado entre os deputados e senadores. Na última votação, entre os 87 deputados do PT, 30 se ausentaram. Entre os 13 senadores, apenas um se e ausentou.
No PMDB, principal aliado, ausentaram-se 43 dos 71 deputados. Não votaram 11 dos 19 senadores. Resolve-se o caso com favores, mais a eleição de peemedebistas às presidências. No Senado, o presidente Renan Calheiros não faz questão de ajudar a emenda do superávit, mas tudo muda se for reeleito. Na Câmara, o líder Eduardo Cunha, ajuda se for presidente.
Por que a presidente se antecipa à decisão do parlamentar sobre a LDO ao aquecer Joaquim Levy e Nelson Barbosa para a Fazenda e o Planejamento? Seria uma forma de acalmar o mercado com a perspectiva de mudança na economia. Também exibe ao Congresso o potencial de poder de dois virtuais ministros importantes cuja ascensão depende de políticos. Há uma fila de outros ministros a serem nomeados e que atendem a interesses de partidos, inclusive ao PT. A fila não anda por duas razões. A primeira, a falta de anistia à presidente por ser a primeira a não cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal desde a sua criação por FHC no século passado como garantia à estabilidade fiscal. A segunda, a obstrução pelo Congresso. No conjunto, o afastamento da hipótese de processo contra Dilma retiraria do armário o esqueleto do fracasso na conquista do superávit primário. Ao exigir a parceria do Congresso no golpe, Dilma procura se legitimar, sem o esqueleto. Ao mesmo tempo, cria a ilusão de um saneamento fiscal que seria bom ao novo pacote econômico. Ou não será pacote, como afirma Levy? E por falar em Levy, ao propor com Barbosa, mais o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, as linhas do novo pacote, o grupo encara o desafio de elevar o Produto Interno Bruto a um patamar que permita retirar dele, no próximo ano, o superávit primário de 1,2%. Nos dois anos seguintes, o superávit de pelo menos 2% em cada ano. Compare-se com a situação deste momento, a um mês do fechamento de 2014. A Lei de Diretrizes Orçamentárias original marca a conquista, em 2014, da meta de superávit igual a 1,9% do PIB. Dilma não conseguirá chegar lá, a conquista de uma economia de R$ 99 bilhões entre a arrecadação fiscal e os gastos do governo. As contas públicas apresentaram em outubro o maior déficit mensal da história, R$ 21 bilhões.
[caption id="attachment_21970" align="alignright" width="620"] Ex-ministro Delfim Netto: redução do superávit primário precisa ser aprovada l Foto: Roosewelt-Pinheiro-ABr[/caption]
Com força para se projetar pelos próximos anos, o arrocho que a presidente Dilma oferece ao país às vésperas do novo mandato se desenha como produto de algo que ela atribuiu, ao longo da campanha eleitoral, a uma ideia fixa do candidato rival, Aécio Neves. Se eleito, o tucano faria aquilo que Dilma se propõe a fazer agora, um mês depois da reeleição.
Trata-se de um processo destinado a ser histórico como os desvios que agitam e marcam os governos do PT como o fato político deste, ainda, início de século. Ao descartar a índole de arrocho no primeiro mandato, a presidente afrouxou os gastos públicos na esperança de que levassem o país para frente movido a impulsos da presidente.
O desenvolvimento não veio porque Dilma, com o PT, assumiu o bonde da história, mas saiu do trilho: a despesa se tornou superior à receita. Gastou mais do que recebia. Na contramão, atropelou a oposição com mais gastos em busca da reeleição e atribuiu ao PSDB a vocação para arrocho. Com ironia, o arrocho de Dilma surge como negação do arrocho de Aécio.
Na sinuca, a presidente tenta apagar da história a falta de superávit primário nas contas do balanço do governo em 2014. “Legítima defesa”, definiu a ironia do ex-ministro Delfim Netto o empenho da presidente em obter do Congresso a aprovação da redução da meta fiscal para este ano, o que salvaria Dilma de processo por transgressão à Lei de Responsabilidade Fiscal.
Acredita Delfim, conselheiro econômico informal do governo Lula até ser ignorado, que a redução do superávit primário “precisa ser aprovada” pelo Congresso, mas isso teria um custo ao Planalto que se estenderia até a próxima eleição presidencial:
— Criará mais um problema de credibilidade a ser enfrentado pelo governo no período 2015-2018.
Credibilidade que Dilma pretende assegurar, junto ao mercado com os novos ministros da Fazenda e do Planejamento, Joaquim Levy e Nelson Barbosa. A expectativa é que ambos mudem o rosto técnico do governo, mais o manjado presidente do Banco Central, Alexandre Tombini. Será preciso conter o ímpeto da presidente em determinar como será a economia.

"Agora, a AP 470 terá que ser julgada em juizado de pequenas causas pelo volume que está sendo revelado nesta demanda, nesta questão." - Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal, sobre a dimensão que o mensalão passa a ter diante do petrolão
[caption id="attachment_21343" align="aligncenter" width="620"] Ex-diretor Paulo Roberto Costa: esquema montado na Petrobrás exigia 3% aos fornecedores da empresa (Foto: Geraldo Magela/Agência Senado)[/caption]
Ainda faltam 38 dias para o início do novo mandato da presidente Dilma, mas os próximos quatro anos de governo já estão comprometidos pela repercussão dos efeitos do petrolão. Travada, não dispõe de meios para anunciar uma linha de mudança econômica sem remendos. Nem conta com a certeza de ter um orçamento para 2015 antes do início do novo mandato.
A presidente passou a terça-feira em reuniões no Alvorada alternado com a Granja do Torto. Consultou Lula e outros conselheiros, escolhidos conforme a pauta de discussão de cada momento. A ideia central era o desenvolvimento da repercussão negativa do petrolão, avaliado pela Polícia Federal como um rombo de R$ 10 bilhões nas contas da Petrobrás.
O prejuízo pode chegar a R$ 21 bilhões no cálculo do banco Morgan Stanley, que se baseou numa informação do ex-diretor Paulo Roberto Costa: a cobrança de propinas montada na diretoria de Abastecimento da Petrobrás exigia 3% aos fornecedores nos negócios da empresa O banco americano comparou a taxa ao valor de investimentos feitos pela estatal nos últimos anos.
A questão que Dilma propunha aos conselheiros era a busca de uma fórmula para abafar o petrolão de modo a impedir que o impacto negativo do escândalo comprometa o segundo mandato que se inicia em janeiro. Indagava, por exemplo, se a antecipação da escolha dos novos ministros poderia ofuscar ou dividir espaço com o petrolão.
Concluiu-se que a temporada do escândalo continuará em cartaz na mídia pelo novo governo adentro com espaço próprio no noticiário sem fórmula mágica que o controle. O que pode acontecer tem efeito adverso. É a vigilância sobre atitudes do governo capazes de serem associáveis a tentativas de redução da importância do petrolão.
Mas, coincidência ou não, no dia seguinte aos encontros surgiram duas ações cuja divulgação pode ser confundida como esforço para diminuir o impacto das investigações da Polícia Federal. Um dos casos aconteceu na própria polícia, vinculada ao Ministério da Justiça. O outro ocorreu na Petrobrás, cujo conceito histórico está em jogo no petrolão.
A PF informou que o delegado Agnaldo Mendonça errou ao incluir o diretor de Abastecimento, José Carlos Cosenza, sucessor de Costa há dois anos, entre os beneficiados pela corrupção na Petrobrás. A menção a Cosenza teria surgido entre empreiteiros acusados de pagar propina, mas a PF afirmou, pelo delegado Márcio Adriano Anselmo, que, até agora, não há nada que o incrimine. Note-se: um delegado foi chamado a corrigir outro.
No mesmo dia, a Petrobrás anunciou a destituição de cinco gerentes que teriam participadoda corrupção quando trabalhavam com Costa e outro antigo diretor preso, Renato Duque, que respondeu por Engenharia e Serviço, agora preso pela Lava Jato. Ambos indicados pelo PT. O afastamento dos cinco gerentes simbolizaria o início de uma limpeza na petroleira.
Na falta de uma opção mais afirmativa e imediata para neutralizar o petrolão, Dilma decidiu não conversar com os partidos aliados sobre posições deles na Esplanada dos Ministérios antes da provação pelo Congresso da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) sem a exigência do superávit primário correspondente a 1,9% no desempenho fiscal do governo em 2014.
Ainda no dia seguinte ao encontro de petistas com Dilma, o governo procurou aprovar a LDO na Comissão Mista do Orçamento do Congresso sem exigência explícita quanto ao superávit, mas não deu certo. Uma parte do PMDB tentou ajudar, mas os aliados não estavam motivados suficientemente. Querem mais atenção, mas nenhum deles foi chamado ao Alvorada em momento tão importante.