A presidente receia um processo judicial que se some à corrupção e à crise na economia para desestabilizar o novo governo que ainda não começou

Congressistas aprovam proposta que joga por terra a obediência à Lei de Responsabilidade Fiscal
Congressistas aprovam proposta que joga por terra a obediência à Lei de Responsabilidade Fiscal / Marcos Oliveira/Agência Senado

 

“Dilma está longe de considerar o petrolão, pois agora se dedica a lotear cargos, plantando sementes do próximo escândalo.” Fernando Gabeira, jornalista e ex-deputado federal

São evidentes as sequelas políticas para o Planalto de­correntes da manobra oportunista que suspendeu a exigência original da Lei de Res­pon­sabilidade Fiscal (LRF) quanto ao saldo de superávit primário nas contas públicas deste ano. Os partidos e políticos aliados que aprovaram a mudança no Congresso desejam cargos e verbas, conforme o prometido.

Mas não são evidentes assim as possíveis sequelas judiciais da manobra ousada do governo. A presidente Dilma sabe do risco de a questão seguir para o Supremo Tribunal Federal, como também prometeu a acirrada oposição liderada pelo senador Aécio Neves (PSDB). Por isso ela pensa em cautelas preventivas.

A prevenção mais óbvia seria a de deixar para janeiro a posse dos novos ministros da Fazenda e do Planejamento, Joaquim Levy e Nelson Barbosa. Assim, eles assumiriam num novo ano fiscal e não teriam nada a ver com a burla à LRF. Mas todos sabem que eles já participam das decisões econômicas instalados na vizinhança da sala da presidente no Planalto.

Além disso, Levy e Barbosa foram apresentados ao público como novos ministros no último dia 27, exatamente no momento em que se acirrava a guerrilha da oposição no Congresso para impedir o golpe na LRF. Ambos sabiam do que se passava no poder. O adiamento na posse deles seria proposital. Porém, a consideração de algo subjetivo assim não costuma passar por sentenças judiciais.

Mais consistente seria a alegação judicial da ostensiva compra de voto de deputados e senadores via pagamento de emendas parlamentares ao orçamento. Na segunda-feira, Dilma convocou os líderes aliados ao Planalto e apresentou o decreto que condicionava a liberação de verbas à aprovação da queda do superávit. O decreto existe, foi publicado.

É isto mesmo. Decreto costuma regulamentar algo feito. Aquele era diferente. Ele se antecipou e regulamentou uma questão que ainda não existia. Abrange R$ 444 milhões em emendas. Aécio Neves até mandou fazer a conta: no decreto cada senador e deputado vale R$ 748 mil. “Cada parlamentar aqui tem um preço”, discursou no Congresso durante a votação e sentenciou:

— É uma violência jamais vista nesta casa.

Outra providência de Dilma poderia ser a consumação da indicação do companheiro e ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, à vaga existente no Supremo desde a aposentadoria precoce de Joaquim Barboza em 31 de julho.

O novo ministro reforçaria a bancada de amigos do governo no tribunal, mas não é tão necessário assim, pelo menos agora. O Planalto já conta com simpatias suficientes. Além disso, a indicação de Cardozo teria de ser aprovada pelo Senado, que sai de férias dentro de duas semanas.

Realmente aquele autoritarismo evocou a ditadura militar, que não comprou votos, mas ameaçou, impôs exigências e reprimiu. O conflito nas galerias do Congresso causado pela repressão da segurança interna era o mesmo de antigamente. Como antes, as portas da casa se fecharam ao povo. Faltou apenas o cerco militar. Naquele tempo o MDB ficava no lugar certo.