Opção cultural

escrito por Talissa Teixeira Coelho

No meio do caminho para casa tinha um bar. Tinha um bar no meio do caminho. Anos atrás ele era frequentado somente por homens. Desde o início do bairro o bar já existia. Lembro que quando era criança, via meu padrinho de longe, sempre parado ali no fim da tarde. Eu pedia a benção e ele me dava balinhas de 2 centavos. No bar não havia mulheres, ao menos mulheres consideradas pela sociedade. A Pagu sempre parava ali, ria alto e detonava vários homens na dose de pinga. Não havia homem páreo para ela, sempre que apostava vencia.
Tira gosto eram miúdos e alguns caldos quando o dono fazia. De resto, os homens iam para beber pinga e cerveja, sempre após o expediente do trabalho. Naquela época não tinha asfalto e o bar ficava de baixo de um pé de Pau-Brasil. Com o tempo, o bairro foi ganhando forma e o bar também foi mudando. Os clientes não eram os mesmos velhos de sempre, mas os seus filhos e netos. Uma mesa de sinuca foi instalada e o cheiro de churrasquinho tomava conta do lugar. Mulheres começaram a frequentar o local, e hoje mesmo que incomode alguns homens, elas estão ali bebendo de igual para igual.
Nunca imaginei que um dia me sentaria em uma daquelas mesas para beber uma cerveja. Hoje bebo (e nem lembro quando isso começou) e observo quem passa. Me imponho quando algum cara inconveniente ainda questiona a minha presença no local. Ou eu só acho que questiona, pode ser que nem tenham me notado. Por morar no bairro há anos, conheço todo mundo. Mas é diferente quando estão no bar. Como se algumas pessoas ganhassem outros contornos, contornos que as vezes não condiz com as aparências.
O bar se modernizou essa semana, mas ainda separa bem a periferia do resto. Só bebe no local quem cresceu ali. Não vem gente de fora para ver algum artista cantar. Se você quer uma bebida chega no balcão e pede. Se quer um cigarro e só falar: “Me dá um cigarro”. Se você quer um show, basta aguardar que logo alguém aparece com um violão ou com uma caixinha de som. É uma geração de pessoas que não tem nada em comum. Continuam no bairro porque não têm condições de sair. Se reúnem ali, em torno da bebida e do pouco lazer que podem pagar. Sempre deglutindo o que a sociedade pode oferecer e transformando em sobrevivência. O bar é uma espécie de ritual onde nos servimos não só de bebidas e tira gosto. É como uma eucaristia, onde nutrimos nossa alma para aturar mais um dia de estudo ou de trabalho exaustivo. Fico feliz que hoje esse ritual possa pertencer também as mulheres, e que Mário esteja conosco e não guardado em algum armário.

O escritor relata como concebeu e como escreveu o romance que ganhou o Prêmio Jabuti

Se você for homem, mulher ou de outra identidade de gênero, leia o livro da escritora francesa. Não se envergonhe de gostar do que a polêmica autora diz
Candice Marques de Lima
Especial para o Jornal Opção

“Não há nada pior do que um mulher julgada por homens. Todos os golpes são permitidos, a começar pelos mais sujos.” — Virginie Despentes, “Teoria King Kong”Virginie Despentes, autora francesa, parece ser pouco conhecida no Brasil. Numa rápida pesquisa por alguns jornais diários de circulação nacional não é fácil de encontrar matérias a seu respeito. Quando falo com algumas/alguns amigas/os a respeito dela, já vou logo dizendo: “É a ex-companheira de Paul Preciado”. Aí me respondem: “Ah sim, sei quem ele é.” Embora Paul Preciado seja um homem trans, faz toda a diferença ser homem. E por que estou dizendo isso? Porque Virginie Despentes trata a esse respeito. Em seu livro “Teoria King Kong” (Editora n-1, 125 páginas, tradução de Marcia Bechara) — nome bastante inusitado para um livro de ensaios autobiográficos, Virginie Despentes narra cenas de sua vida —, acontecimentos trágicos, como o estupro que sofreu, ou vivências que teve — se prostituir, e a partir disso escreve ensaios sobre a condição da mulher na sociedade e as relações — sempre desiguais, entre elas e os homens. Longe de buscar uma solução para esses conflitos, Despentes fala deles por meio de sua escrita. Uma escrita fluente e sem moralismos. O sexo e o desejo não são tratados como algo errado. Ademais, a autora não expõe a mulher como um ser que é uma vítima objetificada pelos homens. Ame-a ou a odeie, ela não pede a complacência de ninguém. Ela quer, por meio de suas experiências, escrever sobre o que passou e teorizar sobre isso.





A coletânea contém vários contos de autores goianos ou radicados em Goiás

Para mim, o Big Brother seria uma oportunidade inédita: “Oh, Interessante! Um estudo sociológico, o panóptico de Jeremy Bentham"

Travessia está aí, / pronta e sempre,/ sua longa senda, apenas;/ sua reputação malfazeja,/ e de fazer viver sua/ passagem forçosa.

A técnica despojada da condensa, entre linguagem e símbolos, toda uma mescla de caracteres humanos, ao longo da construção elaborada de sua narrativa ficcional

A paródia que permeia o enredo mostra que a intenção do autor não é uma transposição literária da História, mas sua reinvenção crítica e bem-humorada

Por Dr. Adiel Rios*
Toda pessoa carrega uma bagagem de informações, ideias, emoções, valores e crenças que funciona de modo harmônico e coerente, garantindo sua adaptação ao mundo real. No entanto, a cada momento, surge uma nova informação que pode ter de uma a três características: ela é indiferente aos seus interesses, podendo ou não ser absorvida por você; ela é coerente ou consistente aos seus interesses, sendo rapidamente captada, sem maiores preocupações na verificação de sua veracidade; e, por último, ela é incoerente ou incongruente, causando desconforto ou estresse à mente. Nesta terceira situação, a tendência automática é rejeitar ou eliminar esta informação (quer seja verdadeira ou falsa) para que o sistema de informações recupere sua coerência e homogeneidade.
Esta teoria, proposta por Leon Festinger, em 1957, é conhecida como a Teoria da Dissonância Cognitiva. Se, por um lado, a rápida rejeição da informação incoerente permite ao sistema de informações recuperar harmonia e consistência, por outro, esta eliminação sumária da informação independe de sua veracidade ou falsidade.
Do mesmo modo, a informação coerente aos seus objetivos é rapidamente incorporada por você, sem que haja uma prévia avaliação crítica de sua veracidade. Ambas as situações trazem consigo um problema: servem apenas para manter atualização no seu sistema de informações, mesmo que haja alguma distorção ou uma visão enviesada da realidade.
A rápida e quase automática incorporação ou rejeição da nova informação está relacionada, em geral, a uma tomada de decisão de caráter emocional, tal como uma paixão, quando o racional fica em segundo plano. Muitas vezes, a nova informação requer uma assimilação significativa, trazendo insegurança e desconforto.
Na história da humanidade, um exemplo mostra bem esta situação: durante muitos séculos, acreditou-se que a Terra era o centro do universo e que o sol girava em torno dela, até que o astrônomo Nicolau Copérnico demonstrou o contrário - a Terra não é o centro do universo, ela simplesmente gira em torno do sol. A humanidade demorou um bom tempo para absorver tal “dissonância cognitiva”.
E como lidar com uma nova informação incongruente com o seu sistema cognitivo? O primeiro passo é buscar um certo distanciamento emocional. Só assim, é possível fazer uma análise mais racional sobre essa nova informação. Além disso, é preciso buscar outras fontes que auxiliem na compreensão e, nos tempos atuais, que verifiquem se ela é verdadeira. Concluída esta etapa, o desafio seguinte é reformular o sistema de informações de modo que este ganhe um novo patamar de harmonia e coerência.

Podemos extrapolar esse conceito para a cultura do cancelamento, tão evidente nas redes sociais. É óbvio que há comportamentos que não são mais aceitos, e a sociedade cobra por posicionamentos responsáveis, especialmente de quem tem um grande número de seguidores e os impacta com suas opiniões.
Contudo, o processo de banalização, como divergências naturais e opiniões contrárias, também pode ser alvo do ato de cancelar. Ao invés de promover um debate saudável sobre temas importantes e conflituosos, a cultura do cancelamento se reduz à ameaça ao emprego e as formas de sobrevivência de quem é cancelado.
No lugar das críticas construtivas e do diálogo transformador, o que vemos são comentários revestidos de ofensas e acusações igualmente cruéis. A velha máxima volta à tona: “Só acredito e aceito o que você diz, se disser o que eu quero eu ouvir”. Como podemos observar, apesar da cultura do cancelamento parecer ter um caráter de justiça social, os atos de rejeição em massa afetam gravemente a saúde mental das pessoas canceladas.
Adiel Rios é mestre em Psiquiatria pela UNIFESP e pesquisador no Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP

Por Márcio Coimbra*

As gerações recentes vivem em período de relativa paz desde a derrota de Hitler, em que nazistas e fascistas foram vencidos pelos Aliados. A paz desta geração, entretanto, foi sacudida com a invasão da Ucrânia pela Rússia, colocando em xeque a paz da Europa. Apesar disso, a construção da União Europeia (UE) permanece firme, garantindo a saudável convivência entre nações tão diferentes, porém unidas por laços em comum.
Talvez o grande erro da Ucrânia, e também de outros países como a Moldávia e Geórgia, tenha sido ter esperado tanto para solicitar o ingresso na União Europeia. Isto tornou estes países vulneráveis aos possíveis ataques externos, como já vimos no passado na região do Cáucaso e hoje nas fronteiras da UE com a invasão da Ucrânia. Um acesso anterior à Europa poderia ter mudado todo este cenário.
Fato é que o concerto europeu conseguiu atingir um sucesso que muitos duvidavam. A essência do bloco vai muito além da economia, que é sua pedra angular, mas se estende de maneira inteligente para as relações pessoais, familiares, culturais e educacionais que se fundiram de forma estratégica ao longo de décadas. Esta construção evitou guerras e conseguiu, ao longo do tempo, manter o equilíbrio e a paz.
Ao longo deste período, a Europa jamais viu ascender ao poder um líder com os traços de Putin. O continente conseguiu um intercâmbio importante de valores na medida que seu bloco se ampliava, especialmente para o leste, com os antigos países da Cortina de Ferro que optaram pela influência europeia, escapando da ascendência russa -- a prova inequívoca que a construção europeia se tornou um êxito.
Com as economias entrelaçadas, livre circulação de pessoas e intercâmbios na área de educação, o bloco se firmou como elemento integrador entre as diversas nações, que passaram a se unir também por laços familiares, avanços na área de pesquisa e trocas culturais. As economias passaram a conversar na mesma medida que outros elementos passaram a se unir e a união monetária se consolidou.
Neste sentido é que entendo que a ampliação do bloco poderia ter levado estabilidade para a Ucrânia antes das ações violentas da Rússia que violam sua soberania. A entrada na OTAN seria uma blindagem militar para uma realidade econômica pujante, algo que certamente teria ampliado a percepção de um número cada vez maior de ucranianos, especialmente em Luhansk e Donetsk, que viveram sob domínio indireto de Moscou nos últimos anos.
Certamente a alma da Europa é a maior construção do pós-guerra, um movimento que aos poucos criou harmonia entre diversas nações e países que durante muito tempo viveram em conflito. Estender esta obra talvez seja o melhor caminho para evitar outras guerras no futuro. O conflito na Ucrânia, que pode transbordar para os domínios da União Europeia e da OTAN, é o melhor exemplo disso. O bloco europeu mostrou ao longo de décadas que é possível encontrar convergência mesmo entre culturas diferentes e visões únicas como forma de preservar a liberdade e a democracia.
*Márcio Coimbra é Presidente da Fundação da Liberdade Econômica e Coordenador da pós-graduação em Relações Institucionais e Governamentais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília. Cientista Político, mestre em Ação Política pela Universidad Rey Juan Carlos (2007). Ex-Diretor da Apex-Brasil e do Senado Federal

Ambientado principalmente em Brasília, o romance poético de H. Martins conta a história de Ângelo e Prudence com leveza e fluidez

A descoberta de que tem uma avó permite que uma menina busque a sua própria história para, a partir das suas inquietações, começar a construir sua identidade

A obra, conta Marcella, evidencia a luta interna do bem e do mal, e, para esse fim, recorre a ferramentas como a psicologia arquetípica de Jung e Vogler

A farra de comer uns aos outros virou uma febre, que na verdade não esquentava a temperatura e nem causava mal-estar, e lembrou nosso ancestral Tupi

Mulheres são referência na pesquisa científica ligada à preservação da biodiversidade e relatam os desafios e conquistas em campo