O Natal e a Bondade da Alma
07 dezembro 2017 às 17h56
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Poeta Manuel Bandeira, ao passar o fim de ano em sanatório na Suíça, escreveu um poema que, como toda sua obra, ainda alcança o leitor, mais de cem anos depois, rompendo o Tempo, sendo continuamente lido
“Penso em Natal.
No teu Natal…
Para a Bondade
A minh´alma se volta”
(Manuel Bandeira)
Então, é Natal!, período em que, por excelência, nossos corações se adoçam, no mundo Ocidental, e nossas mentes se voltam para a reflexão e o convívio fraterno – quando tudo no ano que finda parecia indicar o oposto –, a anulação de nossa humanidade num ambiente em que a pletora de informações liquefeitas parece dominar os corações e as mentes.
Esses versos, escritos em 1913, num sanatório na Suíça pelo grandessíssimo “poeta menor” Manuel Bandeira, alcançam o leitor, mais de cem anos depois, rompendo o Tempo, sendo continuamente lidos, anotados e repetidos nas escolas, casas e nas igrejas.
Tornaram-se um exemplo franciscano da mais alta expressão do Belo sobre a maior festa da Cristandade.
Sobre o autor desta pequena joia já o disse de modo antológico outro grande entre nossos vates – Ivan Junqueira: “Seria muito difícil, senão mesmo ocioso ou impossível, dizer algo de novo sobre a poesia de Manuel Bandeira. Ensaístas e exegetas da mais alta linhagem nos precederam nessa empreitada e, a rigor, praticamente esgotaram o assunto…[i]”
E para não incorrer na mesma “perda de tempo” sua, dileto leitor, e desse cronista – já me alerta meu infalível interlocutor invisível: “Vá direto ao assunto, mesmo que desagrade alguém em sua ‘meia-dúzia’ de leitores”.
Lá vou eu.
Em quatro crônicas restantes para fecharmos os trabalhos do dorido ano de 2017, voltar-me-ei à temática da Natividade na literatura brasileira.
Poesia e infância
Começo com o menino Manuel Bandeira – que em seus “Versos de Natal” nos garante aquilo que muitos amigos do poeta afirmavam – “…Bandeira morreu menino. Puro como um menino. Um desses amigos – dos maiores e mais constantes, aliás – Dante Milano, afirmou certa vez que esse era “o segredo de Manuel, aquele menino, que supera todas as amarguras do seu espírito e da sua carne, e que dá saltos, cambalhotas, e enche de gritinhos e risinhos a sua poesia[ii]” – como nesses
Versos de Natal (1940)
Espelho, amigo verdadeiro,
Tu refletes as minhas rugas,
Os meus cabelos brancos,
Os meus olhos míopes e cansados.
Espelho, amigo verdadeiro,
Mestre do realismo exato e minucioso,
Obrigado, obrigado!
Mas se fosses mágico,
Penetrarias até o fundo desse homem triste,
Descobririas o menino que sustenta esse homem,
O menino que não quer morrer,
Que não morrerá senão comigo,
O menino que todos os anos na véspera do Natal
Pensa ainda em pôr os seus chinelinhos atrás da porta.
Pôs o autor desses versos em cada estrofe, em cada linha do que compôs um pouco de musicalidade misturada àquilo que denominou o “conteúdo emocional das reminiscências de sua primeira infância” – é de Ivan Junqueira, apud Emanuel de Moraes[iii] a anotação que nos garante a consciência de Bandeira sobre o que fazia:
“A certa altura da vida vim a identificar essa emoção particular com outra – a de natureza artística. Desde esse momento, posso dizer que havia descoberto o segredo da poesia, o segredo do meu itinerário em poesia.” Daí deriva a definição manuelina de poeta: “Já se disse que o poeta é o homem que vê o mundo com olhos de criança, quer dizer: o homem que olha as coisas como se as visse pela primeira vez; que as olha em sua perene virgindade.”
“Pôr os seus chinelinhos atrás da porta” é decisão de um homem que se vai dando conta com a idade da finitude da vida e que, se só tem consciência plena do que está a construir ou do que deve construir, quando o vai fazendo; quando o vai construindo, com determinação e distante do olhar do mundo pejado de indiferença ou pronto para uma risada de escárnio ante o Poeta e sua realização poética.
“A nossa infância, ó minha irmã, tão longe de nós!” – exclama Bandeira, como também o faz Alberto da Costa e Silva – que quer se manter “longe, bem longe do curral dos adultos”.
Vozes da noite
Claro me parece que a essa hora distante, no tempo de “A Cinza das Horas” (1917) “não havia o poeta adquirido ainda plena consciência daquele “menino”
[…] que não quer morrer,
Que não morrerá senão comigo,
“como tampouco poderia supor o quanto iria ele interferir em sua obra. Há diversos poemas, inclusive, que não se teriam cumprido não fora a participação direta desse menino, pois que ouvidos senão os dele poderiam distinguir, naquelas “vozes da noite”, entre “o cloc cloc cloc” dos “quatro cãezinhos policiais bebendo água” e o da “saparia no brejo”? – pergunta Junqueira, que conclui: “Foi-se a infância, passaram a adolescência e a maturidade, veio a velhice.” Ao visitar a “velha chácara em que residira, o poeta lá encontraria apenas a voz de um riacho. A casa já não havia”:
Velha chácara[iv]
A casa era por aqui…
Onde? Procuro-a e não acho.
Ouço uma voz que esqueci:
É a voz deste mesmo riacho.
Ah quanto tempo passou!
(Foram mais de cinquenta anos.)
Tantos que a morte levou!
(E a vida…nos desenganos…)
A usura fez tábua rasa
Da velha chácara triste:
Não existe mais a casa…
– Mas o menino ainda existe.
(1944) – do livro “Lira dos Cinquent´anos.”
[v] Assim, “O Testamento de Pasárgada” tornou-se um legado para todos que fazem do Menino nascido em Belém uma nova esperança; feito aquele nascido no Recife com sua evocação eterna –; como para aqueles que a cada fim de ano (ou de troca de idade) reconstroem a esperança, com a precariedade de tudo que é Humano, deixada na salmoura da passagem do tempo, com os olhos voltados para o Eterno.
Seja porque humano, seja porque “tudo passa: o que não é eterno não é nada” (S. João Bosco).
*Adalberto de Queiroz, jornalista e poeta.
Autor de “Frágil Armação” (2ª. Edição; Caminhos, 2017) – e-mail : [email protected]
[i] BANDEIRA, Manuel (1886-1968). “Testamento de Pasárgada : antologia poética”; org. Ivan Junqueira. 3ª edição – S. Paulo : Global, 2014.
[ii] JUNQUEIRA. Ivan. Op. cit., pág. 321.
[iii] MORAES, Emanuel de. “Manuel Bandeira: análise e interpretação literária”. Rio de Janeiro: José Olympio, 1962, cit. por Ivan Junqueira, op. cit.
[iv] BANDEIRA, Manuel. “Testamento de Pasárgada” – notas em aspas foram elaboradas pelo poeta Ivan Junqueira (1934-2014) sobre a poesia de Manuel Bandeira.
[v] Foto Manuel Bandeira, foto de Autor Desconhecido está licenciada.
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