Notícias

Senador licenciado pediu demissão alegando problemas de saúde

Série "#partiuAltoParaíso" é composta por cinco reportagens começou a ser apresentada nesta segunda-feira (20)

Polícia Civil chegou a ouvir Luís Carlos Costa Gonçalves na manhã de terça-feira (21), após testemunhas levantarem suspeitas contra o comerciante

A apresentadora do “É de Casa” e o diretor da Central Globo de Programação estariam separados desde novembro de 2016

Os dois aparelhos de ar condicionado da Casa estão estragados e vereadores reclamaram do calor excessivo no plenário nos últimos dias

Em edição extra do Diário Oficial da União, presidente exonerou jurista do Ministério da Justiça e o nomeou para o STF

No cooperativismo da Espanha, o lucro é um objetivo, mas não está acima de tudo. A diferença salarial entre a base e o topo do organograma institucional é 4,5 a 6 vezes
Mayler Olombrada
Ressalte-se que o lucro, se é um objetivo, não está acima de tudo. As cooperativas têm valores muito bem estabelecidos — como a cooperação, responsabilidade social, participação e inovação. Não se trata de um mero discurso, e sim de aplicação prática, levando a riqueza gerada para cada trabalhador e para a sociedade na qual está inserido. Os funcionários recebem salários, como em toda empresa; contudo, existe uma preocupação com a desigualdade social. Em geral a diferença salarial entre a base e o topo do organograma institucional é de 4,5 a 6 vezes.
Entre 1936 e 1939, a Espanha viveu uma terrível guerra civil, entre republicados e franquistas, e o artista plástico espanhol Pablo Picasso (1881-1973) eternizou a destruição do país em sua magistral obra Guernica. A tela, com seus mais de sete metros de comprimento, está no museu Reina Sofia, em Madrid. O quadro voltou à terra de Miguel de Cervantes somente depois do fim da ditadura do general Francisco Franco. O óleo sobre tela é uma expressão máxima do cubismo que ilustra o massacre da cidade homônima localizada no País Basco, no norte da Espanha. A região ficou destruída, mas, durante os sombrios anos da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), torna-se o cenário de uma grande transformação econômica e social. Expressões tão em voga no século 21 — como inovação, cooperação, cultura do compartilhamento, gestão do conhecimento e liderança — foram encarnadas na figura do jovem padre católico José María Arizmendiarrieta (1915-1976).
O case Mondragón e um novo capitalismo
Arizmendiarrieta chega à cidade de Mondragón em 1941 e funda uma escola politécnica para formação profissional. Com cinco alunos egressos de sua escola, incentiva o espírito cooperativista. Em 1956 é fundada a empresa Talleres Ulgor, que futuramente se transformaria na Fagor Electrodomésticos. Era apenas o primeiro passo na criação da Corporação Mondragón, um dos principais grupos empresariais espanhóis, presente em 41 países com vendas em mais de 150, faturamento de 11,875 milhões de euros, 260 empresas e cooperativas e mais de 74 mil pessoas.
À medida que a economia espanhola começava a dar sinais de recuperação, Arizmendiarrieta avaliava quais eram as necessidades e oportunidades no País Basco e incentivava os moradores a formarem novas cooperativas. Sua figura sintetiza todas as características que procuramos e tentamos desenvolver em nossos líderes, como carisma, responsabilidade, capacidade de comunicar e de estabelecer metas e objetivos, inspirando as pessoas a buscarem seu melhor e realizar seus sonhos.
Dessa forma surgiram inúmeras novas cooperativas, merecendo destaque especial a Caja Laboral, fundada em 1959, uma cooperativa de crédito que possibilitou ferramentas financeiras que fomentaram a criação e o desenvolvimento de várias outras cooperativas. Uma década depois surgiu Eroski, uma enorme cooperativa de consumo, que atualmente conta com cerca de duas mil unidades e mais de 450.000 associados.
Cultura organizacional e não socialismo
Ao se conhecer o sucesso do cooperativismo em Mondragón um erro comum ao observador menos atento é acreditar que se trata de um modelo socialista, comunista. Tal percepção cria dificuldades à corporação, que, durante sua expansão para o Leste Europeu, teve resistências. A Polônia — país que viveu a terrível experiência socialista sob o tacão do ditador Stálin, da União Soviética — é um exemplo de resistência.
O cooperativismo nada tem a ver com socialismo. As empresas cooperativistas fazem parte do capitalismo, buscam o lucro e competem no cenário econômico global em busca de eficiência, economia de escala e rentabilidade.
Ressalte-se que o lucro, se é um objetivo, não está acima de tudo. As cooperativas têm valores muito bem estabelecidos — como a cooperação, responsabilidade social, participação e inovação. Não se trata de um mero discurso, e sim de aplicação prática, levando a riqueza gerada para cada trabalhador e para a sociedade na qual está inserido. Os funcionários recebem salários, como em toda empresa; contudo, existe uma preocupação com a desigualdade social. Em geral a diferença salarial entre a base e o topo do organograma institucional é de 4,5 a 6 vezes.
Se o mais simples operário tem um salário de mil euros, o presidente da empresa, o CEO, recebe no máximo 6 mil euros por mês. Em uma empresa convencional, a diferença pode passar de cem vezes. Tal realidade monetária faz com que, ao se visitar uma fábrica da Corporação Mondragón, não se consegue identificar facilmente o cargo de alguém por sinais tradicionais. No estacionamento os automóveis dos operários e do corpo diretivo são de modelos semelhantes. Todos comem a mesma comida e no mesmo ambiente. Os filhos estudam na mesma escola pública e frequentam o mesmo hospital, também público.
A intercooperação é outra marca registrada da corporação. Sempre que se discute sobre criatividade e inovação, ficamos fascinados com as startups do Vale do Silício. Ali se desenvolve uma cultura na qual cooperação é mais valiosa que a competição. Em Mondragón é a regra há mais de 50 anos.
O padre Arizmendiarrieta estimulou que as primeiras cooperativas ajudassem as novas e, até hoje, parte das sobras (equivalente ao lucro nas empresas tradicionais) é destinada a um fundo de solidariedade que ajuda cooperativas em dificuldades e a outro fundo voltado à promoção de novos projetos.
Em 2013, após acumular uma grande dívida com vários fornecedores, a pioneira Fagor foi vendida para outro grupo. Porém, de maneira surpreendente, os dirigentes conseguiram realocar mais de mil funcionários em outras cooperativas, o que evitou demissões que comprometeriam dezenas de famílias. Outro exemplo difícil de imaginar em alguns países, sobretudo nos tropicais — nos quais os políticos aumentam, na madrugada, seus próprios salários — foi a medida adotada após a crise de 2008 que provocou uma poderosa recessão na Espanha. Ao invés de cortar custo, por meio de demissões, a opção adotada foi reduzir os salários. Tal ação evitou demissões.
Por esse tipo de decisão, o País Basco foi a região da Espanha menos afetada pela crise, com menores taxas de desemprego e uma das que mais rapidamente vem se recuperando. Até hoje o salário não voltou ao patamar pré-crise.
Ao se deparar com um problema, o cooperativista enxerga uma oportunidade. A cooperativa prioriza negócios com outras cooperativas, seja no fornecimento de matéria-prima, na execução de projetos, na distribuição. E se nenhuma das empresas da corporação está capacitada para resolver a situação talvez esteja ali a oportunidade para criar uma nova cooperativa.
Esse ambiente de intercooperação é extremamente profícuo para a inovação. Aprende-se com os erros e se estimula a todo momento desenvolver novas ideias que possibilitem agregar valor, seja a um produto já existente, a um processo interno ou a um serviço a ser prestado.
[caption id="attachment_87954" align="aligncenter" width="620"]
Universidade de Mondragón[/caption]
Fundo para educação
Mesmo com a robotização das fábricas, além da incorporação de novas tecnologias, não houve aumento do desemprego. Ao criar uma inovação que aumenta a produtividade simultaneamente entra em campo outra característica do mundo cooperativista: a educação. Todas as cooperativas destinam recursos a um fundo para educação.
O funcionário que será substituído por um robô é requalificado para desenvolver outra função, como dar manutenção ao próprio robô. Frise-se que a Corporação Mondragón surgiu da base educacional instituída pelo padre Arizmendiarrieta. A corporação conta com a Universidade Mondragón, além de centros de ensino de línguas, educação secundária e formação técnica. Há um grande investimento em pesquisa e desenvolvimento. Apenas cerca de 40% das receitas da universidade vêm das matrículas, o restante é proveniente das parcerias com empresas, em uma verdadeira integração entre ensino, pesquisa e aplicação prática.
A faculdade de Ciencias Empresariales é um grande exemplo de inovação. Os estudantes constituem, no primeiro ano, uma empresa real que deve fazer negócios e sobreviver durante os quatro anos de sua formação. As disciplinas são ensinadas com aplicação prática imediata em sua própria empresa.
No primeiro ano os jovens alunos visitam escolas na Finlândia, um dos maiores celeiros de inovação e novas práticas na educação. É um exemplo que destoa do fisiologismo de sindicalistas que em outros países se preocupam mais na manutenção de seus benefícios do que com os resultados pífios alcançados no teste Pisa.
[caption id="attachment_87957" align="aligncenter" width="297"]
José María Arizmendiarrieta: padre que foi grande incentivador do cooperativismo[/caption]
No segundo ano de curso, os alunos viajam para a Califórnia, a fim de fazer negócios internacionais com suas empresas, e ver um outro ambiente que também prima pelo incentivo à inovação, a tão falada região do Vale do Silício, berço de empresas de tecnologia como Google e Apple.
Os custos da viagem e estadia é paga com as receitas da empresa criada pelos próprios alunos no primeiro ano de curso superior. No terceiro ano, precisam fazer negócios na China e na Índia, oportunidade para se relacionar com países emergentes, conhecer culturas completamente diferentes, e abrir as portas para uma carreira internacional. Novamente a viagem não é a passeio, e sim uma viagem comercial e educacional. Aprender mais sobre gestão e fechar negócios para sua empresa, que é responsável pelo custo da viagem. Como as cooperativas valorizam o ambiente social em que estão inseridas, os alunos também prestam serviço social nesses países, ajudando, por exemplo, no cuidado de pessoas menos favorecidas nos subúrbios indianos.
Capitalismo e democracia
Sem dúvida alguma é impossível visitar a Corporação Mondragón e não voltar modificado. Trata-se de um exemplo concreto de que o capitalismo aliado à democracia é até hoje a melhor forma de organização criada pelo homem; contudo, é possível ir além. Trabalhar em uma empresa organizada democraticamente — em que o trabalho é soberano, a gestão é participativa, e ademais prioriza a intercooperação, educação e transformação social — é algo de um prazer imensurável.
É claro que tal modelo não é a solução apropriada para todas as empresas, para todas as regiões ou para todas as pessoas. Entretanto, é fundamental conhecer esse experiência, pois no mínimo serve de inspiração para que valorizemos a cultura da inovação e a sociedade na qual esta cultura da inovação e a sociedade na qual estamos inseridos, trabalhando para transformá-la.
Mayler Olombrada, médico em Goiânia, esteve na Espanha recentemente para conhecer o cooperativismo do país.

Governador garantiu que projeto surpreenderá todo o país e colocará Goiás na dianteira da saída da crise

Matéria de Elias Vaz impede que servidores municipais recebam gratificações para participar de reuniões de colegiados

Reunião contou com a presença de prefeitos do Entorno, do secretário da Secima, Vilmar Rocha e de diretores do Corsap

Paulo Cézar Martins afirmou que Executiva Estadual vem realizando reuniões em várias cidades e posição é a mesma

Segundo conselho, modalidade de ensino não permite que aluno desenvolva as competências necessárias para o exercício da profissão

Em coletiva de imprensa, forças policias detalham como foi ação que resultou na morte do suspeito

“O homem derivado de suas águas está só e sozinho ele fala a esmo. Talvez fale movido apenas pelo prazer da errância e, por isso mesmo, ele fala como quem está literalmente à deriva"
[caption id="attachment_87924" align="aligncenter" width="620"] Escritor goiano Wesley Godoi Peres | Foto: reprodução Facebook[/caption]
Tiago Ribeiro Nunes
Especial para o Jornal Opção
Em Água Anônima (Goiânia: AGEPEL, 2002), livro de estreia de Wesley Peres, são traçados, em azul, os primeiros contornos da obsessão literária por “fixar as vertigens nas palavras”, com afirma o poeta Manoel de Barros, na quarta-capa do livro. Ao leitor dos poemas ali reunidos, não passará despercebida a assiduidade do termo. Serão dez, ao todo, as ocorrências desse significante ou de variações suas.
Ao longo das três partes que formam o livro (Água, Lábios e Lábios de Água), sua distribuição é todavia desigual: duas na primeira parte, cinco na segunda e três na terceira. Mais equilibrado é certamente o efeito expressivo das imagens que veiculam o azul. Transportado para uma frase ou para um conjunto de frases, ele coloca em contato elementos dessemelhantes ou mesmo contrários entre si. Dessa reunião inesperada resultam estranhamentos. Suprimido o princípio lógico da não contradição, as paisagens cotidianas resvalam subitamente naquilo que nunca se viu. Assim, por exemplo, o mar se volatiza em azul e a impressão desse cheiro sentido em cor se reverbera polifônica, renovando um olhar já demasiadamente habituado à repetição de todos os dias: “Há um azul cheiro de mar agora/ há um cortante e horizontal chilrar/ sobre o meu olho prenhe de manhãs”.
[caption id="attachment_87927" align="alignleft" width="300"]
"Água Anônima", livro de estreia de Wesley Peres[/caption]
Já em O infinito e seus arredores, a proliferação de imagens fluidas continua até desaguar na pergunta contida na pergunta: “quantas horas faz em você/ quando o violino de som amarelo/ flutua a concha de formas de uma mulher/ que me pergunta: Deus é azul?” (p. 95). Na imagem sonhada, o poeta viola, a um só tempo, a sintaxe comum e o mandamento religioso - infração sacrílega dos absolutos. Mais adiante, dois outros poemas e duas outras imagens escritas em azul: o curvilíneo “e azul cheiro de sal vermelho” (p. 103) da amada assim como os “peixes embolhados [que] rasgam o azul e vestem uma cordilheira de pássaros” (p. 137). Revela-se, em ambos os casos, um exercício consciente de transgressão imposto à política da percepção balizada pelos códigos cotidianos.
Com recursos emprestados principalmente da poética de Manoel de Barros, a Peres interessa fazer ressoar “o som azul da maçã” (p. 157) e apontar sutilmente o “azul da distância” (p. 161). Importa esgarçar o tecido do discurso comum a fim de “recuperar o caráter fluido e provisório da língua”, como apregoa Georges Steiner, no texto “O poeta e o silêncio”, contido em Linguagem e silêncio: ensaios sobre a crise da palavra (São Paulo: Companhia das Letras, 1988. Trad. Gilda Stuart e Felipe Rajabally, p. 46). Interesse mudado em poema, temos Arqueologia da linguagem: “Vazio/ com suas formas azuis/ de sonho decaído/ o rumo incerto da carne dos deuses/ em decomposição/ assim nasce do homem/ o centro de sua invenção/ assim nasce sua morte/ a sua infinitude/ pousada entre o vôo da matéria explodida/ e o ventre esférico dos desejos perdidos./ O homem está no contrário de seu contrário pensado” (Água anônima, op. cit., p. 35).
O poeta revolve a linguagem, exuma suas origens. Revisitada em sua aurora, a palavra revela sua força disseminadora, geradora de princípios e de transcendências. No todo da imagem que surge com o poema, nem mesmo o vazio primordial chega a ser obstáculo frente à potência proliferadora do verbo. Assim como enuncia o poeta, as formas azuis do nada primal são íntimas dos sonhos e das metafísicas religiosas. Infectado pelo verbo, o homem reage tecendo suas narrativas. Acossado pela mortalidade, é compreensível que na palavra ele queira sonhar o infinito. Tal como fica sugerido no remate do poema, o homem se faz unicamente pelo enxerto da coisa pensante na substância viva. Dessa conjunção resultam sua vocação para os engendramentos e um desejo não mais conformado aos protocolos instintuais mas condenado a errância. Por meio do gesto poético realizado em seu livro primeiro, Peres materializa literariamente o paradoxo da soberania segundo o qual, “o soberano está, ao mesmo tempo, dentro e fora do ordenamento”, já dizia Carl Schmitt: está dentro porque, tal como os outros, também o poeta encontra-se submetido ao regime geral da linguagem; encontra-se fora porque sua arte permite transgredir legitimamente as leis da palavra.
Muito embora o comparecimento do significante-mestre azul e de suas variações não obedeça a princípios estritamente uniformes em todo Água Anônima, vale ressaltar sua importância no contexto geral dessa obra cujo intuito primeiro parece ser operar sobre a linguagem a fim de restituir à palavra seu “poder de encantação”. Objetivo certamente fundado na tese segundo a qual, pelo trabalho do poeta, a linguagem poderia ser levada, como diz Octavio Paz em O arco e a lira, a reconquistar “seus valores plásticos e sonoros”, mas também “os afetivos” e os “significativos”. É para esse ponto que convergem os escritos que formam o estágio embrionário da produção de Wesley Peres, período que compreende os seus dois primeiros livros publicados, a saber: Água Anônima (2002) e Rio Revoando (2003). Ambos testemunham a mesma inquietação fundamental, a mesma necessidade imperativa de “enxertar uma nova geografia à palavra em demolição” (Rio revoando. São Paulo: Com-Arte, 2003, p. 2).
Não por acaso, aquilo que há de mais bem realizado no primeiro livro acaba reaparecendo no segundo: Água Anônima flui sem reservas para o Rio revoando. Entretanto, apesar dessa repetição, em Rio revoando realiza-se uma mudança estilística sutil, mas extremamente
importante no contexto da obra de Peres. Ali veremos aparecer, entremeados aos demais poemas, alguns aglomerados discursivos nos quais a linguagem se espessa. Tomemos o primeiro deles, Carta de um Homem Derivado de Suas Águas - naquilo que não se repete ainda o azul, nosso fio de Ariadne: “dos anjos desejo apenas os seios azuis escorrendo a língua alada salivando o pistilo da morte e da vida” (Rio revoando. Op. Cit. p. 16).
O homem derivado de suas águas está só e sozinho ele fala a esmo. Talvez fale movido apenas pelo prazer da errância e, por isso mesmo, ele fala como quem está literalmente à deriva. É possível ainda que fale para tentar vencer na palavra a monotonia dos códigos fixos, afinal, “embora não haja nada de novo sob o sol, tudo se renova e se rediz quando a realidade se repropõe, [...] a cada um de nós, indivíduos irrepetíveis que somos”, já dizia Alfredo Bosi (“Meditatio mortis: sobre um livro de Reventós, poeta catalão”. In: Entre a literatura e a história. São Paulo: Editora 34, 2013, p. 66). Fala para se visitar e, nesse percurso, descobrir-se incomunicável. “Entre um ser e um outro há um abismo, uma descontinuidade”, como quer Bataille (O erotismo. São Paulo: Arx, 2004, p. 22), entre ele e Camila, uma vertiginosa incompreensão. E se, “a palavra é uma ponte mediante a qual o homem tenta superar a distância que o separa da realidade exterior” (Paz, Octavio. O arco e a lira. São Paulo: COSAC NAIFY, 2012. Trad. Ari Roitman e Paulina Wacht, p. 43), é exatamente ao entregar-se a ela, ao fazer a experiência do discurso, que ele poderá concluir que a distância é a sua casa.
Assim afastados, os amantes esperam por um encontro que teima em não se realizar. Ambos anseiam por aquilo que insiste em não acontecer: o aguardado retorno da ausência-ela, a mínima estabilização para o caos-ele. Ainda que endereçados um ao outro, eles se vêem fadados a repetir o mesmo destino: naquilo que se procuram só fazem se perder. Seres líquidos, em contínuo fluir. Que ele falasse sobre si e sobre si apenas, ela talvez tenha lhe rogado em algum momento do passado. Ao que ele, agora, lhe responde: “Bem, Camila, pediu que eu lhe escrevesse uma carta e que, nesta, eu me dissesse. Não lhe escrevi, mas talvez a
tenha escrito ao tentar me dizer. Sei que o pedido era que eu falasse de mim e apenas de mim, sem, como você mesma expressou, usar o subterfúgio de falar também de você. Lembre-se, esta carta não é para você, porém, na verdade, a sua carta está dentro desta carta” (Rio revoando, op. cit., p. 29). Encerrada a carta, o seguinte pós-escrito: “P.S.: Seja feita a vossa vontade. A seguir, algumas poucas linhas [...]: eu falando de mim, só de mim, mesmo que eu não saiba quem fala, serei eu, falando só de mim”. Promessa cumprida ao pé da letra.
[caption id="attachment_87929" align="alignleft" width="300"]
"Rio Revoando", o segundo livro publicado por Peres[/caption]
Nas linhas que vêm em seguida ele continua à deriva, segue falando “mesmo que [esse] eu não saiba quem fala” (Idem, p. 29). No todo da carta, a voz que se desdobra recusa terminantemente o vis-à-vis imaginário (base comum para os discursos calcados na força coesiva do eu consciente) a fim de assumir-se sempre outra. Por meio dela são traçados os contornos de um Eu dessimétrico a si mesmo e, por isso mesmo, em condição de refazer em sua experiência com o discurso a descoberta de Rimbaud: “Eu é um outro” - descobrimento também transmitido em carta, remetida pelo poeta francês ao amigo Paul Demeny. Um Eu estranhamente familiar e familiarmente estranho, eutro (Lopes apud Peres. A escrita literária como autobioficção: parletre, escrita, sinthoma. Brasília: Tese de doutoramento apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica e Cultura do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília, 2012.), em cuja voz se exprime a condição singular desse animal visitado pela linguagem que é o homem.
A falta de um centro de gravidade que estabilizasse esse Eu polifônico em uma identidade fixa limita com a insanidade: “Muitos confirmam a minha loucura, Camila, mas não me orgulho disso, não aceito elogios fáceis, enlouquecer é sempre uma construção de vagar, é aceitar que o tempo é um, e para sempre, imovimento alucinado da matéria, promovendo encontros que não se repetirão, caso sejam sutis o bastante para não serem percebidos” (Rio revoando, op. cit., p. 26). Para esse homem à deriva, feita slogan, a loucura soa tão imprópria quanto qualquer outra referência identitária. Categorizada, a doença mental não passa de um otimismo do saber conceitual frente à instabilidade da vida. E, como ele bem desconfia, a vida “não se faz nem com ideias nem com palavras” (Rio revoando, op. cit., p. 22). Por isso ele insiste, requisitando coragem para “romper com todos os lastros, todas as encostas, todos os sussurros infundidos em nós” (Rio revoando, op. cit., p. 21).
Disso resulta que, para ele, esse esforço de nomeação que visa conter as invasões do instante seja visto apenas como sinal de fraqueza: “ausência de coragem, dar um nome, possuir, devo tomar cuidado, Deus começou assim e acabou sofrendo de eternidade” (Rio revoando, op. cit., p. 27). Nas águas do rio-discurso, o conceito comunica com a eternidade. Ambos visceralmente repudiados pelo homem que se sabe provisório, afinal, não lhe são indiferentes os nexos que ligam a morte ao exercício conceitual: operação em razão da qual a coisa viva e perecível se faz substituir pela palavra inerte, apesar de sempre durável. Admite-se ali apenas o paradoxo da “eternidade embrulhada no instante” (Rio revoando, op. cit., p. 27), aquela por meio da qual se poderia negar a estabilidade do conceito e dizer sim para o acontecimento imprevisto. É sem um Eu que ele fala de si, de si apenas. O polifônico signatário performatiza em seu discurso o estado de ser à deriva que é o desse corpo vivo submetido às leis da palavra, cujo derivar mostra-se irremediavelmente intransitivo.
Tiago Ribeiro Nunes é professor adjunto do Curso de Psicologia da Universidade Federal de Goiás - Regional Catalão

Ex-primeiro ministro e deputado apoiado pelos Republicanos é o alvo a ser abatido. O jogo já começou e um escândalo financeiro veio à tona. Veremos se funcionará
[caption id="attachment_87925" align="aligncenter" width="620"] François Fillon é preparado e, se sobreviver ao “Escândalo Fillon”, ex-primeiro ministro francês pode ser alçado à Presidência | Foto: Fxgallery[/caption]
Frank Wan
Especial para o Jornal Opção
As eleições presidenciais francesas avizinham-se e há muita gente que até perde o fôlego, tamanha a tensão: muita coisa está em jogo. A vitória de Donald Trump nos Estados Unidos, acontecimento tido por muitos analistas como “anormal” e com graves repercussões em diversos níveis, vai ser importante apenas dentro dos EUA e na relação dos mesmos com o resto do mundo? Ou, muito mais grave: vai ser o início de um dominó imprevisível pelo mundo afora? É possível isolar o fenômeno Trump?
As presidenciais francesas são as primeiras eleições num país centro-europeu com graves repercussões no futuro próximo.
Os olhos viram-se todos para Marine Le Pen, a filha do famoso Jean-Marie Le Pen, o homem mais à direita do espectro político francês. Sob certos aspectos é a continuadora de seu pai, mas, cada vez mais, em mais áreas, afasta-se quer dos métodos quer do discurso político a que ele nos habituou. Talvez seja bom recordar que a Frente Nacional, partido de suporte, tem ideias pro-fascistas (ou mesmo fascistas) e segue defendendo teses negacionistas da Segunda Guerra Mundial.
As apostas seguem altas no nome de Emmanuel Macron, ex-ministro da Economia e qualificado como “Independente” — seja lá o que isso signifique nestes tempos de conceitos políticos brumosos — e, ainda à esquerda seguem-se outros nomes como seja o de Benoît Hamon e Jean-Luc Mélenchon.
O labirinto de candidatos é gigantesco com misturas heterogéneas de origens e apoios, mas, como sempre, o tempo esclarecerá todas as coisas e estes muitos nomes e apoios acabarão por se fundirem à medida que forem vendo as suas reais possibilidades.
Conviria à esquerda que Le Pen fosse a candidata para o segundo turno, pois poderiam assim agitar todas as bandeiras que ainda estão desfraldadas da recente eleição de Trump e aproveitariam a carona do histerismo midiático para o lançar tudo sobre a candidata de coloração fascista, com a gigantesca vantagem de ainda se poder atribuir qualquer peso da direita extrema europeia a Trump. Trump passaria a ser culpado até do fato de o Sol ter nascido de manhã — a mídia gosta disso e as redes sociais também se alimentam de figuras que se possam odiar sem grande esforço de pensamento.
Nesta equação da esquerda, o grande problema é François Fillon.
Fillon é um girondino clássico, antigo primeiro ministro e deputado apoiado pelos Republicanos (Les Républicains). Um homem que está longe de ideologias xenófobas, revisionismos históricos ou qualquer outro extremismo, um homem sério que veio para ganhar e está longe do perfil histriônico de Trump.
Para muita gente, de interesses dúbios, este homem, obviamente, tem que ser abatido. Como se abate um candidato? Nos EUA, com algum escândalo sexual de última hora e, no moderno manual de caça às bruxas, na Europa, através de escândalos financeiros que tomam sempre o título diabólico de “corrupção”. As acusações tomam a forma habitual deste tipo de circo: ter recebido 21 mil euros dos Fundos Públicos do Senado entre 2005 e 2007 (soma irrisória face ao que ganha um antigo primeiro ministro e qualquer quadro superior francês e outras acusações que, materialmente, não são relevantes).
A partir do “Escândalo Fillon” (Affaire Fillon), todos os noticiários abrem com o assunto, todos os jornais fazem dele a primeira página. Neste momento, na última conferência que Fillon deu foram colocadas 87 perguntas, das quais 83 foram sobre o “escândalo” financeiro. Estamos, portanto, perante um “assassinato político-midiático”, ou um “assassinato de reputação”.
Fillon reage e passa ao ataque: denuncia os “comunistas enrustidos”, denuncia as pseudo-agências de informação, etc. O tom do discurso muda e, na minha opinião, aparecem em Fillon um orador exímio e um pensador profundo. Liberto das malhas do diktat das campanhas, Fillon começa a voar livre e, apesar da máquina contra ele, os franceses percebem que estão perante um homem que não teme e não treme.
Obviamente que Fillon vai pagar um preço elevado por este processo, seja qual for o resultado. A tensão é tão grande que se cogita até mesmo a retirada da candidatura. Quem poderia substituir Fillon? A alternativa mais “pesada” seria Alain Juppé, o candidato que perdeu as primárias presidenciais da direita em 2016 para Fillon.
Nas eleições presidenciais francesas cada candidato deve ter um trunfo: o seu primeiro-ministro. Fillon, de alguma forma, não está bem acompanhado. Os chamados “pesos pesados” (poids lourd) não o veem acompanhando e não têm um bom “primeiro ministro” para apresentar.
Sem manobras de escândalos convenientes, Fillon pode obter o chamado “ingresso” (ticket) para o segundo turno e, se isso acontecer, tornaremos a falar no mais sério candidato da direita francesa, um homem na esteira dos velhos valores de respeitabilidade, honestidade, tolerância e liberalismo (num sentido próprio). Um homem que tem uma visão moderna sobre os novos desafios e que sabe que não pode recorrer a velhos conceitos, estratégias e instrumentos.
Voltarei a esta coluna para falar das candidaturas de Emmanuel Macron, Benoît Hamon e Jean-Luc Mélenchon. Todas elas com características politicamente muito interessantes, uma vez que, resolvem problemas político-ideológico modernos, sem mobilizar grandes conceitos de Teoria Política e dão respostas aos desafios econômicos sem grandes quadros de referências.
Sei que os leitores portugueses irão rir até às lágrimas, mas a grande referência da esquerda francesa é a coligação que governa Portugal.
Frank Wan vive em Portugal. É ensaísta, poeta, tradutor e professor.