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Joana, relapsa e santa: A infância e o coração do mundo

Pois entre a águia com sua cólera divina e o anjo do devaneio e do carinho pelo Outro, encontramo-nos com Bernanos, neste opúsculo, que de todo não desejo revelar, mas sim, desejar ardentemente que você o leia e comece a descobrir o “grande urso” [caption id="attachment_103391" align="aligncenter" width="620"] Imagem rara de Georges Bernanos
[/caption]  Sob o impacto da leitura de “Monsieur Ouine”, do francês Georges Bernanos, que neste caso teve que ser lido no original, pois este livro, infelizmente, ainda não tem uma tradução em português – disponho-me a comentar um pequeno livro do mesmo autor já traduzido pela editora É Realizações, em 2013. Trata-se de “Joana, Relapsa e Santa”, tradução de Pedro Sette-Câmara e apresentação de Jean Bastaire que se junta a vários outros dando uma boa visão da literatura do francês que morou no Brasil. Bernanos é um dos mais representativos católicos escritores (não gostava da designação “escritores católicos”, por achá-la reducionista) da França no século XX; viveu no Brasil por quase oito anos, de 1938-1945, tendo aqui escrito o maior de seus romances – “Monsieur Ouine”. Joana d´Arc é retratada neste livro, escrito por Bernanos para atender encomenda do periódico “Revue Hebdomadaire”, em 1929, data de celebração de cinco séculos da libertação de Orléans, em que Joana d'Arc teve decisivo papel na batalha e, ainda muito jovem, comandou um exército para expulsar os ingleses da França. Beatificada em 1909, Joana d'Arc foi canonizada em 1920, “feliz decisão da Igreja que, em meio milênio, como que realizou uma inversão completa de sua posição” (diz Jean Bastaire) – isto é, o pessoal da Igreja faz a revisão completa de uma pena capital contra uma filha da própria Igreja. Se a literatura dita católica (ou feita por católicos escritores) já teve seu período de grande brilho, foi na França, sobretudo em que este mostrou suas primeiras fagulhas brilhantes com escritos de gente como Léon Bloy, Charles Péguy, Paul Claudel, François Mauriac e Georges Bernanos. No Brasil, muitos dos amigos da temporada bernanosiana foram também membros da inteligência católica (cf. Antonio C. Villaça), entre os quais se contam Jorge de Lima, Alceu Amoroso Lima, Henrique J. Hargreaves, Virgílio de Melo Franco, Augusto Frederico Schmidt, Álvaro Lins, Geraldo França de Lima, Edgar da Mata-Machado e Paulus Gordan etc. Agora que temos a chance de ver reeditados vários livros do “Dostoievski francês”, título que a imprensa alemã dera a Bernanos depois do sucesso de crítica e público de seu “Soleil de Satan” entre os germânicos; agora, dizia, é hora de se fazer o bom uso da crítica para situar o público leitor para a grandeza da literatura do mais brasileiro dos franceses escritores. A figura histórica de Joana d'Arc está por demais estudada e a fortuna crítica do que lhe vale a memória histórica é por todos sabida. Não é sobejo, no entanto, dizer que ela era católica e que o livro de Bernanos (casado com uma descendente direta dos Talbert-d'Arc) nada tem de apologético nem dogmático, muito ao contrário. Este livro em destaque pode ser considerado uma monografia, publicada em 1934, e tem como meta examinar a santidade de Joana d´Arc, não a função clerical ou administrativa da Igreja. A igreja dos santos se opõe fortemente à igreja dos clérigos, por todas as razões de fato e pelas práticas do que Jacques Maritain já afirmara em “A Igreja de Cristo” (“A pessoa da Igreja e o seu Pessoal” ) – Bernanos é parte dos leigos-profetas. Suas palavras, seja nessa monografia, seja em “Monsieur Ouine” – necessitaram, como bom vinho de guarda, que os anos as mantivessem distantes da malícia da crítica para voltar exuberantes a encher-nos o cálice sagrado da leitura. Sabemos que no caso de Joana d´Arc “a Igreja pura e simplesmente condenou uma santa” (Bastaire), cabendo ao profeta Georges Bernanos recuperar-nos sua memória como a memória da infância, como o coração do mundo e o espírito da Igreja viva. O panfletário Bernanos é o cristão sem compromisso com hierarquias, o cristão Bernanos como o católico idealista que é, foi tomado pela Graça e o misticismo na linha traçada por Péguy e Bloy, na literatura francesa e mundial. [caption id="attachment_103395" align="alignleft" width="300"] Georges Bernanos. "Joana, Relapsa e Santa". (Tradução de Pedro Sette-Câmara). É Realizações, 2013.[/caption] Bernanos tinha um temperamento difícil – comprovam-no os próprios amigos próximos (como em “Bernanos no Brasil, 1968, org. Hubert Sarrazin), mas “pode-se estimar que, descontado o temperamento de Bernanos, ele se refere [ao desprezar direito canônico usado para condenar Joana] sobretudo a um certo poder intelectual, a um arrogante orgulho do saber que desavergonhadamente transforma a ciência sagrada num meio de coagir as consciências” (Bastaire). Bernanos, no entanto, tinha plena consciência de sua missão profética e de seu Cristianismo idealista. “Não é um apaixonado pelo isolamento como foram Kierkegaard ou Nietzsche. Como todo ser humano profundo, ele teve seus momentos de solidão, mas termina como Péguy aquele “cristão em sua paróquia”, exercendo seu dom profético (“serei compreendido daqui a 20 anos, disse ele a um amigo brasileiro, sobre Monsieur Ouine” – o que estaria bem aplicado também a esse livro sobre Joana d´Arc). Bernanos não fala a um auditório imaginário, mas nos olha com seus olhos profundos (“Seu olhar ! Seus extraordinários olhos, realmente transfigurados pela cólera ou pelo carinho! Quando discutiam, fuzilavam. Bruscamente se revestiam de uma doçura, de uma distância, de uma bondade, um amor velado, e uma infância espiritual, que nenhuma palavra consegue traduzir” – dizia Alceu Amoroso Lima). Pois entre a águia com sua cólera divina e o anjo do devaneio e do carinho pelo Outro, encontramo-nos com Bernanos, neste opúsculo, que de todo não desejo revelar, mas sim, desejar ardentemente que você o leia e comece a descobrir o “grande urso”, Le grand Georges que preferiu a “luta contra o anjo negro do Mal às querelas com os anjinhos de procissão” (Alceu) – fugia daquelas pessoas que frequentavam (e continuam frequentando) a hierarquia e os bastidores de nossas paróquias, daquele tempo até os dias de hoje, para os quais vale mais uma linha do direito canônico do que a vida de um pároco de aldeia ou de uma santa. Pouco se lhes dá que esta santa salve a Nação francesa, a despeito de suas (deles) crenças de catecismo sem ação. E a vós, infiéis, que desejam buscar no escritor católico apenas uma forma de melhor aliciar sua má consciência contra a missão eterna da Igreja, sinto muito decepcioná-los, mas não há em Bernanos nem apologética nem tampouco heresias. Se pretende se aproximar dos grandes olhos verdes do gigante Bernanos, dispa-se de suas descrenças do mundo, deixe o Mal por um momento enfrentar este gigante em lugar de sua fraca e tacanha arma adquirida gratuitamente num desses bancos universitários. Leia Bernanos, sem temor, leia-o. O cristão Bernanos, diz-nos o teólogo Hans-Urs von Balthasar, “mais do que qualquer outro grande escritor cristão dos tempos modernos é o cantor da Graça; e isso o faz num sentido tão pouco calvinista ou jansenista, que dessa forma, torna-se arauto da liberdade humana, da liberdade original e criadora do Homem. A chave dessa síntese está no coração mesmo de sua experiência religiosa que nós a encontramos lendo suas obras”. Conhecido mais por seus romances “Sob o sol de Satã” e “Diário de um Pároco de Aldeia”, Bernanos aqui se nos apresenta como o poeta de Deus, o apaixonado pela alma da humanidade, que reside na infância e repete altissonante: “Nossa igreja é a igreja dos santos; porque santidade é uma aventura, ela é aliás a única aventura. Quem entende isso uma vez entra no coração da fé católica e sente sua carne mortal estremecer com um terror que não é o da morte, com uma esperança sobre-humana. Nossa igreja é a igreja dos santos...” Sobre o Autor: Georges Bernanos (1888-1948), nascido em Paris, passou parte de sua vida como nômade, tendo residido sucessivamente em Fressin (Pas-de-Calais), Ilhas Baleares, Paraguai e Brasil (1938-45). Autor de mais de trinta livros, entre panfletos, dois volumes de correspondências, além de romances famosos e premiados, entre os quais destacam-se “Sob o Sol de Satã”, “Diário de um pároco de aldeia”, “A Alegria”, “Monsieur Ouine”, “Novas Histórias de Mouchette”, “Os grandes cemitérios sob a lua”, “A Impostura” – sete dos quais já traduzidos e relançados recentemente pela editora É Realizações, de São Paulo. TRECHOS DO LIVRO p.22 – Mas o coração do mundo sempre está batendo. A infância é esse coração. Não fosse o gentil escândalo da infância, a avareza e o ardil teriam, em um século ou dois, exaurido a terra. O pobre planeta, apesar de seus químicos e de seus engenheiros, não seria nada além de um osso esbranquiçado lançado através do espaço. Mas o espírito de velhice, que pacientemente conquista o mundo, perde-o toda vez oportunamente e depois recomeça para perdê-lo de novo, incansável, inexorável. Assim a aranha tece e retece sua filosofia cartesiana, na qual estremece, à aurora, uma bolha d´água. Quando o velho, com seu dedo levantado, solta um milhão de datilógrafos, e quando a paz do mundo vai sair desses autômatos, vemos entrar uma mocinha irônica e dócil, que não pertence a ninguém e que responde com voz doce aos teólogos políticos, com sentenças  e provérbios, à maneira dos pastores. Os cabochianos de Caboche-Cachin, os padres democratas da ilustre Universidade de Paris, que sonham com uma espécie de república universal, os altos prelados pacifistas deslumbrados com o valor do dólar e com o peso das excelentes moedas da Borgonha, a carmelita Eustáquio, que era a piada dos aldrabões comunistas da Corporação dos Açougueiros, os professores da Rua de Clos-Bruneau, os clérigos do capítulo de Rouen e aqueles do capítulo do Senhor Julien Benda, todos esses velhotes, muitos dos quais não passaram dos trinta, consideram com inveja essa pequena França tão nova, tão maliciosa, que morre de medo de ser queimada, e mais ainda de mentir. “Virem o rosto!”, diz ela. “Poupem-me!” Porque ela tem grande dificuldade em não rir quando aquele homem “grão-clérigo, pessoa mui prudente, mui benigna”, o monsenhor bispo devidamente certificado de Beauvais, quer convencê-la de que ela não ama o povo da Borgonha...” p.31 – “Ó, rosto sagrado! Ó, doce rosto de meu país, olhar sem medo! Eles viram tuas pobres bochechas afundadas pela febre, o suor se formando em tua pequena testa obstinada, o tremor da boca, quando no ar sufocante da sala de audiência, há tantos dias acuada, te recusaste subitamente a olhar, deste tua palavra e teu juramento, ó, fina flor da cavalaria! E por ter acreditado surpreender em perigo, por um momento, um só momento, a honra francesa, tua doce honra, mais frágil do que um lírio, eles nos deixaram de ti a insípida imagem de uma virgenzinha inofensiva, para fazer sonhar os seminários, um mingau açucarado. Eles a queimaram, ou meramente reprovaram no exame do catecismo da perseverança? Balofos! Fazíeis em torno da mártir uma blindagem de barrigas, de coxas grossas, de crânios polidos como marfim, mas ela até o fim ficou olhando, acima das vossas cabeças, um pequeno pedaço de céu livre, aquele céu de março, cruel, cheio de vento, propício para longas cavalgadas noturnas, para a emboscada, para belas proezas armadas...” p.43 – Afinal, sempre chega a hora dos santos. Nossa igreja é a igreja dos santos. Quem se aproxima dela com desconfiança, só julga enxergar portas fechadas, barreiras e guichês, uma espécie de quartel espiritual. Mas nossa igreja é a igreja dos santos. Para ser santo, que bispo não daria seu anel, sua mitra, sua cruz, que cardeal não daria sua púrpura, que pontífice não daria sua veste branca, seus camareiros, sua guarda suíça e todo o seu poder temporal? Quem não gostaria de ter a força de partir nessa admirável aventura? Porque a santidade é uma aventura. Quem entende isso uma vez entra no coração da fé católica e sente sua carne mortal estremecer com um terror que não é o da morte, com uma esperança sobre-humana. Nossa igreja é a igreja dos santos.

Raimundos abusa dos hits da carreira para superar shows de portugueses e ucranianos

Um dos maiores nomes do rock brasileiro, com 30 anos de carreira, emendou sucesso atrás de sucesso para fazer um show mais impactante do que bandas estrangeiras

“Death Note”: os limites da ação humana

Quem sabe o Destino não seja bem um livro com nossas vidas já escritas desde sempre, mas um redemoinho a nos puxar para o centro de nós mesmos: só se pode tornar-se quem se é [caption id="attachment_103108" align="aligncenter" width="620"] “Death Note”, série de mangá escrita por Tsugumi Ohba e ilustrada por Takeshi Obata[/caption] Segundo as reflexões místico-dionisíacas de Nietzsche em seu livro de estreia, A Origem da Tragédia, Édipo talvez tenha atraído a desgraça sobre si por ser sábio demais. A Esfinge que aterrorizava Tebas com enigmas era a personificação do mistério desta vida humana na Terra e quando o filho de Laio matou não só seu próprio pai mas também a charada nunca antes resolvida, vencendo o monstro divino, foi como se tivesse alcançado uma sabedoria e uma condição acima das naturais para um homem, afastando-se, assim, de sua humanidade individual, contingente, e rompendo o equilíbrio dos seres na Natureza. O trágico seria a resposta desta para aniquilar tal concentração de poder e restabelecer o fluxo original de forças entre humanos e deuses. Prometeu também rompeu esse equilíbrio ao roubar o fogo dos deuses e dá-lo aos homens, sendo então castigado por Zeus, que temia a ascensão dos mortais. Na tradição cristã, o que era o “fruto proibido”no Jardim do Éden? O sexo? Ora, não se trata de uma conclusão compatível com a ordem “sede fecundos e multiplicai-vos”(Gênesis, 9, 7). Uma análise mais atenta de Gênesis revela que o fruto pertencia à “árvore do conhecimento”. A serpente, ao tentar Eva, asseverou: “Deus sabe que, no dia em que dele comerdes, vossos olhos se abrirão, e serei como deuses, conhecedores do bem e do mal”. Ouvindo isso, a mulher notou que o fruto era “bom para comer, agradável aos olhos”e, principalmente, apropriado para “abrir a inteligência”, “dar entendimento”. Sejam os gregos pré-socráticos na Tragédia ou os cristãos com o Pecado Original e a Queda, diferentes culturas curiosamente desenvolveram um mesmo sentimento, o de que existe algo de abissal, demoníaco e perigoso no poder, no conhecimento e, em decorrência dos dois, no ato de julgar o que é o bem e o que é o mal, como se tais fenômenos não pertencessem naturalmente a nós e fossem centelhas usurpadas dos deuses, similarmente a Light usando o caderno Shinigami. O garoto, após escrever as primeiras sentenças, entrou em conflito interno e questionou se tinha o direito de impor julgamento aos outros, tirando-lhes a vida. Apesar da tentação de continuar, alguma coisa já dizia a Yagami que aquele poder não seria suportável por um ser humano. Sintomático é o plano de se tornar o “Deus do novo mundo”, expressão através da qual o estudante deixa transparecer a sua consciência do caráter sobre-humano e divino inerente à empreitada com o Death Note. Para julgar as pessoas, não poderia continuar sendo um simples homem. Afinal, com que autoridade qualquer um de nós decidiria, sozinho, sobre a vida e a morte dos nossos semelhantes? Era necessário transformar-se, ultrapassar a humanidade individualmente herdada, triunfar onde falharam Édipo, Adão e Eva. Esse é o sentido de Yagami Raito deixar-se chamar massivamente pelo nome Kira (variante japonesa para a palavra inglesa killer), referência não à sua identidade humana, mas à divina que quer alcançar como um fruto no alto da árvore. Não por acaso, o mangá e o anime são recheados de simbologias com maçãs, a comida preferida do Shinigami Ryuk, dado que decidir sobre vida e morte fazia parte de sua natureza transcendental. Light, ao contrário, se quisesse ficar com as “mãos vermelhas” (expressão contida no episódio 10 do anime, “Dúvida”; e no 3º volume do mangá), tanto de sangue quanto do fruto proibido, precisaria terminar a travessia até a inumana persona Kira. Seria possível? Aqui nos lembramos do Übermensch (além-do-homem) nietzschiano e, especialmente, do empreendimento criminoso de Raskólnikov, um pobre estudante russo que, inspirado em Napoleão, concebeu esta divisão fundamental para a raça humana: abaixo, a massa de pessoas ordinárias; acima, as extraordinárias. A chave psicológica da obra Crime e Castigo é o arrependimento progressivo do pretensioso Ródia aos poucos sufocando-o, mas não no campo consciente, e sim em seu coração. Mesmo após se entregar, cumprindo pena na Sibéria, o assassino jamais se retrata quanto à teoria moral “napoleônica”. Sem saber por quê, ele só não suportou conviver com o que fez. É de se supor que Raskólnikov percebeu-se como um homem ordinário, no fim das contas. Nesse ponto, Dostoiévski acompanha as tradições trágica e cristã, subentendendo que, independentemente da sofisticação dos nossos raciocínios ou ao quão alto aspiremos, a ação humana possui limites naturais e quem os ultrapassa atrai para si uma reação contrária, tanto interna quanto externa, de reequilíbrio. Existindo forças divinas, é fácil imaginá-las reagindo contra os que ameacem a ordem geral de Deus para os seres. Mas e se a configuração das coisas no Universo for aleatória, alheia a uma Vontade Superior? Ainda assim, trata-se do resultado de bilhões de anos. Afinal, o mundo presente é a história inteira do mundo, e talvez os seres estejam dispostos no balanço possível dadas as contingências deste desenvolvimento espontâneo. Por que um jabuti é um jabuti? Por que tem casco, patas e não outro formato? Alguém o quis assim? Não sabemos. Sabemos, contudo, que, se estiver em cima de uma árvore, vai cair. E não porque um Deus quer que caia, mas simplesmente porque, sendo o que é, não reúne as condições para permanecer naquela posição. Do mesmo modo, sendo Light humano, como reuniria as condições para perpetuar-se na posição de um deus? Diferentemente do estudante russo, o japonês torna-se empedernido e, para conseguir calar a voz interior, justifica os assassinatos com o “bem maior” de um idealizado mundo sem crime, o que não evita, entretanto, o rápido aparecimento desta força reativa externa, igualmente poderosa, a lhe antagonizar: L, o maior detetive do planeta, mente de habilidades dedutivas e indutivas tão agudas que beiram o sobrenatural. O mau agouro de Ryuk aqui começa a tomar forma. Quem sabe o Destino não seja bem um livro com nossas vidas já escritas desde sempre, mas um redemoinho a nos puxar para o centro de nós mesmos: só se pode tornar-se quem se é. (continua)

Odair José, Cólera e Pato Fu atraem fãs de diferentes gerações ao Noise

Do hino Pela Paz, cantado aos berros no meio da roda punk, público também vibrou com o sucesso brega Eu Vou Tirar Você Desse Lugar e o pop rock mineiro

“Nosso propósito foi mostrar o ‘caos criativo’ de Fausto Valle”

Edival Lourenço e João Bosco de Carvalho Freire falam da organização do livro de memórias do escritor mineiro, radicado em Goiás, autor de “A Fonte do Sal”  [caption id="attachment_102984" align="aligncenter" width="620"] Edival Lourenço e João Bosco de Carvalho Freire falam do escritor Fausto Valle, amigo de ambos, falecido em 2010 | Foto: Fernando Leite
[/caption] “Policio-me muito. O julgamento de meu trabalho não me cabe. Interessa-me somente o prazer de lidar com as palavras, tão honestamente quanto possa”. Esta frase de Fausto Valle, escritor falecido em 2010, sintetiza sua postura criteriosa e responsável de escritor maduro. A frase foi retirada de seu livro de memórias, organizado e editado pelos escritores e amigos de Fausto, Edival Lourenço e João Bosco de Carvalho Freire, sob o título de “No Meio de Tanto Graveto”. Em entrevista ao Opção Cultural, ambos escritores falaram da relação com Fausto e da feitura do volume, que será lançado dia 22, terça-feira, às 19 horas, na sede da União Brasileira dos Escritores, Seção Goiás (UBE-GO), em Goiânia.   Fausto Valle pediu, pessoalmente, a você, Edival, que cuidasse dessa massa de arquivos inéditos. Como isso se deu? Além deste volume de memórias, há outros que serão publicados? Edival Lourenço — Bom, nós tínhamos um contato muito próximo. Conversávamos praticamente todos os dias, fosse por e-mail ou por telefone. E o assunto era quase sempre literatura. Quando ele ficou doente, e sentiu que o fim estava próximo, mandou que me chamassem no hospital onde ele estava. Quando cheguei ao hospital, ele me disse, de uma forma bem alegre e não pesarosa: “Olha, estou sentindo que dessa eu não passo”. Talvez por ter sido médico, ele tivesse consciência mais aguda dos problemas que estava enfrentando (complicações de um enfisema pulmonar e o câncer). Então, ele continuou: “Eu queria te fazer um pedido: estou deixando um material. Nos arquivos, há diários, contos, poemas e correspondências. Os contos e poemas eu quero que você os reúna em um só volume com o título de “Fundo de Bateia”. Este título é o último ‘ouro’ que eu consegui capturar na minha luta com a palavra. As minhas memórias não têm título. Depois você pensa em algum. Quanto às minhas correspondências, você vê se vale a pena publicar. Mas eu queria que você não deixasse esse material sem publicação.” Eu ainda cheguei a brincar com ele na ocasião, dizendo: “Rapaz, você vai sair dessa, não diga isso. Você mesmo vai cuidar de concluir a sua obra.” Ele insistiu: “Não. Eu sei o que está acontecendo comigo e estou lhe pedindo para que faça isso.” Então, eu prometi a ele que, caso ele não conseguisse sobreviver, eu cuidaria, sim, de editar a sua obra. João Bosco, conte como era a sua amizade com o Fausto. Como foi a convivência de vocês? João Bosco de Carvalho Freire — Bom, eu fui amigo do Fausto por 37 anos. Em alguns momentos estivemos mais próximos, em outros, um pouco menos. Mas sempre nos comunicamos. Nos últimos sete anos de vida dele, o contato ficou bem intenso. Ele, inclusive, começou a me incentivar fortemente a voltar a escrever. Eu havia escrito uma ou outra coisa quando pequeno. Mas, desde então, não escrevi mais. Ele, então, se dispôs a me ensinar, de fato, como era o trabalho literário. Me telefonava quase todos os dias, mandava e-mails – eu tenho quase mil e-mails trocados ele. Eu mandava um conto meu para ele, e ele devolvia com reformulações etc. Ele também passou a me indicar os melhores autores de literatura moderna, entre outros. Mas ele gostava de sair para cafés, para lugares interessantes e bonitos. Gostava de conversar sobre vários assuntos. Em meados de 2006, ele me mandou um e-mail com o arquivo dos inéditos dele. Um arquivo muito grande. Eu lembro que, à época, eu imprimi tudo em corpo 8. (risos). Depois, eu passei na porta da casa dele com todo esse material dentro de uma sacola. Ele me viu e perguntou o que era aquilo que eu levava. Eu respondi que era o arquivo de inéditos que ele havia me passado. Ele ficou muito feliz e pediu para que eu guardasse bem tudo aquilo. Como foi, para vocês, a experiência de editar este livro? Porque o que o Fausto pensava está posto no volume, mas a organização deve ter sido muito difícil. Vocês, naturalmente, tiveram que dar uma uniformidade ao material. Edival Lourenço — O material chegou para mim em formato eletrônico, em um pendrive, e em alguns grossos volumes de papel. E não apenas isso, o Fausto também escrevia em papeis de cigarro, papel de embrulho de pão, guardanapo etc. Então, isso me deixou louco. (risos). Eu fiquei um pouco desesperado, pois não sabia como e por onde começar a organizar esse material. Tanto é que o primeiro volume só está saindo agora, após sete anos da morte dele. Diante dessa situação, marquei um encontro com o João Bosco e o primo dele, Ênio Magalhães Freire, que também foi amigo do Fausto e conviveu muito com ele, nos anos finais. Expus aos dois as dificuldades de organização do material. Eles, então, se dispuseram a me ajudar. O Ênio – acho que por ter formação em Física – é alguém que tem um senso de organização extraordinário. Com a ajuda do Ênio, nós conseguimos estabelecer um critério de organização a partir daquilo que o Fausto havia registrado com data. Porque, se começássemos a organização tomando como critério as ideias e reflexões desenvolvidas, seria bem mais complicado. Portanto, ficou decidido que seria a partir das datas. Se o leitor quisesse, por sua própria conta, ler o material de outra forma, ficaria ao seu critério; do mesmo modo que como ocorre com leitor de “O Jogo da Amarelinha”, do Júlio Cortázar. (risos). Havia também o problema de que, se organizássemos tomando como critério as ideias do Fausto, talvez tivéssemos que cortar algo e mutilar o conjunto. Assim, correríamos o risco de dar uma “unidade” falsa e forçada às memórias. Além disso, nosso propósito não era dar ao leitor uma formatação sistematizada das memórias do Fausto, mas mostrar o “caos criativo” dele. A escolha do título “No Meio de Tanto Graveto” tem a ver com essa questão de “mostrar o caos criativo” do Fausto? Edival Lourenço — Sim. Eu queria dar um título às memórias que viesse do próprio texto do Fausto. Ao ler todo material, percebi que a frase que resumia não apenas as memórias, mas toda a produção do Fausto, era a seguinte: “No meio de tanto graveto, haverá uma ou outra coisa boa.” A imagem dos gravetos me remeteu aos ninhos das aves pernaltas. Aquele tipo de ninho que parece não ter a menor chance de dar certo. Como, por exemplo, o ninho da cegonha. A cegonha faz seu ninho em cima de algum lugar muito alto; geralmente, nas copas das árvores. O vento balança esse ninho para todos os lados, e ele permanece intacto. A cegonha consegue colocar os ovos e cuidar dos filhotes ali, no meio daqueles gravetos. Então, essa metáfora dos gravetos, escrita pelo próprio Fausto, veio a calhar como título. “No meio de tanto graveto” é onde nascem as novas ideias. Uma característica do Fausto que é muito evidente na escrita dessas memórias é o bom humor. Ele era muito bem humorado? Edival Lourenço — Sim, muito. Nós até tivemos que cortar algumas passagens em que apareciam risadas na forma de “heheheheheheh”. Mas muitas ainda ficaram. Aparecem no livro. Edival Lourenço — Sim, mas haviam muitas outras. Muito mais do que estas que deixamos. (risos). João Bosco de Carvalho Freire — Ele gostava de colocar isso como observação de algo que ele achava realmente muito engraçado. Outra característica interessante do Fausto é que ele sabia do talento que tinha, mas também sabia que precisava trabalhá-lo mais, estudar para se aperfeiçoar como escritor. E ele sempre retrabalhava o material que já tinha publicado, mesmo de livros com os quais ele já tinha ganhado prêmios literários. Ele era muito autocrítico? Edival Lourenço — É verdade. Ele era bastante autocrítico. E, pra dizer a verdade, eu acho que o sujeito que pensa que tem um talento pronto e acabado talvez ele próprio seja um equívoco. Uma das qualidades que fazem com que a pessoa aperfeiçoe o seu talento é sempre desconfiar do próprio talento que tem. O Fausto era assim. O escritor argentino Jorge Luis Borges dizia que nós publicamos um livro para nos livrarmos dele. Porque senão vamos escrevendo, escrevendo e não terminamos nunca. O Fausto, se deixasse, reescrevia tudo. A "auto-desconfiança" era uma das suas características. [caption id="attachment_102989" align="alignleft" width="300"] Capa do livro "No Meio de Tanto Graveto", que reúne as memórias de Fausto Valle | Foto: Fernando Leite
[/caption] O Fausto também diz que, nestas memórias, que julgava que os seus poemas fossem melhores que os seus contos. Ele era realmente mais poeta que contista? Edival Lourenço — Particularmente, eu gosto mais dos contos. Talvez por conta do excesso de desconfiança do próprio talento, os poemas do Fausto são um pouco contidos. Os poemas perdiam um pouco da espontaneidade pelo excesso de zelo.  Já os contos são muito bons. Têm uma linguagem fluida, uma boa amarração, além daquelas tensões internas que os contos devem ter. Ele não tinha a intenção de abarcar uma ideia inteira. Ele fazia o conto como o conto deve ser, isto é: mostrava escondendo.  A produção poética que o Fausto desenvolveu no período da juventude se perdeu? Edival Lourenço — Ele dizia que havia perdido. Mas acho que ele tinha vergonha de mostrar. Mas, no período de maturidade, ele teve mais prudência em compor sua obra. Começou a estudar crítica de prosa e poesia. Leu o livro do Gilberto Mendonça Teles, “Vanguarda Européia e Modernismo Brasileiro”. Leu os principais poetas modernos, Mallarmé, Baudelaire etc. O primeiro livro de poesia dele fui publicado em 1988? Edival Lourenço — Foi. Sob o título de “A Fonte do Sal”. Edival, é notória a incursão de Fausto Valle nos gêneros do conto, da poesia, da memorialística e do teatro (inclusive com peças escritas para teatro de mamulengo). Ele chegou a se aventurar pelo gênero do romance? Edival Lourenço — Não.  Cerca de quinze anos antes do falecimento, ele chegou a manifestar a vontade de escrever um romance. Mas, até onde eu sei, não levou adiante nenhum projeto nesse sentido. O tempo foi passando e ele foi se dando por satisfeito em escrever, principalmente, poemas e contos. Ele era um grande poeta e acho que foi também um ótimo contista. Seus contos são bem estruturados e não são pretensiosos. São histórias bem feitas e surpreendentes. Vocês poderiam falar do interesse do Fausto pela poesia oriental e pelo misticismo? Edival Lourenço — O fausto tinha uma certa precaução em falar do misticismo dele comigo. Sabendo da minha orientação ateísta, materialista – aliás, eu nem sei se, até certo ponto, esta é mesmo a minha orientação –, ele evitava tocar nesse assunto. Mas as tradições místicas tiveram muita influência sobre a obra (principalmente sobre a poesia) dele. Inclusive, ele pertencia à Loja Rosacruz. O João Bosco, que também é da Rosacruz, acompanhava o Fausto e pode falar melhor disso. João Bosco Carvalho Freire — A Loja que frequentávamos é aquela que fica na Vila Brasília (bairro da cidade de Aparecida de Goiânia, região metropolitana da capital).  É importante ressaltar que o Harvey Spencer Lewis (1883 – 1939), que fundou a primeira Loja Rosacruz nos Estados Unidos, absorveu e adaptou todas as tradições místicas, ocidentais e orientais, antigas e modernas. E, de certa forma, todo conhecimento esotérico que não é Rosacruz acaba indo parar nela. Ela é bem abrangente. Então, o tipo de busca que fazemos na Rosacruz é visionário. É uma busca por conhecer Deus nas profundezas de seu ser, de conhecer as maravilhas de Deus. E essas ordens não são secretas. Nem a maçonaria nem a Rosacruz – eu faço parte das duas. Elas são ordens privadas. Organizações secretas são proibidas por lei, inclusive. Edival Lourenço — Parte desse misticismo se refletiu nos momentos finais da vida do Fausto. Pouco antes de morrer, ele dizia acreditar que uma nova estação, um novo tempo estava se aproximando. Não sei se ele se referia a uma nova era tecnológica, ou um novo tempo de singularidade física. Mas, para ele, algo novo estava vindo. Ele acha que as pessoas já estavam começando a nascer com habilidades novas que ele, quando criança, não poderia nunca ter tido. [caption id="attachment_102988" align="aligncenter" width="620"] Editor do Opção Cultural, Cláudio Ribeiro, e o editor-chefe do Jornal Opção, Euler Belém, entrevistam Edival Lourenço e João Bosco de Carvalho Freire | Foto: Fernando Leite
[/caption] Vale ressaltar que a tradição poética sempre flertou com o misticismo. Dois casos emblemáticos podem ser citados: Fernando Pessoa e William Blake. João Bosco Carvalho Freire — Inclusive, o Fernando Pessoa foi Rosacruz. João Guimarães Rosa, também. No livro de poesias, “Magma” (1936), Guimarães Rosa faz referência aos “magos da Rosacruz”. Edival Lourenço — Em “Grande Sertão: Veredas”, também, há referências esotéricas, como ao tarô; personagens que são descritas cada uma correspondendo a uma carta do tarô etc. O Fausto foi, ao que parece, um grande crítico dos poetas de experimentalismo gráfico, apesar de não citar, explicitamente, os nomes dos irmãos Campos (Augusto e Haroldo) e de Décio Pignatari. Edival Lourenço — Ele defendia que a poesia não podia prescindir da palavra. Para o Fausto, a matéria prima da poesia era a palavra, a palavra é que precisava ser trabalhada. Experimentalismo visual, para ele, tinha que ficar restrito às artes plásticas e gráficas. Mas vale ressaltar que, apesar disso, o Fausto era muito ligado às modernas tecnologias. Ele foi a primeira pessoa a me apresentar um grupo de discussões de temas literários na internet, por meio do programa ICQ. Em um trecho do livro, o Fausto diz que, quando pensava em não mais escrever poemas, eles começaram a se remexer dentro dele. Edival, você que também é poeta, entende da mesma forma? Edival Lourenço — Sim. O poeta Ferreira Gullar dizia algo que sintetizava isso. Dizia ele que, para se escrever poesia, é preciso que o sujeito tenha um certo enlevo, um certo encantamento, um “espanto”, um estado de espírito. Para se fazer outro tipo de texto, basta que o sujeito tenha, conhecimento, habilidade e atitude. Mas com poesia é diferente; é necessário algo mais. E como o Fausto como pode ser classificado como poeta? Em qual corrente ele estaria vinculado? Está mais ligado ao Carlos Drummond de Andrade e ao Manuel Bandeira? Edival Lourenço — Talvez ele esteja mais na linha do Manuel Bandeira, só que mais contido. E ele tinha algum poeta ou escritor favorito? Edival Lourenço — Não. Eu não lembro de ele expressar abertamente uma preferência. Mas lembro de que o poeta americano Dylan Thomas era muito apreciado por ele. Mas não chegava a dizer que era “o melhor poeta”, para ele. João Bosco de Carvalho Freire — Uma pergunta inócua com ele era essa. Ele não dizia nunca quem era o melhor escritor ou o melhor poeta. De todos, ele buscava absorver alguma coisa. Mas, verdade seja dita, ele dizia que admirava muito o que o Edival Lourenço escrevia. Tinha no Edival um exemplo de grande escritor. Como era o Fausto leitor? Era muito crítico? Edival Lourenço — Ah, ele era muito crítico, sim. Na verdade, era muito exigente. Por várias vezes eu o ouvi comentar que havia muita gente que achava que fazer poesia consistia apenas em colocar uma palavrinha debaixo da outra, fazer uma rimazinha aqui, uma aliteração ali e pronto. Ele via muita gente começar na vida literária fazendo poesia, achando que poesia fosse mais fácil. Quando, para ele, era exatamente o contrário. A poesia, entre as artes da palavra, é a mais difícil. Outra coisa de que o Fausto reclama muito em suas memórias é dos concursos literários. Por que ele fazia essa crítica tão acirrada aos concursos? Edival Lourenço — O que acontece é o seguinte: os concursos são dados a premiar textos “engraçadinhos”, textos “modernosos”. O Fausto tinha um texto que não era assim. E, além disso, na minha opinião, grande parte dos concursos tem por feitio premiar escritores imaturos. Quando o escritor maduro perde o estímulo de querer inventar essas coisas mais modernas, mais “engraçadinhas”, naturalmente, ele também perde a possibilidade de ganhar concursos. Inclusive, eu acredito que, quando o sujeito percebe que chegou a um ponto em que deposita um pouco mais de confiança em seu texto, ele deve parar de concorrer nesses concursos que são destinados a iniciantes. Nós temos aqui em Goiás exemplos de contistas e poetas que passam a vida inteira ganhando concursos. E esse negócio de ficar sempre ganhando concursos indica que o texto deles ainda não está maduro; continua aquele tipo de texto “engraçadinho”. ***   Trechos do livro “No Meio de Tanto Graveto”: “Por que todo gênio há de sofrer? Porque não se ajusta à mediocridade que domina o mundo. Lembro-me de José Ingenieros que escreveu ‘El hombre mediocre’, fazendo sua apologia. O homem medíocre ‘vence’ na vida. Atenção mediocridade não tem nada a ver com falta de inteligência. Já vi muitos inteligentes medíocres. (Será que há medíocres muito inteligentes?). (Risos)” “Estive relendo meus contos. Definitivamente, a minha roça não é de contos. Não gostei. Não publicarei livro de contos. Se quiser, um dia, publicar contos, devo apurar a minha linguagem na prosa.” “Tenho pensado se a ojeriza por meus contos não advém da grande autocrítica de que me armo, quando leio o que escrevo. De qualquer modo, autocrítica ou não, esse sentimento é útil, porque não me deixa pensar que os meus escritos são a melhor coisa que já se fez.”  “Por oportuno, situo-me. Não me acho um grande poeta. Mas, por outro lado, levo muito a sério o ato de escrever poesia. Policio-me muito. O julgamento de meu trabalho não me cabe. Interessa-me somente o prazer de lidar com as palavras, tão honestamente quanto possa. Burilo meus versos à exaustão. (...) Não passo na prova com 10, mas consigo aprovação sem envergonhar o examinador (leitor).” “Há alguns dias, refiz um poema cinco vezes. Até que o deixei em uma forma definitiva (?), com 80% de versos a menos do que a primeira versão. Porém, do meu ponto de vista, muito mais significativo e ‘forte’. Mas é opinião minha. Ninguém mais leu o poema.” “As comissões julgadoras, com medo de serem tidas como retrógradas ou passadistas, ou isto e aquilo, vão na onda e fingem que entendem ginásticas semânticas de uns quantos e premiam o ‘gênio’”.

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Primeira noite do festival de música independente deixou o roqueiro fã da metamorfose ambulante mais do que feliz ao homenagear um dos ícones do rock brasileiro

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A livraria de Sylvia Beach tornou-se célebre, mas a de Adrienne Monnier, por alguma razão, ainda é pouco conhecida no Brasil. Vale lembrar que as duas tiveram um relacionamento amoroso e nunca foram rivais

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Considerações sobre um estudo de Albertina Bertha e sobre o legado de Friedrich Nietzsche*

Não gosto de Nietzsche; tenho por ele ojeriza pessoal. Acuso-o, a ele e ao Esporte, como causadores do flagelo que vem sendo a guerra de 1914

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Única apresentação será no dia 7 de outubro no Centro Cultural Oscar Niemeyer 

“Fábula indigesta”

Por mais lúdica e simples que seja, a história de “Okja” nos mostra a cruel verdade que está aí para todos verem, mas à qual muitos viram a cabeça [caption id="attachment_102498" align="alignleft" width="620"] Cena do filme "Okja" (2017)[/caption] O novo filme do diretor sul-coreano Bong Joon-ho, "Okja", começou a gerar alardes antes mesmo de estrear. E as polêmicas que carrega têm a ver, basicamente, com uma expressão, utilizada em dois contextos diferentes: "distribuição em massa". A primeira questão surgiu no Festival de Cannes desse ano, no qual a obra concorria à Palma de Ouro. "Okja" é uma produção da rede de streaming Netflix, uma plataforma virtual que distribui suas produções de forma direta. Até o ano passado, era impossível encontrar uma produção original Netflix num cinema perto de você. Os críticos em geral e, posteriormente, a própria organização do evento passaram a questionar se um filme que não tem distribuição regular estaria apto a concorrer. Afinal, como premiar uma obra que não foi exibida em nenhum cinema?   Dessa vez, passou batido. Quando a logo da Netflix apareceu, pela primeira vez na história, na tela de exibição do Grande Teatro Lumière do Palácio de Festivais, a plateia vaiou. Mas o filme de Bong Joon-ho foi exibido mesmo assim, e aplaudido ao final. Concorreu, mas não levou nada. De todo modo, levantar essa questão quanto à forma de distribuição de uma obra audiovisual serviu para questionar a própria essência dos filmes e a sua função social. Afinal, se uma obra não é amplamente distribuída e de acesso fácil a qualquer pessoa do mundo, qual a sua serventia? Para quê produzir, se não se vai exibir? A quem é conveniente elitizar o acesso à produção cinematográfica? Enfim, acertados ou não, questionamentos pipocaram para todos os lados. Esse tipo de polêmica não estava nos planos do diretor Joon-ho. Mas, sem dúvida nenhuma, foi um excelente marketing para outro tipo de questionamento - esse sim, pensado cuidadosamente por ele na trama do filme. A segunda polêmica envolvendo "distribuição em massa". "Okja" é o nome de um superporco. "Superporco" é um animal geneticamente modificado, com a forma aproximada de um hipopótamo. Sua carne é comestível, mas com sabor ainda desconhecido (um dos personagens brinca, a certo ponto: "vamos torcer para que seja gostoso".) E é a principal esperança de grana fácil para a "Mirando Corporation", uma espécie de Friboi mundial. O filme começa com uma propaganda didática da Mirando, na qual a CEO Nancy Mirando (interpretada pela sempre competente Tilda Swinton) explica para seus investidores, jornalistas e a nós, espectadores, a premissa básica do produto - e do filme. O mundo passa por uma crise na produção de alimentos. O futuro é incerto. Com base nisso, a espécie humana precisa se virar para continuar sobrevivendo. A esperança surge quando a Mirando, uma empresa ambientalmente comprometida (ra-ram) encontra por acaso (ra-raaaam) uma espécie nova na natureza: os superporcos. Nancy então assume seu lado Silvio Santos e esclarece que a Mirando conseguiu reproduzir em cativeiro a nova espécie, resultando em 26 novos filhotes. Tais espécimes foram distribuídas a fazendeiros ambientalmente comprometidos do mundo inteiro. A partir daí, como uma espécie de Presidente Alma Coin, de Jogos Vorazes, Nancy declara aberta a competição na busca do melhor superporco do mundo. O resultado seria conhecido depois de 10 anos. "Okja" é o nome que recebeu o superporco distribuído à Coreia do Sul, ao pai de Mija (interpretada pela ótima Ahn Seo-Hyun). Dez anos depois, quando a Mirando retorna para buscar o animal, Mija e Okja não querem mais desgrudar uma da outra. E a garota vai ter que lutar para não se separar da sua melhor amiga. A estória é contada em forma de fábula. O que pode, num primeiro instante, desagradar aos que buscam um filme mais sério, de questionamento social profundo. Mas não se apresse: Okja não é um filme para crianças. Tudo bem que o roteiro, no geral, lembre um típico filme da Sessão da Tarde, com saídas meio óbvias de roteiro e um ritmo bastante previsível. A jornada do herói, descrita por Joseph Campbell em "O herói de mil faces", está ali o tempo todo, cumprindo requisitos básicos que Syd Field impõe em seu manual de roteiro. Temos a protagonista destemida, a vilã caricata (só faltou ter um bordão), os camaleões, os pícaros, mentores. Jake Gyllenhaal surge num exagerado papel secundário, Steve Yeun parece reprisar seu papel de Glenn em "The Walking Dead", Paul Dano aparece sóbrio, consistente, interpretando o que pediram para ele interpretar. Giancarlo Esposito tira os óculos, mas ainda não teve oportunidade de mostrar mais do que o já conhecido Gus Fring, de "Breaking Bad". Está tudo lá, mais ou menos repetido. A ponto de antevermos o que vai acontecer no final. O formato de fábula, entretanto, adiciona um elemento interessante. Remonta aos filmes de Hayao Miyazaki e outros mestres da animação japonesa. Não por acaso, "Okja" lembra bastante Totoro, o mascote dos Estúdios Ghibli e símbolo da obra de Miyazaki (Tilda Swinton e Bong são fãs confessos). A trupe que acompanha Mija em sua jornada também lembra bastante equipes como a de Cowboy Bebop, Gantz, Yu Yu Hakusho, ou até mesmo a atuação desastrada da "Rocket Team" de Pokémon. Esse clima de anime permeia toda a obra, em momentos de tensão e de reflexão. E reveste o questionamento mais profundo da obra: o sistema de produção e distribuição de alimentos no mundo. Não à toa, Otto Von Bismarck teria dito que ninguém dormiria à noite se soubesse como são feitas as leis e as salsichas. O diretor Bong declarou que escolheu um porco como animal protagonista da trama porque achou que seria o mais comumente associado a comida. Pessoas comuns vêem bichinhos apenas de duas formas: estimação ou alimentação. E o porco seria o campeão em alimentação, com todo o seu bacon, pernil, presunto, salsichas, linguiças e tudo mais. Toda a saga de Mija por tentar salvar sua doce Okja da eliminação redunda na negação completa do cruel sistema de produção. E da impotência em enfrentá-lo. O sistema é triste, é indigno, frio, cruel. E necessário, ao mesmo tempo. A luta contra ele deve ser racional, equilibrada. A crítica bem-humorada à militância radical e desequilibrada, inclusive, é mostrada em vários trechos. Mas a realidade é pesada. Por mais lúdica e simples que seja a história, nos mostra a cruel verdade que está aí para todos verem, mas à qual muitos viram a cabeça. Os campos de produção agropecuários talvez sejam o mais próximo de campos de concentração que jamais conheceremos - as referências também são claras na tela. O próprio Bong Joon-ho virou pescetariano (alimenta-se só de vegetais e peixes) após a conclusão da obra. Não há final feliz. Não há como passar incólume por todos esses tipos de questionamento. E ainda que a saída oferecida pelo roteiro pareça ser a melhor para todo mundo, os próprios personagens não parecem aceitá-la muito bem. O que sobra é um melancólico sorriso de Mona Lisa. Uma pequena dica: não perca a cena pós-créditos. O recado que fica é que a militância não está morta, a luta não pode acabar. Pensemos, todos nós, no tipo de alimento que queremos em nossas mesas, e na forma como ele chega lá. Equilíbrio e racionalidade são a chave de tudo. Assista ao trailer oficial de "Okja": https://www.youtube.com/watch?v=rMQ-sruQ8aA    

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