Opção cultural

Encontramos 4873 resultados
Bradbury tempera a ficção científica com investigações sobre os conflitos interiores de seus personagens

O confronto dos personagens contra os poderes malignos foge ao mero embate entre o bem e o mal, entre os poderes da lealdade e do amor ante a autêntica substância do pesadelo

Livro infantil de Adélia Prado mostra como as memórias revelam quem somos

O livro é capaz de fazer muitos adultos suspirarem, relembrarem e se reconectarem com o passado. Se assim for, o que dirá das crianças que o descobrirem?

Livro de César Aira é uma visão histórica da conquista dos pampas e extermínio dos povos originários

“Todos estavam na mesma linha, debaixo do horizonte. Algo assim como uma galeria de personagens, destinadas a se apagar do mundo com um toque esvoaçante”

Vida e morte: “Cuidar Até o Fim”, livro da médica Ana Claudia Quintana Arantes, é uma lição de amor

Médica especializada em cuidados paliativos ensina que é possível trazer paz para quem está à beira da morte e assinala que é preciso falar sobre o assunto

Crônica
Um filho te obriga a ir mais devagar

29 de novembro, primeiro dia de férias da escola. Acabouuuuu, grita o Galvão. A mãe tá feliz porque não precisa mais ficar dirigindo e fazendo lanche, e acordando às 5h. Aháaaa, quem disse? Pois a bonita da rotina com um bebê em casa ela dá um tapa na cara da gente. O menino Matheus, no auge dos 6 meses, acordou às 5h como de costume. Naquela hora que a casa inteira levanta e ele brinca com a irmã, vai no colo do pai, espera a casa acalmar de novo. Eu não estava sequer conseguindo manter meus olhos abertos, mas ele estava lá, sorrindo, pulando em cima da gente na cama do papai e da mamãe.

Na primeira reunião do dia, às 9h, eu já tinha trabalhado como uma adulta, arrumado a comida da gata (a pet mesmo, que também mia às 5h pra pedir a comida dela), feito o lanche da Cecília, meu café, coloquei roupa na máquina e tirei o lixo, um monte de fralda de cocô que não deu tempo de tirar ontem. E para conseguir me reunir, Cecília cuidou do Matheus e foi quando eu terminei a reunião que tirei essa foto pensando: Deus, como eu sou sortuda. Porque ser mãe é gritar no meio da tarde e sentir culpa quando eles dormem. É gratidão atrás de eita.

Cecília tem 9 anos e eu já conseguia andar mais depressa. Limpar a casa mais depressa, comer, me arrumar, tomar um banho demorado. Aos 9 anos um filho não te impede mais de fazer coisas de rotina. Quando eu tinha muito trabalho eu pedia para ela esperar um pouco, pegar a comida na geladeira, tomar banho… Eu tinha me esquecido de como um bebê muda tudo. Meu Deus, acho que a gente esquece a introdução alimentar para não desistir de outro filho. É caótico.

Enquanto eu escrevia essa crônica, eu olhava pro macarrão que tá no chão. O que caiu hoje e o que caiu ontem e não deu tempo de limpar. Limpar a comida no chão ou dar banho na criança que tá chorando com sono? Limpar a comida do chão ou trabalhar? Tem que escolher suas lutas, amiga! Saí pra levar a Cecília no ballet, Matheus chorou na volta e me fez gastar nada menos de 3 horas pra chegar em casa, numa chuva imensa. 15h30 da tarde e eu parada numa rua do setor Aeroporto, debaixo de uma árvore cantando Dona Aranha e ninando um bebê no colo. É, um filho te faz pisar no freio. Não tem jeito. É desacelerar e aceitar.

Eu e Cecília gostamos demais de conversar na volta da escola. Outro dia, eu com pressa, não perguntei como ela tinha saído na prova. Ligação, mensagem no WhatsApp, celular tocando e ela me solta: “Nossaaaaaa, queria minha mãe de volta. Você nem me perguntou como eu fui na prova de Geografia….” Eu segurei o riso, pedi desculpas e claro, perguntei da prova. Tem dias que ela me chama pra ver o formato de uma nuvem e minha cabeça tava lá, preocupada com os boletos. Eu amo que duas criaturinhas me fazem pisar no freio porque eu acho tão triste a vida no automático.

A maternidade me ensinou que o hoje passa rápido e amanhã é outro dia, eles aprendem coisas novas, o rostinho mudou. O bebê que não sentava começa a ficar de pé. A menina que aceitava sua opinião quer escolher a própria roupa, não usa mais laço no cabelo e aprendeu a cozinhar. Se você não prestar atenção na prova da escola, ou no vídeo que ela quer que você assista, um dia ela não vai querer te contar mais nada porque você não dá importância.

Eu tenho uma regra clara: se eles pedirem colo, eu paro o que estiver fazendo. Será que vão querer meu colinho pra sempre? Eu me lembro como se fosse hoje de quando chorei no colo da minha mãe em posição fetal depois de não ser aprovada no vestibular. Não existe lugar mais seguro. Eu aprendi que às vezes teremos banhos bem rápidos e colos demorados, mas que todas as fases vão passar. Você se lembrará pouco dos perrengues e sentirá uma saudade imensa de ser colo. Pisa no freio, vai com calma. E esse recado também é pra mim!

Leia também:

Você vai sentir saudades

Qual foi a última vez que você desenhou?

CRÔNICA
Entenda por que “A Baleia” é um filme muito pesado

Charlie, 270 quilos, cobrava sinceridade dos alunos em suas redações, mas não mostrava sua cara na aula virtual para esconder sua obesidade

Cinema
“Ainda Estou Aqui” atinge 1,8 milhão de espectadores e se destaca no cenário internacional

Produção brasileira arrecada R$ 8,9 milhões em apenas um final de semana nos cinemas

Filosofia
O Lobo da Estepe e as Memórias de um Suicida

*Abílio Wolney Aires Neto 

Nos últimos dois anos, três pessoas conhecidas desistiram da vida, incapazes de lidar com os desafios existenciais. Esse fato me trouxe à memória dois livros que me marcaram profundamente: O Lobo da Estepe, de Hermann Hesse, e Memórias de um Suicida, obra mediúnica de Yvonne do Amaral Pereira.

Publicado em 1927, O Lobo da Estepe é uma obra-prima literária que mergulha na psique humana, explorando o conflito interno de Harry Haller, um homem dividido entre sua natureza humana e sua dimensão selvagem, o “lobo”. O romance reflete as angústias existenciais de Hesse e propõe uma jornada introspectiva que dialoga tanto com a condição humana quanto com dilemas filosóficos. A luta de Haller entre a atração pelo suicídio e a busca por um sentido na vida estabelece uma conexão universal, oferecendo reflexões que permanecem atemporais.

Hesse apresenta o suicídio como uma “porta dos fundos”, uma metáfora para a saída diante de dores insuportáveis. Esse conceito, central na narrativa de Haller, ressoa com experiências humanas universais de sofrimento e com a busca por razões para seguir em frente, mesmo diante do desespero.

A visão de Hesse sobre o suicídio encontra eco no livro Memórias de um Suicida, no qual o escritor português Camilo Castelo Branco, por meio da mediunidade de Yvonne do Amaral Pereira, narra as consequências espirituais dessa escolha extrema. Diferentemente de Hesse, que não recomenda, mas admite o suicídio como uma fuga possível, Camilo revela os bastidores do “Vale dos Suicidas” e enfatiza o impacto profundo dessa decisão, não apenas para o indivíduo, mas também para aqueles ao seu redor. Ele descreve a morte autoinfligida como “o jogo escuro das ilusões”, desmistificando a ideia de que ela possa ser uma solução definitiva.

Enquanto Harry Haller vê o suicídio como um alívio terrível e possível para o vazio existencial, Camilo mostra que essa “porta dos fundos”, longe de ser uma saída simples, leva a um ciclo de dores ainda maiores. A narrativa espiritual reforça a importância de enfrentar os desafios da vida, compreendendo que fazem parte de um processo maior de aprendizado e evolução, onde tudo possui um propósito superior dentro dos “soberanos códigos da vida maior”.

Haller, um homem culto e filosófico, reflete sobre a existência enquanto sente a tentação de desistir. Sua trajetória é rica em paralelos com histórias de pessoas que, em momentos de desespero, cogitam abandonar grandes sonhos. Seja estudar, viajar ou realizar projetos futuros, o suicídio, como metaforiza Hesse, interrompe as potencialidades da existência. Essa ideia é bem expressa nos versos de Cecília Meireles:

“Eu só queria ter no mato um gosto de framboesa
Prá correr entre os canteiros e esconder minha tristeza
Que eu ainda sou bem moço prá tanta tristeza
E deixemos de coisa, cuidemos da vida,
Pois se não chega a morte ou coisa parecida
E nos arrasta moço, sem ter visto a vida.”

Camilo Castelo Branco amplia essa perspectiva, mostrando que, mesmo após a morte, os sonhos e projetos não se dissolvem, mas aguardam a superação de desafios não enfrentados. Em sua visão, os problemas se agravam com a interrupção abrupta da vida, retornando em forma de lições ainda mais difíceis em futuras existências.

Tanto Hesse quanto Camilo, cada qual em seu contexto, oferecem reflexões poderosas que incentivam a continuidade e o enfrentamento das adversidades. Enquanto O Lobo da Estepe explora os dilemas humanos de forma filosófica e literária, Memórias de um Suicida apresenta uma abordagem espiritual, mostrando que o sofrimento é parte de uma jornada maior de aprendizado e evolução.

Haller encontra na curiosidade pela vida um motivo para resistir. Da mesma forma, Camilo, do além-túmulo, afirma que, mesmo nos momentos mais sombrios, há razões para continuar, sejam elas espirituais ou existenciais. Ambas as obras convidam o leitor a refletir sobre o valor da vida e a necessidade de enfrentar as dificuldades com coragem, buscando autodescoberta e realização.

Distintas e complementares, O Lobo da Estepe e Memórias de um Suicida nos lembram que, mesmo diante da tentação da “porta dos fundos”, o desafio de viver é uma oportunidade única de transformação e crescimento.

Abílio Wolney Aires Neto | Foto: Acervo Pessoal

*Abílio Wolney Aires Neto é Juiz de Direito da 9ª Vara Civel de Goiania.
Cadeira 9 da Academia Goiana de Letras, Cadeira 2 da Academia Dianopolina de Letras, Cadeira 23 do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás-IHGG, Membro da União Brasileira de Escritores-GO dentre outras.
Graduando em Jornalismo.
Acadêmico de Filosofia e de História.
15 titulos publicados

cultura
Documentário ‘Edson, O Monstro Sagrado’ retrata carreira do locutor esportivo

A obra será exibida no Cine Ouro nesta segunda-feira, com entrada gratuita, celebrando a memória de Edson Rodrigues

O tragicômico em “O Esquecido de Deus”, novela de Lêda Selma

O texto da autora, com certa carnavalização, apresenta marcas de denúncia social, revelando certa interdependência de mimese e diegese

Cem Anos de Solidão, de García Márquez, é adaptado pela Netflix. Boa hora para a leitura do romance

Devido às diversas camadas de leitura que possibilita é difícil imaginar uma adaptação audiovisual que consiga captar suas nuances sem descambar para uma simplificação empobrecedora do original

Livro faz profunda reflexão sobre a história de Goiânia

Com 16 textos extremamente ricos em pesquisas, obra traça o percurso histórico da capital de Goiás

Sobre(posição): criticidade do cronos ficcional/real das “Linhas do Tempo”, de Tatiana Guimarães

A obra “Linhas do Tempo”, de Tatiana Guimarães, explora as complexas interseções entre a vida prática e o mundo interior

Cultura
A Macabéa de Clarice Lispector e sua metalinguística

*Abílio Wolney Aires Neto

Em A Hora da Estrela, Clarice Lispector explora a vida de Macabéa, uma jovem nordestina e marginalizada que vive no Rio de Janeiro. O livro, publicado em 1977, tem como narrador Rodrigo S.M., que reflete sobre o ato de narrar essa história. A narrativa metalinguística permite que a autora discuta a própria natureza da escrita e a dificuldade de contar a vida de alguém cuja existência parece insignificante.

Macabéa, retratada como inocente e alienada, vive em um contexto de migração para grandes cidades em busca de oportunidades, mas sua vida é marcada pela ausência de amor, autoestima e sonhos. Invisível para a sociedade, Macabéa trabalha como datilógrafa, é mal remunerada e vive uma rotina de simplicidade extrema, sem entender sua própria condição de marginalização. Rodrigo expressa compaixão e distanciamento ao narrar a história, observando: “Ela não sabia que era infeliz, por isso era feliz.” Esse comentário reflete a alienação de Macabéa em relação a seu próprio sofrimento.

Rodrigo questiona a ética e o sentido de narrar uma vida aparentemente “sem importância”, revelando a fragilidade da condição humana. Ele admite: “Estou escrevendo por falta de assunto, porque a moça não é de se lhe tirar um romance.” Com isso, Clarice explora as dificuldades de contar a vida de pessoas esquecidas e marginalizadas. Macabéa, frequentemente descrita como uma “sombra” ou um ser “ausente”, tenta se adaptar aos padrões urbanos, mas não consegue. Esse retrato reflete uma condição humana universal de alienação e desconexão da própria individualidade.

O livro torna-se, assim, uma meditação sobre o Brasil, a alienação social e a existência. Macabéa simboliza os que vivem nas sombras e na periferia, sem voz e identidade. Sua morte aparece como uma possível libertação de sua vida de miséria e alienação, levando o leitor a refletir sobre a precariedade da vida e o valor de dar voz aos invisíveis.

De uma perspectiva espírita, Macabéa pode ser vista como uma “alma pura” que vive um estágio de aprendizado, com pouca consciência de sua própria dor e condição. Sua ignorância quanto à própria infelicidade sugere uma vida desapegada do materialismo, marcada por uma aceitação instintiva da realidade. Esse estado de simplicidade e alienação indica um estágio de desenvolvimento espiritual, no qual a alma ainda está em processo de aprendizado sobre sua própria individualidade e propósito.

A vida e o sofrimento da personagem surgem, assim, como uma forma de purificação e prova espiritual, na qual a alma experimenta condições extremas de simplicidade.

Sua morte, mais do que um trágico fim, pode ser vista como uma libertação, apontando para um novo nível de entendimento. Sua história sugere que a invisibilidade e a humildade carregam um valor transcendente, indicando uma possível transcendência da marginalidade que marcou sua vida e simbolizando um caminho de evolução espiritual.

Na visão de Albert Camus, a existência de Macabéa reflete o absurdo da condição humana, onde a vida não oferece respostas para as perguntas fundamentais. A alienação e a falta de sentido, para Camus, seriam aspectos centrais da experiência humana, e a morte de Macabéa seria o auge dessa vivência do absurdo. Para Camus, diante de um mundo indiferente, a única resposta possível seria aceitar o vazio e viver plenamente, numa revolta silenciosa e digna diante da falta de sentido.

Assim, A Hora da Estrela transcende a vida de Macabéa e explora questões universais sobre a condição humana, o sofrimento, a alienação e o mistério da existência. Seja pela visão espírita, que enxerga na trajetória da protagonista um aprendizado, seja pela visão de Camus, que sugere a aceitação do absurdo, a história de Macabéa traz uma reflexão profunda sobre o valor das vidas humildes e nos leva a questionar o propósito de narrar histórias como a sua.

Abílio Wolney Aires Neto | Foto: Acervo Pessoal

*Abílio Wolney Aires Neto é Juiz de Direito da 9ª Vara Civel de Goiania.
Cadeira 9 da Academia Goiana de Letras, Cadeira 2 da Academia Dianopolina de Letras, Cadeira 23 do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás-IHGG, Membro da União Brasileira de Escritores-GO dentre outras.
Graduando em Jornalismo.
Acadêmico de Filosofia e de História.
15 titulos publicados

Literatura
Com ‘O Dia Escuro’, Brasil busca participar da renascença do horror

Existe uma demanda por escritores que encaram seriamente o gênero do horror. No Brasil, livros de gênero feitos com qualidade literária começam a surgir