Mariza Santana

Falar sobre a morte sempre foi um tabu em nossa cultura ocidental. E confesso que foi para mim também. Mas com a população brasileira envelhecendo e a incidência de doenças senis incuráveis crescendo, além dos inúmeros casos de câncer agressivo, não é possível mais fugir do tema. Tenho uma mãe de 88 anos de idade, portadora de Parkinson e Alzheimer, cuja condição física se deteriorou rapidamente depois de perder o marido de 90 anos, companheiro de uma vida toda.

Recentemente, minha mãe foi internada com pneumonia. O jovem médico chamou a família para conversar. “Vocês já ouviram falar de cuidados paliativos?”, perguntou. “Sei o que significa a palavra paliativo”, respondi. Explicando então, com a ajuda do Google: “Na medicina, a ideologia dos cuidados paliativos é atender a pessoa, na fase final da vida, na sua globalidade de ser, promovendo o bem-estar global e a dignidade do paciente crônico e terminal e sua possibilidade de não ser expropriado do momento final de sua vida, mas de viver a própria morte”.

Ou seja, neste caso alguns procedimentos médicos invasivos não são recomendados em pacientes super idosos, porque vão causar sofrimento desnecessário. Assinamos o documento concordando com os cuidados paliativos para minha mãe. No dia seguinte, uma amiga me trouxe o livro “Cuidar Até o Fim — Como Trazer Paz Para a Morte”, da médica e escritora Ana Claudia Quintana Arantes, especialista em cuidados paliativos. A autora ressalta: “A opção pelos cuidados paliativos guarda certo pesar. Na nossa cultura, significa que a morte é uma realidade possível”.

Ana Claudia Quintana Arantes, médica, é autora de um livro simples e instrutivo | Foto: Reprodução

“Desistindo de sofrer desnecessariamente”

As palavras da especialista foram um bálsamo para minha alma, e vários trechos merecem ser compartilhados, pois certamente muitas pessoas neste momento também estão vivenciando a experiência de ver um ente querido (pai, mãe, tia, filho, amigo) perder paulatinamente a chama da vida, e confesso que não é fácil encarar essa situação. “O paciente que faz a opção pelos cuidados paliativos não está desistindo da vida. Está desistindo de sofrer desnecessariamente”, afirma a médica.

Ana Claudia conta sua experiência com pacientes (idosos, maduros e jovens) portadores de doenças incuráveis, conscientes de que a morte está próxima, e de como os ajudou a lidar com a questão de forma serena. O amor é o principal instrumento nesse momento, aconselha.

Em outro trecho do livro, Ana Claudia assinala: “É lamentável que muitos acreditem que olhar para a morte e reconhecer sua aproximação faz o fim chegar mais rápido. Quando negamos a proximidade da morte, o que chega voando é o sofrimento”. Outra frase impactante é: “Não nos cabe escolher como morrer. Morreremos quando tiver de ser”.

A escritora aborda o luto que sentimos quando perdemos uma pessoa repentinamente, vítima de um infarto no miocárdio, por exemplo.

Mas se refere também ao luto antecipatório, que é o tempo entre o anúncio da morte e sua chegada, comum para amigos e familiares de pacientes com doenças terminais.

Segundo a médica, “uma família bem-preparada saberá lidar com uma das maiores dores de cuidar de alguém com uma doença incurável, progressiva e regressiva, o intervalo entre o anúncio da morte e sua chegada”.

Ana Claudia descreve bem os sentimentos de quem vive esse luto antecipatório.

A autora aponta: “(…) nesse tempo de profunda dor emocional somam-se (ou se alternam) medo, solidão, raiva, sensações de abandono, revolta, aceitação, adaptação, mas é possível e necessário transformar esse período em um tempo de despedidas, celebração de conquistas e gratidão pela vida vivida”.

Cuidados e as etapas do morrer

A médica aborda também como os profissionais de saúde devem lidar com esse momento dos seus pacientes.

No livro, “Cuidar Até o Fim”, Ana Claudia fala ainda sobre como são as etapas de morrer, fazendo uma analogia com os quatro elementos vitais: terra, água, fogo e ar. Esse capítulo deve ser lido com atenção. É de uma poesia, e ao mesmo tempo uma realidade comovente.

A obra toda é de uma simplicidade e, ao mesmo tempo, de uma complexidade que emociona (e informa e orienta bem). “A morte em paz é a revelação de que a vida que termina hoje é aquela que se transforma em vida eterna no coração de quem fica.”

Ana Claudia Quintana Arantes é médica formada pela Universidade de São Paulo (USP), com residência em Geriatria e Gerontologia no Hospital das Clínicas da FMUSP. Tem pós-graduação em Psicologia — Intervenções em Luto pelo 4 Estações Instituto de Psicologia e especialização em Cuidados Paliativos pelo Instituto Pallium e pela Universidade de Oxford. Outros livros da autora são: “A Morte É Um Dia Que Vale a Pena Viver”, “Histórias Lindas de Morrer” e “Pra a Vida Toda Valer a Pena Viver”.

Mariza Santana é jornalista e crítica literária. Email: [email protected]