A Macabéa de Clarice Lispector e sua metalinguística
22 novembro 2024 às 14h12
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*Abílio Wolney Aires Neto
Em A Hora da Estrela, Clarice Lispector explora a vida de Macabéa, uma jovem nordestina e marginalizada que vive no Rio de Janeiro. O livro, publicado em 1977, tem como narrador Rodrigo S.M., que reflete sobre o ato de narrar essa história. A narrativa metalinguística permite que a autora discuta a própria natureza da escrita e a dificuldade de contar a vida de alguém cuja existência parece insignificante.
Macabéa, retratada como inocente e alienada, vive em um contexto de migração para grandes cidades em busca de oportunidades, mas sua vida é marcada pela ausência de amor, autoestima e sonhos. Invisível para a sociedade, Macabéa trabalha como datilógrafa, é mal remunerada e vive uma rotina de simplicidade extrema, sem entender sua própria condição de marginalização. Rodrigo expressa compaixão e distanciamento ao narrar a história, observando: “Ela não sabia que era infeliz, por isso era feliz.” Esse comentário reflete a alienação de Macabéa em relação a seu próprio sofrimento.
Rodrigo questiona a ética e o sentido de narrar uma vida aparentemente “sem importância”, revelando a fragilidade da condição humana. Ele admite: “Estou escrevendo por falta de assunto, porque a moça não é de se lhe tirar um romance.” Com isso, Clarice explora as dificuldades de contar a vida de pessoas esquecidas e marginalizadas. Macabéa, frequentemente descrita como uma “sombra” ou um ser “ausente”, tenta se adaptar aos padrões urbanos, mas não consegue. Esse retrato reflete uma condição humana universal de alienação e desconexão da própria individualidade.
O livro torna-se, assim, uma meditação sobre o Brasil, a alienação social e a existência. Macabéa simboliza os que vivem nas sombras e na periferia, sem voz e identidade. Sua morte aparece como uma possível libertação de sua vida de miséria e alienação, levando o leitor a refletir sobre a precariedade da vida e o valor de dar voz aos invisíveis.
De uma perspectiva espírita, Macabéa pode ser vista como uma “alma pura” que vive um estágio de aprendizado, com pouca consciência de sua própria dor e condição. Sua ignorância quanto à própria infelicidade sugere uma vida desapegada do materialismo, marcada por uma aceitação instintiva da realidade. Esse estado de simplicidade e alienação indica um estágio de desenvolvimento espiritual, no qual a alma ainda está em processo de aprendizado sobre sua própria individualidade e propósito.
A vida e o sofrimento da personagem surgem, assim, como uma forma de purificação e prova espiritual, na qual a alma experimenta condições extremas de simplicidade.
Sua morte, mais do que um trágico fim, pode ser vista como uma libertação, apontando para um novo nível de entendimento. Sua história sugere que a invisibilidade e a humildade carregam um valor transcendente, indicando uma possível transcendência da marginalidade que marcou sua vida e simbolizando um caminho de evolução espiritual.
Na visão de Albert Camus, a existência de Macabéa reflete o absurdo da condição humana, onde a vida não oferece respostas para as perguntas fundamentais. A alienação e a falta de sentido, para Camus, seriam aspectos centrais da experiência humana, e a morte de Macabéa seria o auge dessa vivência do absurdo. Para Camus, diante de um mundo indiferente, a única resposta possível seria aceitar o vazio e viver plenamente, numa revolta silenciosa e digna diante da falta de sentido.
Assim, A Hora da Estrela transcende a vida de Macabéa e explora questões universais sobre a condição humana, o sofrimento, a alienação e o mistério da existência. Seja pela visão espírita, que enxerga na trajetória da protagonista um aprendizado, seja pela visão de Camus, que sugere a aceitação do absurdo, a história de Macabéa traz uma reflexão profunda sobre o valor das vidas humildes e nos leva a questionar o propósito de narrar histórias como a sua.
*Abílio Wolney Aires Neto é Juiz de Direito da 9ª Vara Civel de Goiania.
Cadeira 9 da Academia Goiana de Letras, Cadeira 2 da Academia Dianopolina de Letras, Cadeira 23 do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás-IHGG, Membro da União Brasileira de Escritores-GO dentre outras.
Graduando em Jornalismo.
Acadêmico de Filosofia e de História.
15 titulos publicados