Opção cultural

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Um grito (sufocado) contra a ditadura

“O Tribunal”, de Álvaro Alves de Faria, de 1971, traz um pungente relato sobre a opressão; sua reedição em 2015 mostra a importância atual da obra, quando vozes se levantam para defender o regime de exceção da época

Do que falamos quando falamos de amor

Raymond Carver é o autor das minúcias da vida, da violência e dos sentimentos que bombeiam nosso sangue, o criador da atmosfera cotidiana mais próxima da realidade comum, onde lateja a existência por ela mesma

A autoria feminina na atual literatura brasileira

Toda mulher que empreende uma obra literária exerce sob o domínio da arte da escrita uma literatura feminina? Por que ainda hoje as resenhas literárias e as listas dos grandes prêmios divulgam mais escritores do sexo masculino?

Crônicas da América (2)

"Com o pé na estrada" não seria o mais apropriado para descrever as viagens intercontinentais, mas se aplica como expressão meio surrada, mas ainda válida para mostrar ao caminhante que quando se ganha mundo, dos pés vêm-nos as melhores metáforas da viagem.

A influência do nonsense de Edward Lear em Vinicius de Moraes

Antes de compor “A Casa”, música que se encontra em seu álbum infantil “A Arca de Noé”, o grande poeta e compositor carioca passeou pelo rio do riso inglês nas invenções poéticas do artista britânico do século 19

O cinema dos nossos olhos e a presença feminina

Ver os 114 filmes que vêm abrindo janelas na mostra que acaba na quarta-feira é uma missão impossível, mas há vários recortes possíveis, dentro dos quais pode-se falar de tudo, da qualidade estética à participação da mulher

A arte de roubar livros

A história de um homem que vivia na miséria e descobriu um tipo de grandeza que lhe colocaria em contato com a vida nababesca dos ricos, mas os riscos estavam na mesma altura das facilidades

Boliviano traça cartografia humana e geográfica dos afetos

Rodrigo Hasbún cria uma distopia contemporânea, traço característico de quase todas os romances do século 21, metaforizando os lugares não atingidos ou desfeitos, como os sonhos, os ideais e até a família

Crônicas da América (1)

Um diário de viagens incluiria a América como meu destino preferencial, caminho regular que a vida me ofereceu e eu de bom grado o tomei: onde “duas estradas separavam-se num bosque e eu —//Eu segui pela menos viajada//E isso fez a diferença toda.”

Alguém que fortuitamente me encontrasse no aeroporto, de saída para mais uma viagem internacional, poderia se surpreender com a legenda do button na minha mochila – “Eat-Sleep-Read” (Comer, dormir, ler) – interpretando-o como um lema reducionista para um período tão rico da vida (a velhice). No entanto, tem esse dístico bem-humorado representado o que mais tenho feito na vida de "aposentado", e pode ainda distinguir as atividades que mais me ocupam o tempo depois que me afastei das atividades diárias como empresário. Esta crônica que eu pretendia intitular "A conquista da América", teve seu titulo logo descartado por pretensioso, restando me lembrar que o mais venerando dos meus ascendentes consta da Crônica da conquista da Guiné, o que me basta para logo reverter o efeito devastador que poderia causar entre meus seis leitores, sugerindo que eu estaria sofrendo da síndrome de Paulo Francis em pleno século XXI. Enfim, eis-me aqui sem um assunto especifico e com muitos na pauta para iniciar este artigo sobre assunto nenhum quando meu interlocutor invisível e inamovível, aparece com sua consideração imprescindível: "que tal lembrar-se dos que te incentivaram a viajar frequentemente para a America conquistada? Diante do razoável, cedo a lembrar que, tendo sido criado em um ambiente anglófilo (e anglófono de alguma forma), fui como quase todos de minha geração treinado a nutrir um anti-americanismo compulsório, que se tornou o default no ambiente universitário no Brasil dos anos 70 do século XX. Aprendi como primeira língua estrangeira o francês, talvez como forma de ser aceito como mais um do grupo de adolescentes brasileiros de minha geração. Paradoxalmente, um francês vem a ser relevante para que eu comece a amar a America. Falo de Albert Camus ("o estrangeiro numa terra estranha: New York") que li antes de minha primeira viagem a NY para formar um juízo mais, digamos, maduro dos fatos. Incluí nessas leituras preliminares um Joaquim Nabuco ("Minha formação"), de onde me lembro ter retirado bons insights sobre uma viagem do grande abolicionista aos EUA. Depois disso, vieram o trabalho e a necessidade de aprender o idioma dos negócios - quando, costumava brincar que aprender o francês não havia me adicionado nem um centavo a minha renda ou Destino. Foi uma fase em que me vi compreendendo via indireta a importância da América em minha vida (e como teria sido diferente na vida do Brasil), desde a leitura de Tocqueville até à compreensão de uma cultura que não é (e nunca foi) apenas movida pelo pragmatismo e pela superficialidade, muito pelo contrário. Vimos, com o passar dos anos, a democracia na América consolidar-se a cada lance de alternância no Poder e pelos avanços no campo em que seus opositores mais a desdenhavam. Pela vez primeira em que vim a America, ainda não dominava o idioma a ponto de descobrir as nuances de comunicação e de sofisticação escondidas nas aparentes atitudes consideradas superficiais. Por exemplo, nos negócios, em que eu começava então a me movimentar como parceiro de uma empresa norte-americana de software, de saudosa memória (Lotus Co.). Quando consegui ler o primeiro livrinho de duas mil palavras na língua de Walt Whitman, pensei que poderia avançar e me via extremamente interessado em compreender não apenas a literatura, mas a música e os hábitos do povo e sua aparente concordância com tudo, as regras antes de tudo nos jogos e na convivência social. Veio a segunda geração dos Amaral Queiroz com uma forte decisão de tirar o melhor da América, além das canções, da Coca-Cola e das calças jeans. Eis, pois, que uma filha se inscreve, de forma um tanto surpreendente, para uma bolsa numa Universidade e por aqui fica, estudando e buscando no pais das oportunidades, o seu espaço de jovem adulta. Aprofundamos o trabalho para acompanhar a disparidade das nossas moedas e resistimos. Vimos a primeira e a segunda filhas conseguirem suas formações em boas escolas, com especializações em universidades americanas e aqui viverem por curto e longo períodos, respectivamente da mais jovem para a mais velha, tendo esta nos dado dois netos de dupla nacionalidade (brazuca-americanos). Já estava, então, este velho Queiroz de posse dos elementos para também dar seus saltos e redigir a sua própria crônica da América. Acompanhava com interesse tanto a correspondência do Diário da Corte, de Paulo Francis, como as noticias culturais de Ana Maria Bahiana - onde andará a cronista, pergunto-me agora que passo temporadas agradabilíssimas nos Estados Unidos, como esta que me levava a pensar em um artigo de dentro do caldeirão cultural chamado Estados Unidos da América. Digo, pois, tudo isso depois de 25 anos de viagens frequentes aos EUA, e mais digo a você, leitor, que a descoberta do continente me faz hoje rir sozinho quando lembro das correspondências do passado – enviadas a nossos jornais diários por meus compatriotas Francis e Ana Maria. Dela, eu me lembro do mal-entendido que lhe causara o uso do civilizado sinal de “4-way-Stop” – uma espécie de cruzamento virtual em que o condutor é o grande protagonista, exercendo o direito de ir e vir com respeito ao direito do outro. Este sinal de “parar-para os quatro cantos” que não tem tradução em nosso idioma, tampouco na nossa sinalização de trânsito, parte do pressuposto de que todos respeitam o direito do Outro. É, pois, mais um símbolo do que um “sinal-de-transito”, um marco da boa convivência no transito, que nada tem de comportamento de Western (velho oeste, como queria a cronista) e e um reflexo a mais do modo como o cidadão norte-americano se porta de forma civilizada seja numa parada obrigatória de trânsito, seja no respeito as filas e no exercício de outros símbolos de cortesia de que os norte-americanos sao professores para nos que vivemos abaixo do Equador. Hoje me questiono sobre a letra de música de um certo compositor baiano que identificava "a America católica" e seu aparente desrespeito as regras de transito e a aderência preferencial ao relativismo do nosso tempo. A decadência dos costumes se faz presente em todas as culturas e em todas as comunidades, mas os Estados Unidos dão mostra de saudável manutenção da Ordem, em meio a um caos de auto-deterioração que começa justamente pelos que aqui vieram com o propósito de "bombardeio do sistema por dentro deste" - exemplo mais do que provado pelo pensador Olavo de Carvalho ao analisar, por exemplo, a presença dos filósofos alemães da chamada Escola de Frankfurt. Não sendo o propósito desta crônica nada alem de anotações de reminiscências, deixo o assunto mais doloroso para outra oportunidade. Por ora, deleito-me com a limpeza, a ordem e a prosperidade de uma pequena comunidade no meio do deserto do Coachella Valley, na California, onde aprecio as sutilezas da Arte reunida no Museu local, na pequena cidade de Palm Springs, que tem, além de tudo uma importante e referencial mostra de cinema anual, desde o final dos anos 1990. [caption id="attachment_117025" align="aligncenter" width="300"] DOUGLASS CROCKWELL (1904-1968) "BOY DOODLING ON MASTHEAD (DOODLER)" (1937), oleo sobre tela. (c) The Saturday Evening Post ilustr.[/caption] O que está no cerne do êxito da democracia na América é o respeito à Ordem, fundamentada nos valores cristãos da sociedade e no respeito às minorias. Tocqueville já alertava sobre as fraquezas da incipiente democracia – a tirania das maiorias e a escravidão. Ora, eis que estes se mostraram como o ovo da serpente para o que veio a se tornar a ditadura das minorias sobre uma maioria silenciosa. Esta é (ou foi) uma das razões do êxito na eleição de Donald Trump, justamente, esta sintonia com estes valores da maioria silenciosa e cansada da imposição de costumes e hábitos estranhos a tradição norte-americana. Os anos Obama foram uma demonstração contumaz de desconstrução destes valores. Um exemplo emblemático (e bizarro) são os banheiros públicos para ambos os sexos (onde se tem o "direito" de ir ao banheiro com gays e lésbicas), enfim, uma aberração comportamental que em nada se coaduna com a América puritana. Sabe-se que a escravidão foi resolvida numa guerra civil e as minorias se impuseram com a primazia de dois outros valores: a liberdade de imprensa (a incrível força da primeira emenda) e o primado das liberdades individuais, que dispõe para o cidadão um leque de escolhas e de oportunidades infindas. Dan Rather, jornalista norte-americano da velha escola, testado em diversas mídias e eras resume o patriotismo, em seu mais recente livro: "patriotismo exige muito trabalho, conhecimento e engajamento com aqueles que são diferentes de você, além de imparcialidade  diante das leis e das oportunidades, o que exige de todos tomar juntos o partido das boas causas. Isso é  uma das coisas de que mais gosto nos Estados Unidos como nação não apenas de sonhadores, mas como "os de pés no chão" (fixers versus dreamers). Nós todos olharmos para nossa terra, nosso povo e dizemos continuamente: isso não é o melhor que podemos fazer, nós podemos ser melhores" ("What unites us: reflections on patriotism", Rather & Elliot Kirschner, Algonquin, 2017). Mas não é a realidade minha matéria e sim a “representação da realidade”, e sinto-me mais à vontade no domínio da arte com que a América mais me atraiu. A arte de Emily Dickinson, Walt Whitman, T.S. Eliot (embora mais inglês do que norte-americano), de Robert Frost, Elizabeth Bishop e Willa Cather – para não passar de uma meia-dúzia de amados autores, dão-me a expressão maior da América que se me tornou eterna e país a ser considerado como segunda pátria. Nestas crônicas que saem de um diário do centro do poder pretendo explicitar como este amor se deu e como ele se mantém forte a cada dia, como a recordar que entre a França de Camus e a América de Frost, havia de tomar um caminho. Duas estradas separavam-se num bosque amarelo, Que pena não poder seguir por ambas Numa só viagem: muito tempo fiquei Mirando uma até onde enxergava, Quando se perdia entre os arbustos; Depois tomei a outra, igualmente bela E que teria talvez maior apelo, Pois era relvada e fora de uso; Embora na verdade, o trânsito As tivesse gasto quase o mesmo, E nessa manhã nas duas houvesse Folhas que os passos não enegreceram. Oh, reservei a primeira para outro dia! Mas sabia como caminhos sucedem a caminhos E duvidava se alguma vez lá voltaria. É com um suspiro que agora conto isto, Tanto, tanto tempo já passado: Duas estradas separavam-se num bosque e eu — Eu segui pela menos viajada E isso fez a diferença toda. “A estrada não tomada” (The road not taken, Robert Frost), tradução do poeta José Alberto Oliveira, in Rosa do Mundo, 2001 poemas para o futuro. Adalberto de Queiroz, 62, poeta e jornalista, autor de “O rio incontornável” (Mondrongo, 2018).
Fontes: Livro de RATHER, Dan. e Elliot Kirschner, Algonquin, 2017. Sobre Tocqueville, ler a resenha de Felipe Pimenta, neste link.  

Cineclube Antônio das Mortes é homenageado com mostra dentro da mostra

Em três sessões na programação de “O Amor, a Morte e as Paixões”, são exibidos filmes produzidos por membros do CAM, criado em 1977, responsável pela formação de uma boa safra de cineastas e críticos de cinema em Goiás

Lourival Belém Jr lança filme sobre identidade do Brasil profundo

Em caráter de pré-estreia, “O Turista no Espelho” tem exibição na mostra “O Amor, a Morte e as Paixões” dentro da mini-mostra em comemoração aos 40 anos do Cineclube Antônio das Mortes

As quatro estações no outono telúrico de Sandra Maria

Lançado em 2017, “Folhas Secas sob Meus Pés” fala da transformação da mulher da infância à velhice, exaltando a vivacidade do amadurecimento, em que, ao contrário das folhagens outonais, as seivas da vida não se secam

“Me Chame pelo Seu Nome” e a jornada para escrita de um nome próprio

Com cores e aromas do verão em uma Itália dos anos 80, o filme finalista de quatro categorias do Oscar 2018, dirigido por Luca Guadagnino, encena o drama do despertar da sexualidade na adolescência

Filme de Carolina Jabor é uma espécie de Vênus de Milo

Diretora fez o que pôde, mas não salvou “Aos Teus Olhos” do roteiro fraco, que sob o pretexto de que a história deveria ficar em aberto deixou o personagem principal à deriva [caption id="attachment_116636" align="alignnone" width="620"] Em “Aos Teus Olhos”, Daniel de Oliveira faz Rubens, um professor de natação infantil acusado de dar um beijo na boca de um aluno[/caption] Carolina Jabor já conseguiu mostrar que é capaz de dirigir um grande filme, ou seja, que se tiver em mãos um roteiro grandioso não vai estragá-lo. Mas não é o caso de seu segundo longa “Aos Teus Olhos”, que peca pela ineficiência do plot. Sob o pretexto de que a história fica em aberto, que o filme é sobre a verdade líquida, o roteirista, que tinha em mãos um argumento interessante, deixou o personagem principal à deriva. “Aos Teus Olhos”, em exibição na mostra “O Amor, a Morte e as Paixões” é bem dirigido e muito bem editado. Tem um ritmo criador de tensão. O modo como as cenas exploram ora o uso de planos abertos, ora mais fechados para captar as sutilezas, ou cenas abertas com tomadas rápidas, às vezes um pouco mais longas, e cortes precisos entre uma cena e outra, tudo isso cria de fato um movimento pra frente, que impulsiona a ação, mas chega uma hora que é preciso mais que isso. Onde se busca força? No roteiro, que vai sugerir ou guiar a intenção do diretor. O filme narra a história de Rubens (Daniel de Oliveira) um professor de natação infantil que se vê em meio a uma acusação de beijar um aluno na boca. A mãe diz que o menino contou pra ela esse caso, e, a despeito de falta de provas (por ter sido no vestiário, onde não há câmeras de vigilância) ou um aprofundamento da questão, a mãe expõe o caso no grupo de pais de alunos do WhatsApp. E aí não se tem mais controle. As acusações começam, e aumentam. Rubens por sua vez, não reage às acusações. O personagem de Daniel de Oliveira é um instrumento usado para se chegar a um fim. É um indivíduo sem alma, que não reage diante de toda a trama de intrigas que vai se construindo em torno dele, nem diante da solidariedade da namorada, como se ele estivesse ali, naquele plot, apenas para que se costurasse um problema moral. A subjetividade do personagem não é trabalhada, não há profundidade. Daniel de Oliveira ficou amarrado a um fio tênue de interpretação, que não sustentou seu peso. Faltou ao roteiro uma solução para o dilema ético, para que o problema estético fluísse no imaginário do espectador. A única reação possível no fim do filme é dizer algo como “a realidade é isso mesmo”. É muito pouco. Transcendência Ainda sem ver o filme, conversei com Carolina Jabor muito rapidamente na coletiva de imprensa, na quarta-feira à tarde. Ela disse uma coisa interessante. Disse que a arte deve ser algo que desperte emoções, mas que transcenda a realidade. “Acho que fazer arte passa por um desejo de transcendência”, diz. Não há a transcendência desejada pela diretora em “Aos Teus Olhos”. Ficou no rame-rame da ambivalência moral. Jogou para o público a insolubilidade do problema. E quem fez isso foi o roteirista. O ponto de vista neutro de uma história não funciona bem em arte (cinema é arte, certo?), só em jornalismo (teoricamente), sobretudo quando o desfecho fica em aberto sob o pretexto de que o público é quem deve concluir. Como diretora, Carolina Jabor avança sobre o primeiro filme, “Boa Sorte”, que contava com a sorte de ter sido escrito por Jorge Furtado. Do ponto de vista da direção de cena e de atores, este é melhor que aquele. O ritmo de “Aos Teus Olhos” lembra um pouco o de “Whiplash: Em Busca da Perfeição”, talvez por mérito da edição. Mas há uma direção mais madura neste filme, a meu ver. O filme não é ruim. Mas também não é bom. Falta alguma coisa. Falta o personagem principal se mexer. É como a Vênus de Milo, aquela escultura grega antiga, magistral, no formato da deusa do amor, em exposição no Museu do Louvre, em Paris, que foi encontrada sem os braços. Com a diferença de que o escultor fizera os braços da peça dele, que se quebrariam com o passar tempo. Já o roteirista de “Aos Teus Olhos” não conseguiu fazer os braços, as ramificações de atitude e subjetividade de seu personagem principal. Serviço Filme: “Aos Teus Olhos” (90') Mostra: O Amor, a Morte e as Paixões Local: Cine Lumière Bougainville Ingresso: R$ 15,00 Sessão 12/02/18 - Segunda-feira Sala 5 – às 17:15

Carolina Jabor fala sobre “Aos Teus Olhos” e sobre arte

Filme conta a história de um professor de natação infantil acusado de beijar um aluno na boca, e é massacrado nas redes sociais como pedófilo; segundo a diretora, lançar um filme sobre o tema nesse momento é uma oportunidade de debater a questão [caption id="attachment_116630" align="alignnone" width="620"] Carolina Jabor com o ator Daniel de Oliveira (d) e o curador da mostra Lisandro Nogueira: “Fazer cinema é um trabalho que passa pelo desejo de transcendência” | Foto: Gilberto G. Pereira[/caption] Já houve um tempo em que Carolina Jabor detestava ser reconhecida como filha do Arnaldo. Mas era impossível desfazer a associação. Mesmo sobrenome, mesmo escolha profissional, e Jabor, o pai, é uma figura indissociável da própria agitação cultural brasileira desde pelo menos 1968, o ano que nunca acabou. Em vez de bater o pé, Carolina resolveu trabalhar. Há 20 anos ela vem construindo uma carreira que começou como assistente de direção com Andrucha Waddington, ao mesmo tempo que fazia filmes publicitários na produtora em que ela e Waddington são sócios, a Conspiração Filmes. Em 2014, dirigiu seu primeiro longa-metragem, “Boa Sorte”, com um elenco de peso, como Deborah Secco, no papel principal, Fernanda Montenegro, Enrique Diaz, Felipe Camargo e Gisele Fróes. Agora ela lança seu segundo longa, “Aos Teus Olhos”, na mostra “O Amor, a Morte e as Paixões”, nesta noite, às 21 horas, no Cine Lumière Bougainville, com a presença da diretora, que após a exibição, junto com Daniel de Oliveira, o protagonista do seu filme, conversa com o público. Além desta noite, “Aos Teus Olhos” ainda poderá ser visto por algumas sessões mostra adentro. Num bate-papo informal no hall de entrada do Cine Lumière Bougainville, a diretora e o ator falaram com os jornalistas sobre o filme e sobre o momento atual do cinema brasileiro. “Aos Teus Olhos” conta a história de um professor de natação infantil que é acusado de beijar um aluno na boca, e é massacrado nas redes sociais como pedófilo, sem que as pessoas de fato tenham acesso a algum tipo de prova. Dos filmes Segundo Carolina, seu filme já estava pronto quando surgiu a onda de moralismo e denúncias contra a Exposição Queer Museu, no Santander Cultural em Porto Alegre, o Museu de Arte Moderna de São Paulo, no caso da garotinha levada pela mãe em uma exposição de um homem nu, e no caso do MASP com uma exposição sobre a história da sexualidade. “É uma oportunidade de debater a questão. É interessante lançar um filme sobre o tema em um momento como este”, diz Carolina. Mas, para além do debate social, a julgar pelo seu primeiro longa, “Boa Sorte”, o novo filme de Carolina terá muito a oferecer em termos de linguagem. “Boa Sorte”, com roteiro de Jorge Furtado, tem uma trilha sonora que imprime um silêncio incrível, quase japonês. A diretora diz que a comparação é interessante, e não é a primeira vez que ouve isso, embora não se sinta influenciada pelos filmes dos japoneses de que ela gosta, como Takashi Koizumi e Kenji Mizoguchi. “A trilha de ‘Aos Teus Olhos’ é ainda mais silenciosa, porque uso mais a ambiência natural. No outro ainda havia algumas músicas pops”, diz. Ao falar sobre o sentido da arte que ela faz, Carolina procura analisar o significado da obra de ficção como algo que desperte emoções sem ser piegas, algo que transcenda a realidade. “Acho que passa por aí, por um desejo de transcendência”, diz. “O artista tem de trabalhar o tempo todo perseguindo a tradução daquilo que quer contar.” Impacto da telona A obsessão parece ser também o que persegue Daniel de Oliveira. Ator de cinema e de televisão, poucas vezes sobe no palco para fazer teatro. Mas diz que gosta da dramaturgia. Não faz muito teatro, porque não sobra tempo. Desde o começo, ele conseguiu engatar um trabalho no outro. O ator fez seu primeiro filme aos 20 anos, e nesses 20 anos de carreira cinematográfica (hoje ele tem 40 anos) já fez 20 filmes, na média de um por ano. “Fui chamado pra fazer cinema, e fiquei impactado pelo set de filmagens. Depois, gostei também de assistir ao filme pronto na telona, e falei ‘quero fazer muito, cinema’”, diz. Às vezes pula algumas temporadas, quando mergulha na televisão, mas depois lança três, quatro filmes de uma só vez. Este ano, por exemplo, além de “Aos Teus Olhos”, Daniel de Oliveira vai lançar ainda outros dois, “Morto Não Fala” e “Dez Segundos”, em que faz o papel do boxeador brasileiro Eder Jofre, campeão mundial de boxe.