Por Redação

A consciência de preservação no Brasil nasceu tardiamente e com conceitos prematuros e mal definidos, justificados a partir da observação atrasada da definição e estabelecimento do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan)

A BNCC é, pois, uma camisa de força que haverá de empobrecer a Nação, porque ostraciza inúmeras perspectivas humanas

[caption id="attachment_101209" align="alignleft" width="266"] Carlo Chatrian, diretor do Festival de Cinema de Locarno[/caption]
Rui Martins
Especial para o Jornal Opção
Carlo Chatrian, diretor artístico do Festival Internacional de Locarno, nos afirmou numa entrevista exclusiva, que o cinema latinoamericano está numa boa fase, tomando como exemplo o cinema brasileiro. Para ele, o filme As Boas Maneiras, na Competição Internacional, de Juliana Rojas e Marco Dutra, produzido por Sara Silveira, mostra a renovação do cinema brasileiro. Deu também destaque para Severina, de Felipe Hirsch, e para Era Uma Vez Brasília, de Adirley Queirós.
Uma atração latinoamericana em Locarno, contou Chatrian, será o filme La Telenovela Errante, uma espécie de filme póstumo do realizador chileno Raúl Ruiz, pois sua viúva, Valeria Sarmiento - também cineasta - recuperou as bobinas do filme perdidas mas encontradas depois da morte de Ruiz, e cuidou a montagem, com a experiência de quem sempre montou os outros filmes do marido.
O Festival de Locarno começará quarta-feira dia 2. O filme Boas Maneiras será exibido domingo dia 6, um dia depois da exibição de Severina.
Entrevista com Carlo Chatrian para Rui Martins
Quais os critérios na seleção dos filmes?
Os filmes que escolhemos foi porque gostamos e porque são bons filmes. Nada mais que isso.
Gostou, então, do filme brasileiro?
O filme brasileiro na competição, As Boas Maneiras, é um filme para se ir descobrindo à medida que se desenvolve a história, por isso eu não quis fazer revelações durante a coletiva com a imprensa suíça e internacional. É um filme de jovens realizadores, Juliana Rojas e Marco Dutra, que estiveram com seu primeiro filme Trabalhar Cansa, em Cannes, na mostra “Um Certo Olhar”.
É um filme único, mesmo se começa como tantos outros filmes brasileiros com uma jovem afrobrasileira que trabalha como doméstica para uma mulher rica, branca. A partir disso, o filme toma diversas direções. Iremos descobrir a patroa grávida, mas acho que não devo desvendar tudo, apenas que o filme se transforma depois num filme de horror. Este ano quisemos colocar dois ou três filmes desse gênero na competição, mas com realizadores já consagrados. Esse filme produzido por Sara Silveira representa a renovação no cinema brasileiro.
Outro filme brasileiro?
Na mostra “Sinais de Vida” temos o filme de Adirley Queirós, com bons filmes anteriores: Era Uma Vez em Brasília. Um filme de ficção científica que deverá ser surpreendente. Ele inclui política no filme com o impeachment de Dilma Rousseff, mas com esse episódio deslocado para o futuro.
Outra participação latinoamericana?
Um filme póstumo do realizador Raúl Ruiz, falecido em 2011, que dispensa apresentação por ser um dos grandes cineastas não só do Chile, mestre do surrealismo, um dos herdeiros de Buñuel. O filme, cujo título é La Telenovela Errante, é algo extraordinário. Foi filmado em 1990, portanto há 27 anos, mas não chegou a ser montado por terem se perdido as bobinas. Finalmente, no ano passado, essas bobinas foram encontradas numa Universidade americana. Não sei que viagem fizeram essas bobinas para chegar lá, mas a realizadora Valeria Sarmiento, que sempre montou os filmes de Ruiz e que era sua esposa, concluiu em pós-produção e cuidou da montagem do filme, coisa não tão difícil, imagino, pela maneira como Ruiz ordenava suas filmagens facilitando a montagem.
Este filme será exibido pela primeira vez aqui em Locarno, na competição internacional. Será um presente de aniversário para os 70 anos do Festival de Locarno, mesmo porque Ruiz foi um dos cineastas premiados com o Leopardo de Ouro, aqui em Locarno, com seu filme Três Tristes Tigres. La Telenovela Errante é um filme que vem do passado mas fala do presente. É um filme que emprega o estilo da telenovela para falar da realidade que não existe mais, de um mundo imaterial. Filme dividido em sete dias ou sete temas diferentes. Começa com o adultério, a seguir um tema político tratando de um terrorista, depois aborda uma espécie de vagabundagem, e assim por diante, entrando numa espécie de pesadelo, com as pessoas olhando a televisão e ao mesmo tempo sendo vistas pelas personagens da televisão. É um filme 100% Ruiz.
Como se pode definir o cinema hoje na América Latina?
Encontra-se num estado muito bom. Há um outro filme brasileiro aqui na mostra Cineastas do Presente, do produtor Rodrigo Teixeira, dirigido por Felipe Hirsch, Severina. Foi todo rodado no Uruguai e tem o estilo do francês Jacques Rivette, um tanto fantástico. É a história de um livreiro e de uma jovem que frequenta a livraria, embora não se saiba se ela é real ou um fantasma projetado pelo dono da livraria. É um ano com mais filmes brasileiros em Locarno, enquanto no ano passado era a Argentina com mais filmes. Os aspectos principais tratados pelos filmes são o fantástico e o político.
E, enfim, o cinema português?
É um ano forte do cinema português, mas infelizmente tivemos de deixar de lado dois filmes muito bons que não entraram na competição internacional. Temos, porém, um primeiro filme, na mostra “Cineastas do Presente”, Verão Danado, de Pedro Cabeleira, que será uma das boas surpresas deste ano.
Rui Martins, que estará do dia 2 ao dia 12 de agosto, em Locarno, convidado pelo Festival Internacional de Cinema.

Marcelo Rizzo Parece-me que o termo da moda “judicialização da política” está absolutamente errado. A política não foi judicializada agora. Fernando Henrique Cardoso, José Sarney, Lula e outros presidentes anteriores sempre foram acusados e muitas vezes julgados por um tribunal. Sempre houve procuradores e delegados meio malucos. Lembram-se de um magrinho de óculos, que era considerado “petista” na época de FHC? Portanto, a Lava-Jato tem todo o direito de sair acusando – aliás, é o que acusadores fazem. Então, parece-me que a grande mudança foi, isso sim, a “midiatização do Judiciário”. Ou seja, o Judiciário acabou sendo deslocado para uma esfera em que a opinião pública torna-se a principal balizadora do processo. É esse o grande cerne da coisa: as acusações deixam de ficar "escondidas" no processo legal para serem discutidas por Merval Pereira e Cristiana Lôbo na Globonews. Toda entrevista com um político sobre isso agora sempre tem um momento em que o sujeito fala: “Eu enfrentei diversas acusações e blablablá...". Acusações essas que não foram debatidas em público em um momento anterior, seriam agora. Um terço dos deputados federais são acusados de algo. Essas acusações são de um paradigma anterior. Pergunto então: a política estava judicializada? Sempre esteve. O que ocorria era a acusação (ou a condenação) se “midiatizar”. Nesse sentido, tanto a Globo como Sérgio Moro e sua estratégia de destruir a reputação dos acusados – o que deixou impresso em texto – são pontos essenciais nisso. Temos, então, um segundo debate, o que diz respeito à ocupação de espaço. Observa-se que o Judiciário não ocupou espaço nenhum a mais. Pelo contrário, o espaço em que se movimentava sem escrutínio foi absolutamente diminuído. Tanto que hoje tem de se curvar à acusação. Isso se enxerga a olho nu: o Judiciário foi se encolhendo e não aumentando. Tinha a aparência de seu aumento enquanto concordava com a opinião pública. Mas, quando ele discorda, percebe. Marcelo Rizzo é historiador e doutorando em História da Economia pela UFG.
Enquanto a administração municipal resolver fazer campanha disfarçada de ações, vamos ver Goiânia sendo gerida na contramão do progresso. A cidade precisa de um mutirão, sim, mas para levá-la, enfim, ao século 21

Prefeito da segunda cidade mais importante para a economia goiana, petebista faz balanço dos primeiros meses de gestão e já planeja novos avanços, apesar da crise no País

Uma delas é o Centro de Iniciação ao Esporte, onde serão desenvolvidas 13 modalidades esportivas, em um equipamento público favorável ao desenvolvimento dos atletas da cidade e da região

O poeta gaúcho Rafael Iotti fala sobre a sua estreia literária com o livro "Mas é possível que haja outros"

Livro de Adelto Gonçalves, ambientado na periferia cidade de Santos do início dos anos 1960, revela as agruras da população à época da irrupção do Regime Militar no Brasil

Cristiano Deveras
Especial para o Jornal Opção
Para quem conhece a Flip de outros carnavais, como eu, que venho religiosamente desde 2007, uma coisa é certa desde a chegada: ela encolheu. É visível e impactante a reestruturação que sofreu uma das maiores festas literárias do Brasil, quiçá a mais charmosa delas. Retrato da atual conjuntura nacional (para não dizer que falei de crise), mas também um espelho de como a cultura é vista e tratada no país.
Passado este primeiro susto, de observar a realocação de estruturas, seguimos para o próximo nível, que é averiguar exatamente o que está acontecendo e quem estará fazendo acontecer por aqui. E daí, temos a impressão que, apesar de ter diminuído de tamanho, é possível que a Flip tenha se depurado de alguma forma, pois o que se vê pelas ruas até agora são pessoas mais interessadas na literatura do que em outros anos; troca-se a multidão de passantes que poderiam estar em qualquer outro evento, de quermesse de feira no interior a exposição festiva no Masp, para um público mais focado nos objetivos da festa.
Professores, estudantes, escritores, editores e aqueles que dão sentido a tudo isso, os leitores. Aqueles abnegados que andam com seu exemplar na mão, sob calor ou frio (duas constantes por estas paragens: um dá as caras de dia, o outro comanda a noite) para acompanharem seus escribas prediletos. Pessoalmente, fui testemunha do começo da fila para aguardar a palestra gratuita - na Casa Libre & Nuvem de Livros - de Lázaro Ramos, duas horas antes de seu começo, a mais segura forma de garantir um espaço para acompanhar a apresentação.
Entre as várias atrações que podem ser desfrutadas estão William Finnegan, Pilar del Río, Sérgio Rodrigues, o já citado Lázaro Ramos, Patrick Deville, Dráuzio Varella, além de vários outros autores, palestras, oficinas e encontros. Ótima oportunidade para trabalhar adequadamente o fazer literário, tão menosprezado em nosso país.
Ainda é só o começo, mas talvez, possamos tirar algumas lições não só da reengenharia que teve que ser feita para que a festa acontecesse, como também do legado e da figura do homenageado da vez, Lima Barreto, que, como a descrição da sessão de abertura disse, foi um “triste visionário”. Que a cultura nacional também saiba se rearranjar nestes tempos bicudos para todos, mas que acaba sendo ainda mais tenebrosos para quem vive e produz artisticamente.
Cristiano Deveras é escritor. Autor de "Jantar às 11" (Nova Alexandria, 2017).

Em sua estreia no romance, a paulista Cristina Judar constrói uma obra polifônica e de alta potência lírica com foco na inter-relação entre dois casais homossexuais
[caption id="attachment_100720" align="aligncenter" width="620"] Cristina Judar estreia no gênero do romance com "Oito do sete"[/caption]
Sérgio Tavares
Especial para o Jornal Opção
Sempre me pareceu improvável um autor alcançar tamanha voltagem sensorial, ao descrever a descoberta da sexualidade, como o fez o norte-americano James Baldwin, em “Giovanni”. Está no trecho do romance em que o personagem-narrador rememora sua adolescência, à época em que passava férias na casa de veraneio do amigo Joey.
Numa noite quente, depois de um dia na praia, o narrador é despertado pela luminosidade vinda do quarto do amigo. Estão sozinhos na casa. Ele então se levanta e encontra Joey verificando o travesseiro, por conta da suspeita de ter sido picado por um percevejo. O fato inusitado dá partida a um trilho de provocações e, no momento em que se atracam, algo diferente, de todas as outras vezes em que fizeram essas lutas de brincadeira, ganha forma.
“Mas daquela vez, quando o toquei, alguma coisa aconteceu nele e em mim, tornando aquele contato diferente de qualquer outro que conhecêssemos. E ele não resistiu, como fazia quase sempre, mas ficou ali onde eu o levara, contra meu peito. E eu compreendi que meu coração disparara e que Joey estremecia, e a luz no quarto era muito brilhante e quente. Comecei a mover-me e a fazer algum tipo de brincadeira, mas Joey murmurou alguma coisa e inclinei a cabeça para ouvir o que era. Joey ergueu a dele enquanto eu abaixava a minha, e nos beijamos por assim dizer, acidentalmente. E então, pela primeira vez em minha vida, tive plena consciência do corpo de outra pessoa, do cheiro de outra pessoa. Tínhamos os braços passados em volta um do outro. Era como se eu segurasse na mão um pássaro raro, exausto, quase condenado, que milagrosamente eu conseguira descobrir. Eu estava muito assustado, tenho a certeza de que ele também, e fechamos os olhos”.
É uma cena intensa embora carregada de doçura, que concentra um descompasso de sensações: espanto, atração, medo, prazer. Baldwin vai construindo todo o ato a partir de transições sutis entre resistência e aceitação, por fim alteando o cumprimento do desejo a um marco de transformação capaz de determinar uma conduta. “Pareceu, naqueles momentos, que toda uma vida não bastaria para que eu executasse com Joey o ato de amor”. Considero-o um trecho insuperável.
Mas eis que sou tomado de assalto, ainda nas primeiras páginas de “Oito do sete” (Editora Reformatório, 2017, 152 páginas), da paulista Cristina Judar, pela voz imperiosa de Magda.
Assim como o narrador de “Giovanni”, ela recua os anos; como no caso dele, o gérmen da mutabilidade física e intelectual está da sexualidade. Não há um momento-chave, porém. Magda vai narrando sua (trans) formação a partir de um código que faz sentido apenas para si, cujo sistema (ou entropia) processa referências de seriados, telenovelas, música, cinema e de outras expressões culturais e os convertem em acessos para a descoberta de um mundo que não aquele reservado para garotinhas.
São fragmentos de memórias que dão conta de conflitos e de conflitos internos, articulados num trânsito veloz que cruza a rebeldia juvenil, a rejeição ao modelo tradicional de família pai-e-mãe/mulher-e-homem, encontrando, tal qual na cena escrita por Baldwin, a consumação do desejo numa noite de verão ao lado de Glória.
“Ficamos a sós. Eram tantas as estrelas sobre minha pele que me senti em um filme 3D. Ou elas desceram. Ou fomos nós que subimos. E sentamos na calda de um cometa, como naquelas imagens antigas da Atlântida. Dissemos tantas coisas, brilhamos conforme as dizíamos, sentimos nossos corpos e espíritos, demos luz a milhares de seres e a espaços sem nos darmos conta disso, novas constelações foram condensadas, sóis escorregavam pelo firmamento fúcsia, buracos negros engoliram e foram engolidos, vias lácteas percorreram seus trajetos. (…) De tanto existir e de gerar, e de criar e reinventar, adormecemos extenuadas acima do mundo. Amanheceu. Dos degraus da varanda da casa à praia era um pulo. A consagração no mar. Até que o sol se pusesse, éramos mel e areia; sal e água; havia galáxias aos nossos pés”.
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"Oito do sete" (romance) | Autora: Cristina Judar | Editora: Reformatório | Ano: 2017 | Páginas: 152[/caption]
Ato contínuo, Magda e Glória tornam-se amantes e atam um relacionamento intenso, cujo fervor desencadeia “agressões e subversões”. Magda, neste ponto da vida, torna-se uma estilista renomada, e por aí também decidem frequentar um clube de casais homossexuais que se consorciam para ter relações heterossexuais. Num desses encontros, conhecem Rick e Jonas. Glória, que tinha experiência anterior com homens, transa com Rick, e Magda e Jonas percebem que “são gays demais para isso”.
Ocorre que o interesse entre Glória e Rick rompe o ciclo da casualidade e, um vão temporal depois (“Quando me dei conta, não havia mais nada”), ambos são um casal vivendo em Roma, onde sobrevivem entre a idealização artística e a realidade tapa-na-cara do imigrante. Criam, desconstroem, têm uma perda feia e tudo segue feito um jogo de resta um, até acabar. Essa é a visão do conjunto de fatos que liga esses quatro personagens, pela ótica de Magda.
“Ter seis asas é estar nu”: um anjo, uma cidade e uma amante.
Há um quinto personagem, no entanto. Um ser etéreo, um anjo de nome Serafim; por assim ser, um serafim. Em sua voragem de discurso direto e devaneio, Magna coopta sua presença na trama, comunica-se com ele via carta. Mais adiante, Serafim ganhará voz ativa, onde narrará o próprio nascimento, algumas de suas peregrinações pela Terra e o organismo de autarquias que define o Céu e Sua planificação no controle sobre a humanidade. O ápice de seu discurso está, porém, nos momentos em que assoma o destino traçado pelo quarteto terrestre, em especial em dois capítulos belíssimos nos quais relata a experiência de entendimentos carnais no contato com Magda.
Roma, a cidade, é outra a ter sonância. Palco da busca de Glória e Rick por um sentido na vida, por um recomeço que os inocentassem daquilo e daqueles que inadvertidamente deixaram para trás, o lugar se conta por meio de uma arqueologia de sentidos, do exame do que viveu (a história, a arquitetura, o espírito do tempo) e da presciência de uma soma de outros dramas que terão a si como cenário, como um território onde sonhos irão nascer e morrer, onde pessoas sonharão a morte e a vida.
O testemunho mais urgente, contudo, é o de Glória. Se toda história tem dois lados, seu papel de amante de Magda adquire outros contornos quando a percepção do que aconteceu é filtrada pelo seu ponto de vista. Sua decisão, antes posta sob o julgamento de uma traidora, vai se descamando um ato imprevisto de alguém libertário sobre suas escolhas, sobre as possibilidades que norteiam a preferência sexual. “Os homens são embarcações; as mulheres, terra para me afundar. Meus movimentos e os delas, por sua vez, construíram formas ergonômicas, nas quais eu me reconhecia enquanto ofertava e colhia. É perfeita a união entre os iguais. Responsável por manter eu e Magda atadas por tanto tempo, a despeito de nossas temporalidades. Deus sabe o que faz, minha mãe sempre disse isso. Em um mundo físico, o desejo satisfeito da carne é o sedimento da verdade, unicamente por resultar em um corpo composto, por uma, duas ou mais pessoas”.
Glória não está num limite antagônico ao de Magda, e sim num espaço além, no qual a idealização do relacionamento homem-mulher/mulher-mulher não passa de tentativas de classificar uma união que pode consolidar-se em estado físico e/ou espiritual. Reflete que o desejo é algo que vem num fluxo que não predefine desagues, que há mudanças nos papéis e tarefas como há “mudanças de humores, noite e dia, sol e chuva”. Por isso se aventurou com Rick, aventurou-se por Roma e tal aventura teve um sabor ferroso, ao fim. “Desde criança Magda sabia o que queria ser”, declara. Ela, não.
Cristina Judar, em sua estreia no romance, constrói uma narrativa compósita, hiperestésica e polirrítmica, cujo apuro no trabalho da linguagem ocasiona uma prosa altamente lírica e simbólica, na qual a sexualidade (ou a homossexualidade) se destaca como uma espécie de deusa do sagrado e do profano. As quatro vozes que vão construindo esse universo de atamentos e desenlaces emocionais, de imanência e de abismo, de convivência entre o etéreo e o palpável, estabelecem uma condição volúvel para as leis de espaço e tempo, transitando da experiência infantil para um passado mais recente em que, não raro, a vida adulta adquire uma atmosfera de sonho, de delírio.
A força de seu texto está justamente no entrelaçamento entre essas camadas vibrantes, essas frequências de pensamentos, imagens e lembranças que traduzem seus personagens e suas motivações por meio de um circuito complexo, em que a natureza do discurso rompe barreiras fornais e determina a marca de uma literatura magnética.
Com a morte recente da escritora Elvira Vigna, escritoras do porte de Cristina Judar são necessárias pela capacidade de imprimir uma identidade, pela busca de caminhos sem facilidades para desconcertar o leitor, pela coragem de experimentar e envolver com ficção temas cuja natureza a sociedade ainda não conseguiu assimilar, passados mais de sessenta anos da publicação da obra-prima de James Balwin.
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Trechos de “Oito do sete”, de Cristina Judar:
A lâmpada em movimento pendular, meu rosto apareceu, desapareceu, apareceu, desapareceu, entre claro e oculto. Dessa vez era o meu rosto, e não o de Magda, que ia e voltava. O piso virou um barco sob ondas fortes, eu estava em um mar. Em uma inversão de papéis, em uma crise de identidade em relação ao segundo anterior, você não sabe mais se é pessoa, peixe, ave, coroa, estômago ou coração. Passa a ser uma mistura de tudo isso, uma miscelânea atrapalhada, embora haja vantagens. Como em uma pequena morte, você volta para a vida desconcertada por não ter morrido. Catástrofes, acreditamos, são feitas para dizimar, não para dar vida. Mas elas são comandadas por gênios contrários, que amam derrubar por terra as expectativas do povo. Catástrofes dão vida até ao que já está morto. Fazem o povo tomar um prumo. Fui sacolejada em minha tumba de Roma. Em resumo, o movimento todo valeu para que eu descobrisse uma coisa: os terremotos são os orgasmos do planeta. Sérgio Tavares é jornalista e escritor.Autor de Dos delitos e das penas, Cesare Beccaria foi responsável por reformas em quase todos os códigos penais do mundo

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Obra é respaldada por alguns cientistas proeminentes, mas fica-se com a impressão de que se trata de uma concessão à boa intenção do autor. Em tempos de Donald Trump e de sua teoria do localismo dos efeitos ambientais, todo chamamento ao bom senso é bem-vindo