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Herberto Helder, o poeta que tinha como obsessão arrancar palavras da alma

Adelto Gonçalves Especial para o Jornal Opção [caption id="attachment_31722" align="alignleft" width="250"]Herberto Helder foi o autor de uma obra consistente, mas que viveu uma vida em construção | Foto: publico.pt Herberto Helder foi o autor de uma obra consistente, mas que viveu uma vida em construção | Foto: publico.pt[/caption] Se Fernando Pessoa (1888-1935) foi a figura de proa da poesia portuguesa na primeira metade do século XX, na segunda es­se espaço foi ocupado por Herberto Helder (1930-2015), um poeta fascinado pelo poder encantatório da linguagem, decorrente do uso ritual da palavra, como observou Maria Estela Guedes num dos dois livros que escreveu sobre essa personagem mítica, “Herberto Helder, o poeta obscuro” (Lisboa, Moraes Editores, 1979). De fato, como observa a autora no segundo livro que dedicou à produção do poeta, “A obra ao rubro de Herberto Helder” (São Paulo, Escrituras, 2010), em todos os seus poemas está presente um tipo de magia fundada no trabalho poético sobre as palavras. E que, especialmente, procura imagens na Natureza. Esse trabalho pode ser sintetizado nestas palavras de Helder, que estão no o prefácio de seu livro “As magias”: “(...) Mas as palavras não são apenas palavras. Tem longas raízes tenazes mergulhadas na carne, mergulhadas no sangue, e é doloroso arrancá-las”. Arrancar palavras da alma parece ter sido a obsessão desse poeta que, a exemplo de José Saramago (1922-2010), único Prêmio Nobel da Literatura Portuguesa, não colocou na parede diploma de nenhuma universidade. Se Saramago, que também foi bom poeta, além de excepcional romancista, não frequentou os bancos de nenhuma faculdade, Helder chegou a matricular-se na Universidade de Coimbra, mas não concluiu ne­nhum dos cursos que fez. Formou-se, isso sim, na universidade da vida. Sem contar que sempre foi um ávido leitor, não só de poetas e romancistas europeus, como de poetas latino-americanos como o mexicano Octavio Paz (1914-1998), o argentino Jorge Luís Borges (1899-1986) e o chileno Vicente Huidobro (1893-1948). Como se lê na biografia “Her­ber­to Helder, a obra e o homem” (Lis­boa, Arcádia, 1982), que escreveu a professora Maria de Fátima Marinho, vice-reitora da Universidade do Porto, o poeta, nascido no Funchal, sempre esteve na contramão da sociedade bem comportada. Por isso, sua figura, a partir da notoriedade de seus versos, passou a ganhar uma aura mítica, que só aumentou nos últimos anos, depois que se refugiou num pretenso anonimato, recusando-se a receber prêmios literários, como o Fernando Pessoa, na década de 90, e a conceder entrevistas e até a deixar-se fotografar. Em linhas gerais, viveu uma vida em construção, sem muito apego a valores burgueses: foi propagandista de produtos farmacêuticos, redator de publicidade e outros ofícios. Sabe-se também que viveu precariamente como imigrante em países como França, Holanda e Bélgica, onde igualmente desempenhou trabalhos que os naturais do lugar se recusam a fazer. Em Antuérpia, teria sido guia de marinheiros e turistas nos meandros da zona do meretrício. E até cantor de tangos. Só em 1960, depois de voltar a Lisboa, conseguiu um emprego mais estável como encarregado das bibliotecas itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian que viajavam pelas vilas e freguesias do país. Foi ainda repórter e redator por dois anos de uma revista em Angola, às vésperas da derrubada do regime colonial. Morto o poeta, naturalmente, agora abundam os elogios das fontes oficiais, mas a verdade é que Herberto Helder, ainda que tenha publicado uma vasta obra, foi um poeta marginal e desconhecido em Portugal por muito tempo – e mais ainda pelo público e até mesmo pelos acadêmicos brasileiros. Só nos últimos tempos passou a ser mais reverenciado e seus livros procurados – um ou outro chegou a alcançar tiragem de cinco mil exemplares, o que é surpreendente em se tratando de poesia. Se sua poesia transcendeu a de Fernando Pessoa, ainda não se pode dizer. Se não chegou a tanto, passou perto. Adelto Gonçalves é doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela USP

Os 5 melhores poemas goianos, segundo o poeta Carlos Willian Leite

 

o beijo de Klimt – Yêda Schmaltz
[caption id="attachment_31551" align="alignright" width="300"]Klimt_site O beijo, quadro do pintor austríaco Gustav Klimt[/caption]   No pulso da noite resvalam as minhas estruturas. Na noite, das mais escuras, meus espantos, maus espasmos e o impulso de ver-te. Na geografia do meu quarto, procuro outro canal. Maçãs, nádegas e seios me observam pelo grande espelho desfeito. Estradas, rios, os chapéus e os livros de cabeceira: uma legião de kamikazes no pulso da noite e na geografia do meu leito.   Aqui, onde me deito, procuro outro canal, um colírio, um milagre de imagem neste mundo de TV cansada e mínima. Por um caminho escuro, estreito, Entro no quadro de Gustav Klimt: um exército de estrelas no céu me ilumina; um discurso é consumado; um verso arremessado, exíguo e ébrio; e a mentira, capengando, sai por outro lado. Um filme abstrato e poético, O Beijo, de Klimt; toda a fotografia e a música de um poema, postura de Giotto, no que revoluciona, cores, formas e luzes.   Dentro do quadro de Klimt, tomo a postura da imagem feminina, a envolvida, e me ajoelho: estou nos braços no deus-beijo. Qualquer retórica seria ilógica ou tão possível, como desejou Gertrud Stein: “A rose is a rose is a rose" e o beijo de Klimt. Leda amando a glande do pescoço- pênis do amado cisne. As coisas vão crescendo: um poeta e seu mundo de fermento.   Pingos de luzes e ouros, tesouros abraçados, pedaços dos meus vestidos envolvidos, retalhos da melhor ternura, a que me faz falta. Porque o beijo que me beija Klimt é o beijo do meu Namorado, mas é também o beijo de tudo o que me ama e que desejo — meu pai que foi pra guerra e me deixou, minha mãe que não ficou madrasta me matando, pelos figos da figueira que o sabiá beliscou.   Oh, excitação do nervo óptico, o óptimo do beijo de Klimt, chuva de cores e amores em mint. Imaginação virtual, ícone de sempre, virtude, vírgula, virtuose, vitória total. O amor reciclado: olhar de novo o céu estrelado, estrelar-se, deslocar-se, implantar-se, chover-se, colorir-se, ser-se. O mundo e o amor, o fogo num simples beijo e tudo no meu olhar.   A natureza da imagem seria algo nomeável? Ou um receptáculo, um campo minado ou granulado de luzes? Centelhas brancas e vermelhas. O Beijo de Klimt é um filme extenso, que determina o intenso, na minha retina indômita; igual quando vejo as luzes e, em seguida, elas permanecem brilhando, mesmo fechando os olhos: princípio da bomba-atômica.  
Canção do Pont Neuf – Afonso Félix de Sousa
Como a juntar meus próprios ossos debrucei-me sobre lembranças que acreditava em frias poças mas nunca em águas assim mansas nem neste rio longe e próximo. É tão bom quedar-me em tais margens junto de águas que nunca bebo, onde por muito contemplar-se o céu da tarde ficou bêbado e entortaram-se aquelas árvores. Meu Sena amigo, tantas vezes parei neste cais dolorido, que uma possível correnteza levará em meio a detritos, toda minha alma pelo avesso. Perguntas, silêncios e fomes - tudo te trago qual um filho. E algo de mim se desmorona aqui nestas bordas tranqüilas, pois ci-gît mon coeur vagabond Barcos de solidões flutuam sobre tuas noites - e afogas louros fantasmas de uma lua mais longínqua, mais melancólica, mais de outro mundo do que a Lua. De ti me abeiro, e me dissolvo, mas nunca me sinto sozinho. Os que têm ouvido aqui ouvem palavras que um dia o destino prendeu a trechos de Beethoven.   Ou são falas de amar que escuto? Meu rio, de mim o que guardas? Sei de meu coração sepulto nalgum ponto de tuas margens, mas sei que de há muito está mudo. Em volta a cidade, profunda, vai pelos dois lados do rio. Para lá da cidade, o mundo. Mais para lá, o amor que tive ... meu rio como eu vagabundo.  
Melodias – Gilberto Mendonça Teles
Ternas melodias de longínquas plagas, nas manhãs da vida fascinando a gente, sois o desafio de revoltas vagas pela alma ecoando como um som ausente.   Ternas melodias, de que mundo ignoto, de que estranhas terras vindes me encontrar? Sois a transparência que no sonho noto? Sois a ressonância do poema, no ar?   Ou vindes dos astros — de uma Sírius? Vênus? De que firmamento, de que céus surgistes? Quérulos gemidos de amarguras plenos só podem ser ecos de meus sonhos tristes.   Essas melodias cheias de tristeza são talvez saudades que em meu peito eu tinha; são as confidências dessa natureza de milhares de almas que possuo na minha   Essas melodias que a minh'alma douram , que a meus sonhos beijam com tamanho ardor, essas melodias tão sonoras foram de remotos tempos vibrações de amor.  
Sem Título – Heleno Godoy
Adentrar a casa, pelo portão: pórtico finca- do entre grades, gran- de o muro em torno; entre o porão e o ático, a casa se estende e se protege: um projeto ou uma proposta (a porta a ser fechada), a casa se constrói no que acumula — um cedro no jardim e outro na sala, cortado e revestido; como o musgo a recobrir a casa e seus súditos: um súbito susto, de medo — sua medida.  
As Escarpas do Olimpo – Valdivino Braz
Os dias, os dias e os dias. Os dias-ossos, duros de roer, que o dentro é o que rói seus dias de cão. As letras, moscas, máculas de ósseos ofícios. Os degraus da rocha por onde desço: Sísifo, cansaço de artifícios. Ombros de chumbo, como nas costas de Atlas a bola do mundo. Nas escarpas do Olimpo, carrego a pedra dos rins e bebo a água do (ab)sinto: a ilusão de consolidar-se uma obra, toda uma vida, que se tira do nada pérolas de madrepérola, ou leite das pedras, ao avesso das cabras. Sobras de uma, sombras de outra, vida e obra se consolidam na ilusão de ambas, tão certo quanto incerto o futuro, tão claro quanto surpreender-me no escuro. Mas que diabos! Há um cão mais arcaico do que lamber-se o branco, feito coito? Já devia ter-me acostumado à idéia da inutilidade de tudo — esquecer-se de si, matar-se de vida por uma obra. Tenho moído as pedras desta vida, e soprado os fantasmas do pó. Mão e mó de moer-se sozinho, o sonho é que move os moinhos. Prevalece o branco — a óssea resistência, a imponência da rocha — onde a vassoura dos ventos junta a ciscalha dos signos. Tenho varrido as folhas de tudo, as quedas do tempo, as sobras do sonho, a munha, no moinho dos ventos. Nos bolsos ainda apanho sustos, ainda alguma ilusão de Olimpo, o cisco do redemoinho das formas. Ainda uns fogos da noite, sonâmbulos relâmpagos, incendeiam meu quintal de figos efêmeros, os maduros imaginários do relógio. Ocupado em viver a morte que me vive, vivo enquanto agonizo. O tempo é um maestro de facas, e a vida o gemido rasgado de galos que morrem, mas agora a tudo tempero com a salsa da indiferença: já nem ligo para os furos nos bolsos, por onde tudo vazou: as pedras moídas nas horas desertas desta porfia à revelia de ampulheta. Toda perda, os frutos que perdi. Todo branco, a poeira que comi. Mas não se eleva do pó o Olimpo dos reveses? Vá que ainda me limpo na fortaleza dos deuses. Ah, pendurar-me o suor num prego, me banhar com a água do sossego!

O dia em que o mundo dedica um pouco de seu tempo para ler Tolkien

Hoje, em diversos países, pessoas dedicam um pouco de seu tempo a ler a obra de um dos autores mais célebres da literatura mundial: J.R.R. Tolkien. Leia você também Marcos Nunes Carreiro [caption id="attachment_31506" align="alignright" width="300"]Tolkien J.R.R. Tolkien: o autor é celebrado neste 25 de março[/caption] “Num buraco no chão vivia um Hobbit”. Foi com esta frase que o mundo conheceu John Ronald Reuel Tolkien, o homem que não apenas colocou a escrita de fantasia de volta nas prateleiras de todo o mundo, como também criou as bases para que fosse considerado o “pai da fantasia moderna”. Geralmente lembrado como o autor de “O Senhor dos Aneis”, Tolkien possui uma obra que abrange mais de 50 livros — grande parte deles publicados postumamente. Essa vasta obra contém a criação de um autor que formou uma mitologia completa para compor o mundo que mudou a forma de escrever sobre fantasia e, até os dias atuais, serve de guia para diversos autores, músicos, cineastas, pintores etc. Por isso, Tolkien é o motivo que levou à formação de várias sociedades ao redor do mundo, como a Tolkien Brasil, que divulga o trabalho do autor no País e aglomera fãs e pesquisadores de sua obra. A principal dessas sociedades, como não poderia deixar de ser, é a internacional Tolkien Society, que tem sede na Inglaterra. Em 2003, essa organização deu início ao dia que motiva a escrita desta matéria: o Dia de Ler Tolkien. O dia comemorativo foi escolhido pela Tolkien Society depois que um jornalista perguntou ao comitê: “Existe um dia dedicado informalmente para ler o autor, da mesma forma que o ‘bloomsday’ é dedicado a Joyce?”. Bloomsday é o único feriado no mundo dedicado à leitura de um livro não religioso, em que milhares de pessoas param o trabalho na Irlanda para ler James Joyce. Por isso, o comitê da Tolkien Society, liderado à época por Chris Crawshaw, escolheu o dia 25 de março como o marco para ler a obra do autor britânico. Em homenagem a este dia, o Jornal Opção reproduz um dos trechos mais marcantes de “O Silmarillion”, obra central da mitologia tolkieniana, em que o autor descreve a criação das árvores que regem as histórias do mundo antigo, as Árvores de Valinor:

E enquanto olhavam, sobre a colina surgiram dois brotos esguios; e o silêncio envolveu todo o mundo naquela hora, nem havia nenhum outro som que não o canto de Yavanna. Em obediência a seu canto, as árvores jovens cresceram e ganharam beleza e altura; e vieram a florir; e assim, surgiram no mundo as Duas Árvores de Valinor. De tudo o que Yavanna criou, são as mais célebres, e em torno de seu destino são tecidas todas as histórias dos Dias Antigos.

Uma tinha folhas verde-escuras, que na parte de baixo eram como prata brilhante; e de cada uma de suas inúmeras flores caía sem cessar um orvalho de luz prateada; e a terra sob sua copa era manchada pelas sombras de suas folhas esvoaçantes. A outra apresentava folhas de um verde viçoso, como o da faia recém-aberta, orladas de um dourado cintilante. As flores balançavam nos galhos em cachos de um amarelo flamejante, cada um na forma de uma cornucópia brilhante, derramando no chão uma chuva dourada. E da flor daquela árvore, emanavam calor e uma luz esplêndida. Telperion, a primeira, era chamada em Valinor; mas Laurelin era a outra.

Leia mais: Tolkien: de fato o senhor da fantasia Jackson reinventa Tolkien O Hobbit e a eterna dualidade entre literatura e cinema Tomado pela “doença do dragão”, Peter Jackson destruiu a obra de J.R.R. Tolkien

“Violeta velha e outras flores”: a obra de quem não queria apenas contar, mas representar histórias

Em seu primeiro livro, o publicitário paulista Matheus Arcaro busca o refinamento das palavras com o objetivo de significar a paisagem escarnecida ao redor de suas personagens

Na contramão de Kubrick, mineiro condena a violência de mãos dadas com a civilização

Matheus Moura faz, em seu romance gráfico, o que Coetzee não fez: explicita sua militância a favor dos chamados Direitos dos Animais

Uma lista impossível: os 15 melhores poemas de amor

Yago Rodrigues Alvim Sabe aqueles textos que te inquietam, agoniam sem sequer uma palavra estar escrita? E nem precisa ser texto. Sabe aquela coisa que te bota medo, antes mesmo que exista uma ínfima possibilidade que aconteça? Que te estremece mesmo, que te deixa perdido, sem qualquer indicação de caminho? Foi bem assim ter que elencar alguns poemas e intitulá-los como “os melhores poemas”. Por isso, alguns jornalistas, escritores, artistas ajudaram a preencher as próximas linhas de mais puro amor. Para esclarecer, não seguem uma hierarquização de “qual é o melhor”, até porque, às vezes, o melhor poema de amor pode ser um olhar, um sorriso, um abraço. Pode ser qualquer coisa que te diga, te faça sentir que “te amo”. Antes, bem vale dizer que só seria uma lista definitiva se todas as poesias fossem conhecidas e se fosse possível todas lê-las e, ainda, se todas escritas já tivessem sido. Como não, é efêmera a lista, breve, tal qual um susto de amor. E, ainda há o alerta: é quase impossível não repetir Drummond, não repetir Vinícius, assim como é quase impossível viver sem amar ou não ser ridículo, caro Pessoa, ao falar de amor. [caption id="attachment_29916" align="alignnone" width="620"]"O Beijo" de Gustav Klimt "O Beijo" de Gustav Klimt[/caption] As sem razões do amor - Carlos Drummond de Andrade Eu te amo porque te amo. Não precisas ser amante, E nem sempre sabes sê-lo. Eu te amo porque te amo. Amor é estado de graça E com amor não se paga.   Amor é dado de graça É semeado no vento, Na cachoeira, no eclipse. Amor foge a dicionários E a regulamentos vários.   Eu te amo porque não amo Bastante ou demais a mim. Porque amor não se troca, Não se conjuga nem se ama. Porque amor é amor a nada, Feliz e forte em si mesmo.   Amor é primo da morte, E da morte vencedor, Por mais que o matem (e matam) A cada instante de amor.   Quero - Carlos Drummond de Andrade Quero que todos os dias do ano todos os dias da vida de meia em meia hora de 5 em 5 minutos me digas: Eu te amo.   Ouvindo-te dizer: Eu te amo, creio, no momento, que sou amado. No momento anterior e no seguinte, como sabê-lo?   Quero que me repitas até a exaustão que me amas que me amas que me amas. Do contrário evapora-se a amação pois ao não dizer: Eu te amo, desmentes apagas teu amor por mim.   Exijo de ti o perene comunicado. Não exijo senão isto, isto sempre, isto cada vez mais. Quero ser amado por e em tua palavra nem sei de outra maneira a não ser esta de reconhecer o dom amoroso, a perfeita maneira de saber-se amado: amor na raiz da palavra e na sua emissão, amor saltando da língua nacional, amor feito som vibração espacial. No momento em que não me dizes: Eu te amo, inexoravelmente sei que deixaste de amar-me, que nunca me amastes antes.   Se não me disseres urgente repetido Eu te amoamoamoamoamo, verdade fulminante que acabas de desentranhar, eu me precipito no caos, essa coleção de objetos de não-amor.   Um poema de amor - Charles Bukowski (Tradução: Jorge Wanderley) todas as mulheres todos os beijos delas as formas variadas como amam e falam e carecem.   suas orelhas elas todas têm orelhas e gargantas e vestidos e sapatos e automóveis e ex- maridos.   principalmente as mulheres são muito quentes elas me lembram a torrada amanteigada com a manteiga derretida nela.   há uma aparência no olho: elas foram tomadas, foram enganadas. não sei mesmo o que fazer por elas.   sou um bom cozinheiro, um bom ouvinte mas nunca aprendi a dançar — eu estava ocupado com coisas maiores.   mas gostei das camas variadas lá delas fumar um cigarro olhando pro teto. não fui nocivo nem desonesto. só um aprendiz.   sei que todas têm pés e cruzam descalças pelo assoalho enquanto observo suas tímidas bundas na penumbra. sei que gostam de mim algumas até me amam mas eu amo só umas poucas.   algumas me dão laranjas e pílulas de vitaminas; outras falam mansamente da infância e pais e paisagens; algumas são quase malucas mas nenhuma delas é desprovida de sentido; algumas amam bem, outras nem tanto; as melhores no sexo nem sempre são as melhores em outras coisas; todas têm limites como eu tenho limites e nos aprendemos rapidamente.   todas as mulheres todas as mulheres todos os quartos de dormir os tapetes as fotos as cortinas, tudo mais ou menos como uma igreja só raramente se ouve uma risada.   essas orelhas esses braços esses cotovelos esses olhos olhando, o afeto e a carência me sustentaram, me sustentaram.   Eu Te Amo - Chico Buarque  Ah, se já perdemos a noção da hora Se juntos já jogamos tudo fora Me conta agora como hei de partir   Se ao te conhecer, dei pra sonhar, fiz tantos desvarios Rompi com o mundo, queimei meus navios Me diz pra onde é que inda posso ir   Se nós, nas travessuras das noites eternas Já confundimos tanto as nossas pernas Diz com que pernas eu devo seguir   Se entornaste a nossa sorte pelo chão Se na bagunça do teu coração Meu sangue errou de veia e se perdeu   Como, se na desordem do armário embutido Meu paletó enlaça o teu vestido E o meu sapato inda pisa no teu   Como, se nos amamos feito dois pagãos Teus seios inda estão nas minhas mãos Me explica com que cara eu vou sair   Não, acho que estás te fazendo de tonta Te dei meus olhos pra tomares conta Agora conta como hei de partir   Poeminha Amoroso - Cora Coralina Este é um poema de amor tão meigo, tão terno, tão teu... É uma oferenda aos teus momentos de luta e de brisa e de céu... E eu, quero te servir a poesia numa concha azul do mar ou numa cesta de flores do campo. Talvez tu possas entender o meu amor. Mas se isso não acontecer, não importa. Já está declarado e estampado nas linhas e entrelinhas deste pequeno poema, o verso; o tão famoso e inesperado verso que te deixará pasmo, surpreso, perplexo... eu te amo, perdoa-me, eu te amo...   Todas as cartas de amor… - Fernando Pessoa Todas as cartas de amor são Ridículas. Não seriam cartas de amor se não fossem Ridículas.   Também escrevi em meu tempo cartas de amor, Como as outras, Ridículas.   As cartas de amor, se há amor, Têm de ser Ridículas.   Mas, afinal, Só as criaturas que nunca escreveram Cartas de amor É que são Ridículas.   Quem me dera no tempo em que escrevia Sem dar por isso Cartas de amor Ridículas.   A verdade é que hoje As minhas memórias Dessas cartas de amor É que são Ridículas.   (Todas as palavras esdrúxulas, Como os sentimentos esdrúxulos, São naturalmente Ridículas.)   Amar - Florbela Espanca Eu quero amar, amar perdidamente! Amar só por amar: Aqui... além... Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente Amar! Amar! E não amar ninguém!   Recordar? Esquecer? Indiferente!... Prender ou desprender? É mal? É bem? Quem disser que se pode amar alguém Durante a vida inteira é porque mente!   Há uma Primavera em cada vida: É preciso cantá-la assim florida, Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!   E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada Que seja a minha noite uma alvorada, Que me saiba perder... pra me encontrar...   Amor que morre - Florbela Espanca O nosso amor morreu... Quem o diria! Quem o pensara mesmo ao ver-me tonta, Ceguinha de te ver, sem ver a conta Do tempo que passava, que fugia!   Bem estava a sentir que ele morria... E outro clarão, ao longe, já desponta! Um engano que morre... e logo aponta A luz doutra miragem fugidia...   Eu bem sei, meu Amor, que pra viver São precisos amores, pra morrer, E são precisos sonhos para partir.   E bem sei, meu Amor, que era preciso Fazer do amor que parte o claro riso De outro amor impossível que há de vir!   Elegia: Indo para o leito - John Donne (Tradução de Augusto Campos) Vem, Dama, que eu desafio a paz, Até que eu lute, em luta o corpo jaz. Como o inimigo diante do inimigo, Canso-me de esperar se nunca brigo. Solta esse cinto sideral que vela, Céu cintilante, uma área ainda mais bela. Desata esse corpete constelado, Feito para deter o olhar ousado. Entrega-te ao torpor que se derrama De ti a mim, dizendo: hora da cama. Tira o espartilho, quero descoberto O que ele guarda, quieto, tão de perto. O corpo que de tuas saias sai É um campo em flor quando a sombra se esvai. Arranca essa grinalda armada e deixa Que cresça o diadema da madeixa. Tira os sapatos e entra sem receio Nesse templo de amor que é nosso leito. Os anjos mostram-se num branco véu aos homens. Tu, meu Anjo, é como o Céu De Maomé. E se no branco têm contigo Semelhança os espíritos, distingo: O que o meu Anjo branco põe não é O cabelo mas sim a carne em pé. Deixa que a minha mão errante adentre Atrás, na frente, em cima, em baixo, entre. Minha América! Minha terra à vista, Reino de paz, se um homem só a conquista, Minha Mina preciosa, meu Império! Feliz de quem penetre o teu mistério! Liberto-me ficando teu escravo; Onde cai minha mão, meu selo gravo. Nudez total! Todo prazer provém De um corpo (como a alma sem corpo) Sem vestes. As jóias que mulher ostenta São como bolas de ouro de Atlanta: Os olhos do tolo que uma gema inflama Ilude-se com ela e perde a dama. Como encadernação vistosa, feita Para iletrados, a mulher se enfeita; Mas ela é um livro místico e somente A alguns (a qual tal graça se consente) É dado lê-la. Eu sou um que sabe; Como se diante da parteira, abre-Te: Atira, sim, o linho branco fora, Nem penitência nem decência agora. Para ensinar-te eu me desnudo antes: A coberta de um homem te é bastante   Bilhete - Mário Quintana  Se tu me amas, ama-me baixinho Não o grites de cima dos telhados Deixa em paz os passarinhos Deixa em paz a mim! Se me queres, enfim, tem de ser bem devagarinho, Amada, que a vida é breve, e o amor mais breve ainda...   Poema XLIV - Pablo Neruda  Saberás que não te amo e que te amo pois que de dois modos é a vida, a palavra é uma asa do silêncio, o fogo tem a sua metade de frio.   Amo-te para começar a amar-te, para recomeçar o infinito e para não deixar de amar-te nunca: por isso não te amo ainda.   Amo-te e não te amo como se tivesse nas minhas mãos a chave da felicidade e um incerto destino infeliz.   O meu amor tem duas vidas para amar-te. Por isso te amo quando não te amo e por isso te amo quando te amo.   Os espaços do sono - Robert Desnos (Tradução de Eclair Antônio Almeida Filho) À noite há naturalmente as sete maravilhas do mundo e a grandeza e o trágico e o encanto. Nela as florestas se chocam confusamente com criaturas de lenda escondidas nos bosques. Há você. Na noite há o passo do caminhante e o do assassino e o do agente de polícia e a luz do revérbero e a da lanterna do trapeiro. Há você. Na noite passam os trens e os barcos e a miragem dos países onde é dia. Os derradeiros sopros do crepúsculo e os primeiros arrepios da aurora. Há você. Uma ária de piano, um brilho de voz. Uma porta range. Um relógio. E não somente os seres e as coisas e os ruídos materiais. Mas ainda eu que me persigo ou sem cessar me ultrapasso. Há você a imolada, você que eu espero. Por vezes estranhas figuras nascem no instante do sono e desaparecem. Quando cerro os olhos, florações fosforescentes aparecem e murcham e renascem como carnosos fogos de artifício. Países desconhecidos que percorro em companhia de criaturas. E há você sem dúvida, ó bela e discreta espiã. E a alma palpável do espaço. E os perfumes do céu e das estrelas e o canto do galo de há 2 000 anos e o choro do pavão em parques em chama e beijos. Mãos que se apertam sinistramente numa luz baça e eixos que rangem sobre estradas medusantes. Há você sem dúvida que não conheço, que conheço ao contrário. Mas que, presente em meus sonhos, te obstinas a neles se deixar adivinhar sem aparecer. Você que permanece inapreensível na realidade e no sonho. Você que pertence a mim por minha vontade de possuí-la em ilusão, mas que não aproxima seu rosto do meu como meus olhos fechados tanto ao sonho como à realidade. Você que a despeito de uma retórica fácil em que a onda morre nas praias, em que a gralha voa em usinas em ruínas, em que a madeira apodrece rachando-se sob um sol de chumbo. Você que está na base de meus sonhos e que excita meu espírito pleno de metamorfoses e que me deixa sua luva quando beijo sua mão. À noite há as estrelas e o movimento tenebroso do mar, dos rios, das florestas, das idades, das relvas, dos pulmões de milhões e milhões de seres. À noite há as maravilhas do mundo. À noite não há anjos da guarda, mas há o sono. À noite há você. No dia também.   Monólogo de Orfeu - Vinicius de Moraes Mulher mais adorada! Agora que não estás, deixa que rompa o meu peito em soluços Te enrustiste em minha vida, e cada hora que passa É mais por que te amar a hora derrama o seu óleo de amor em mim, amada.   E sabes de uma coisa? Cada vez que o sofrimento vem, essa vontade de estar perto, se longe ou estar mais perto se perto Que é que eu sei? Este sentir-se fraco, o peito extravasado o mel correndo, essa incapacidade de me sentir mais eu, Orfeu; Tudo isso que é bem capaz de confundir o espírito de um homem.   Nada disso tem importância Quando tu chegas com essa charla antiga, esse contentamento, esse corpo E me dizes essas coisas que me dão essa força, esse orgulho de rei.   Ah, minha Eurídice Meu verso, meu silêncio, minha música. Nunca fujas de mim. Sem ti, sou nada. Sou coisa sem razão, jogada, sou pedra rolada. Orfeu menos Eurídice: coisa incompreensível! A existência sem ti é como olhar para um relógio Só com o ponteiro dos minutos. Tu és a hora, és o que dá sentido E direção ao tempo, minha amiga mais querida!   Qual mãe, qual pai, qual nada! A beleza da vida és tu, amada Milhões amada! Ah! Criatura! Quem poderia pensar que Orfeu, Orfeu cujo violão é a vida da cidade E cuja fala, como o vento à flor Despetala as mulheres - que ele, Orfeu, Ficasse assim rendido aos teus encantos?   Mulata, pele escura, dente branco Vai teu caminho que eu vou te seguindo no pensamento e aqui me deixo rente quando voltares, pela lua cheia Para os braços sem fim do teu amigo   Vai tua vida, pássaro contente Vai tua vida que estarei contigo.   Namorados no Mirante - Vinicius de Moraes  Eles eram mais antigos que o silêncio A perscrutar-se intimamente os sonhos Tal como duas súbitas estátuas Em que apenas o olhar restasse humano. Qualquer toque, por certo, desfaria Os seus corpos sem tempo em pura cinza. Remontavam às origens - a realidade Neles se fez, de substância, imagem. Dela a face era fria, a que o desejo Como um hictus, houvesse adormecido Dele apenas restava o eterno grito Da espécie - tudo mais tinha morrido. Caíam lentamente na voragem Como duas estrelas que gravitam Juntas para, depois, num grande abraço Rolarem pelo espaço e se perderem Transformadas no magma incandescente Que milênios mais tarde explode em amor E da matéria reproduz o tempo Nas galáxias da vida no infinito.   Eles eram mais antigos que o silêncio...   Soneto de Fidelidade  - Vinicius de Moraes De tudo ao meu amor serei atento Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto Que mesmo em face do maior encanto Dele se encante mais meu pensamento.   Quero vivê-lo em cada vão momento E em seu louvor hei de espalhar meu canto E rir meu riso e derramar meu pranto Ao seu pesar ou seu contentamento   E assim, quando mais tarde me procure Quem sabe a morte, angústia de quem vive Quem sabe a solidão, fim de quem ama   Eu possa me dizer do amor (que tive): Que não seja imortal, posto que é chama Mas que seja infinito enquanto dure.

Os 15 melhores romances brasileiros do século 21. Segundo o Brasil Post

A lista contém obras literárias de qualidade. Mas esquece "Um Defeito de Cor", talvez o romance brasileiro mais importante publicado no século 21

Brasileiro Bernardo Ajzenberg ganha prêmio cubano Casa de las Américas

Bernardo Ajzenberg (foto acima, da Cosac Naify) é um jornalista que escreve bem ou é de fato um escritor a ser considerado? Ex-repórter, editor e ombudsman da “Folha de S. Paulo”, Ajzenberg venceu o prêmio cubano Casa de las Américas, na categoria literatura brasileira, com o romance “Minha Vida Sem Banho” (Editora Rocco). A colombiana Adelayda Fernádez Ochoa levou o prêmio principal, com “La Hoguera Lame Mi Piel Con Cariño de Perro”. O colombiano Nelson Omero Guzmán, com o livro “Bajo el Brillo de la Luna”, levou o prêmio de poesia. O cubano José Ferrán Oliva, autor de “Cuba Año 2025”, ganhou o prêmio na categoria de melhor ensaio de tema histórico e social.

Romance é produto de caçada de Chico Buarque pelo irmão alemão

[caption id="attachment_21474" align="alignleft" width="620"]Chico Buarque de Holanda e Sergio Günther, seu irmão alemão: a imaginação “reconstruiu”  a história do misterioso filho de Sérgio Buarque de Holanda. O jornalista e cantor morreu de câncer no pulmão Chico Buarque de Holanda e Sergio Günther, seu irmão alemão: a imaginação reconstruiu” a história do misterioso filho de Sérgio Buarque de Holanda. O jornalista e cantor morreu de câncer no pulmão[/caption] Poucas vezes um livro — o romance “O Irmão Alemão” (Companhia das Letras, 239 páginas) — mereceu tanto destaque na imprensa brasileira. Os motivos? Primeiro, o autor. Chico Buarque é, além de escritor, um dos mais importantes compositores do País. É uma estrela, embora não queira ser uma celebridade. Segundo, na atualidade, não há tantos autores de qualidade, ou de alta qualidade, no mercado literário patropi. A “Folha de S. Paulo” concedeu três páginas ao lançamento do romance, com reportagens e duas críticas de qualidade, curtas mas sólidas, de Alcir Pécora e Marcelo Coelho. O jornal é responsável, de longe, pela mais rica cobertura da publicação de “O Irmão Alemão”. Logo a “Folha”, que empobreceu sua cobertura literária. A “Ilustrada”, aos sábados abre mais espaço para literatura, é em geral fraca, exceto quando publica as críticas mais contundentes de Alcir Pécora e Luís Augusto Fischer. As críticas dos professores da Universidade de Campinas (Unicamp) e da Universidade do Rio Grande do Sul são consistentes, corajosas e posicionadas. Não ficam em cima do muro — o que tem provocado reações acerbas, às vezes infantis, de alguns criticados. “O Irmão Alemão” é um romance, não uma biografia, sobre o irmão mais velho de Chico Buarque de Holanda, Sergio Georg Ernst (mais conhecido como Sergio Günther), nascido em 1930 e falecido em 1981, aos 50 anos, em decorrência de câncer de pulmão. Ele era jornalista e, como alguns integrantes da família Buarque, cantor. O jornalista, escritor e biógrafo Ruy Castro ouviu sua música, a pedido da “Folha”, e disse que “é uma boa droga, típica do pior pop europeu por volta de 1960”. Correspondente de “O Jornal” (de Assis Chateaubriand) na Alemanha pré-Hitler, Sérgio Buarque namorou a alemã Anne Margerithe Ernst e, com ela, teve o garoto Sergio Ernst, que não conheceu. O celebrado autor do clássico “Raízes do Brasil” voltou para seu País, escreveu críticas literárias e se tornou um de seus mais importantes historiadores. Chegou a receber uma carta de Anne Ernst sobre o nascimento de seu filho, mas os jovens, na turbulenta década de 1930, perderam contato. Possivelmente por não ter condições de criar o garoto, Anne Ernst entregou-o para a Prefeitura de Berlim, que decidiu informar Sérgio Buarque, em 1932. O historiador comunicou que poderia criar o menino ou poderia sustentá-lo em Berlim. Sem receber resposta, o brasileiro continuou tocando sua vida, até que, em 1934, com Hitler no poder, recebeu mais uma carta de uma autoridade alemã. O casal Arthur e Pauline Günther pretendia adotar Sergio Ernst, mas, como a Alemanha estava controlada pelo nazismo, o governo pedia informações sobre a origem do pai, Sérgio Buarque. Queriam saber, lógico, se o brasileiro era ou não de origem judaica. Se era ariano. A documentação foi enviada e, aí, esqueceu-se do assunto por um longo tempo. Em 1967, numa conversa informal, o poeta Manuel Bandeira disse a Chico Buarque que ele tinha um irmão alemão. Desde então, o compositor (e, vá lá, cantor) e escritor ficou matutando sobre a história. Queria saber mais, juntar as pontas e descobrir quem era seu irmão mais velho. Decidiu reconstruir a história, para torná-la inteligível também para ele, por intermédio de um romance. Noutras palavras, decidiu escrever uma história ficcional sobre um assunto real, acabando por iluminar uma história real que, de tão confusa e complexa, era e é meio ficcional. Pode-se dizer que a realidade é a mina de ouro da literatura, porém é preciso escavá-la o mais fundo possível para torná-la ficcional. A imaginação recria a realidade, tornando-a mais luminosa, o que não é o mesmo que copiá-la ou imitá-la (mimese não é isto). No caso do irmão de Chico Buarque, com uma história “curta”, sem dados para sustentar uma biografia precisa, a imaginação é o instrumento mais eficaz para criar uma lógica, ou uma história. O autor de “Estorvo” e “Leite Derramado” decidiu “revelar” quem é o irmão. Adotado, Sergio Ernst mudou de nome, passando a ser chamado de Horst Günther. Aos 22 anos, retomou o prenome inicial, Sergio, mas manteve o sobrenome, Günther. Na década de 1950, o jornalista Sergio Günther se aventurou pelas artes, na televisão estatal da Alemanha Oriental, a Deutscher Fernsehfunk. Além de gravar discos, pois era cantor — “a voz dele era única, muito grave e sonora, e as pessoas reconheciam-na imediatamente, disse o radialista Siggi Trzoss à “Folha de S. Paulo” —, participou de programas de variedade. Era tido como mulherengo — casou-se quatro vezes e teve dois filhos. “Meu avô trabalhou para a TV, cantava muito bem e tinha carisma”, diz Josepha Prügel, neta de Sergio Günther e bisneta de Sérgio Buarque. O comunista Sergio Günther não assistiu a queda do muro de Berlim, em 1989. Morreu antes. As famílias Günther e Buarque de Holanda hoje estão próximas. A partir de certo momento, Chico Buarque sentiu um certo bloqueio e não conseguia mais escrever o romance. Pediu apoio ao editor da Companhia das Letras, Luiz Schwarcz. Este buscou a ajuda do historiador Sidney Chalhoub, que estava na Alemanha. Chalhoub pôs o historiador brasileiro João Klug e o museólogo alemão Dieter Lange no caminho de Chico Buarque e a história “cresceu”. Para romper o bloqueio em definitivo, Schwarcz sugeriu a leitura de “Austerlitz”, do escritor alemão W. G. Sebald. O brasileiro leu também “Paris — A Festa Continuou”, do jornalista Alan Riding. “O Irmão Alemão” chega às livrarias com uma edição de 70 mil exemplares. No domingo, 16, estive na Livraria Cultura, a do shopping Casa Park, em Brasília, e os funcionários me disseram que era um dos livros mais procurados da semana. Mas ainda não estava exposto. Se publicado na Alemanha, o livro certamente se tornará best seller e possivelmente será adaptado para o cinema, lá, aqui ou, quem sabe, em Hollywood.

Confira o resultado dos vencedores da 56ª edição do Prêmio Jabuti

O resultado da 56º edição do Prêmio Jabuti foi divulgada na última quinta-feira (16/10) deu destaque a Marina Colasanti, que concorria na categoria de literatura infantil, e o mineiro Rubem Fonseca, na categoria de contos e crônica. A curadoria desta edição foi conduzida pela professora de Literatura da Universidade Presbeteriana Mackenzie e na Unicamp, Marisa Lajolo. Confira o resultado abaixo: Capa 1ºlugar – Título: A São Paulo de German Lorca = The São Paulo of German Lorca – Capista: Edson Lemos – Editora: Imesp 2ºlugar - Título: Graffiti fine art – Capista: Raquel Matsushita – Editora: Sesi 3ºlugar - Título: MURPHY – Capista: PAULO ANDRÉ CHAGAS – Editora: Cosac & Naify Edições Ilustração 1ºLugar – Título: BRASIL – Imagens sob a Ótica da Artista Meire de Oliveira – Ilustrador(a): Meire de Oliveira – Editora: MEIRE DE OLIVEIRA 2ºLugar - Título: Storynhas – Ilustrador(a): Laerte – Editora: Companhia Das Letras 3ºLugar - Título: DECAMERON: GIOVANNI BOCCACCIO – Ilustrador(a): ALEX CERVENY – Editora: Cosac & Naify Edições Ilustração de Livro Infantil ou Juvenil 1ºLugar - Título: Bárbaro – Ilustrador(a): Renato Moriconi – Editora: Companhia Das Letras 2ºLugar - Título: NANINQUIÁ – A MOÇA BONITA – Ilustrador(a): Ciça Fittipaldi – Editora: Editora Dcl 3ºLugar - Título: Conselho – Ilustrador(a): Odilon Moraes – Editora: Gráfica Editora Stamppa/ Escrita Fina Ediçõe/ Tinta Negra Bazar Editorial Arquitetura e Urbanismo 1º Lugar – Titulo: As Minas de Ouro e a formação das Capitanias do Sul – Autor: Nestor Goulart Reis Filho – Editora: Via das Artes 2º Lugar – Titulo: Preservação e Restauro Urbano: Intervenções em Sítios Históricos Industriais – Autor: Manoela Rossinetti Rufinoni – Editora: Editora Fap-Unifesp 3º Lugar – Titulo: Cidadela da Liberdade: Lina Bo Bardi e o Sesc Pompéia – Autores: Andre Vainer e Marcelo Ferraz – Editora: Edições Sesc SP Artes e Fotografia 1º Lugar – Título: Walter Zanini: escrituras críticas – Autor: Cristina Freire (organizadora) – Editora: Annablume editora e comunicação 2º Lugar - Título: MARCELLO GRASSMANN 1942-1955 – Autor: Mayra Laudanna; Leon Kossovitch – Editora: Editora da Universidade de São Paulo 3º Lugar - Título: Norberto Nicola: trama ativa = Norberto Nicola: living texture – Autor: Denise Mattar – organizadora – Editora: Imesp Biografia 1º Lugar – Título: Getúlio – Do governo provisório à ditadura do Estado Novo (1930-1945) – Autor: Lira Neto – Editora: Companhia Das Letras 2º Lugar - Título: Wilson Baptista: o samba foi sua glória! – Autor: Rodrigo Alzuguir – Editora: Casa da Palavra 3º Lugar - Título: O castelo de papel – Autor: Mary del Priore – Editora: Editora Rocco Ciências Exatas, Tecnologia e Informática 1ºLugar – Título: Estrutura atômica, ligações e estereoquímica – Autor: Henrique Eisi Toma – Editora: Editora Edgard Blucher 2ºLugar - Título: O cerne da matéria – A aventura científica que levou à descoberta do bóson de Higgs – Autor: Rogério Rosenfeld – Editora: Companhia Das Letras 3ºLugar - Título: Ciência do futuro e futuro da ciência: redes e políticas de nanociência e nanotecnologia no Brasil – Autor: Jorge Luiz dos Santos Junior – Editora: Editora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Ciências Humanas 1º Lugar - Título: O Mapa que Inventou o Brasil – Autor: Júnia Ferreira Furtado – Editora: versal Editores 2º Lugar - Título: Atlântico: A história de um oceano&34; [editora Civilização Brasileira] – Autor: Francisco Eduardo Alves de Almeida, Francisco Carlos Teixeira da Silva e Karl Schurster de Sousa Leão – Editora: Editora José Olympio 3º Lugar - Título: Compêndio de Ciência da Religião – Autor: Frank Usarski e João Décio Passos – Editora: Editora Paulinas Ciências Naturais 1º Lugar – Título: Livro Vermelho da Flora do Brasil – Autor: Gustavo Martinelli e Miguel Avila Moraes (orgs.) – Editora: Andrea Jakobsson Estúdio Editorial Ltda. 2º Lugar - Título: PEIXES DO RIO MADEIRA – Autor: vários – Editora: Dialeto Latin American Documentary. 3º Lugar - Título: Guia dos Anfíbios da Mata Atlântica – Diversidade e Biologia – Autor: Célio F. B. Haddad et al. – Editora: Anolis Books Ciências da Saúde 1º Lugar – Título: TRATADO DE ONCOLOGIA – Autor: PAULO MARCELO GEHM HOFF – Editora: Editora Atheneu 2º Lugar - Título: MEDICINA RESPIRATÓRIA – Autor: CARLOS ALBERTO DE CASTRO PEREIRA – Editora: Editora Atheneu 3º Lugar -Título: MEDICINA INTENSIVA FUNDAMENTOS E PRÁTICA – Autor: DANTE SENRA – Editora: Editora Atheneu Comunicação 1º Lugar – Título: Mídia e política na América Latina – Globalização, democracia e identidade&34; [editora Civilização Brasileira] – Autor: Carolina Matos – Editora: Editora José Olympio 2º Lugar – Título: Comunicação ubíqua: repercussões na cultura e na educação. – Autor: Lucia Santaella – Editora: Paulus Editora 3º LugarTítulo: O rosto e a máquina: o fenômeno da comunicação visto dos ângulos humano, medial e tecnológico. – Autor: Ciro Marcondes Filho – Editora: Paulus Editora Contos e Crônicas 1ºLugar – Título: Amálgama – Autor: Rubem Fonseca – Editora: Nova Fronteira 2ºLugar - Título: Você verá – Autor: Luiz Vilela – Editora: Editora Record 3ºLugar - Título: Nu, de botas – Autor: Antonio Prata – Editora: Companhia Das Letras 3ºLugar - Título: Um solitário à espreita – Autor: Milton Hatoum – Editora: Companhia Das Letras Didático e Paradidático 1º Lugar – Título: Alfabeto escalafobético – Autor: Claudio Fragata – Editora: Jujuba Editora 2º Lugar - Título: Para ler e ver com olhos livres – Autor: Flávia Aidar e Januária Cristina Alvesibi – Editora: Nova Fronteira 3º Lugar - Título: Crônicas da norma pequenas histórias gramaticais – Autor: Blandina Franco, José Carlos Lollo e Gabriel Perissé – Editora: Callis Editora Direito 1º Lugar – Título: Como decidem as cortes?: para uma crítica do direito (brasileiro) – Autor: José Rodrigo Rodriguez – Editora: Fundacao Getulio Vargas 2º Lugar – Título: Série IDP – Comentários à Constituição do Brasil – Autor: Ingo Wolfgang Sarlet, Lenio Luiz Streck, Gilmar Ferreira Mendes, Léo Ferreira Leoncy (coords.) – Editora: Editora Saraiva 3º Lugar – Título: Fundamentos para uma teoria jurídica das políticas públicas – Autor: Maria Paula Dallari Bucci – Editora: Editora Saraiva Economia, Administração e Negócios 1º Lugar – Título: Os limites do possível – A economia além da conjuntura – Autor: André Lara Resende – Editora: Companhia Das Letras 2º Lugar – Título: O futuro da indústria no Brasil [editora Civilização Brasileira] – Autor: Edmar Bacha e Monica de Bolle – Editora: Editora José Olympio 3º Lugar – Título: MONARQUIA, LIBERALISMO E NEGÓCIOS NO BRASIL: 1780-1860 – Autor: Izabel Andrade Marson; Cecília H. de S. Oliveira – Editora: Editora da Universidade de São Paulo Educação 1º Lugar – Título: Tenho um aluno surdo, e agora? Introdução à Libras e educação de surdos – Autor: Cristina B F Lacerda e Lara F Santos (Orgs) – Editora: Edufscar – Editora Da Universidade Federal De São Carlos 2º Lugar – Título: Aberturas para história da educação – Autor: Dermeval Saviani – Editora: Editora Autores Associados 3º Lugar – Título: Na trilha da gramática – conhecimento linguístico na alfabetização e letramento – Autor: Luiz Carlos Travaglia – Editora: Cortez Gastronomia 1ºLugar – Título: EXPEDIÇÃO BRASIL GASTRONÔMICO – MG-RJ-PE-CE-RN-AM – Autor: Guta Chaves; Dolores Freixa – Editora: Editora Melhoramentos 2ºLugar - Título: Os banquetes do Imperador – Autor: FRANCISCO LELLIS E ANDRÉ BOCCATO – Editora: Senac – Serviço Nacional De Aprendizagem Comercial 3ºLugar - Título: Sou barista – Autor: CONCETTA MARCELINA E CRISTIANA COUTA – Editora: Senac – Serviço Nacional De Aprendizagem Comercial Infantil 1º Lugar – Título: Breve história de um pequeno amor – Autor: Marina Colasanti – Editora: Editora Ftd 2º Lugar - Título: Da Guerra dos Mares e das Areias: fábula sobre as marés – Autor: Pedro Veludo – Editora: Editora Quatro Cantos 3º Lugar - Título: Poemas que escolhi para crianças – Autor: Ruth Rocha – Editora: Editora Moderna Juvenil 1º Lugar – Título: Fragosas Brenhas do Mataréu – Autor: Ricardo Azevedo – Editora: Ática Editora 2º Lugar - Título: As gêmeas da família – Autor: Stella Maris Rezende – Editora: Editora Globo 3º Lugar - Título: UMA ESCURIDÃO BONITA – Autor: ONDJAKI – Editora: Pallas Editora Poesia 1º Lugar – Título: Bernini – poemas 2008-2010 – Autor: Horácio Costa – Editora: Horácio Costa 2º Lugar - Título: Jardim das delícias – Autor: Marcus Vinicius Quiroga – Editora: Marcus Vinicius Quiroga 3º Lugar – Título: XIMERIX – Autor: ZUCA SARDAN – Editora: Cosac & Naify Edições Psicologia e Psicanálise 1º Lugar – Título: O AVESSO DO IMAGINÁRIO – Autor: TANIA RIVERA – Editora: Cosac & Naify Edições 2º Lugar - Título: Antígona e a ética trágica da psicanálise – Autor: Ingrid Vorsatz – Editora: Zahar Editora 3º Lugar - Título: “Onde tudo acontece – Cultura e psicanálise no século XXI” [editora Civilização Brasileira] – Autor: Giovanna Bartucci – Editora: Editora José Olympio Reportagem 1º Lugar – Título: 1889 – Autor: Laurentino Gomes – Editora: Editora Globo 2º Lugar - Título: Holocausto brasileiro – Autor: Daniela Arbex – Editora: Geração Editorial 3º Lugar -Título: Um gosto amargo de bala [editora Civilização Brasileira] – Autor: Vera Gertel – Editora: Editora José Olympio Romance 1º Lugar – Título: Reprodução – Autor: Bernardo Carvalho – Editora: Companhia Das Letras 2º Lugar - Título: A maçã envenenada – Autor: Michel Laub – Editora: Companhia Das Letras 3º Lugar - Título: OPISANIE ŚWIATA – Autor: VERONICA STIGGER – Editora: Cosac & Naify Edições Teoria/Crítica Literária 1º Lugar – Título: Fervor das vanguardas – Autor: Jorge Schwartz – Editora: Companhia Das Letras 2º Lugar - Título: ABENÇOADO & DANADO DO SAMBA: Um Estudo sobre o Discurso Popular – Autor: Ricardo Azevedo – Editora: Editora da Universidade de São Paulo 3º Lugar - Título: Melancolias, Mercadorias – Autor: Walter Garcia – Editora: Ateliê Editorial Projeto Gráfico 1º Lugar – Título: DECAMERON: GIOVANNI BOCCACCIO – Responsável pelo projeto gráfico: ELAINE RAMOS; TEREZA BETTINARDI – Editora: Cosac & Naify Edições 2º Lugar -Título: ESOPO – FÁBULAS COMPLETAS – Responsável pelo projeto gráfico: FLÁVIA CASTANHEIRA – Editora: Cosac & Naify Edições 3º Lugar -Título: MARCELLO GRASSMANN 1942-1955 – Responsável pelo projeto gráfico: Eunice Liu; Carla Fernanda Fontana – Editora: Editora da Universidade de São Paulo Tradução 1º Lugar – Título: A anatomia da melancolia – Tradutor(a): Guilherme Gontijo Flores – Editora: Editora UFPR 2º Lugar - Título: Antologia da poesia clássica chinesa – Tradutor(a): Ricardo Primo Portugal – Editora: Unesp 3º Lugar - Título: O capital: crítica da economia política, Livro I: O processo de produção do capital – Tradutor(a): Rubens Enderle – Editora: Boitempo Editorial Tradução de Obra Literaria Inglês-Português 1º Lugar - Título: Vênus e Adônis – Tradutor(a): Alípio Correia de Franca Neto – Editora: Leya Brasil 2º Lugar – Título: Contos da Cantuária – Tradutor(a): José Francisco Botelho – Editora: Companhia Das Letras 3º Lugar - Título: Ao farol – Tradutor(a): Denise Bottmann – Editora: L&PM EDITORES

Escritor goiano lança livro de “contos conceitualistas quase eróticos”

A obra, recém divulgada, terá seu lançamento na próxima quarta-feira (15/10), às 17h, no Evoé Café com Livros, na Galeria Central, em Goiânia

Os três melhores romances do ano são de um cubano, de um russo e de uma americana

[caption id="attachment_17718" align="alignleft" width="620"]Vassili Grosman (à esquerda): o escritor russo que foi perseguido pelo stalinismo. Lezama Lima é, disparado, o maior escritor de Cuba. E era bom poeta. Já Donna Tartt, discípula de Dickens, é autora de uma prosa refinada Vassili Grosman (à esquerda): o escritor russo que foi perseguido pelo stalinismo. Lezama Lima é, disparado, o maior escritor de Cuba. E era bom poeta. Já Donna Tartt, discípula de Dickens, é autora de uma prosa refinada | Fotos: Divulgação[/caption] Os ombudsmen Carlos Wilson e Arthur de Lucca perguntam: “Qual o melhor romance do ano?” Difícil responder, porque não li a maioria dos romances publicados no Brasil em 2014. Mas como os dois insistem e garantem que, se eu não responder, não vão mais me ajudar a escrever a coluna Imprensa, vou arriscar a apresentar um breve comentário. O melhor romance do ano? Talvez não seja apenas um, e sim dois — “Paradiso”, de Lezama Lima, e “Vida e Destino”, de Vassili Grossman — ou talvez três. “Paradiso” é uma espécie de “Grande Sertão: Veredas” de Cuba. É “o” romance cubano. Nenhum outro, seja de Alejo Carpentier e Cabrera Infante, chega aos seus pés de diamante. O livro chega ao Brasil em duas traduções, o que é muito bom. As responsáveis pelas versões patropis são as poetas Josely Vianna Baptista e Olga Savary. Só mesmo poetas, seres que dançam pelas palavras e dialogam com o inescrutável, têm condições de traduzir à perfeição a prosa intrincada e, às vezes, amarrada de Lezama Lima. Acima de tudo, uma prosa iluminada. Li a tradução anterior, feita por Josely Vianna Baptista, que é um primor. Ela não revisou a tradução que sai pela Editora Estação Liberdade. Fez uma tradução nova. A tradução de Olga Savary saiu pela Editora Martins. [caption id="attachment_17752" align="alignleft" width="620"]Este talvez seja o melhor romance sobre a Segunda Guerra Mundial.  “Paradiso” é o “Grande Sertão: Veredas” da literatura de Cuba. Este romance mistura de maneira brilhante “estilos” e “tempos” "Vida e Destino" talvez seja o melhor romance sobre a Segunda Guerra Mundial. “Paradiso” é o “Grande Sertão: Veredas” da literatura de Cuba. "O Pintassilgo" romance mistura de maneira brilhante “estilos” e “tempos”[/caption] “Vida e Destino” é simplesmente o maior romance russo do século 20. Uma obra-prima incontornável. Liev Tolstói e Turguêniev, por certo, a aprovariam. “Doutor Jivago” (de Boris Pasternak), que não é ruim, apesar das críticas negativas, que às vezes não querem perceber que se trata de um romance do século 19 escrito e publicado no século 20, não chega à canela do livro de Gros­sman, que, perseguido pelo stalinismo, não conseguiu publicá-lo. O livro foi editado, depois de sua morte, em tempos políticos mais amenos na União Soviética. Em segundo (ou terceiro?) lugar, embora Carlos Wilson e Arthur de Lucca não tenham perguntado, citaria o romance “O Pintassilgo”, da americana Donna Tartt. É um belo romance que mistura, prazerosamente, ideias e personagens dos séculos 19, 20 e 21. É uma catedral do século 19 com personagens do século 21. Aqui e ali, o livro pode aparecer lento e enviesado, menos leve e luminoso do que a prosa de Charles Dickens, o herói de la Tartt, mas leitores que leem por prazer, sem se preocupar com firulas acadêmicas, com invencionismos de linguagem, vão se apaixonar. Livro bom é o que nos põe de quatro, servos eternos, e nos agarra e nos força a ir até a última página, sem saltar capítulos. É o caso de “O Pintassilgo”. Leia mais: Editora Alfaguara lança o notável romance Vida e Destino, de Vassili Grossman. Stalinismo retardou a publicação do livro

Livro “Os Contos Proibidos dos Garotos da Casa de Lírio” será lançado na UBE-GO, no próximo dia 11

Publicação, da editora Desfecho, é a primeira de uma série de quatro livros a serem lançados pelo artista Hazuk Peres. Romance narra uma história que aborda os costumes de uma época em detrimento da liberdade de 13 meninos, dos quais um começa a questionar sua condição de aprisionado e motiva os demais a refletirem sobre suas vontades

Autores goianos participam da 23º Bienal Internacional do Livro de São Paulo

Montado pela R&F Editora, o espaço já recebe grande número de visitas. O público estimado nesta edição da bienal é de 800 mil pessoas

Júlio Dantas é um escritor português do porte de Eça de Queiroz e Alexandre Herculano

O autor, além de escrever prosa, poesia e teatro, era apaixonado pela literatura brasileira [caption id="attachment_12943" align="alignleft" width="233"]Júlio Dantas, um dos maiores escritores portugueses, escreveu histórias comparáveis à melhor prosa de  Alexandre Herculano e Eça de Queiroz Júlio Dantas, um dos maiores escritores portugueses, escreveu histórias comparáveis à melhor prosa de
Alexandre Herculano e Eça de Queiroz[/caption] Júlio Dantas (1876-1962) foi um dos escritores portugueses de maior produção literária, embora grande parte de sua fama venha apenas de uma pequena peça teatral, traduzida para uma vintena de línguas: “A Ceia dos Cardeais” (1902). Médico que praticava a medicina, Júlio Dantas escreveu teatro, romances, história, poesia, contos e crônicas. Traduziu Shakes­peare para o português. Foi deputado e diplomata. Casou-se aos 66 anos, e viveu até os 86. Além da vasta obra que viu publicada, três livros seus são póstumos: “Revoada das Musas” (1965), “Lisboa de Nossos Avós” (1966) e “Páginas de Memórias” (1968). Seu livro “Pátria Portuguesa” (1914) reúne um grupo de novelas históricas que vão da formação de Portugal, no século XII, até a era dos descobrimentos, contando, em linguagem entre atraente e emocionante, os principais episódios da epopeia portuguesa que elevou o pequeno país a nível de império. É uma das mais belas e importantes obras no gênero, que não fica atrás das escritas por Alexandre Herculano, Eça de Queiroz ou Henrique Lopes de Mendonça. Júlio Dantas tinha muitos laços com o Brasil, atados pela literatura e pela diplomacia. Cultivou muitas amizades brasileiras. Viu seus livros exportados para cá ou editados aqui, onde nunca lhe faltaram leitores. Foi condecorado pelo governo brasileiro com a comenda da Ordem do Cruzeiro do Sul e era membro honorário da Academia Brasileira de Letras e da Academia de Medicina do Rio de Janeiro. No seu livro “Eles e Elas” (1918), Júlio Dantas, mais que comenta, festeja o livro de Martins Fontes — “O Verão” —, lançado naquele ano, e dedica ao poeta brasileiro todo um capítulo. Lembra, no comentário, outros poetas patrícios: Olavo Bilac, Alberto de Oliveira, Raimundo Correa, Luiz Murat; e os prosadores Coelho Neto e Euclides da Cunha. Em outro livro, “Mulheres” (1916), Júlio Dan­tas comenta o livro “Trovas Populares”, reunião folclórica feita por Afrânio Peixoto, e a poesia de Catulo da Paixão Cearense, que lhe causou enorme impressão, a ponto dele se referir a Catulo como “Vergílio caboclo”, adaptar algumas tro­vas para o português clássico e divulgá-las, quando a intelectualidade portuguesa nelas encontrou similitude com a obra do famoso poeta luso Antônio Correia de Oliveira (1879-1960). Em “Páginas de Memórias”, Júlio Dantas faz mui­tas menções afetuosas ao Brasil, que visitou vá­rias vezes, a primeira em 1923. Dedica um capítulo a sua atuação no diário carioca “Correio Da Ma­nhã”, onde escrevia a convite de Edmundo Bit­tencourt, fundador do jornal e seu amigo. O es­critor dizia que de todas as profissões que havia exercido, a mais gratificante ao espírito era a de jor­nalista. “Não sei de função mais nobre, nem de magistratura mais elevada do que aquela que se destina a dirigir a opinião, a esclarecer as inteligências, a elevar os corações, a estimular as energias coletivas, a acordar na alma do povo sentimentos generosos, a formar nas consciências o culto da justiça, da fraternidade, da ordem e da paz”, dizia. (A opinião é diametralmente oposta à que têm os radicais de esquerda incrustados hoje no governo brasileiro. Não veem nobreza na atividade jornalística independente, a ponto de agredirem até jornalistas que lhes dedicam simpatia, como a colunista de economia Miriam Leitão. Para eles, simpatia é pouquíssimo. A orfandade do stalinismo só aceita a subserviência. Afinal, Stálin reunia no Kremlin a nata da literatura soviética, para dizer a ela o que escrever. E a desobediência acabava no Gulag, na Lubianka ou no paredão.) Voltemos a Júlio Dantas. Ainda em “Páginas de Memórias”, o ilustre português conta como co­nheceu Olavo Bilac, de quem ele admirava já de sobra a obra poética. Foi na última viagem de Bilac à Europa (1916?), na visita que o poeta patrício fez à Academia de Ciências de Lisboa. A admiração, diga-se, era mútua. Festejaram terem se conhecido pessoalmente e o encontro redundou em amizade e correspondência. Mas Bilac morreu logo depois (em 1918), bem antes de Júlio Dantas. No mesmo “Páginas de Memórias”, Júlio Dantas conta ainda como foi assinado o acordo Brasil-Portugal para a unidade da língua portuguesa escrita. Foi um trabalho de Fernando de Magalhães, presidente da Academia Brasileira de Letras, e do próprio Júlio Dantas, presidente da Academia de Ciências de Lisboa, que coroou o acordo, assinado em 30 de abril de 1931 pelos dois presidentes e pelos embaixadores José Bonifácio de Andrada e Silva, do Brasil em Portugal, e Duarte Leite, de Portugal no Brasil. (Curiosidade: os presidentes das academias, por cuja força firmou-se o acordo ortográfico, não eram filólogos. Sequer eram homens formados em letras. Eram ambos médicos.) No conjunto do trabalho de Júlio Dantas, pa­rece ter sido a obra poética a parte menos expressiva. Talvez por isso apreciava muito a poesia, e se­guia o que de bom se imprimia em Portugal e no Brasil. Comentava, como dissemos acima, em seus livros e trabalhos jornalísticos, a produção dos novos poetas que lhe parecessem promissores. Em outro livro, “Abelhas Doiradas” (1920), dedica uma crônica ao poema “Juca Mulato”, de Menotti Del Picchia, impressionado ao ponto de vaticinar sobre o poeta: “Fixem este nome. Ou me engano, ou há de ser, amanhã, o de um dos maiores poetas brasileiros”. Não se enganava. Falei antes na peça “A Ceia dos Cardeais”. Se o leitor nunca a viu representada, e se tiver a grata oportunidade, não a perca. Não é à toa que essa pequena peça, em um único ato, com três atores apenas, é um estrondoso sucesso — é a peça es­crita em língua portuguesa mais traduzida e mais re­presentada em todo o mundo, mesmo hoje, mais de um século depois de sua primeira apresentação. Escrita em apenas oito dias, a pedido de um nobre português para uma noite de homenagens, junto com outras peças curtas, a um ator lisboeta famoso, ela é uma obra-prima de cenografia, monólogo e psicologia. Embora os personagens sejam três cardeais que ceiam em deslumbrante cenário interior ao Vaticano, o tema é o amor. E a visão que dele têm — ou teriam — e revelam em aprimorados monólogos, os espanhóis, encarnados no Cardeal Rufo, os franceses, no caso representados pelo Cardeal de Montmo­rency e os portugueses, no sentimento do camerlengo Cardeal Gonzaga e sua surpreendente visão amorosa. Júlio Dantas escreveu uma vintena de peças, e entre elas várias são apreciáveis. Mas “A Ceia dos Cardeais” é uma obra-prima, uma centelha perene de gênio. (No site do jornal, transcrevo a peça para deleite do leitor.) Publico, a seguir, dois poemas do escritor português.

Os desconhecidos Júlio Dantas (A Manuel Penteado)
Dois cadáveres — vede — aguardam o meu corte: Um homem gigantesco e uma mulher perdida. Dormem nus, sobre a pedra, unidos pela morte, E talvez, sem se ver, passaram pela vida. Ele, o morto, na seca e descarnada espalda Tem nomes de mulher e várias tatuagens; Treme de nojo o sol na sua pele jalda E abrem-lhe a boca verde uns esgares selvagens. De tórax d’esmeralda, asa tecida d’ouro, Uma nervosa mosca, em passos indolentes, Para entrar-lhe na boca aflora o buço louro E começa a descer pela escada dos dentes. Morto há dias, olhai que a rigidez se perde E que o seu corpo está gelatinoso e elástico: Suas costelas são como um teclado verde, Digno das longas mãos dum pianista fantástico! Ela morreu de parto: entre as airosas coxas Que doira como um fruto uma lanugem pouca, Um feto mostra ao sol as suas carnes roxas, Ajoelhado, a rir, sem olhos e sem boca. Tem rugas sobre o ventre, e lembra, cada ruga, As que a pedra ao cair traça nos verdes pântanos: Os seus cabelos são dum ruivo tartaruga, O seu rictus perturba e o seu olhar espanta-nos. Bate-lhe em cheio o sol, como losango d’ouro; Tem no seio listrões de sangue que secou: E pelo flanco enorme, e pelo púbis louro, Lembra os ventres brutais que Van Miéris pintou. Dir-se-ia que o morto a olha, — reparai, E lhe espreita e deseja as carnes violadas; D’aí, quem sabe lá se ele seria o pai Daquele feto roxo a rir às gargalhadas!
Virgindade Júlio Dantas
Ó gótica beleza iluminada e viva! Sê esquiva para mim; quero-te sempre esquiva! No amor, a dor é tanta e a volúpia tão pouca! Foge das minhas mãos, foge da minha boca! Ser honesta é vestir uma roupa de estrelas: Há flores no teu peito; hás de ter conta nelas. Nunca me ouças de perto as ânsias e os segredos: Quebram flores de vidro os meus impuros dedos, Rasga sedas, no escuro, o meu brutal namoro… É tão fácil quebrar uma cintura d’ouro! Magoando-te a carne, em ânsias de mordê-la, Serei sempre um leproso a babar uma estrela, Um sapo que polui, arrebentando em pragas, A santa que o buscou para sarar-lhe as chagas.

A Ceia dos Cardeais (Parte I )

Peça em um ato em verso, representada pela primeira vez no antigo teatro D. Amélia, em 28 de março de 1902 Júlio Dantas Uma grande sala, no Vaticano. Paredes cobertas de panos de Arras - Amplos tectos de caixão, com apainelamentos de talha doirada - Um retrato de cardeal vermelho, sobre o fogão - À D. baixa, o cravo, o violoncelo e o violino de um terceto clássico - Estantes altas de coro - Luzes - Ao fundo, largo tamborete onde repousam as capas, os chapéus, os bastões - À E. baixa, grande armário pesado de baixela de oiro e prata lavrada - Quase a meio, bufete onde ceiam os três cardeais: toalha de holandilha, picada de rendas; serviço de Sèvres, azul e oiro; cristais. CARDEAL GONZAGA, CARDEAL RUFO, CARDEAL DE MONTMORENCY, sentados ao bufete, ceando; os fâmulos, vestidos de verde e prata, servem-nos, de joelhos. CARDEAL RUFO, visivelmente agastado. Será já amanhã! CARDEAL RUFO, a outro fâmulo Xerez. Continuando, a de MONTMORENCY: Roma! Roma! Que viu pela primeira vez, Benedito XIV, um para receber Conselhos de Inglaterras e cartas de Voltaire! CARDEAL DE MONTMORENCY, grandioso As cartas de Voltaire honram! CARDEAL RUFO, num sorriso de desdém É natural. Fala como francês. CARDEAL DE MONTMORENCY, com dignidade Falo como cardeal! CARDEAL GONZAGA, intervindo de novo Mas, perdão... Não será política demais Para uma ceia alegre? Enfim, três cardeais Não salvam Roma ... CARDEAL RUFO, numa grande atitude Pois, em minha consciência, Bastava um só para salvar! CARDEAL DE MONTMORENCY, com ironia Vossa Eminência? CARDEAL GONZAGA, conciliando docemente Deixemos isso a Deus. E, na divina mão. Roma repousará CARDEAL DE MONTMORENCY, num sorriso Vamos nós ao faisão? Trinchando, com galanteria: Se permitem, eu sirvo. É um faisão doirado, Mau político, sim, mas todo embalsamado De trufas. Nunca fez encíclica nenhuma; Não usou solidéu por sobre a áurea pluma, E, se um dia assistisse a qualquer consistório, Dormiria como eu - e como S. Gregório. AO CARDEAL RUFO: Eminência, não acha? AO CARDEAL GONZAGA, servindo: A perna? A asa? O peito? Muito superior, sobretudo em direito Canônico. _ Uma àsinha, Eminência? Talvez A possa amaciar, regando-a de Xerez. A ave é rija demais para velhinhos doentes... CARDEAL GONZAGA, formalizando Eminência, ainda tenho uns quatro ou cinco dentes. CARDEAL RUFO, provando o faisão Benedito talvez não ande muito mal Ser der ao cozinheiro o chapéu de cardeal! CARDEAL DE MONTMORENCY, ao CARDEAL RUFO Inda agora, a Eminência agastou-se comigo. Confesse... CARDEAL RUFO Eu? CARDEAL DE MONTMORENCY Agastou. CARDEAL RUFO, desculpando-se Voltaire é um inimigo... CARDEAL DE MONTMORENCY E nós amigos. São discordantes fugaces. Eminências... CARDEAL RUFO, abraçando-o Depois... CARDEAL DE MONTMORENCY, beijando-o Vem o osculum pacis CARDEAL RUFO Sobre um beijo outro beijo e sobre um ano outro ano... Como envelhece a gente, o Velho Vaticano! A política... O mal que se faz e desfaz No mistério subtil destes panos de Arrás... A intriga na sombra, os passos sempre incertos... CARDEAL GONZAGA, olhando a estante de música O que nos vale... CARDEAL DE MONTMORENCY Ah, sim...São os nossos concertos. CARDEAL RUFO Música de uma unção espiritual tão grande! CARDEAL GONZAGA, em êxtase Como a alma sobe a Deus nas fugas de Lalande! CARDEAL RUFO, a DE MONTMORENCY Depois, o seu violino... Eminência é artista... CARDEAL DE MONTMORENCY, a RUFO E o seu violoncelo... CARDEAL RUFO Oh! A perder de vista! Num sorriso de beatitude: Só com três cardeais, Roma era um céu aberto! CARDEAL DE MONTMORENCY, tristemente Tão longe a mocidade... CARDEAL GONZAGA, numa lágrima E o trêmulo tão perto!_ Caiu-nos sobre a fronte a neve dos caminhos... CARDEAL RUFO Envelhecemos tanto! CARDEAL GONZAGA, a RUFO Estamos tão velhinhos..._ Já fez sol, para nós.. Sol! Pois não é verdade? CARDEAL RUFO, como num sonho Sol! CARDEAL DE MONTMORENCY, a um dos fâmulos Mais champanhe. CARDEAL GONZAGA Sol! _ Nós que somos a saudade. O pensar que se amou, que se viveu... O amor! — Um tronco envelhecido a cuidar que deu flor! Depois, num embevecimento: Misterioso monte é neste mundo a vida! Todo rosas abrindo, ao galgar na subida, E a velhice, ao descer, toda cheia de espinhos... — Ai, tão velhinhos! CARDEAL RUFO, tristemente Tão velhinhos! CARDEAL DE MONTMORENCY, olhando os dois, com ternura Tão velhinhos! CARDEAL RUFO Relíquias. Devo ter setenta e três, já feitos. CARDEAL GONZAGA Eu tenho oitenta e um. CARDEAL DE MONTMORENCY, sorrindo a, a olhá-los São dois velhos perfeitos! Três... Três velhos sem cor, que a saudade aviventa... CARDEAL RUFO, a DE MONTMORENCY Vossa eminência tem, quantos? CARDEAL DE MONTMORENCY Tenho sessenta. CARDEAL RUFO, ao CARDEAL GONZAGA, olhando DE MONTMORENCY com inveja infantil Sessenta, só! CARDEAL DE MONTMORENCY Sessenta. E a vida já me cansa... CARDEAL GONZAGA Vossa Eminência está ainda uma criança! CARDEAL RUFO, olhando DE MONTMORENCY Também já fui assim! E que rijo que eu era! Sessenta anos! Ainda em plena Primavera! Tal qual assim... Tal qual! CARDEAL GONZAGA E eu! O que direi eu! CARDEAL RUFO Então, ainda compunha ao espelho o solidéu E via com amor, sob a seda vermelha, Uns fios de oiro a rir por entre a prata velha! CARDEAL DE MONTMORENCY Mas, Eminência, não! Com sessenta anos feitos, Não sou, precisamente, uma criança de peitos. Sou um velho, também... Um velhinho, com o ar De quem viveu feliz e envelhece a cantar... CARDEAL GONZAGA É. É uma criança. Em tendo a nossa idade, Verá que o relembrar coisas da mocidade É o prazer maior que podem ter os velhos... Para nós, recordar é cair de joelhos. CARDEAL DE MONTMORENCY Eu sei, eu também sei... Recordar é viver, Transformar num sorriso o que nos fez sofrer, Ressurgir dentro d’alma uma idade passada, Como em capela de oiro há cem anos fechada, Onde não vai ninguém, mas onde há festa ainda... Se eu não hei-de saber como a saudade é linda! Se eu não hei-de saber! _ É curioso, Eminências. Não fizemos ainda as nossas confidências, E somos como irmãos... Tão amigos! CARDEAL RUFO É certo! CARDEAL GONZAGA Confidências? CARDEAL DE MONTMORENCY Então... A morte vem tão perto! Olhemos para trás, lembremo nos da vida... A saudade de um velho é uma estrada florida! CARDEAL RUFO Confidências de amor! CARDEAL DE MONTMORENCY Porque não há-de ser? Em toda a mocidade há um rido de mulher. Contemos esse rido uns aos outros...Nós três... Recordar um amor é amar outra vez! Ninguém nos ouve... CARDEAL GONZAGA Mas, Eminência! CARDEAL DE MONTMORENCY O maior Amor da nossa vida! CARDEAL GONZAGA, com pudor, tapando a cara Oh! CARDEAL RUFO, como quem sonha O maior amor! CARDEAL GONZAGA Mas nós somos cardeais! CARDEAL RUFO, entusiasmando-se O sentimento humano Em toda a parte vive, até no Vaticano! E esta púrpura - ai não, seria crueldade! — Pode matar o amor, mas não mata a saudade! CARDEAL DE MONTMORENCY, ao CARDEAL GONZAGA Principie o mais velho... Eminência... CARDEAL GONZAGA Não, não... Por Deus! CARDEAL RUFO, a DE MONTMORENCY Seja o mais novo. CARDEAL DE MONTMORENCY, escusando-se, polidamente num gesto Oh! CARDEAL RUFO Serei eu, então. Pensando um instante Que lhes hei-de contar? Erguendo a cabeça, os olhos brilhantes, como quem encontrou: Uma aventura linda, Cheia de coração! Ai, não ter eu ainda Mocidade na voz para a saber contar! Eminências, perdão se eu acaso chorar... Se uma lágrima... _ Enfim, são tudo impertinências De velhos... CARDEAL DE MONTMORENCY, convidando-o a principiar Eminência... CARDEAL RUFO, depois de um ligeiro cumprimento a ambos Eu começo, Eminências. — Aos vinte anos, ou vinte e dois, proximamente, Fui eu, por gentileza a um fidalgo parente, Com minha capa negra e minha volta branca, Ler cânones e leis na Douta Salamanca. Era então um pequeno, espadachim e ousado, O feltro ao vento, o manto ao ombro, a espada ao lado, Tendo o instinto da frase e a intuição do gesto — Um Velásquez no trajo, um Quixote no resto _, Que seria talvez, por suprema façanha, Capaz de desafiar o próprio rei de Espanha! Nem pode calcular sequer, Vossa Eminência, Como o meu buço loiro irradiava insolência! Não matei em duelo o Sol, pelas alturas, Só para não deixar Salamanca às escuras! A respeito de amor, como essência divina, Imitei o Don Juan de Tirso de Molina: O amor, por mais ardente ou mais puro que fosse, Morria, ainda em flor, com a primeira posse! Detestava a mulher depois de conquistada: A conquista era tudo: o resto, quase nada. Queria lá saber de aventuras serenas! Para mim, o amor era o duelo, apenas, Batia-me ao acaso, enfim, por qualquer cousa, Um beijo, uma mulher, uma pedra preciosa, Uma flor que se atira, asa de oiro pelo ar, A esmola de um sorriso, a graça de um olhar... Já não tinha valor para mim nenhum bem, Se não fosse preciso ir disputá-lo a alguém, Lutar, vencer, rasgar, ardendo de desejo, Com a ponta da espada o caminho de um beijo, Pomar de assalto o Amor, ao Sol de mil perigos, Como um rubro estandarte entre mãos de inimigos! Assim vivia eu e os outros estudantes, Lendo pouco Platão, lendo muito Cervantes, Quando entrou de jornada em Salamanca, um dia, Sobre carros de bois, a maior companhia De cósmicos que eu vi ainda em toda a Espanha! CARDEAL DE MONTMORENCY, num sorriso Se visse a de Molière... Oh! CARDEAL RUFO, sem se perturbar Não era tamanha, Nem tão rica, por certo. Ah! Foi uma loucura Na Universidade! _ A primeira figura Do bando era uma viva e linda rapariga, Um Rubens precioso, uma beleza antiga... CARDEAL GONZAGA, tapando a cara Oh! CARDEAL RUFO De um loiro flamengo, a cabecita airosa, toda num garavim de seda cor-de-rosa, Como um beijo de luz, rescendia inocência... CARDEAL GONZAGA, estranhando a palavra Oh! CARDEAL RUFO Eu peço perdão se me excedo, Eminência, Mas aquela mulher era um anjo dos céus! Se Deus a pretendesse, eu desafiava Deus! Ver um anjo a dizer-me - ó natureza cega! _ Versos de Calderon e de Lopo de Vega! A representação foi sobre um pátio velho, Todo armado à fidalga em damasco vermelho, Num tapete real de capas de estudantes! Num desfalecimento, escondendo uma lágrima: Ai, o que eu sou agora! Ai, o que eu era dantes! Quanta luz, quanto fogo a velhice nos rouba!_ Representaram não sei bem se a Niña Boba, Um poemazinho leve onde a graça? Nisto, em meio talvez da representação, Ouvi ao pé de mim, dentre um bando folião De escolares, dizer em voz rouca e sumida: O rapto será logo, hem? Será à saída, Na porta dos brasões. Quando a linda “bobinha” Entrar na sua rica e leve cadeirinha, Cairemos sobe ela, e...”Não ouvi mais nada. Inda desembainhei meio palmo da espada, Mas contive-me. ”Não. Logo é melhor” _ disse eu. Quando acabou a peça era noite. Desceu Uma tapeçaria. A cadeirinha, fora, a porta dos brasões, para sua senhora, Era um ninho infantil de lúcido brocado. Perto, o bando escolar aguardava embuçado. Ocultei-me também nas sombras da viela, Desembainhei a espada, e. Nisto, assomou ela. Diz-se: espada e anel, na mão em que estiver. Mas sempre é forte a mão quando é linda a mulher! Atirei-me de um salto, e em rápidos instantes, Sozinho contra vinte e tantos estudantes, Contra uma Faculdade inteira, expondo a vida, A capa ao vento, a espada em punho, a pluma erguida, Talhei, ensangüentei, feri, numa violência... Esgrimindo, com o bastão, por sobre a mesa: Assim! Assim!  

Parte II

  CARDEAL DE MONTMORENCY, defendendo o serviço riquíssimo Por Deus! È Sevres, Eminência. CARDEAL RUFO, sentando-se, num grande gesto fanfarrão E se não os matei a todos, na verdade, Foi p’ra não se fechar a Universidade! CARDEAL GONZAGA, profundamente admirado Sozinho contra vinte! Uma luta sangrenta! CARDEAL RUFO Vinte? Trinta! Ou talvez, contando bem, quarenta! CARDEAL DE MONTMORENCY E então a cadeirinha? CARDEAL RUFO Ah! — Desapareceu. CARDEAL GONZAGA E a cômica? CARDEAL RUFO Sei lá! CARDEAL DE MONTMORENCY Quê! Não a seguiu? CARDEAL RUFO Eu? CARDEAL DE MONTMORENCY Não tornou a ver? CARDEAL RUFO, tristemente Não. Nunca mais a vi. Foi por isso que a amei, _ porque não a possuí! CARDEAL DE MONTMORENCY No se caso, Eminência, eu... CARDEAL RUFO Diga. CARDEAL DE MONTMORENCY Se o consente... CARDEAL RUFO Seguia a cadeirinha? CARDEAL DE MONTMORENCY Imediatamente. E ao atingi-la, então, curvaria o joelho, Tiraria o chapéu em grande estilo velho, E prostrando-me junto à portinha doirada De corpo ajoelhado e d’alma ajoelhada, Diria, num olhar cheio de sonhos loucos: “Senhora, perdoai bater-me... com tão poucos!” CARDEAL RUFO Bela frase! CARDEAL DE MONTMORENCY Não é? CARDEAL RUFO Pena não me ocorrer... Com tristeza: Agora é tarde já para eu lha dizer! CARDEAL DE MONTMORENCY Tinha espírito... _ Enfim, o amor, pensando bem Não é só bravura, é o espírito também, Essa força, essa chama, imperceptível quase, Que é a alma do gesto e a nobreza da frase, Qualquer coisa de fino, e flexuoso, e ardente, Que nos faz ajoelhar irreflectidamente, Perturba, vence, infiltra, e, mal afora à boca, Veste de seda e oiro a confissão mais louca... Que seria o amor sem espírito, Eminência? Uma paixão brutal ou uma impertinência, Sem pureza, sem tudo aquilo que resume O coração num beijo e a alma num perfume! Com uns punhos de renda, até a ofensa é linda! Pode ser fina a espada; a frase é mais ainda: Uma escola subtil de esgrima delicada... Procura o coração, a frase, como a espada, E desfaz-se, ao ferir, em pedras preciosas, Como os raios de Sol quando ferem as rosas... Se ao homem vence a espada e se é belo vencer, O espírito faz mais, _ porque vence a mulher! No meu tempo, no tempo em que amei e vivi, Fui o que ainda hoje são os de Montmorency, O grande espirituoso, o leão da nobreza, Cabeleira em anéis e gola à genovesa, Passeando o meu orgulho e o meu bastão solene Pelos vastos salões da Duquesa de Maine. Ah! Como já vai longe! _ Um dia, o velho Philidor Dedilhava no cravo um certo minuete, Um mimo, o que há de mais século XVII... Querendo recordar-se e cantando: Lá-ri la-ra, la-ri... Suspendendo, tristemente: Já não me lembro bem... Tudo passa! Tentando de novo recordar-se: Lá-ri-la... — Nesse instante, alguém, Uma bela mulher que eu já tinha encontrado Nas ruas de Versalhe, em seu coche encontrado A embaixatriz da Áustria, uma deusa, um assombro, Poisou, num doce gesto, a mão sobre o meu ombro, E disse numa voz desdenhosa: “Marquês, Detesto-os”. Sorri. Nisto, segunda vez: “Aborreço-os” Ri ainda. Ah, Eminências! Uma mulher bonita a dizer insolências É a coisa mais galante e mais deliciosa Que pode imaginar-se. É como se uma rosa Soltasse imprecações, vermelha e melindrada, Contra as asas de Sol de uma abelha doirada... Nisto, terceira vez: “Marquês, tenho-lhe horror”. Já não ri. Junto ao cravo, o velho Philidor Tocava o seu minuete ingénuo e palaciano... Querendo ainda lembrar-se: La-ri, la-ra, la ... Não... La-ri... Numa expressão dolorosa: Há já tanto ano! Não me lembro... A velhice! Vendo de repente o cravo, e erguendo-se: Ah, talvez, sim... Talvez O consiga tirar neste cravo holandês. Ferindo as teclas com a mão esquerda, de pé, e continuando a falar para os dois cardeais, enquanto vai tocando: La-ri, la-ra... — então, decidi-me, Eminências. Compus a cabeleira, e em duas reverências. O pé atrás, a mão na espada, à moda antiga, Curvei-me ante essa bela e fidalga inimiga, E disse: “A sua mão. Venha minha senhora. Não me detestará daqui a meia hora” _ Dançámos o minuete. Ela _ era singular! _ Dava-me a impressão de uma renda a dançar, Uma renda ligeira, um Saxe transparente Onde se iam poisar, perturbadoramente, Como um enxame de oiro, espirituoso e leve, Desde a breve ironia ao epigrama breve, A frase à Marivanx, ardente e complicada, O eterno quase tudo _ apenas quase nada_ O espírito-mesura, o sorriso eloquência... Ao CARDEAL RUFO, que está mais próximo: Não sei precisamente o que disse, Eminência, Mas devia ter sido um requinte de graça, Galanteio que voa ou perfume que passa, Poema cor-de-rosa, apaixonado e brando, Que nos dá a ilusão de que se diz sonhando, Eloquência d’amor, que perturba a mulher, E vence quando ajoelha, e beija quando fere! La-ri-la... Terminou o minuete, por fim. Meia hora depois, nas sombras do jardim, A embaixatriz de Áustria, apaixonada, louca, Unindo à minha boca a pequenina boca, Dizia-me, a sorrir _ “Como o adoro, Marquês!” _ O espírito vencera ainda mais uma vez. E enquanto Philidor, junto ao cravo... Tocando, à procura, com ansiedade: Não sei... La-ri-la... Depois, numa expressão de súbita alegria, sentando-se ao cravo, a tocar: O minuete! Achei! Achei! Achei! La-ri-ra, la-ri-ra ,la-ra... CARDEAL RUFO , erguendo-se e aproximando-se do CARDEAL DE MONTMORENCY Vossa Eminência Perdoa-me, talvez, mais uma impertinência... CARDEAL DE MONTMORENCY , levantando-se do cravo Era belo, o minuete! CARDEAL RUFO, sorrindo É que, para vencer Nesse jogo floral uma simples mulher Parece-me demais a sua meia hora...   CARDEAL DE MONTMORENCY Oh! Pois acha, Eminência? CARDEAL RUFO O espírito... demora! Trinta e tantos brigões, fortes e resolutos, Venci eu, a poder de espada, em dois minutos! CARDEAL DE MONTMORENCY, ao CARDEAL RUFO Seguisse a Niña Boba... A Eminência veria... Passava a meia hora e não a venceria! Ao CARDEAL GONZAGA, que pensa, em êxtase: A Eminência que diz? CARDEAL RUFO, acercando-se também do CARDEAL GONZAGA Em que pensa, cardeal? CARDEAL GONZAGA, como quem acorda, os olhos cheios de brilho, a expressão transfigurada Em como é diferente o amor em Portugal! Nem a frase subtil, nem o duelo sangrento... é o amor coração, é o amor sentimento. Uma lágrima... Um beijo... Uns sinos a tocar... Uma parzinho que ajoelha e que vai se casar. Tão simples tudo! Amor, que de rosas se inflora: Em sendo triste canta, em sendo alegre chora! O amor simplicidade, o amor delicadeza... Ai, como sabe amar, a gente portuguesa! Tecer de Sol um beijo, e, desde tenra idade, Ir nesse beijo unindo o amor com a amizade, Numa ternura casta e numa estima sã, Sem saber distinguir entre a noiva e a irmã... Fazer vibrar o amor em cordas misteriosas, Como se em comunhão se entendessem as rosas, Como se todo o amor fosse um amor somente... Ai, como é diferente! Ai, como é diferente! CARDEAL RUFO Também vossa Eminência amou? CARDEAL GONZAGA Também! Também! Pode-se lá viver sem ter amado alguém! Sem sentir dentro d’alma - ah, podê-la sentir! _ Uma saudade em flor, a chorar e a rir! Se amei! Se amei! _ Eu tinha uns quinze anos, apenas. Ela, treze. Uma amor de crianças pequenas, Pombas brancas revoando ao abrir da manhã... Era minha priminha. Era quase uma irmã. Bonita não seria... Ah, não... Talvez não fosse. Mas que profunda olhar e que expressão tão doce! Chamava-lhe eu, a rir, a minha mulherzinha... Nós brincávamos tanto! Eu sentia-a tão minha! Toda a gente dizia em pleno povoado: “Não há noiva melhor para o senhor morgado, Nem em capela antiga há santa mais santinha...” E eu rezava, baixinho: “É minha! É minha! É minha” Quanta vez, quanta vez, cansados de brincar, Ficávamos a olhar um para o outro, a olhar, Todos cheios de Sol, ofegantes ainda... Numa grande expressão de dor: Era feia, talvez, mas Deus achou-a linda... E, uma noite, a minha alma, a minha luz, morreu! Numa revolta angustiosa: Deus, se ma quis tirar, p’ra que foi que ma deu? Para quê? Para quê? CARDEAL DE MONTMORENCY, ao vê-lo erguer-se, amparando-o: Oh! Eminência... CARDEAL RUFO, curvando-se também para o amparar, comovido: Então... CARDEAL GONZAGA Ai! Pois não via, Deus, que eu tinha coração! CARDEAL RUFO Eminência CARDEAL GONZAGA, caindo sobre a cadeira, a soluçar Não via! Ah!, não via! Não via! Julgou que de um amor outro amor refloria, E matou-me... E matou-me! CARDEAL DE MONTMORENCY Eminência... CARDEAL GONZAGA Afinal, LITERATURA