Resultados do marcador: Literatura
Recém-lançada, a obra do escritor Luís Roberto Amabile experimenta narrativas para falar do homem contemporâneo
A obra “Livro de Viagens” traz pequenos flagrantes da natureza, que revelam a maturidade poética do escritor
Em seu novo livro, o goiano destaca sua habilidade de escrita jocosa e leve do absurdo lógico da vida
Pernambucano radicado em Goiás mostra ser possível aliar erudição à prática poética, criando literatura de alta qualidade e aderindo ao legado empírico-meditativo de T. S. Eliot
Autor de “O Tambor”, Grass foi laureado com o Nobel de Literatura apenas em 1999, quarenta anos após lançar a obra
Biógrafo de Eça, autor resolve seguir os passos do mestre romancista português e escreve sobre Carlos da Maia, personagem de “Os Maias”
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Divulgação[/caption]
O escritor e jornalista João Condé tinha, em seus arquivos, a resposta de Augusto Frederico Schmidt, quando perguntaram a ele “O que fizeste da vida?”. O poeta carioca, que nasceu em 1906 e da vida se despediu em 1965, então disse:
“Dou graças a Deus por ter nascido de gente boa e sensível. Tive uma infância sobressaltada. Minha mãe, que faleceria tendo eu 16 anos, esteve ameaçada pela morte durante todo o tempo de minha infância. Comecei a trabalhar aos 14 anos de idade, porque não dava para os estudos. Vivi repartido entre duas velhas mulheres a quem devo o melhor que há em mim mesmo: minha tia-avó Filomena de Menezes Miranda e minha avó Francisca Menezes de Azevedo. Andei em negócios de livros. Fui viajante. Vendedor de aguardente e álcool. Trabalhei numa serraria em Nova Iguaçu. Casei-me com a mulher que amei. Consegui o que todo mundo acha uma contradição: ser poeta e homem de negócios. Tive muitos amigos, a alguns dos quais me conservo ligado a despeito de toda sorte de divergências. Vi surpreso surgir em meu caminho uma coorte de inimigos sem que conseguisse saber por que o eram. Nunca fiz até hoje conscientemente mal a ninguém. A poesia tem me dado as maiores e melhores surpresas da minha vida. Também as maiores tentações. Tenho viajado muito. Ao completar 50 anos, tenho uma sensação de surpresa: nunca esperei viver tanto.”
Publicado pela revista “O Cruzeiro”, numa edição de junho de 1958, resposta, acima, conta um pouco de Schmidt, que será homenageado pela Associação Comercial, Industrial e de Serviços do Estado de Goiás (Acieg). Na noite do dia 21, também será o lançamento de uma edição brasileira da obra do pensador espanhol José Ortega Y Gasset, o livro “A beleza foi feita para ser roubada”. O professor e tradutor da obra Ricardo Araújo estará na ocasião para autógrafos.
Além de leituras de poemas de Schimdt, projeção de vídeos e celebração musical, a "Noite Cultural" propõe uma alocução do professor sobre a importância do pensador espanhol. “Eu me sinto muito à vontade para o lançamento deste livro junto com a homenagem ao Schmidt, porque homenagens a poetas sempre reúne boa conversa, bom gosto e refinado ambiente estético”, disse Araújo, que também foi organizador de uma Antologia da Poesia Brasileira em vídeo, em três volumes, na qual constam poemas do carioca.
Nas palavras do o curador do evento, empresário e poeta Adalberto Queiroz, o empresário fundador da Orquima, Meridional Seguros e também editor de grandes talentos da literatura brasileira, como Graciliano Ramos, Vinícius de Moraes, Gilberto Freira e Jorge Amado, o poeta Schmidt “é um grande lírico da poesia brasileira, que marcou a segunda fase do modernismo. Dentre os grandes esquecidos da literatura, ele é um dos que foram injustamente esquecidos na poesia, por um sistema editorial e de divulgação que não dá chance à leitura dos clássicos, nem à grande literatura que se expressa com base em valores cristãos”.
Schmidt é membro da tríade de poetas católicos do Brasil, junto com Jorge de Lima e Murilo Mendes. O poeta-empresário também fundou a editora Schmidt. O evento, em sua homenagem, é uma iniciativa da Acieg em parceria com a seccional goiana da União Brasileira de Escritores (UBE-GO) e com a Editora & Livraria Caminhos.
Serviço
Noite Cultural – Homenagem ao poeta-empresário Augusto Frederico Schmidt e lançamento do livro “A beleza foi feita para ser roubada”, de José Ortega Y Gasset.
Data: 21 de maio
Horário: 18h30
Local: sede da Acieg
“Malditas Fronteiras”, vencedor do Prêmio Governo de Minas Gerais, desfia o fio de Ariadne em simbiose temporal e espacial entre Alemanha e Brasil do passado e futuro
Depois de 35 anos desde a publicação da 2ª edição de “Poemas e Elegias”, a Editora Caminhos relança o título e reacende o debate sobre o poeta goiano
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Foto: Fernando Leite/Jornal Opção[/caption]
Yago Rodrigues Alvim
Sabe que dia é hoje? Ah, não vale só dia 23 de abril. Hoje é dia de passar numa biblioteca ou livraria e levar para casa uma encadernação vistosa recheada de uma boa história. É que a Unesco criou a data “Dia Mundial do Livro” para encorajar as pessoas a justamente ler um livro e descobrir o prazer da boa literatura. Além disso, hoje é o “Dia dos Direitos de Autor”. Também criado pela Organização, a data é para valorizar o trabalho dos autores realizado há tantos séculos.
Foi em Paris, no ano de 1995, que a Unesco escolheu a data. Além de coincidir com a morte de três grandes escritores William Shakespeare, Miguel de Cervantes e Inca Garcilaso de la Vega, o dia 23, na tradição catalã, é dia de dar uma rosa a quem comprar um livro. Que tal então, comprar um livro e trocar flores? É uma boa para uma tarde de quinta-feira, não é mesmo?
Além de ser possível escutar pela 1° vez a voz do poeta, em 2015 completam 70 anos de seu falecimento; Mário de Andrade será o autor homenageado nesta edição do Flip
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Foto: Reprodução[/caption]
O Mundo
Um homem da aldeia de Neguá, no litoral da Colômbia, conseguiu subir aos céus. Quando voltou, contou. Disse que tinha contemplado, lá do alto, a vida humana. E disse que somos um mar de fogueirinhas. — O mundo é isso — revelou —. Um montão de gente, um mar de fogueirinhas. Cada pessoa brilha com luz própria entre todas as outras. Não existem duas fogueiras iguais. Existem fogueiras grandes e fogueiras pequenas e fogueiras de todas as cores. Existe gente de fogo sereno, que nem percebe o vento, e gente de fogo louco, que enche o ar de chispas. Alguns fogos, fogos bobos, não alumiam nem queimam; mas outros incendeiam a vida com tamanha vontade que é impossível olhar para eles sem pestanejar, e quem chegar perto pega fogo. — Eduardo GaleanoYago Rodrigues Alvim Internado na sexta-feira devido a um câncer de pulmão, Eduardo Galeano resistiu sábado e domingo. Na manhã desta segunda-feira, 13, não deu mais. O escritor se despediu dali mesmo onde nascera, em Montevidéu. O uruguaio é autor do clássico da literatura política latino-americana “As Veias Abertas da América Latina” e deixa outras obras (mais de 30) como “O Livro dos Abraços”, que abre este texto. Jornalista, ensaísta, historiador e ficcionista, Gaelano exerceu outros ofícios, antes que se ocupasse da escrita. Trabalhou como operário industrial, desenhista, pintor, mensageiro, datilógrafo e caixa de banco. Já aos 14 anos, ele vendia as primeiras charges aos jornais uruguaios. O golpe militar no Uruguai, em 1973, marcou a vida do escritor. Ele foi preso, exilou-se na Argentina e, sob o golpe de 1976, refugiou-se na Espanha, voltando ao Uruguai apenas em 1985. Na Espanha, Galeano começou a escritura de “Memória do Fogo” (Trilogia que engloba “Os Nascimentos”, “As Caras e as Máscaras” e “O Século do Vento”), premiado pelo Ministério da Cultura do Uruguai e vencedor do American Book Award de 1989. Na época da ditadura, o clássico “Veias Abertas” foi proibido no país. Em 2009, Hugo Chávez presenteou o já presidente dos EUA Barack Obama com um exemplar. No mesmo dia, o livro estava entre os dez mais vendidos da Amazon. Dois anos antes, Galeano já se recuperava de um primeiro quadro de câncer no pulmão. O escritor completaria 75 anos no dia 3 de setembro.
Este é o segundo dos quatro escritores goianos que completariam 100 anos neste ano. O primeiro foi José J. Veiga
Adelto Gonçalves
Especial para o Jornal Opção
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Herberto Helder foi o autor de uma obra consistente, mas que viveu uma vida em construção | Foto: publico.pt[/caption]
Se Fernando Pessoa (1888-1935) foi a figura de proa da poesia portuguesa na primeira metade do século XX, na segunda esse espaço foi ocupado por Herberto Helder (1930-2015), um poeta fascinado pelo poder encantatório da linguagem, decorrente do uso ritual da palavra, como observou Maria Estela Guedes num dos dois livros que escreveu sobre essa personagem mítica, “Herberto Helder, o poeta obscuro” (Lisboa, Moraes Editores, 1979).
De fato, como observa a autora no segundo livro que dedicou à produção do poeta, “A obra ao rubro de Herberto Helder” (São Paulo, Escrituras, 2010), em todos os seus poemas está presente um tipo de magia fundada no trabalho poético sobre as palavras. E que, especialmente, procura imagens na Natureza. Esse trabalho pode ser sintetizado nestas palavras de Helder, que estão no o prefácio de seu livro “As magias”: “(...) Mas as palavras não são apenas palavras. Tem longas raízes tenazes mergulhadas na carne, mergulhadas no sangue, e é doloroso arrancá-las”.
Arrancar palavras da alma parece ter sido a obsessão desse poeta que, a exemplo de José Saramago (1922-2010), único Prêmio Nobel da Literatura Portuguesa, não colocou na parede diploma de nenhuma universidade. Se Saramago, que também foi bom poeta, além de excepcional romancista, não frequentou os bancos de nenhuma faculdade, Helder chegou a matricular-se na Universidade de Coimbra, mas não concluiu nenhum dos cursos que fez. Formou-se, isso sim, na universidade da vida. Sem contar que sempre foi um ávido leitor, não só de poetas e romancistas europeus, como de poetas latino-americanos como o mexicano Octavio Paz (1914-1998), o argentino Jorge Luís Borges (1899-1986) e o chileno Vicente Huidobro (1893-1948).
Como se lê na biografia “Herberto Helder, a obra e o homem” (Lisboa, Arcádia, 1982), que escreveu a professora Maria de Fátima Marinho, vice-reitora da Universidade do Porto, o poeta, nascido no Funchal, sempre esteve na contramão da sociedade bem comportada. Por isso, sua figura, a partir da notoriedade de seus versos, passou a ganhar uma aura mítica, que só aumentou nos últimos anos, depois que se refugiou num pretenso anonimato, recusando-se a receber prêmios literários, como o Fernando Pessoa, na década de 90, e a conceder entrevistas e até a deixar-se fotografar.
Em linhas gerais, viveu uma vida em construção, sem muito apego a valores burgueses: foi propagandista de produtos farmacêuticos, redator de publicidade e outros ofícios. Sabe-se também que viveu precariamente como imigrante em países como França, Holanda e Bélgica, onde igualmente desempenhou trabalhos que os naturais do lugar se recusam a fazer. Em Antuérpia, teria sido guia de marinheiros e turistas nos meandros da zona do meretrício. E até cantor de tangos. Só em 1960, depois de voltar a Lisboa, conseguiu um emprego mais estável como encarregado das bibliotecas itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian que viajavam pelas vilas e freguesias do país. Foi ainda repórter e redator por dois anos de uma revista em Angola, às vésperas da derrubada do regime colonial.
Morto o poeta, naturalmente, agora abundam os elogios das fontes oficiais, mas a verdade é que Herberto Helder, ainda que tenha publicado uma vasta obra, foi um poeta marginal e desconhecido em Portugal por muito tempo – e mais ainda pelo público e até mesmo pelos acadêmicos brasileiros. Só nos últimos tempos passou a ser mais reverenciado e seus livros procurados – um ou outro chegou a alcançar tiragem de cinco mil exemplares, o que é surpreendente em se tratando de poesia. Se sua poesia transcendeu a de Fernando Pessoa, ainda não se pode dizer. Se não chegou a tanto, passou perto.
Adelto Gonçalves é doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela USP
o beijo de Klimt – Yêda Schmaltz
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O beijo, quadro do pintor austríaco Gustav Klimt[/caption]
No pulso da noite resvalam
as minhas estruturas.
Na noite, das mais escuras,
meus espantos, maus espasmos
e o impulso de ver-te.
Na geografia do meu quarto,
procuro outro canal. Maçãs,
nádegas e seios me observam
pelo grande espelho desfeito.
Estradas, rios, os chapéus
e os livros de cabeceira:
uma legião de kamikazes
no pulso da noite
e na geografia do meu leito.
Aqui, onde me deito,
procuro outro canal, um colírio,
um milagre de imagem
neste mundo de TV cansada e mínima.
Por um caminho escuro, estreito,
Entro no quadro de Gustav Klimt:
um exército de estrelas
no céu me ilumina;
um discurso é consumado;
um verso arremessado, exíguo e ébrio;
e a mentira, capengando,
sai por outro lado.
Um filme abstrato e poético,
O Beijo, de Klimt;
toda a fotografia e a música
de um poema, postura de Giotto,
no que revoluciona,
cores, formas e luzes.
Dentro do quadro de Klimt,
tomo a postura da imagem feminina,
a envolvida, e me ajoelho:
estou nos braços no deus-beijo.
Qualquer retórica
seria ilógica
ou tão possível, como desejou
Gertrud Stein: “A rose is a rose
is a rose" e o beijo de Klimt.
Leda amando a glande do pescoço-
pênis do amado cisne.
As coisas vão crescendo:
um poeta
e seu mundo de fermento.
Pingos de luzes e ouros,
tesouros abraçados,
pedaços dos meus vestidos
envolvidos, retalhos
da melhor ternura,
a que me faz falta.
Porque o beijo que me beija
Klimt é o beijo do meu
Namorado, mas é também o beijo
de tudo o que me ama
e que desejo — meu pai
que foi pra guerra e me deixou,
minha mãe que não ficou madrasta
me matando, pelos figos
da figueira que o sabiá beliscou.
Oh, excitação do nervo óptico,
o óptimo do beijo de Klimt,
chuva de cores e amores
em mint.
Imaginação virtual,
ícone de sempre,
virtude, vírgula, virtuose,
vitória total.
O amor reciclado:
olhar de novo o céu estrelado,
estrelar-se, deslocar-se, implantar-se,
chover-se, colorir-se, ser-se.
O mundo e o amor,
o fogo num simples beijo
e tudo no meu olhar.
A natureza da imagem
seria algo nomeável?
Ou um receptáculo,
um campo minado
ou granulado de luzes?
Centelhas
brancas e vermelhas.
O Beijo de Klimt
é um filme extenso, que determina o
intenso, na minha retina indômita;
igual quando vejo as luzes e, em seguida,
elas permanecem brilhando,
mesmo fechando os olhos:
princípio da bomba-atômica.

