Imprensa
A capa do Pop da quarta-feira, 15, estampou que “Seis entre dez taxistas já aderiram aos aplicados de celular”. Na matéria, entretanto, o olho falava em “70% da frota”. Tudo leva a crer que o editor da página interna se equivocou.

Nem sempre precisa ser “Correio Braziliense” para fazer uma capa marcante. A edição da quarta-feira, 8, do jornal “Extra” prova isso. O diário se caracteriza por ter muitas chamadas de capa, sempre com temas populares e popularescos. É o “Daqui” carioca — na verdade, é o contrário. Mas a priorização de um tema (o linchamento de Cleidenilson da Silva, de 29 anos, espancado até a morte amarrado a poste em um bairro de São Luís, no Maranhã) e sua alusão a outra imagem histórica (a de um escravo negro torturado em praça pública preso a um tronco) mostraram uma ponte ímpar e uma denúncia da estrutura do próprio País.
Lamentáveis foram os comentários de ódio na página do jornal na internet. “Muito bem, justiça feita com as próprias mãos”; “Imagem forte? Onde? Não vi nada demais”; “Estamos precisando muito aprender com os moradores de São Luís. O Rio de Janeiro precisa de vocês!”; “Parabéns, população de São Luís”; “Leve um desses pra sua casa, então!”. A proporção de acenos favoráveis à execução coletiva do bandido foi muitas vezes superior à da condenação do ato.
O Brasil precisa se repensar como sociedade. Não só com relação à violência de fato, mas também a violência no discurso, que ocorre predominantemente nas redes sociais. E os meios de comunicação precisam se reprogramar, literalmente, para não exacerbar, em nome de uma audiência suja de sangue, os ânimos já naturalmente exaltados de uma população acuada que clama por mais segurança.

Não se sabe até onde iria a fantástica trajetória do maior fotojornalista do mundo sem Lélia, com quem ele está há mais de 50 anos. A certeza é de que não teria sido tão longe

A não ser que queira mesmo uma nova cara — que até o momento não apareceu —, o Grupo Jaime Câmara faz gol contra e compromete o futuro de seu veículo mais emblemático
[caption id="attachment_40196" align="alignright" width="620"] Karla Jaime, Robson Macedo, Leandro Resende e Rosângela Chaves: capital profissional de alta qualidade do qual o Pop abre mão. Substituirá à altura? | Fotos: Divulgação[/caption]
Os tempos de crise assolam todos os setores da economia. Alguns mais, outros menos, mas todos são afetados. As redações dos jornais não escapam. Mas é preciso ter temperança para superar os momentos difíceis.
Não é o que se vê na redação de “O Popular”. Não passa um mês sem que haja importantes defecções no quadro de jornalistas. A demissão de repórteres e editores, bem como a entrada de outros, obviamente é algo da rotina de qualquer trabalho da área. Mas assusta como tem sido intensificada a saída — às vezes sem troca — de profissionais de grande experiência em um período curto.
Entre outras baixas (de profissionais da área de suporte, como Manoel de Sousa, da fotografia, e Antônio Baiano, da digitação), contabilizam-se desde o ano passado a saída de jornalistas do nível de Carla Borges, Cristina Cabral, Polly Duarte, Valéria Monteiro, Lídia Borges, Kríscia Fernandes, Patrícia Drummond, Thiago Rabelo, Karla Jaime, João Carlos de Faria, Rosângela Magalhães, Rogério Borges, Wanderley de Faria, Leandro Resende, Robson Macedo, Maurílio Faleiro e Mariosan.
É mais do que um time inteiro. E, a não ser que o Pop queira mesmo ter uma nova cara — o que até o momento não apareceu —, o Grupo Jaime Câmara está fazendo gol contra e comprometendo o futuro de seu veículo mais emblemático.
Não é nada tão difícil de explicar, e dá para continuar a analogia com o futebol. Imagine um time bem montado, já entrosado há algum tempo. Se a escalação continua basicamente a mesma, é bem provável que haja um padrão de jogo consolidado na equipe. O que gera, de igual modo, uma estabilidade, inclusive no rendimento. De repente, há um desmonte no elenco: saem os principais jogadores, o “onze” titular se decompõe.
Como dar sequência ao padrão de jogo? Como remontar um elenco e fazê-lo engrenar em pouco tempo? É o mal que sofrem vários clubes Brasil afora, campeões em um ano, rebaixados no seguinte.
A redação do Pop passa por esse momento. É claro que renovar é preciso, mas o fato é que a equipe do jornal já não se reconhece mais — e nem estamos aqui falando do aspecto motivacional. Ainda há quem produza artigos de nível de excelência, como Silvana Bittencourt e Gilberto G. Pereira, e gente veterana de casa capacitada em todas editorias — Sérgio Lessa, Jânio José da Silva, Malu Longo, Rosana Melo, Rute Guedes, Fabiana Pulcineli, Paula Parreira e tantos outros. Mas a renovação intensa e a reposição insuficiente — isso em termos de quantidade, mas também de experiência — precarizam o trabalho e fazem com que o time não saiba “jogar”.
Naturalmente, a responsabilidade não recai sobre a editora Cileide Alves. O “enxugamento” é política da empresa, que sempre alega contenção de despesas. Para o jornalismo goiano é uma pena. “O Popular” pode ser contestado em sua linha editorial, às vezes formal e carente de mais análise, mas é o jornal diário de referência do Estado. Precisa ser olhado, sim, por um viés mais institucional, por assim dizer.

[caption id="attachment_40185" align="alignright" width="620"] Mônica Iozzi: usando MPB para “educar” fãs do sertanejo[/caption]
Ex-repórter do CQC e hoje fazendo dupla entrosada com Otaviano Costa no “Vídeo Show”, Mônica Iozzi deu durante a semana duas alfinetadas na juventude que curte o estilo sertanejo universitário. E usando duas datas emblemáticas: os 25 anos da morte de Cazuza (terça-feira, 7) e os 35 anos da morte de Vinicius de Moraes (quinta-feira, 9). Em ambas, aconselhou o “pessoal mais novinho” a trocar seu estilo para ouvir “um pouquinho mais” dos grandes nomes da MPB.
Não custa tentar. Mas, se quisesse não passar qualquer suspeita de preconceito nem mexer com a ira — absurda, é verdade — de fãs do estilo, claramente condoídos com a morte do goiano Cristiano Araújo, poderia ela ter citado Almir Sater, Renato Teixeira, Tião Carreiro & Pardinho ou qualquer outro ícone da música sertaneja clássica. Como falou, soou como se colocasse a MPB em um nível acima. Há gente boa em ambos os estilos — embora a sigla MPB (de “música popular brasileira”) devesse representar muito mais do que um gueto do Eixo Rio–São Paulo que canta bossa nova, samba e pop-rock.
Na edição 2087 do Jornal Opção, na matéria “PMDB: o pior aliado político”, de Frederico Vitor, o presidente da Comurg, Ormando Pires, apareceu como um dos nomes peemedebistas no primeiro escalão da Prefeitura de Goiânia. Na verdade, Ormando é ligado ao PT.

Noves fora o joguinho de “mocinho versus bandido” das redes sociais, a crônica do jornalista sobre o fenômeno envolvendo o cantor peca do começo ao fim. Mas, para observar isso, é preciso “ler” o que ele disse
[caption id="attachment_39658" align="aligncenter" width="620"] Zeca Camargo: hostilizado nas redes sociais por um texto que, embora contestável, poucos leram | João Cotta/TV Globo[/caption]
Zeca Camargo teve uma semana bem atribulada. Sua crônica sobre a morte do cantor Cristiano Araújo, feita no fim de semana para o “Jornal das 10”, da Globonews, ganhou as redes sociais e o prendeu como uma armadilha: o jornalista parece ter se expressado com toda liberdade — não foi um texto “encomendado pela Globo”, como alertaria alguma teoria conspiratória —, mas tocou em um tema de fundo emocional e do qual não tinha total conhecimento. Acabou por produzir uma crônica com argumentos fracos para sustentar o que propunha: explicar a “comoção nacional” por alguém como Cristiano Araújo.
Entre todos os que comentaram o que Zeca disse, boa parte, talvez a maioria, não viu o vídeo nem procurou outras opiniões. Basearam-se no que tinham “ouvido falar” de outro alguém que, provavelmente, também não estava inteiramente informado. Infelizmente, é assim que se propagam a má informação e as fúrias virtuais.
De qualquer forma, o material de Zeca Camargo veio na hora fatal para reacender uma polêmica que estava no fim com as matérias do “Fantástico” de domingo passado. E aí, por seu texto, deu voz a um gueto “oprimido” até então: as pessoas que se colocaram entre as perplexas com a onda de comoção. Estas, então, concordaram com o texto de Zeca Camargo pelo mesmo motivo com que os fãs de Cristiano Araújo se enfureceram: não por seu conteúdo, mas pelo posicionamento que expressa. E aí, o mais grave: houve a repetição de uma metonímia perigosa, que toma a parte (o texto) pelo todo (Zeca Camargo). De críticas ao produto, passou-se rapidamente para ofensas ao autor do produto. É um fenômeno grave, cada vez mais comum nas interações dos últimos tempos.
Noves fora o joguinho de mocinho x bandido das redes, o texto de Zeca Camargo peca do começo ao fim. Para observar isso, é preciso antes ver o vídeo ou “lê-lo” (o texto, na íntegra, está no box desta matéria). Vamos a isso.
Ao contrário do que Zeca escreve, Cristiano Araújo não era um artista longe do “radar da grande mídia”. Era praticamente um colega: artista contratado da Som Livre — braço musical da organização da família Marinho — o goiano apareceu mais de uma dezena de vezes só na TV Globo: foi ao “Domingão do Faustão”, ao “Mais Você”, à “TV Xuxa”, ao “Encontro com Fátima Bernardes”, ao “Estrelas”, ao “Altas Horas”, ao “Esquenta”, entre outras inserções. Talvez tenha faltado o “Vídeo Show” para Zeca Camargo localizá-lo no “radar” da grande mídia em que trabalhava.
Um pouco mais de pesquisa faria bem para ele e os demais jornalistas que estranharam o fenômeno. Principalmente porque, além de existir música consumida fora do Eixo Rio–São Paulo, há também uma novidade deste século chamada internet e um subsetor dela, “redes sociais”, que se pauta longe dos estúdios das emissoras. Falemos da “pequena mídia”, então: só no YouTube, o canal de Cristiano Araújo tem mais de 250 milhões de visualizações. Dá mais de uma visualização por terráqueo que fala português, do Brasil ao Timor Leste.
No Facebook, são 7,6 milhões de curtidas em sua fan page. O “Rei” Roberto Carlos tem 5,6 milhões, 2 milhões a menos. No Instagram, Cristiano Araújo tinha (e tem) 1,8 mil fãs. É mais do que a soma de todos os de Michel Teló (876 mil) Zezé di Camargo & Luciano (721 mil) e Chitãozinho & Xororó (107 mil). No Twitter, são 387 mil seguidores do cantor contra 292 mil de Roberto Carlos, 236 mil de Caetano Veloso tem e 149 mil de Chitãozinho & Xororó, por exemplo. Com esses números ficaria mais fácil entender — e não se “surpreender” — com a “comoção nacional”.
A coisa piora no texto de Zeca Camargo quando ele se aventura em comparações. A primeira é uma medida de importância de funerais. Ele solta um “mas, Cristiano Araújo?” para em seguida dizer, em outras palavras, que comover-se com a morte de uma princesa britânica, uma banda pop brasileira e um tricampeão de Fórmula 1 tinha justificativa. Fazer o mesmo para uma “figura relativamente desconhecida” — volte ao parágrafo anterior para observar que realmente era algo bem relativo mesmo — foi como mostrar que estamos, nós brasileiros, em pleno retrocesso cultural.
E suas analogias chegam ao ápice da pobreza argumentativa quando dá, como prova desse passo atrás na evolução intelectual nacional, a febre dos livros de colorir. Zeca coloca como um absurdo o fato de alguém comprar um livro para colorir — como se o fato de ter um hobby com os lápis de cor anulasse a possibilidade de o mesmo sujeito se deliciar com um Marcel Proust ou um Gabriel García Márquez. Ou como se em outros tempos esse consumo de grandes escritores fosse algo disseminado. Avançando na infeliz comparação — a despeito de ele justapor um cantor atingido por uma tragédia a um objeto de lazer —, mesmo que Cristiano Araújo fosse o “livro para colorir” dos dias atuais, ao qual as pessoas se devotam diante de uma “pobreza da atual alma cultural brasileira”, será que as “fortes referências culturais” ausentes do nosso País são Cazuza, Mamonas Assassinas e Ayrton Senna?
Para Zeca, a massa formada por “robôs coloristas” doidos para usar suas “tintas da emoção” se agarrou à morte de Cristiano Araújo por catarse e acreditamos (a massa somos nós) “estar comovidos com a perda de um grande ídolo”. Em primeiro lugar, ninguém “acredita” estar comovido: ou se comove ou não se comove. Em segundo lugar, os brasileiros não se emocionaram necessariamente “por” perder um grande ídolo, assim como os Mamonas não eram “grandes ídolos” quando seu avião caiu. Ambas as tragédias foram com artistas conhecidos (sim, Zeca, Cristiano era conhecido) na plenitude de sua vida e no auge de seu sucesso. A receita é básica: a morte súbita nessas condições vai gerar uma cobertura massiva — que Zeca considerou “insana”, mas que o Ibope achou acertada — que vai desaguar em comoção coletiva, até de quem não era tão fã assim do trabalho da vítima. Teorias da comunicação explicam, gostem ou não.
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Princesa Diana, cantor Cazuza, piloto Ayrton Senna e Cristiano Araújo: os três primeiros teriam sido “heróis do mundo pop”? É para o que Zeca parece apontar em seu texto polêmico sobre o goiano | Fotos: Divulgação[/caption]
Ao lançar a frase “todos sabemos que não é bem assim” para negar o título de “grande ídolo” a Cristiano Araújo, Zeca Camargo se apropria da visão coletiva e deixa inferir que grande ídolo é aquele que já alcançou o (re)conhecimento de uma turma que não são esses milhões e milhões que se comoveram.
É o fenômeno da bolha cultural, que está muito bem explicado em um artigo do “El País”, assinado por Felipe Betim e com o pertinente título “Cristiano Araújo, o cantor que ninguém conhecia, exceto milhões”. Um trecho: “Para uma parte do Brasil — a que não conhecia Araújo até esta quarta-feira (24) —, a música brasileira ainda se resume a clássicos como Tom Jobim, Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil. São cidadãos que vêm das classes médias tradicionais, dos grandes centros urbanos, como Rio de Janeiro e São Paulo, e que vivem dentro de uma bolha cultural.”
Zeca prova estar bem acomodado nessa bolha logo a seguir, em seu texto, ao falar em “revelações de uma música só”. O “Bará Bará” que integrou a trilha sonora da novela global “Salve Jorge” foi apenas o start de uma carreira nacional. Cristiano “qualquer um” Araújo, no caso, já fazia sucesso Brasil afora (fora a bolha) havia mais de três anos, com vários hits.
Já caminhando para o fim da crônica, o jornalista lamenta o fato de hoje não haver mais “ídolos de verdade”, pelos quais valeria a pena “chorar de verdade”, com eles no palco ou no funeral. Não para ele — que, aos 52 anos, que talvez devesse se penalizar por razões existencialistas mais profundas —, mas para milhões de jovens e adolescentes fora do quintal eixocentrista, a morte de Cristiano foi uma grande perda, sim. Ele era “ídolo de verdade”, até porque a visão de um ídolo se encontra na individualidade. Ídolo é diferente de ícone, aquele que se torna uma referência de valor, seja de paz (Gandhi) ou de terror (Osama bin Laden), de caridade (Madre Teresa de Calcutá) ou de atrocidade (Hitler).
Como que a apontar um horizonte, já que não vê nada “em volta”, o cronista diz que precisamos ter uma meta para mudar a realidade do mundo pop: “Precisamos, sim, de um outro herói, um novo herói”. E aqui, a confusão vira deseducação: então, para Zeca, esses citados e que tiveram um alvoroço em torno de suas mortes trágicas — Michael Jackson, Ayrton Senna, Lady Di, Mamonas, Kurt Cobain, Cazuza — foram figuras heroicas?
É verdade que toda palavra é também um mundo. Bakhtin, pensador e linguista russo, ao usar o termo “polifonia” para definir a presença de outros textos dentro de um texto (o que equivale a dizer outros “textos” para a mesma palavra), abriu a brecha para essa heterogeneidade nos termos. No caso de “herói”, uma definição encontrada, entre várias: “figura arquetípica que reúne em si os atributos necessários para superar de forma excepcional um determinado problema de dimensão épica”. Mas, mesmo com toda a polifonia bakhtiniana, fica difícil entender qual o desafio (“problema”) superado de forma excepcional, em sua trajetória, por um artista, um piloto ou uma princesa que era plebeia.
E assim Zeca Camargo — como seu colega Pedro Bial, com quem às vezes pode ser confundido por suas funções midiáticas, incluída aí a de fazedor de minicrônicas para entretenimento — banaliza o significado nobre. Coloca os Mamonas Assassinas tão heróis quanto os pracinhas da Força Expedicionária Brasileira (FEB) e iguala Cazuza a Betinho. Este, como aquele, morreu de aids, mas investiu os últimos anos de vida de hemofílico na luta contra a fome no Brasil.
O próprio Zeca Camargo não deve acreditar que os nomes que citou sejam “fortes referências culturais” ou algum dia tenham sido “heróis”. Como jornalista dos mais viajados da Rede Globo e nascido em Uberaba, no Triângulo Mineiro, ele conhece do interior do Brasil aos continentes do mundo. É um cosmopolita. Não queria dizer o que pareceu dizer. Mas disse, ao escrever um texto ruim e que pode ser interpretado tranquilamente dessa forma.
A polêmica (e frágil) crônica de Zeca Camargo:
Muita gente estranhou a comoção nacional diante da morte trágica e repentina do cantor Cristiano Araújo. A surpresa maior, porém, não é o fato de ele ser ao mesmo tempo tão famoso e tão desconhecido. O Brasil felizmente tem um punhado de artistas que não passam pelo radar da grande mídia nem são um consenso popular, mas que levam multidões para seus shows. Essa é uma consequência natural do talento que nós temos para a música cruzado com o tamanho e a diversidade do nosso território. O que realmente surpreende nesse evento triste da semana foi a comoção nacional. De uma hora para outra, na última quarta-feira, fãs e pessoas que não faziam ideia de quem era Cristiano Araújo, partiram para o abraço coletivo, como se todos nós estivéssemos desejando uma catarse assim, um evento maior que nos unisse pela emoção. Nós sempre precisamos disso. Grandes funerais públicos vêm em ciclos, expurgar nossas dores, como se tivessem uma capacidade purificadora. É só lembrar de despedidas que, dependendo da sua geração, ainda estão na sua memória: Cazuza, Kurt Cobain, Ayrton Senna, Mamonas Assassinas, princesa Diana, Michael Jackson. Mas, Cristiano Araújo? Sim, Lady Di, Mamonas, Senna, todos esses eram, guardadas as proporções, ídolos de grande alcance. Como então fomos capazes de nos seduzir emocionalmente por uma figura relativamente desconhecida? A resposta está nos livros para colorir! Sim, eles mesmos. Os inesperados vilões do nosso cenário pop, acusados de, entre outras coisas, destacar a pobreza da atual alma cultural brasileira. Não vale a pena aqui discutir o verdadeiro valor desses produtos – se é que ele existe. Mas eles vêm calhar para que a gente faça um paralelo com a ausência de fortes referências culturais que experimentamos no momento. A morte de Cristiano Araújo e a quase insana cobertura de sua despedida vestiu a carapuça de um contorno de linhas pretas no papel branco, só esperando a tinta da emoção das pessoas para ganhar tons e, quem sabe, um significado. Como robôs coloristas, preenchemos esses desenhos na ilusão de que estamos criando alguma coisa. Assim como, ao nos mostrarmos abalados com a ausência de Cristiano, acreditamos estar de fato comovidos com a perda de um grande ídolo. Todos sabemos que não é bem assim. O cantor talvez tenha morrido cedo demais para provar que tinha potencial para se tornar uma paixão nacional, como tantos casos recentes. Nossa canção popular é hoje dominada por revelações de uma música só, que se entregam a uma alucinada agenda de shows para gerar um bom dinheiro antes que a faísca desse sucesso singular apague sem deixar uma chama mais duradoura. E nesse cenário qualquer um pode, ainda que por um dia, ser uma estrela maior. Teria isso esse o caso de Cristiano Araújo? O mais inquietante de tudo isso é que nosso pop não precisa ser assim. Nossa história musical, e mesmo o passado recente, prova que temos tudo para adorarmos ídolos de verdade, e para chorar de verdade, seja pela presença deles no palco ou na saudade da perda. Mas agora, olhando em volta, parece que não vemos nada disso. Não precisa ser assim. Contradizendo o famoso refrão de Tina Turner, “we do need another hero”: precisamos, sim, de um outro herói, de mais heróis. Mas está todo mundo ocupado pintando jardins secretos.” Zeca Camargo

O "linchamento" do jornalista Zeca Camargo diz mais sobre a intolerância totalitária do politicamente correto nas redes sociais

Joaquim Pinto Magalhães, subtenente da FEB, perdeu uma perna no conflito contra soldados e oficiais de Hitler pelo controle da cidade de Montese. Foi a mais sangrenta das batalhas na Itália
Qualquer que seja a forma, a escravidão é uma barbárie. O Brasil aboliu a escravidão há 127 anos. Mas fazendeiros a reinventaram como escravidão por dívida. Histórias impressionantes e dolorosas são contadas no livro “A Dama da Liberdade — A História de Marinalva Dantas, a Mulher Que Libertou 2.354 Trabalhadores Escravos no Brasil, em Pleno Século 21” (Benvirá, 375 páginas), do jornalista Klester Cavalcanti.
Mulher de rara fibra, Marinalva Dantas é auditora fiscal do Ministério do Trabalho — atua no Grupo Especial de Fiscalização Móvel do Ministério do Trabalho, conhecido como “a Móvel” — e especializou-se, como uma princesa Isabel plebeia, em libertar escravos contemporâneos.
O livro do jornalista Klester Cavalcanti, ex-“Veja” e ex-“IstoÉ”, é sereno, não faz discursos (os fatos são os discursos). A história dos novos escravos choca e comove por si. Um dos personagens é o goiano Luiz Carlos Machado, o Luiz Bang, que, depois de uma intensa atividade como gato (agenciador de mão de obra), se tornou pistoleiro, segundo a obra, fazendeiro e prefeito no Mato Grosso.
Uma das histórias mais comoventes é a do ex-escravo Francisco Ferreira, de 16 anos (com feições de 30). Ao ser libertado de uma fazenda da família Mutran — uma das mais poderosas do Pará —, recebeu R$ 1.140 de indenização. “Ele olhava para aquelas cédulas de R$ 50, R$ 20 e R$ 10 com incredulidade e deslumbramento. Nunca vira tanto dinheiro na vida.” Marinalva quis saber o que ia fazer com o dinheiro. Francisco Ferreira respondeu, candidamente: “Ainda não sei, doutora. Acho que vou usar metade pra arrumar minha vida em Teresina e a outra metade vou guardar, pra dar um futuro decente pro meu filho. Não quero que ele sofra na vida que nem eu”.
Em Alvorada do Gurguéia, no Piauí, o produtor rural Adauto Rodrigues planta algodão, financiado pelo governo federal. Para colhê-lo, recrutou trabalhadores na Bahia, a quase 1,1 mil quilômetros de distância. Os homens foram levados num caminhão, com mulheres, adolescentes e crianças, sob um sol inclemente e, às vezes, chuva. Durante a viagem, a alimentação era “apenas dois pães por dia, para cada pessoa”. Na fazenda, onde chegaram famintos e desidratados, os baianos — negros — descobriram que, quanto mais trabalhavam, mais endividados ficavam. Era a escravidão por dívida.
Os escravos são a “gente invisível”, no dizer de Marinalva Dantas — ecoando, de alguma maneira, o escritor americano Ralph Ellison, autor do romance “Homem Invisível”. São pessoas que, deslocadas de um lugar para o outro, não têm ninguém para defendê-las — exceto quando descobertas pelo Ministério Público, pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) e pelos auditores do Ministério do Trabalho.
Klester Cavalcanti sugere que a vida do escravo moderno chega a ser pior do que a do escravo dos tempos de Colônia e Império, muito embora as duas formas de escravidão sejam condenáveis.
A respeito dos escravos “recrutados” como trabalhadores na Bahia, Klester Cavalcanti escreve: “Exatamente como os colonizadores portugueses faziam há quase 500 anos, aqueles negros baianos tinham sido igualmente tratados sem o menor respeito ou preocupação em relação à sua saúde. Haviam percorrido cerca de 1,1 mil quilômetros empilhados como mercadoria, sujeitos a todo tipo de intempérie e com alimentação precária. Situação idêntica aos relatos das viagens nos navios negreiros. Eram, como seus antepassados africanos, nada além de força física para a lavoura. Havia, porém, uma diferença que tornava a situação dos escravos contemporâneos ainda pior do que a dos cativos do passado. Antes, o escravo era comprado pelo seu senhor, o que fazia com que fosse considerado um bem, um patrimônio. Assim, os fazendeiros e usineiros da época queriam ver seus escravos fortes e saudáveis, para poderem trabalhar com afinco. Um negro doente ou morto era sinônimo de prejuízo. Os escravagistas do século 21 não têm essa preocupação. Se um dos seus cativos adoecer ou morrer, não há problema. Afinal, ele — o fazendeiro — não pagou nada por aquele infeliz. Esse é um dos motivos pelos quais os escravos da atualidade são tão maltratados, largados para viver em cabanas no meio do mato, sem água potável, sem higiene e com alimentação sofrível. Ser escravo no Brasil do século 16 era menos doloroso do que o ser naquele universo que já fazia parte da vida de Marinalva”.
No Brasil, o do século 21, o capitalismo permanece selvagem? Em parte, sim. As ideias continuam, portanto, fora do lugar. O Brasil é um país que mistura liberalismo e socialdemocracia — com privatizações e forte investimento no social —, mas ainda convive com práticas bárbaras, criminosas. O primeiro presidente a combater o trabalho escravo de maneira mais eficaz foi Fernando Henrique Cardoso, do PSDB. O PT mantém o combate ao trabalho escravo, mas muitos fazendeiros resistem às ações do Ministério do Trabalho, do Ministério Público e da Justiça. Sob o PT, Marinalva Dantas chegou a ser "discriminada" no Ministério do Trabalho, depois que autuou um deputado estadual e um deputado federal, pai e filho.
O escravo de 12 anos que não conhecia a música “Parabéns pra Você”
Em maio de 2013, os auditores do Ministério do Trabalho e a Polícia Federal encontraram trabalhadores escravos, entre eles garotos, na Fazenda Ponta de Pedra, no município de Marabá, no Pará. Lá, a auditora Marinalva Dantas conversou com o menino-escravo Divonaide Ferreira da Silva, de 12 anos, nascido no interior de Goiás. Nos 23 meses em que permaneceu trabalhando na fazenda, sem nada receber, “o menino enfrentou fome, sede, contraiu dengue e passou várias noites ensopado, sem conseguir dormir de tanto frio”.
Divonaide não sabia nem mesmo sua idade. “Quantos anos você tem?”, Marinalva perguntou. “O quê?”, disse, pedindo o apoio do pai. A auditora insistiu: “Quantos anos você tem, meu filho? Qual a sua idade?”. O menino respondeu: “Sei não, senhora”. Auditora: “Meu filho, quando as pessoas cantam ‘Parabéns pra Você”? Divonaide: “Que música?” A auditora cantou: “‘Parabéns pra você, nesta data querida. Muitas felicidades. Muitos anos de vida”. Divonaide: “Sei não”. Auditora: “Você lembra qual foi a última vez que cantaram essa música pra você?” Divonaide: “Nunca ouvi essa música, não, senhora”. Auditora: “Nunca? Tem certeza?” Divonaide: “Nunca”. A jornalista espanhola Clara Balboa, da TV Espanhola, ouviu atentamente as respostas do menino e chorou
Depois, Marinalva perguntou: “Você consegue ter algum tempo pra brincar?” Divonaide: “Às vezes”. Marinalva: “Que bom! E como você brinca?” Divonaide: “Eu fico desmontando e montando a motosserra. Tem um monte de pecinha lá dentro”. O garoto e o pai eram “motoqueiros” na fazenda, quer dizer, operadores de motosserra na linguagem dos peões. Divonaide é louro e tem olhos azuis.
Klester Cavalcanti relata que “o pecuarista paulista Euclebe Vessoni”, proprietário da Fazenda Ponta de Pedra, “foi condenado pela Justiça do Trabalho, em 2004, a pagar a maior indenização por dano moral coletivo já deferida até aquela época. Em processo movido pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), Vessoni foi obrigado a pagar R$ 384 mil pelos crimes que cometera, como explorar mão de obra escrava, trabalho infantil, não pagar os lavradores, não registrar os empregados em Carteira de Trabalho e não fornecer água potável aos trabalhadores”.

Frase clássica do livro: “Se não estivermos lá também nós, eles acabam fazendo uma república. Se queremos que tudo fique como está, é preciso que tudo mude”

[caption id="attachment_39054" align="aligncenter" width="620"] Walquires Tibúrcio e a esposa, Maria Berta | Foto: reprodução / Facebook[/caption]
O advogado Walquires Tibúrcio lança um livro despretensioso, “Guapé — E Outras Histórias” (Elysium, 204 páginas), porém muito bem escrito. São causos, relatos, crônicas? São tudo isso e mais um pouco. São histórias da vida real muito bem reconstruídas pela imaginação, escritas de maneira deliciosa, com a leveza sugerida pelo escritor italiano Italo Calvino. É literatura tradicional, sem invenções linguísticas.
Walquires Tibúrcio não é historiador nem antropólogo. Mas suas histórias, ao registrar o cotidiano das pessoas, tem um quê da história escrita pelos estudiosos franceses da Escola dos Annales e pelo olhar perspicaz dos antropólogos para as diferenças culturais.
A impressão que se tem é que algumas histórias, espichadas pela imaginação, dariam contos longos ou até romances. As histórias contadas por Walquires Tibúrcio contêm diamantes à espera de novas lapidações.
Depois de um livro notável sobre a crise dos mísseis entre a União Soviética e os Estados Unidos, Michael Dobbs lança “Seis Meses em 1945 — Roosevelt, Stálin, Churchill e Truman da Segunda Guerra Mundial à Guerra Fria” (Companhia das Letras, 520 páginas, tradução de Jairo Arco e Flexa).
Michael Dobbs, além de dominar o assunto com rara mestria, escreve com extrema clareza. O pesquisador mostra como seis meses de 1945 definiram a política mundial pelo menos até 1991, com a queda da União Soviética.

A morte de uma pessoa, sobretudo quando famosa, anestesia ou paralisa circunstancialmente o espírito crítico. A morte do cantor sertanejo Cristiano Araújo, num acidente em território goiano, gerou dezenas de reportagens emocionais e laudatórias, mas nenhuma avaliação sobre a qualidade de sua música. Repórteres, sempre atentos ao sensacionalismo e em busca do acesso fácil e multiplicado, não ousaram nem mesmo situar o artista no contexto da música sertaneja nacional. Nunca se leu tanto lixo disfarçado de reportagem. Há uma segunda questão. O preconceito dos jornalistas contra a música sertaneja impede que entendam que se trata de um fenômeno cultural, goste-se ou não, e também comercial. É um supernegócio que o jornalismo patropi não consegue dimensionar porque se recusa a entendê-lo.

[caption id="attachment_38828" align="aligncenter" width="620"] Jornalista é acusada. Mas, faltam provas | Foto: Reprodução Facebook[/caption]
O Sindicato dos Jornalistas do Paraná acusa a jornalista Joice Hasselmann, da TV Veja, de ter cometido vários “plágios”. Blogs e portais ligados à esquerda esbaldaram-se divulgando a “notícia”. Li vários textos notando, de cara, que eram praticamente os mesmos, sem variações. Quer dizer, trata-se muito mais de uma campanha sincronizada contra a jornalista — ou melhor, contra a revista “Veja” — que uma apresentação de provas de que a profissional cometeu plágios. Felizmente, nenhuma publicação de qualidade levou a sério a “denúncia”, que, a rigor, é pura ficção.
Nenhum dos textos apresentou evidência, ao menos uma, do plágio denunciado de forma tão espetaculosa. Se processar os dirigentes do sindicato, Joice Hasselmann possivelmente receberá uma indenização polpuda.