Opção cultural
O livro todo, do começo ao fim, mexe com o imaginário popular e traz à tona memórias e histórias vividas por todos nós, sobretudo da nossa infância
Livro “Sobre os Ossos dos mortos”, da escritora polonesa Olga Tokarczuk, vencedora do Nobel de Literatura de 2018, é uma alegoria em defesa dos animais
Personagem integra organização guerrilha e tudo vai acontecendo de modo frenético, numa narrativa que não se detém muito em detalhes descritivos
O Newspaper The Option entrevistou Matheus Diniz, criador do perfil que conquistou um milhão de seguidores traduzindo expressões brasileiras para o inglês literalmente
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A criação de Matheus Diniz foi à Times Square, Manhattan | Foto: Cortesia / Acervo Pessoal[/caption]
Em novembro de 2018, o designer gráfico Matheus Diniz se preparava para uma prova de inglês, requisito para tirar um certificado de proficiência. Com o idioma na cabeça, lhe ocorreu fazer uma brincadeira em seu Twitter. Ele publicou em seu perfil pessoal uma tradução literal da expressão “A jiripoca vai piar” ou “Tirar o cavalinho da chuva” (hoje, nem ele se lembra qual foi sua primeira publicação): “the jiripoca is going to pewpew”, or maybe, “take your little horse out of the rain”.
Em pouco tempo, a postagem viralizou, atingindo centenas de milhares de compartilhamentos. Matheus Diniz, que havia concluído uma pós-graduação em Marketing Digital e queria aplicar o que aprendera na prática, resolveu montar o perfil Greengo Dictionary como uma experiência. Criou uma identidade visual e um padrão para as publicações que imitam verbetes de dicionário inglês-português.
Por vezes, as expressões se tornam nonsense no inglês ao pé da letra – “give your jumps” para “dá seus pulos”; ou resultam em neologismos, como “fridayed” para “sextou”; ou criam absurdos gramaticais, como a tradução de “hoje tem” para “today have.” O estilo de humor ressoou nas redes sociais, fazendo o father of the donkeys ultrapassar um milhão de seguidores através de todas suas redes sociais em cerca de apenas um ano.
“A grande maioria dos seguidores é brasileira”, diz Matheus Diniz, “mas sempre recebo mensagens de gringos, ou brasileiros que mostram a página para amigos gringos. Me mandam vídeos ensinando estrangeiros a falar expressões brasileiras e entrando na brincadeira. Alguns até aprendem algumas coisas com isso.”
Matheus Diniz diz que tenta ler todas as mensagens que recebe, em busca de ideias para publicações, e que atualmente tem um banco de dados com mais de seiscentas ideias. “Além disso, meu cérebro ficou treinado; estou constantemente procurando por expressões brasileiras curiosas”. Com 900 mil seguidores apenas no Instagram, as sugestões não são poucas, mas afirma que a interação com seus seguidores é uma das mais importantes características do perfil.
Entretanto, talvez a maior confirmação do sucesso da página tenha vindo três semanas atrás. No dia 18 de novembro, o Greengo Dictionary fez o seguinte post: “Fomos convidados pela @stonepagamentos para criar frases que representassem o universo empreendedor do Brasil na avenida mais visitada de Manhattan: A TIMES SQUARE!”
De uma maneira natural, Matheus Diniz fez uma transição impossível para a maioria de páginas de memes na internet. Além da fintech Stone Pagamentos, o Greengo já fez parcerias comerciais com posts patrocinados por rede de presentes e decoração, rede de restaurantes fastfood, canal de tevê, loja de smartphones, marca de vodka, marca de maquiagem, pizzaria, montadora de automóveis, time de futebol e muitos outros.
“As marcas demonstram interesse e chegam com algumas ideias, eu complemento com as minhas”, afirma Matheus Diniz. “Tomo muito cuidado para manter o conteúdo engraçado. Eu não posso simplesmente divulgar um produto. O post tem de provocar interação. Na internet, já somos bombardeados o tempo todo por publicidade, eu não posso violar as pessoas jogando mais propaganda neste espaço.” Apesar da variedade de parcerias, o conteúdo dos posts têm regularidade e é difícil saber quais foram patrocinados.
Quanto ao futuro, Matheus Diniz afirma que o que tem mais lhe empolgado recentemente é a materialização do trabalho – produtos engraçados, estampados com as frases do perfil. “Quero expandir porque vi que tem potencial para outros produtos e sei que está fazendo muito sucesso”, diz ele.

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Em trabalho exaustivo, que requereu pesquisas em Lisboa, Adelto retrata um dos períodos de maior desenvolvimento da capitania de São Paulo
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Wil Prado
É corrente a assertiva que diz que a História é escrita pelos vencedores. Não estamos aqui para polemizar. Mas não podemos deixar de ressaltar que o bom historiador é aquele que sabe separar o joio do trigo. E é o que faz Adelto Gonçalves neste seu “O Reino, a Colônia e o Poder — Governo Lorena na Capitania de São Paulo 1788-1797” (Imprensa Oficial do Estado de São Paulo). Consciente disso, logo à página 77, ele adverte: (...) “os historiadores precisam se servir de fontes escritas cujos autores, uns mais outros menos, são sempre ligados à cultura dominante. Não que tenham sido todos mentirosos, mas a maneira como encaravam a História sempre os condenava à deturpação. Sem contar que a imensa maioria dos papéis que restaram nos arquivos oficiais só mostram a visão dos poderosos, daqueles que detinham posições de mando”.
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Livro do pesquisador Adelto Gonçalves[/caption]
Experiente e escrupuloso, ele não se deixa influenciar por vieses políticos e outras tendências deturpadoras da História, que, às vezes, empolgam historiadores mais apressados. Por outro lado, podemos dizer que Adelto não se deixa fascinar pelo canto da sereia: casos e detalhes pitorescos da vida dos personagens, relevados, que muito despertam a curiosidade do leigo, mas que nada acrescentam aos rumos da História. O que nos acrescentaria saber onde o imperador fez xixi? E outros “achismos” e opiniões manietadas dos ditos revisionistas de plantão. Não. Adelto se atém aos fatos: interpreta-os e os transforma em História.
Para escrever a História desse período colonialista que foi o governo de d. Bernardo José Maria da Silveira e Lorena (1756-1818), consultou arquivos de aquém e de além-mar. O resultado desta vasta e minuciosa especulação foi um grande painel — social, econômico e político — onde se registra o embate entre poderes ligados, mas distintos, como a Igreja, a burguesia e os representantes da Corte, aliás, vistos com desconfiança pelos poderosos locais. E todos, militares, religiosos, burgueses e autoridades administrativas, na dança pelo poder, se ajuntam e traem, em alianças as mais espúrias, com o intuito de aquinhoarem riquezas e se mostrarem bem vistos aos olhos da Coroa.
Para termos uma ideia dessa convivência conflitiva ente o poder e o clero, citamos a intriga entre Lobo de Saldanha, governador e capitão-general da capitania de São Paulo (1775-1782), e o influente padre José da Silva de Oliveira Rolim, acusado pelo governador de manter uma vida promíscua. Episódio que, embora desenrolado em outra capitania, a de Minas, respinga na capitania paulista. E não resistimos em transcrever este parágrafo, que é, de fato, uma pérola: “A “vida dissoluta” de que o acusava Lobo de Saldanha, certamente, adviria do fato de que, irmão de Francisca da Silva de Oliveira (1732-1796), a famosa Chica da Silva, havia se envolvido com a filha desta, sua sobrinha putativa. Teria também deflorado a própria sobrinha, Quitéria, arranjando-lhe casamento de conveniência, com o ânimo de continuar a relação ilícita e, em razão da revolta do marido, ameaçou-o de morte, segundo denúncia de Joaquim Silvério dos Reis, delator das movimentações para a projetada revolta de 1789” (pág. 161).
Em trabalho exaustivo, que requereu uma longa temporada de pesquisas em Lisboa, Adelto retrata — e podemos dizer que o termo é exato — um dos períodos de maior desenvolvimento da capitania de São Paulo: os nove anos do governo de d. Bernardo José Maria da Silveira e Lorena. Para tanto, espanou o pó e espantou as traças — se é que os arquivos lusitanos são tratados com o mesmo descaso dos de cá — de documentos seculares, guardados, dentre outros, pelo Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Academia das Ciências de Lisboa, Coleção Pombalina da Biblioteca Nacional de Portugal e o Arquivo Histórico Ultramarino. No Brasil, recorreria ainda ao Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, ao Arquivo Público Mineiro e ao Arquivo do Estado de São Paulo, para citarmos apenas os mais importantes.
Sempre que nos referirmos a São Paulo, uma pergunta é recorrente: por que este se tornou o mais rico e desenvolvido Estado brasileiro? Se lermos este volume com cuidado, certamente, encontraremos algumas dicas. E, dentre tantas, ficamos aqui especulando se esta não seria determinante: a “lei do porto único”? Editada em 1789, essa “lei”, assim impropriamente chamada pela historiografia, pois não passava de uma determinação do governador, permitia que o porto de Santos recebesse navios diretamente de Lisboa, sem a intermediação do Rio de Janeiro, o que aumentava o tempo e acrescentava despesas ao preço final das mercadorias.
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Adelto Gonçalves: pesquisador, crítico literário e escritor | Foto: Euler de França Belém/Jornal Opção[/caption]
Para reforçar essa ideia, transcrevemos este parágrafo à página 361: “Lorena tomou uma decisão que seria fundamental para abrir literalmente o caminho para o desenvolvimento da capitania, determinando que toda carga produzida na capitania teria de passar primeiro pelo porto de Santos. A medida permitiu que o porto de Santos passasse a receber mais navios e a fazer o comércio diretamente com Portugal”.
Adelto, porém, não escreve para polir o bronze das estátuas. Ao contrário, algumas saem das suas páginas até um tanto arranhadas. Para darmos apenas um exemplo, citamos o bandeirante Bartolomeu Bueno da Silva, o Anhanguera (ou Diabo Velho, como a ele se referiam os indígenas Goyazes), que, apesar de ter sido considerado um grande descobridor de ouro e prata, a ele colou-se a má fama de “matador de índios”.
Por último, é bom lembrar que essas quatrocentas páginas, nas mãos de historiadores burocratas, poderiam se tornar deveras enfadonhas, mas nas mãos de um bom escritor — Adelto é um bom romancista! —, tornam-se leves e atraentes, como se estivéssemos, junto com o autor, descobrindo e desvendando cada falcatrua — oficial ou contrabandeada — de políticos, párocos ou burgueses locais.
Infelizmente, ao fecharmos este volume, temos que admitir que o País pouco ou nada mudou dos tempos coloniais de outrora aos novos tempos republicanos de agora: a corrupção, as grandes fraudes e a malversação dos bens públicos continuam a ser a tônica do Estado.
Adelto Gonçalves, paulista de Santos, é doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa e mestre na área de Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-americana pela Universidade de São Paulo (USP). Foi professor em várias universidades e jornalista desde 1972, atuando como assessor de imprensa na área empresarial.
Professor Adelto, como é conhecido e respeitado nos meios acadêmicos e jornalísticos, é um escritor vastamente premiado. Citaremos apenas alguns dos mais importantes: 1986, prêmio Fernando Pessoa da Fundação Cultural Brasil-Portugal, Rio de Janeiro, participando do livro “Ensaios Sobre Fernando Pessoa”, com o trabalho “O ideal político de Fernando Pessoa”; prêmios Assis Chateaubriand, 1987, e Aníbal Freire, 1994, ambos da Academia Brasileira de Letras; em 2000, com a biografia “Gonzaga — Um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), seu trabalho de doutorado em Letras pela USP, o prêmio Ivan Lins de Ensaios da União Brasileira de Escritores e da Academia Carioca de Letras.
Como jornalista seu currículo é tão vasto e importante quanto o de acadêmico. Escreveu para “O Estado de S. Paulo”, empresa Folha da Manhã, Editora Abril e “A Tribuna”, de Santos, tendo sido correspondente da revista “Época” em Lisboa (1999-2000). É colaborador da revista “Vértice”, de Lisboa. Escreve regularmente para o quinzenário de “As Artes Entre as Letras”, do Porto, e Jornal Opção, de Goiânia. É sócio correspondente e assessor cultural e de imprensa do Centro Lusófono Camões da Universidade Estatal Pedagógica Hertzen, de São Petersburgo, Rússia.
Apesar de todos esses títulos de suma importância, não podemos deixar de destacar a sua face de ficcionista. Sim, ele ainda encontrou disposição e tempo para praticar a grande ficção, com livros de contos, ensaios e romances.
Em 1980, com seu romance de estreia, “Os Vira-Latas” da madrugada, ganhou menção honrosa do Prêmio Nacional de Romance José Lins do Rego. E é sobre ele que queremos nos deter, não apenas pela sua qualidade literária, como também pelas condições históricas, posto que foi um dos primeiros a retratar o golpe militar de 1964, mesmo que sem proselitismo partidário, mostrando fatos, como as invasões dos sindicatos dos trabalhadores de Santos e a desumana e vexatória prisão de velhos e respeitáveis sindicalistas, tratados como bandidos comuns. O livro, já em segunda edição, pela Editora Letra Selvagem, de Taubaté-SP, está nas livrarias e, independentemente de quaisquer vieses ideológicos, vale a pena ser conferido, porque seus personagens são, de fato, verossímeis e comoventes.
Serviço
“O Reino, a Colônia e o Poder: O governo Lorena na Capitania de São Paulo – 1788-1797”, de Adelto Gonçalves, com prefácio de Kenneth Maxwell, texto de apresentação de Carlos Guilherme Mota e fotos de Luiz Nascimento. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 408 páginas, R$ 70,00, 2019.
Wil Prado, jornalista, é contista e romancista, autor de “Sob as Sombras da Agonia” (Lisboa, Chiado Editora, 2016) e do e-book “Um Vulto Dentro da Noite” (Amazon). E-mail: [email protected]
