Vinícius de Moraes morreu há 40 anos, mas sua poesia permanece viva e reverberante
09 julho 2020 às 15h56
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A fidelidade do poeta era à vida, aos amores diversos, ao copo de uísque. Deixa como legado um olhar leve e intenso, uma rima perfeita, um carinho por onde passa
Lígia Pinheiro Paganini
Especial para o Jornal Opção
Há 40 anos, dentro de sua banheira em uma casa no Rio de Janeiro, ao lado de seu melhor amigo, o uísque, morria Vinícius de Moraes, aos 66 anos.
Conheci Vinícius na aula de português da 7ª série, ou seja, 18 anos depois de sua morte. Minha reação foi bem viniciana: me apaixonei perdidamente na hora por aquele poeta. Assim ele era: a palavra certa e sensível com intensidade sempre constante.
Poeta e diplomata, por muito tempo Vinícius viveu entre as duas profissões, até que a música e a poesia falaram mais alto. Vinícius cantava e recitava o amor, um amor total, como em seu soneto um amor amigo, aquele que é “nunca perdido, sempre reencontrado”; um amor à vida: repleta de separações onde o “riso se faz pranto”; de desesperanças, que devem ser mortas; de desigualdades, onde o próprio operário se vê em construção.
Vinícius era um bon vivant, teve o privilégio de viver de poesia e vivenciar tudo o que queria até o fim (o que inclui nove casamentos, cinco filhos, centenas de amigos, milhares de admiradores). Sua fidelidade era à vida, aos amores diversos, ao copo de uísque. Deixa como legado um olhar leve e intenso, uma rima perfeita, um carinho por onde passa. Se seria mesmo o amor “eterno enquanto dure” como ele mesmo dizia, certamente Vinícius é um imortal.
Neste poema, Vinícius, de forma delicada fala da morte, trazendo também a beleza da continuidade da vida.
Poema de Natal
Rio de Janeiro, 1946
Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos –
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será a nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos –
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez, de amor
Uma prece por quem se vai –
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte –
De repente nunca mais esperaremos…
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.
Soneto da fidelidade é, certamente, um dos mais famosos do poeta.
Soneto da fidelidade
De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
Vinícius de Moraes uniu a poesia e a música de diversas formas. Na canção abaixo, uma carta enviado a Tom se tornou uma de suas mais conhecidas canções
Carta ao Tom
Vinicius de Moraes, Toquinho
Rua Nascimento e Silva, 107
Você ensinando pra Elizete
As canções de Canção do amor demais
Lembra que tempo feliz
Ah, que saudade
Ipanema era só felicidade
Era como se o amor doesse em paz
Nossa famosa garota nem sabia
A que ponto a cidade turvaria
Esse Rio de amor que se perdeu
Mesmo a tristeza da gente era mais bela
E além disso se via da janela
Um cantinho de céu e o Redentor
É, meu amigo, só resta uma certeza
É preciso acabar com essa tristeza
E preciso inventar de novo o amor
Lígia Pinheiro Paganini é professora, psicopedagoga e psicanalista em São Paulo. Atualmente faz mestrado em psicanálise e educação pela Unifesp e sempre que pode une a vida à poesia como lhe ensinou Vinícius de Moraes.