Brasil tem 4 armas de CACs roubadas, furtadas ou extraviadas por dia

21 novembro 2023 às 11h42

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Em junho deste ano, um homem com registro de CAC (colecionador, atirador e caçador) da cidade de Londrina, no Paraná, entrou em contato com as autoridades policiais, alegando ter sido vítima de um assalto onde suas armas foram roubadas. Segundo seu relato, o assaltante teria levado consigo duas pistolas e um fuzil, todos adquiridos legalmente com autorização do Exército. Entretanto, após a investigação, os policiais não encontraram indícios do suposto assaltante.
Descobriu-se, então, que o detentor do registro CAC havia mentido com o propósito de encobrir sua participação na venda ilegal de armamentos para o tráfico de drogas. Na residência do homem, agora enfrentando acusações de associação criminosa, comunicação falsa de crime e venda ilícita de arma de fogo, foram apreendidas 18 armas.
Este incidente na região Sul do país ilustra uma prática que, de acordo com autoridades policiais e especialistas em segurança pública, tem se tornado cada vez mais comum: armas legalmente adquiridas por CACs acabam sendo utilizadas por criminosos. Dados obtidos pelo jornal O GLOBO revelam que o número de artefatos roubados, furtados ou perdidos dessa categoria atingiu um nível recorde em 2023, com uma média de 126 ocorrências por mês, equivalente a quatro por dia.
Entre janeiro e outubro, foram registradas 1.259 ocorrências desse tipo. Este número se aproxima das 1.368 armas roubadas, furtadas ou extraviadas ao longo do ano passado, com uma média de 114 por mês, quando já havia sido estabelecido um recorde anterior.
Questionado sobre o assunto, o Exército afirmou não ser responsável por investigações relacionadas ao furto ou roubo de armas de CAC, alegando que a fiscalização de produtos controlados é de competência das “polícias administrativas”, como as PMs ou a Polícia Rodoviária Federal. Por nota, a corporação destaca tem colaborado consistentemente com as demandas de informações das Forças de Segurança Pública, visando contribuir integralmente para o esclarecimento das investigações.
Regras frouxas
O aumento de casos nos últimos anos ocorreu na esteira da flexibilização das regras para CACs terem acesso armas. No governo Jair Bolsonaro, houve uma série de decretos que abrandaram exigências e aumentaram a quantidade de artefatos e munições que cada um poderia comprar.
Entre 2019 e 2022, 5.014 armas foram furtadas, roubadas ou extraviadas desses caçadores, atiradores e colecionadores — um crescimento de 85% na comparação com os cinco anos anteriores, quando a política de incentivo ao porte de armas de Bolsonaro ainda não havia sido adotada.
Até 2017, o número de armas roubadas ou perdidas de CACs ficava num patamar abaixo de 600 por ano. A partir de 2018, o índice começou a crescer, atingindo o ápice em 2022.
As autoridades relacionam o aumento à maior circulação de armas. Mas outro motivo já descoberto para esse crescimento é a simulação do roubo de armas regulares, com o intuito de vendê-las ao crime organizado.
Mais casos
Em março, a Polícia Civil do Espírito Santo descobriu que um fuzil 5.56 apreendido em posse de uma quadrilha de traficantes em Vila Velha constava como furtado no sistema do Exército. A arma estava registrada em nome de um CAC que havia obtido o certificado em 2021, graças a um decreto de Bolsonaro no início do seu governo. Esse tipo de calibre era restrito até então às forças de segurança.
Segundo a polícia capixaba, o CAC fornecia equipamentos para traficantes de Vitória e Vila Velha. Quando foi preso, o homem negociava a venda de um outro fuzil e se preparava para comprar mais armamentos, de acordo com as investigações.
No mercado legal, a arma extraviada foi comprada por cerca de R$ 20 mil. Já aos traficantes, acabou repassada por R$ 70 mil, segundo o inquérito policial — um lucro de R$ 50 mil. De acordo com a Polícia Civil, o fuzil foi usado em confrontos entre facções rivais e tiroteios contra a Polícia Militar, antes de ser apreendido pelas autoridades.
Laranjas
O alcance desse método não se limita apenas ao Espírito Santo. Em abril, reportagens do O GLOBO destacaram como milícias no Rio de Janeiro e facções em São Paulo começaram a utilizar intermediários com certificados de CACs para expandir seus arsenais.
Especialistas alertam que o aumento significativo no número de armas extraviadas neste ano pode representar uma estratégia para “legalizar” o desvio desses artefatos para o crime organizado. A quantidade de armas em circulação mais que dobrou em quatro anos, o que naturalmente resulta em um aumento nos casos de furtos e roubos.
Apesar da revisão da política pelo presidente Luiz Inácio Lula Silva, que manteve a permissão para que proprietários de fuzis e pistolas 9 mm, agora novamente de calibre restrito, continuassem com suas armas, algumas mudanças foram implementadas. O porte de trânsito foi eliminado, e o tempo de validade das licenças foi reduzido, o que foi interpretado como uma medida para desencorajar a manutenção de arsenais em domicílio.
Um decreto de julho assinado por Lula prevê que o Ministério da Justiça lance um programa de recompra especial “destinado à aquisição de armas de fogo que se tornarem restritas após a publicação deste decreto”. No entanto, o programa ainda não foi implementado e aguarda a aprovação de dotação orçamentária. Segundo a pasta, “os detalhes quanto ao orçamento, prazos e perfil das armas prioritárias estão sendo definidos”.
Com informações do jornal O Globo.
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