Opção cultural

José Maurício de Carvalho, filósofo, psicólogo e pedagogo, é tema de uma reunião de ensaios de vários pesquisadores, cujo propósito é ressaltar a relevância de seu pensamento no cenário intelectual luso-brasileiro

O critério primordial levado em conta pela academia sueca não é o formalismo. O pendor sociológico parece ser primordial em seus julgamentos

Bruno tem uma afinação perfeita e uma extensão vocal enorme. É um grande intérprete e compositor. Marrone canta e muito bem e é com acordeonista

[caption id="attachment_99101" align="alignleft" width="300"] "Lúcio Cardoso/Poesia completa". (Edição crítica de Ésio Macedo Ribeiro, Edusp, 2011.)[/caption]
Adalberto de Queiroz
Especial para o Jornal Opção
Quando se lê o nome de Lúcio Cardoso, vem à mente do leitor o famoso prosador, consagrado sobretudo pelo romance “Crônica da casa assassinada”, conhecido por sua íntima amizade com Clarice Lispector e famoso por seu comportamento nada ortodoxo, marcado por uma “inquietude existencial”, como diria Nelly Novaes Coelho. Afinal, “Lúcio nunca esteve do lado 'correto' da vida: rebelde e insurrecto desde os anos de ginásio, vivendo sempre longe da presença paterna, foi, como poucos, fiel até o fim aos seus princípios e visão de mundo, ainda que à custa de isolamento e solidão. Seu diário traz testemunhos desse estranhamento, dessa marginalidade”. A citação é de Ésio Macedo Ribeiro, constante em sua obra “O riso escuro ou o pavão de luto: um percurso pela poesia de Lúcio Cardoso”.
Se o romance “Crônica da casa assassinada” pode ser considerado uma obra-prima pelo “rigor estilístico e formal”, o que de certa maneira é a característica da média de sua produção ficcional, o mesmo não pode se dizer de sua poesia.
O nome de Lúcio Cardoso, desaparecido há quase meio século, permaneceu como o de um escritor de qualidade e apreciado no Brasil e no exterior, onde foi traduzido para o francês, o espanhol, o italiano e o inglês. A 'redescoberta' do nome e da obra de Lúcio deu-se no final da década de 1990 “seja pelo relançamento de seus romances, seja pelo lançamento do filme “O Viajante” (dirigido por Paulo César Saraceni), baseado na obra homônima de Lúcio.
A poesia de Lúcio Cardoso é, mesmo para os leitores mais vorazes, quase desconhecida. Daí a relevância de que se reveste “Lúcio Cardoso: Poesia completa" (Edição crítica de Ésio Macedo Ribeiro. Edusp, 2011) para os pesquisadores e leitores em geral que amam a obra de Lúcio. O trabalho é uma espécie de sequência natural para o pesquisador que havia se dedicado em sua tese de mestrado (2001) à poesia de Cardoso, com seu “O riso escuro ou o pavão de luto: um percurso pela poesia de Lúcio Cardoso”, que se transformou em livro em 2006, pela Edusp/Nankin Editorial.
É esse exaustivo trabalho de pesquisa que Ésio Ribeiro entrega ao leitor de língua portuguesa em “ordem crítica”, depois de analisar um acervo de 675 poesias, entre manuscritos autógrafos e datiloscritos, 84 poemas publicados em periódicos, antologias e inéditos de acervos públicos e privados, gerando uma “descrição da forma organizacional” que dá à edição crítica um roteiro para o pesquisador e o amante da boa poesia.
Além disso, há no trabalho de Ésio Ribeiro uma cronologia de Lúcio Cardoso e uma introdução crítico-filológica focada na histórica das publicações (livros e periódicos) e dos inéditos. Dois apêndices completam a obra de mais de mil páginas – uma bibliografia anotada (1934-2010) e 6 fac-símiles escolhidos entre os mais e seiscentos consultados pelo pesquisador.
Num mar de produção intensa, com suas altas ondas, suas marés altas e vazantes, selecionei 3 poemas para esta Terça Poética, não antes sem destacar a consciência de Lúcio Cardoso a respeito do seu fazer poético, conforme anotação tirada ao “Diário”, onde diz:
“Não se ama os poetas, grande engano – são seres solitários e destinados à morte. Morte sem perdão – porque não há perdão para os poetas”.
O pecador confesso, Lúcio Cardoso, ressurge aqui, por obra e graça de Ésio Macedo Ribeiro na exuberância de sua produção poética, que, com “a edição e o exame crítico da obra poética” deseja (e consegue) “iluminar aspectos dos seus [de Lúcio] textos em prosa, sobretudo aqueles em que os signos da noite, da morte e das sombras são também recorrentes” .
Artista multifacetado, com inúmeros recursos de expressão, Lúcio trafegou do conto à novela, do romance à dramaturgia, do memorialismo ao cinema, do ensaio e tradução às artes plásticas, porém, “dentre todas as artes que praticou, constatei que a poesia foi a primeira forma de expressão de Lúcio e, talvez, a última. Às vésperas do derrame que o furtou à arte da palavra, Lúcio escreveu o poema intitulado “Retrato de Yêda”. Era o dia 11 de novembro de 1962. Exatamente 26 dias depois, em 07 de dezembro, o artista sofreria o segundo derrame [cerebral], que o impediria definitivamente de escrever”- diz Ésio Ribeiro.
Eis os poemas:
Poema Que sei fazer, meu Deus, senão amar? As tardes de estio, o vento nos caminhos, a ausência. Sinto que tudo não será senão um sonho a dilacerar no tempo imóvel. O vento nas folhas, o vento no rio, o vento arrastando as nuvens indefesas. O teu olhar, os teus cabelos que rolam, o meu amor que não se acaba. Que sei fazer, meu Deus, senão sofrer? O Rio O imenso rio, como um tigre fechado e seu âmbito de fome, depois de devorar noturna selva a própria espuma em si consome. Fera desatada do aguadouro a chorar os tempos de abastança ácido cavalo em tons de louro violando margens sitiadas... ...em teu ser ressurge minha infância e pássaros reluzem na tua fronde. Inquieto, também sem permanência devasso tua alma sem receio; e se assim me vejo em teu espelho, rio, como ser sem ser o meio? Não se pode ler Não se pode ler o que confiado ao tempo flui e se esvai com ruptura do sangue – e o que dito sem aleive, transforma-se em pedra, sobre o coração leve – leve demais – e o que orgulhoso, radica-se no baixo, sem forças para morrer e nem glória para subir – NÃO SE PODE LER o que não se pode pensar, nem ler, nem escrever. Não se pode ler o que não se pode. Adalberto de Queiroz é poeta, autor de "Frágil Armação" (Caminhos, 2017, 2ª edição) e "Destino Palavra" (2016).
Personagens Tereza e Francisca nos mostram que viver não consiste apenas em achar seu lugar no mundo. Consiste em estar bem consigo mesmo, onde quer que se esteja
[caption id="attachment_99092" align="alignleft" width="620"] Atrizes Elizabete Francisca Santos e Francisca Manuel, em cena do longa de Marília Rocha[/caption]
Teresa (Elizabete Francisca Santos) vem de algum lugar, por algum motivo, e chega em Belo Horizonte com o objetivo de dar um novo rumo para a vida. Francisca (Francisca Manuel) já está na capital mineira há cerca de um ano, mas não parece muito satisfeita com o que sua vida se tornou, e parece procurar novos rumos, ainda que de forma tímida.
A motivação do longa de Marília Rocha, "A cidade onde envelheço" (2016) está aí. De onde viemos? Para onde vamos? O que queremos? O que nos leva a querer algo mais, ou achar que não queremos mais nada? E pinçando apenas uma janela de existência, somos convidados a observar esse retrato do encontro entre quem está chegando e quem já quer ir embora.
O filme foi considerado o melhor longa-metragem do 49° Festival de Cinema de Brasília, no ano passado. Lançado na rede de cinemas nacionalmente no início do ano, e apenas recentemente liberado em home vídeo e plataformas de streaming, a produção é uma importante parceria Brasil-Portugal que se passa em Minas Gerais, mas que aborda de forma sensível e universal a discussão sobre o lugar de cada um no mundo.
Como imigrante portuguesa recém-chegada em terras brasileiras, Teresa não sabe bem o que vai encontrar por aqui. Seu único elo é com Francisca, uma amiga de infância que já vive como brasileira há um tempo. A cena inicial de Francisca liberando espaço em sua própria casa é significativa, porque ao mesmo tempo que simboliza o pequeno incômodo trazido pela chegada de Teresa, também é a novidade que traz cor à rotina da dona da casa.
É difícil se adaptar a mudanças. Todo mundo sabe que enfrentar uma nova escola, uma nova faculdade, uma nova família, uma nova cidade ou qualquer outro caminho que destoa da rota traçada inicialmente traz dor de cabeça. A busca por Teresa em estabelecer-se e criar vínculos soa um pouco desesperada no início, em diálogos com estranhos no aeroporto ou enquanto toma um lanche num bar seboso qualquer da cidade. Todos somos assim. Existe certo desespero inicial em fugir do estranho, em ser reconhecido, querido, pertencido. Porque só quando não temos mais preocupação em ser aceitos é que podemos, de forma livre, simplesmente ser. Ou não?
Francisca traz o outro lado da moeda. Não lhe resta muito vigor em inserir-se num país diferente do seu, com costumes exóticos ou um jeito de ser pretensamente preguiçoso. Quando não existe mais nada a ser explorado e a rotina bate forte, resta a saudade de quando não éramos. O desejo de retornar às raízes, ao frescor da busca, a adrenalina da inexperiência. Dos vínculos mais fortes com o passado e com a família.
Narciso acha feio o que não é espelho. E a ausência de reflexo, numa via de mão dupla, pode ocorrer quando não há espelho, ou quando este já está gasto e empoeirado. Assim se enfrentam Teresa e Francisca.
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A obra tem um clima leve e sensível, recheado de situações cotidianas engraçadas, expressos em diálogos gostosos. Grandes questões universais são jogadas sobre a mesa como guardanapos e copos de cerveja, quase que convidando-nos a dar opinião também. A atuação de Elizabete Francisca Santos e Francisca Manuel se destaca, e sem dúvida nenhuma é um dos pontos fortes do filme, junto com a trilha sonora que traz Jards Macalé, Dead Combo e Jonnata Doll e os Garotos Solventes (estes últimos com performances divertidíssimas ao vivo. Jonnata chamou a atenção do Brasil recentemente, como um dos convidados na turnê do show de comemoração de 30 anos do lançamento do disco "Legião Urbana", com Dado e Bonfá).
Enfim, Tereza e Francisca nos mostram que viver não consiste apenas em achar seu lugar no mundo. Consiste em estar bem consigo mesmo, onde quer que se esteja. Encontrar seu lugar dentro de si próprio. E tendo isso como norte, o título do filme, carregado de ambiguidade, também explicita a dualidade expressa pelas nossas complexas personagens: Quem não quer ter uma cidade para se envelhecer? Por outro lado, quem é que quer envelhecer?

Morto há dez anos, Bruno Tolentino deixou uma obra poética incontestavelmente sólida e importante, que pode ser apreciada em poemas como "O Anjo Anunciador", "O Pavão", "O Morto Habituado", "Noturno" e muitos outros
[caption id="attachment_98972" align="aligncenter" width="620"] Poeta Bruno Tolentino (1940-2007)[/caption]
Na última terça-feira, 27, a morte de Bruno Tolentino completou uma década. A fim de alimentar um pouco da chama da obra do grande poeta carioca, solicitei ao crítico Jessé de Almeida Primo (que, junto a Juliana P. Perez, fez os comentários e notas à edição especial de "As Horas de Katharina" [Record, 2010]) que fizesse uma lista dos 10 melhores poemas de Bruno. Ou, melhor dizendo: dos 10 poemas mais importantes e emblemáticos, que expusessem, sobretudo àqueles que ainda não são familiarizados com o autor de "O mundo como ideia", a dicção e o universo poético tolentiniano. Jessé, muito gentilmente, me forneceu a lista que reproduzo abaixo.
Apreciem!
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O MORTO HABITUADO Não são leves os laços do absurdo exercício: o homem lado a lado com seu laçado ritmo. muito menos cumprido do que dependurado, plataforma do umbigo ao pescoço do hábito. Mas ao engravatado qual o conforto vindo provar que o inimigo não inventou o laço? Por outro lado, fausto do que secreto visgo se o absurdo do ato costuma ser tranquilo? Discreto e convencido, como não dar o laço, rebento do risível com o bem comportado? Conhecer o ridículo quando se chama exato, isento de impossível e impossibilitado? Demasiado antigo, já não é bem um trato: vertical compromisso, enforca-se o enforcado. NOTURNO Não sou o que te quer. Sou o que desce a ti, veia por veia, e se derrama à cata de si mesmo e do que é chama e em cinza se reúne e se arrefece. Anoitece contigo. E me anoitece o lume do que é findo e me reclama. Abro as mãos no obscuro, toco a trama que lacuna a lacuna amor se tece. Repousa em ti o espanto que em mim dói, noturno. E te revolvo. E estás pousada, pomba de pura sombra que me rói. E mordo o teu silêncio corrosivo, chupo o que flui, amor, sei que estou vivo e sou teu salto em mim suspenso em nada. AO DIVINO ASSASSINO
[caption id="attachment_98875" align="alignleft" width="278"] Capa do livro "Sobre a Tirania: vinte lições do século XX para o presente" (Companhia das Letras, 2017, 168 páginas)[/caption]
No livro Sobre a Tirania: vinte lições do século XX para o presente (Companhia das Letras, 168 páginas, tradução de Donaldson M. Garschagen), recém-publicado no Brasil, o historiador americano Timothy Snyder oferece ao leitor uma lista de dezessete livros que, se lidos com atenção, podem servir como verdadeiras armas contra a irrupção de regimes políticos tirânicos.
A lista se encontra na "lição número 9", intitulada "Trate bem a língua", na qual podemos ler, como advertência inicial, o seguinte: "Evite proferir as frases que todo mundo usa. Reflita sobre sua maneira de falar, mesmo que apenas para transmitir aquilo que você acha que todos estão dizendo. Faça um esforço para afastar-se da internet. Leia livros."
Pois bem, então, o que ler? É esta a questão que Snyder procura responder. E sua resposta começa pela literatura, indo de um clássico incontestável até um romance infantojuvenil de grande sucesso editorial:
"Qualquer bom romance estimula nossa capacidade de pensar sobre situações ambíguas e de julgar as intenções alheias. Os irmãos Karamázov, de Dostoiévski, e A insustentável leveza do ser, de Milan Kundera, talvez sejam adequados a nosso momento. O romance Não vai acontecer aqui, de Sinclair Lewis, talvez não seja uma grande obra de arte. Complô contra a América, de Philip Roth, é melhor. Um romance conhecido por milhões de jovens americanos e que oferece um relato de tirania e resistência é Harry Potter e as relíquias da morte, de J. K. Rowling. Se você, seus amigos ou seus filhos não o entenderam assim da primeira vez, vale a pena lê-lo de novo.”Após a indicação desses cinco romances, Snyder indica onze livros de não ficção, que abordam a política e a história do século XX. E finaliza a lista indicando a leitura das Sagradas Escrituras, da tradição judaico-cristã. Para tanto, argumenta:
“Os cristãos podem retornar ao seu livro fundamental, que sempre é muito oportuno. Jesus ensinou que ‘é mais fácil um camelo passar através do buraco de uma agulha do que um único rico entrar no reino de Deus’. Devemos ser modestos, porque ‘quem se exaltar será humilhado e que se humilhar será exaltado’. E é claro que temos de nos preocupar com o que é verdadeiro e com o que é falso: ‘E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará’.”Reuni, abaixo, todos os dezessete livros indicados. A maior parte está traduzida e publicada no Brasil. Referencio todas as edições, tanto as disponíveis no mercado editorial nacional quanto aquelas que ainda não estão. É uma ótima oportunidade de leitura, sobretudo para quem está de férias!
Segue a lista:
Os irmãos Karamázov, de Dostoiévski (Editora 34, tradução de Paulo Bezerra).
A insustentável leveza do ser, de Milan Kundera (Editora Companhia de Bolso, tradução de Tereza Bulhões de Carvalho).
It Can't Happen Here [Não vai acontecer aqui], de Sinclair Lewis (Editora Signet Classics-Penguin Group).
Complô contra a América, de Philip Roth (Editora Companhia das Lestras, tradução de Paulo Henriques Britto).

"A política e a língua inglesa”, de George Orwell, presente no volume Como morrem os pobres e outros ensaios (Editora Companhia das Lestras, tradução de Pedro Maia Soares).
LTI: A linguagem do Terceiro Reich, de Victor Klemperer (Editora Contraponto, tradução de Miriam Bettina P. Oelsner).
Origens do totalitarismo, de Hannah Arendt (Editora Companhia de Bolso, tradução de Roberto Raposo).


The Power Of The Powerles [O poder dos sem poder], de Václav Havel (Editora Routledge).


O peso da responsabilidade, de Tony Judt (Editora Objetiva, tradução de Otacílio Nunes).
Ordinary Men [Homens comuns], de Christopher Browning (Editora Harper Perennial).
Nothing Is True and Everything Is Possible [Nada é verdadeiro e tudo é possível], de Peter Pomerantsev (Editora Faber & Faber).

Bíblia de Jerusalém (Editora Paulus, vários tradutores).
Sobre o autor:


Impulsionado pela eleição presidencial de Donald Trump, nos Estados Unidos, o historiador norte-americano elaborou 20 lições que a história, sobretudo o período da ascensão dos regimes totalitários no século XX, pode nos ensinar, no momento presente

“E um infante o atalha no ato:/ – Pára, homem sanguinolento!/ De nada vale teu pacto:/ É desfeito o encantamento.” Trecho de “A cota de malha” vertido para o português

O olhar do poeta mineiro, sendo moderno, não faz da tradição literária um acervo ultrapassado, ou um utensílio de manipulação apenas. Reconhece que esse diálogo com o passado é uma via de mão dupla, isto é, um verdadeiro diálogo de troca

Marília Mendonça, uma das compositoras que mais arrecadam direitos autorais, é talentosa. Maiara e Maraísa mostram que cantar e compor bem não têm a ver com estética

O controverso e excêntrico esotérico se tornou mundialmente notório por sua dedicação ao ocultismo, mas suas incursões pelo mundo da tradução são pouco conhecidas

Investigação de dois jornalistas do “Washington Post” sobre o Caso Watergate, que derrubou o então presidente Richard Nixon, foi narrada em um clássico do cinema, e pode ser comparada ao atual momento político vivido nos Estados Unidos

A proposta do biólogo possui retórica débil, já que se fundamenta em princípios científicos, antagônicos aos dogmas religiosos. É difícil conceber que a elite religiosa queira abrir mão de sua zona de conforto a fim de buscar conciliação em bases evolucionistas e humanistas

Não se pode ignorar um estilo musical, como o sertanejo, que arrasta multidões e que movimenta bilhões de reais por ano na economia brasileira. Gosto é opcional, respeito é obrigação
[caption id="attachment_97794" align="alignleft" width="620"] O sertanejo, gênero musical que move milhões de pessoas, não pode ser deprezado[/caption]
Estreamos essa coluna falando de preconceito. Todos já ouviram falar bastante a respeito do preconceito racial, do preconceito de gênero, do preconceito social, do preconceito religioso, etc. Nesta sociedade maluca em que vivemos, o que não falta é preconceito. Uma das definições mais assertivas deste vocábulo é a de “sentimento hostil, assumido em consequência da generalização apressada de uma experiência pessoal ou imposta pelo meio; intolerância”. Mas, como o nosso assunto aqui é música, falemos então sobre o preconceito musical.
Não é segredo para ninguém que a música sertaneja foi e ainda é alvo de discriminação. Confesso minha estranheza em relação à tamanha resistência dos chamados formadores de opinião. Ou a tentativa de rotular a música sertaneja como brega. Ou ignorar o “Sertanejo Universitário” que arrasta multidões. Sim, a música sertaneja sofre preconceito. Ao diagnóstico cabem perguntas: por que o preconceito acontece? Quais os critérios? O que motiva alguns a terem repulsa aos músicos que ganham milhões com festas de rodeio e shows que faturam milhões?
Lembro-me que na minha adolescência, no final dos anos 90 e início dos anos 2000, ser jovem e gostar de música sertaneja era motivo de chacota no colégio. Isso antes da explosão do chamado “Sertanejo Universitário” em 2006. Aliás, uma das grandes conquistas dessa variação do gênero foi rejuvenescer o público da música sertaneja no Brasil.
A música é ruim? Desculpe, é um critério muito subjetivo. O que pode ser bom para um é terrível para outro. Além disso, Nelson Rodrigues já dizia que toda unanimidade é burra. Generalizar também é um erro. Alguém pode contestar: “Ah, mas as letras são pobres”. Isto também é um critério individual. Já que falamos no grande dramaturgo, na literatura, por exemplo, tem gente que considerava Nelson Rodrigues um gênio e outros tachavam de um libertino, um velho que falava dos mesmos assuntos de modo indevido. E se todos levassem apenas uma opinião, uma corrente em consideração?
É claro que tem muita coisa sem qualidade no sertanejo. Mas também tem música ruim no pop, no rock, na MPB, no samba, etc. Tem artista bom e ruim em todos os estilos musicais. Tem profissional bom e profissional ruim em todas as carreiras. Não se pode ignorar um estilo musical que arrasta multidões e que movimenta bilhões de reais por ano na economia brasileira. Gosto é opcional, respeito é obrigação!