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Presidente se encontrou com o ex-presidente do STF Carlos Velloso na terça-feira (14); ex-presidente do STF é cotado para assumir o cargo

Seria catarse? Não importa, pois quem lê Dostoiévski está sempre em boa companhia
[caption id="attachment_13953" align="alignleft" width="300"] Fiódor Dostoiévski: retratista da alma humana[/caption]
"Crime e Castigo" é um dos melhores livros já escritos na história da literatura; é, sem dúvida, uma obra brilhante de Dostoiévski, que com uma narrativa única passa por vários temas, da angústia à filosofia da ideia pelo homem e não do homem pela ideia. Porém, a história de Raskólnikov, que mata para provar uma ideia, é sobretudo sobre redenção, que no romance é representada por Sônia, a jovem prostituta a quem Raskólnikov passa a amar.
A verdade é que "Crime e Castigo" é um retrato da alma humana. Não à toa, a obra de Dostoiévski é lida e relida desde o fim do século 19, quando foi publicada, sem nunca deixar de ser atual — e provavelmente nunca deixará, pois é este o grande mérito das obras brilhantes. E é por isso que não estranha o fato de "Crime e Castigo" estar entre os livros mais lidos por presos brasileiros que buscam abatimento de pena.
O levantamento foi feito pelo Ministério da Justiça nas penitenciárias de segurança máxima e mostra também livros como "Ensaio sobre a Cegueira", de José Saramago, e "Através do Espelho", de Jostein Gaarder. O ranking faz parte da "fiscalização" do Projeto Remição pela Leitura, que permite ao presidiário o abatimento de quatro dias de sua pena pela leitura de um livro, benefício alcançado com uma resenha escrita pelo preso.
Contudo, infelizmente, o detento não é livre para ler quantos livros quiser. Cada preso só pode participar do projeto até 12 vezes no ano, o que representa 48 dias a menos na prisão. Mônica Bergamo, da Folha de S. Paulo, informa em sua coluna que, desde 2010, foram produzidas 6.004 resenhas nas penitenciárias de Mato Grosso do Sul, Paraná, Rio Grande do Norte e Rondônia.
Agora, por que escolher "Crime e Castigo"? Bem, podemos sempre falar também em catarse, não é mesmo? Mas isso não importa, na verdade. O importante é que, ao contrário de Raskólnikov, que tinha muita leitura, mas lia mal, os detentos que o escolherem estarão lendo bem. Ao menos, assim se espera.

Clécio Alves apontou que vários futuros candidatos a deputado em 2018 dão ordens, "como se mandassem" na administração municipal

Aliados do presidente Michel Temer teriam sugerido que é mais fácil blindá-lo no (do que fora do) governo e cogitam bancá-lo para presidente em 2018

Parlamentares estranharam o fato de, na pauta oficial, estar um encontro para discutir o comportamento

O deputado estadual vai indicar o superintendente de Esporte da Secretaria da Educação, Cultura e Esporte

Segundo decisão do juiz, que defende a realização do evento que será realizado entre 24 e 28 de fevereiro, "o conceito de Estado laico não deve se confundir com Estado ateu"

Livro que já foi publicado em 27 países terá nova edição pela Rocco lançada em maio
Em 2017, “A hora da estrela”, último livro de Clarice Lispector, completa 40 anos e deve ganhar edição especial pela Rocco. As informações são de "O Globo".
Uma das grandes reclamações dos admiradores de Clarice é que a Rocco até hoje não publicou uma edição decente do livro, que é o mais conhecido da escritora.
Agora, esta promete ser uma boa edição, pois terá capa dura, sobrecapa e seis textos críticos assinados por nomes como a professora da USP Nadia Gotlib, o escritor e crítico Eduardo Portella, o crítico e escritor irlandês Colm Tóibín, e a crítica e poetisa francesa Hélène Cixous.
Além disso, a edição deverá ter ainda um caderno extra com reproduções em fac-símile do manuscrito original do livro e dos últimos bilhetes escritos por Clarice.

Prêmio Hans Christian Andersen é considerado o maior reconhecimento internacional dado a um escritor ou um ilustrador de livros infantis

Ação investiga contratos entre o Ministério da Pesca e Aquicultura e a Prefeitura de Itauçu relativos à construção de uma fábrica de farinha de peixes

Festival Internacional de Cinema é um festival de preocupações políticas e, por isso, filme de Aki Kaurismaki é um dos favoritos ao Urso de Ouro
[caption id="attachment_87227" align="aligncenter" width="620"] "O outro lado da esperança", filme de Aki Kaurismaki, assume o favoritismo ao Urso de Ouro ao defender os refugiados sírios na Europa com uma bela filmagem[/caption]
Rui Martins
Especial para o Jornal Opção, de Berlim
O cineasta finlandês Aki Kaurismaki fez uma clara defesa dos refugiados no encontro com a crítica, chegando a elogiar a chanceler Angela Merkel, "a única política que se mostrou realmente interessada pelos refugiados", criticando a minoria finlandesa que insiste em estigmatizar os estrangeiros e mesmo a agredi-los fisicamente.
Pouco antes, seu novo filme, "O outro lado da esperança", tinha sido exibido para a crítica, sendo recebido com aplausos. O filme conta a história de duas pessoas diferentes, cujas vidas se cruzam num determinado momento.
A primeira é Khaled, refugiado sírio que consegue chegar à Europa, via Grécia, faz enormes caminhadas com outros refugiados, depois de a Hungria ter fechado suas fronteiras. Com a confusão gerada, acabou perdendo de vista sua irmã, que fugira com ele da Síria. Chega à Finlândia de navio, escondido no compartimento de carvão.
Vai rapidamente se apresentar à polícia para pedir o estatuto de refugiado. Entretanto, o serviço de imigração rejeita sua demanda sob o pretexto de não haver perigo e nem clima de guerra em Alepo, onde vivia. Por ironia da sorte, nesse mesmo dia o telejornal finlandês mostra Alepo sendo bombardeada com mortes de civis.
O outro personagem é um empresário finlandês deixando o ramo das confecções para homens para se dedicar ao setor de restaurantes. É quando encontra Khaled, imigrante clandestino, e o emprega no restaurante, pagando a um especialista a fabricação de um documento de residente provisório.
"Eu gostaria de poder mudar o mundo", disse Kaurismaki para a crítica. "Mas meus filmes são contribuições muito pequenas, por isso me contento em tentar mudar os finlandeses. A participação de todos é importante porque, se tivesse sido maior nos anos 30, poderia ter evitado a Segunda Guerra".
No ano de 1490, a região de Sevilha, na Espanha, vivia em paz até ser criada a lei para se expulsar árabes e judeus, disse Kaurismaki referindo-se à decretação da Inquisição. Até pouco tempo, havia na Europa uma posição clara em defesa dos valores humanitários, mas isso começa a desaparecer com o surgimento da intolerância".
Kaurismari informou também ter mudado seu projeto de uma trilogia sobre os portos. "Será uma trilogia sobre os refugiados". Diante da força das imagens do novo filme de Aki Kaurismaki, e levando-se em conta ser Berlim um Festival de preocupações políticas, "O outro lado da esperança" está entre os favoritos ao Urso de Ouro.
Rui Martins está em Berlim, convidado pelo Festival Internacional de Cinema

Deputados da comissão que investiga irregularidades do programa de incentivo à cultura do governo federal pode convocar oitivas para ouvir artistas

O dândi vê-se acorrentado a uma sociedade pútrida que o aparta do Ideal. Não mais versando o sublime, deve-se voltar ao baixo, ao cotidiano, onde a vida, como diria João Cabral, fala com palavras agudas
[caption id="attachment_87215" align="alignnone" width="620"] "I Shot the Albatross". Detalhe de uma das ilustração de Gustav Doré para o livro "The Rime of the Ancient Mariner", de Samuel Taylor Coleridge[/caption]
Pedro Mohallem
Especial para o Jornal Opção
Souvent, pour s'amuser, les hommes d'équipage
Prennent des albatros, vastes oiseaux des mers,
Qui suivent, indolents compagnons de voyage,
Le navire glissant sur les gouffres amers.
À peine les ont-ils déposés sur les planches,
Que ces rois de l'azur, maladroits et honteux,
Laissent piteusement leurs grandes ailes blanches
Comme des avirons traîner à côté d'eux.
Ce voyageur ailé, comme il est gauche et veule!
Lui, naguère si beau, qu'il est comique et laid!
L'un agace son bec avec un brûle-gueule,
L'autre mime, en boitant, l'infirme qui volait!
Le Poète est semblable au prince des nuées
Qui hante la tempête et se rit de l'archer;
Exilé sur le sol au milieu des huées,
Ses ailes de géant l'empêchent de marcher.
(“L’Albatros”, Charles Baudelaire )
Quando falamos da poética de Charles Baudelaire, logo nos vem à mente um apanhado de características marcantes: o requinte formal com ares de ruína, o simbolismo carregado de liturgia e revolta, o olhar de camarote à miséria humana e a coexistência do mármore e da carniça. Pode-se dizer que esse conjunto de elementos contraditórios compõe seu principal motivo: a expressão da modernidade, contraditória por excelência.
Mas o que se entende por modernidade e moderno no contexto de Baudelaire? Decerto todas as mudanças que as unidades social, econômica e política enfrentavam, com a decadência da monarquia e ascensão da burguesia e da classe operária, com o progresso industrial, que transformava as pequenas vilas em núcleos de calor e burburinho, e com um nova compreensão de sociedade: um coletivo de homens de morais díspares, guiados por propósitos individuais. Aos olhos daqueles que primavam pelo Belo e pelo Sublime, a modernidade era uma ameaça à pureza moral do homem e de suas ideias. Dessa aversão ao progresso, hastearam-se as bandeiras de escolas literárias como o Romantismo, que buscara a fuga sobretudo no exótico e no onírico, e o Parnasianismo, que propunha uma regressão ao passado e à harmonia grega. Baudelaire hasteara sua bandeira justamente contra esses ideais.
[caption id="attachment_87218" align="alignleft" width="300"]
Charles Baudelaire (1821-1867)[/caption]
Les Fleurs du Mal, seu maior legado, representa um marco na literatura, na poesia e na compreensão do homem moderno; não à toa, Otto Maria Carpeaux chama o poeta de “fundador da poesia lírica moderna”. “L’Albatros”, dentre os inaugurais do livro, é um poema emblemático tanto para a obra do francês quanto para toda uma geração decadentista que se levantava no ocidente contra a mesmice e a monotonia que se tornaram o Romantismo e o Parnasianismo (excetuando-se, claro, os grandes autores dessas escolas, que, a despeito das divergências ideológicas, permaneceriam exemplares ao gosto moderno). Escrito em alexandrinos franceses, seus quatro quartetos descrevem o sadismo de uma tripulação que captura albatrozes no alto-mar, torturando-os e rindo de seu desajeito; ao fim, tem-se a comparação que sela as imagens do poema: o poeta é como o albatroz que, exilado no chão, não pode andar devido à inconveniência das asas gigantescas.
Bem mais que um símbolo, esse poema é uma alegoria. O albatroz exilado no solo sangra a cada passo desferido contra o chão de pedra em meio ao caos da multidão latente – e assim é o poeta moderno que se afoga no escarcéu das cidades: perdida a capacidade de voar, perde também seu posto como príncipe das alturas. Semelhante argumento em símiles bem parecidos é apresentado no poema anterior, “Bênção”, no qual acerca do poeta lemos, pela tradução de Ivan Junqueira (As Flores do Mal. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012. p. 131), que:
Às nuvens ele fala, aos ventos desafia
E a via-sacra entre canções percorre em festa;
O Espírito que o segue em sua romaria
Chora ao vê-lo feliz como ave da floresta.
Os que ele quer amar o observam com receio,
Ou então, por desprezo à sua estranha paz,
Buscam quem saiba acometê-lo em pleno seio,
E empenham-se em sangrar a fera que ele traz.
Além de abordar alguns dos principais motivos dAs Flores do Mal, i.e., o Exílio, a Queda, a Multidão, o Spleen e o Sublime, “L’Albatros” prenuncia a nova identidade do Poeta ante a modernização do final do século: o dândi acorrentado a uma sociedade pútrida que o aparta do Ideal. Não mais versando o sublime, deve-se voltar ao baixo, ao cotidiano, onde a vida, como diria João Cabral, fala com palavras agudas.
Há que se perceber o avanço dessas ideias: como dito anteriormente, o que reinava no ocidente então era a ideologia emancipatória de românticos e parnasianos. Aqueles, fugindo ao progresso, voltavam-se ao exótico e ao esotérico; estes, inspirados pelo passado remoto da Grécia e pelos ícones artificiais que a representavam, promoviam o autoexílio na Beleza e a arte com o fim em si própria, sem interesse no engajamento social. De um, Baudelaire herdou o catolicismo e o satanismo; de outro, a mitologia e a perfeição formal. No entanto, se nele reencontramos a questão do Exílio, esta já é tratada de maneira completamente diversa: o poeta que se trancava em seu gabinete (a famosa torre de mármore), abrindo seus braços para o Etéreo e os ouvidos para a voz de Deus, é agora um transeunte privado desse posto de xamã. Sobre o tema do exílio em “L’Albatros”, diz Ivan Junqueira (Baudelaire, Eliot, Dylan Thomas: três visões da modernidade. Rio de Janeiro: Record, 2000. p. 71):
"[...] encontra, ao menos para nós, sua mais alta expressão poética na insólita imagem desse pássaro privado do espaço, dessa ave que se arrasta, “ridícula e sublime”, entre as vicissitudes de um mundo que não é o seu. Poder-se-ia conceber imagem mais tangível e tramática da Queda, da expulsão do Paraíso, do que a desse majestoso e todavia impotente albatroz lançado às tábuas de um convés?"
Desde o pecado original, o homem vive alheio aos desígnios divinos, e o poeta era o eleito dentre os homens para promover a correspondência entre o mundo visível e o mundo ideal; entretanto, não há mais consonância entre o que acontece no plano visível e no plano etéreo: o progresso e o ideal nunca se reencontrariam.
No Brasil, sabe-se que o Romantismo e o Parnasianismo (o segundo mais que o primeiro) por muito tempo ofuscaram o que viria a ser o Simbolismo de um Cruz e Souza, de um Alphonsus de Guimaraens e de um Pedro Kilkerry, o satanismo de um Teófilo Dias e de um Carvalho Júnior. O parnaso se instalou e sobreviveu por aqui mais que em qualquer outro lugar, de forma que tais poetas só seriam resgatados pelos modernistas e pós-modernistas. Esses autores, por muitas décadas marginalizados, foram os principais responsáveis pela chegada de Baudelaire à terra da santa cruz. Quanto a “L’Albatros”, ou “O Albatroz”, como o chamaríamos, tem-se uma contradição bastante curiosa: o poema-escudo de Olavo Bilac e emblema do Parnasianismo brasileiro, o soneto “Longe do estéril turbilhão” da rua seria publicado somente em 1919, mais de sessenta anos após Les Fleurs Du Mal perfurarem a Literatura com seus espinhos retorcidos.
Se custou para que o poeta decadente caísse ao gosto do público francês (sabe-se que, na época de sua publicação, fora duramente reprimido), ainda mais custou para que o príncipe da altura tombasse definitivamente ao turbilhão da rua, sobretudo em nossa pátria de vanguardas tardias. Entretanto, quase que paradoxalmente, temos para o português diversas traduções de “O Albatroz” – o poema, creio, mais traduzido de Baudelaire. Algumas datam antes mesmo do soneto de Bilac. Guilherme de Almeida (1944), Ivan Junqueira (Op.Cit.), Teófilo Dias (1878), Felix Pacheco(1932), Onestaldo de Pennafort (1931), Jamil Almansur Haddad (1958), entre outros, divulgaram por aqui a palavra do poeta-profeta francês. Pretendo ater-me às traduções aqui mencionadas e pôr um jugo analítico sobre algumas escolhas desses autores.
Algo já se conclui das primeiras leituras: dentre as selecionadas, a tradução de Guilherme de Almeida é uma das mais fluentes, ao passo que a tradução de Teófilo Dias apresenta os maiores arcaísmos; salvo por Felix Pacheco, todas traduzem des albatros, no plural, por um albatroz, no singular; algumas reprimem a liberdade transcriativa, outras lançam-lhe mão a bel prazer; todas, enfim, dão um sabor tropical ao oceano navegado.
Formalmente, todos os poetas mencionados mantiveram a correspondência métrica, traduzindo o alexandrino francês como alexandrino português, ambos com doze sílabas poéticas. Junqueira é o único que apresenta ocasionalmente versos sem a cesura na sexta sílaba do alexandrino clássico. Nenhum manteve o esquema rímico francês de oxítonas e paroxítonas alternadas, visto que se trata de um recurso idiomático que não caberia preservar em nossa língua. Comparando os resultados, percebemos muitas consonâncias, versos quase cristalizados e imutáveis por terem talvez atingido o ideal da tradução poética, como é o caso do último:
Ses ailes de géant l'empêchent de marcher.
“Impedem-no de — andar — as asas de gigante!” (Teófilo Dias)
“As asas de gigante o impedem de marchar!” (Felix Pacheco)
“As asas de gigante impedem-no de andar.” (Ivan Junqueira, Guilherme de Almeida e Jamil Almansur Haddad)
“suas asas de gigante impedem-no de andar.” (Onestaldo de Pennafort)
O mesmo não se percebe em momentos mais narrativos, como o da primeira estrofe:
Souvent, pour s'amuser, les hommes d'équipage
Prennent des albatros, vastes oiseaux des mers,
Qui suivent, indolents compagnons de voyage,
Le navire glissant sur les gouffres amers.
“O nauta, muita vez, por diversão, costuma
Apanhar o albatroz, águia dos mares largos,
Que segue desdenhoso a esteira de áurea espuma
Da nau que talha a onda em vórtices amargos.”
(Teófilo Dias)
“Muita vez, por brinquedo, os homens da equipagem
Deitam mão, no alto oceano, a albatrozes ousados,
que, num voo indolente, acompanhando a viagem,
seguem a nau que fende os abismos salgados.”
(Felix Pacheco)
“Às vezes, por prazer, os homens da equipagem
Pegam um albatroz, imensa ave dos mares,
Que acompanha, indolente parceiro de viagem,
O navio a singrar por glaucos patamares.”
(Ivan Junqueira)
Perceba-se que Teófilo Dias recorre a um descritivismo inexistente no original ao mencionar uma “esteira de áurea espuma” (trecho cuja sonoridade atinge alto nível poético: os ditongos e encontros consonantais chegam a sugerir o oscilante voo da ave e até mesmo a ideia do navio cortando a esteira marinha). A propósito, dos que tomamos para análise, ele é o único que não traduz les hommes d’équipage por “os homens da equipagem”. Cada um pinta a figura dos gouffres amers de um jeito diferente: “vórtices amargos”, “abismos salgados”, “glaucos patamares”. Este último substitui a amargura pelo tom esverdeado, dando outro sentido ao verso. Entretanto, com mares-patamares Ivan mantém o jogo de palavras entre mers-amers, em que a segunda palavra engloba a primeira. Pour s’amuser apresenta soluções muito interessantes, sendo “por prazer” (Guilherme de Almeida, Ivan Junqueira) a mais próxima semântica e sonoramente; ademais, nos deparamos com “por brinquedo” (Felix Pacheco), “por diversão” (Teófilo Dias), “em recreio” (Onestaldo de Pennafort), “por folgar” (Jamil Almansur Haddad).
É importante notar como o poema trabalha com contraposições imagéticas do começo ao fim: primeiro, os marinheiros no chão e o albatroz no céu; em seguida, as tábuas do convés (rude, forjado) e as asas brancas (suave, natural); após, a lembrança de uma ave bela e o encontro de uma ave arruinada; por fim, o sumo da queda e o sumo do exílio no nefelibata. Os tradutores logram trabalhar de maneira própria esses contrastes:
“E por sobre o convés, mal estendido apenas,
O imperador do azul, canhestro e envergonhado,
Asas que enchem de dó, grandes e de alvas penas,
Eis que deixa arrastar como remos ao lado”
(Jamil A. Haddad)
“Esse alado viajor, como é grotesco andando!
Ei-lo horrível e inerme, ele que antes pairava!
Um chega-lhe o cachimbo ao bico, e outro, coxeando,
arremeda no andar o pobre que voava!”
(Onestaldo de Pennafort)
“Mal o põem no convés por sobre as pranchas rasas,
Esse senhor do azul, sem jeito e envergonhado,
Deixa doridamente as grandes e alvas asas
Como remos cair e arrastar-se a seu lado.”
(Guilherme de Almeida)
Alguns acréscimos e alterações visam somente a manutenção da métrica e da rima, como vemos em limbo-cachimbo, nimbo-cachimbo, costuma-espuma, ousados-salgados. Contudo, antes de criticá-las como afastamentos do poema original, devemos analisar se no conjunto final são alterações pífias, ou se realmente possuem significância, pois, como percebemos no “esteira de áurea espuma” de Teófilo dias, essa alteração representou um ganho sonoro para o poema. A meu ver, em todos esses casos, as alterações são válidas, pois não prejudicam a compreensão do original, e as traduções não se afastam formalmente do mesmo. No fim, são leituras condicionadas por pensamentos de épocas diversas. Temos, atualmente, projetos de tradução ainda mais ousados, como o de Mário Laranjeira, que traduziu As Flores do Mal com rimas toantes, e o de Álvaro Faleiros, que procura em seu projeto de tradução resgatar o prosaísmo baudelaireano em detrimento da perfeição dos alexandrinos e das rimas.
Entretanto, se a ideia é selecionar dentre as estudadas uma versão em que a proximidade ao conteúdo original se faz mais explícita, eu escolheria a de Guilherme de Almeida. Embora não atinja a todo momento os melhores resultados (perde-se, por exemplo, a caracterização dos abismos no quarto verso), ela apresenta uma unidade muito próxima do original, uma tentativa de recuperar ao máximo os recursos e vocábulos franceses sem transbordar de sentimentos próprios do tradutor.
Após esta breve análise que visava à exaltação do poema de Baudelaire e do ato tradutório executado por alguns de seus maiores seguidores, apresento minha tradução do poema, que não é nada mais que uma leitura pessoal de versos que tanto admiro, e para a qual busquei resultados diferentes dos apresentados aqui. Formalmente, mantive os versos alexandrinos com cesura na sexta sílaba e segui o mesmo esquema de rimas cruzadas do original. Como os demais, não logrei a transposição regular do esquema rímico francês. Só me ocorreu fazê-lo na última estrofe.
Concedi-me alguma liberdade na construção das sentenças, prezando sempre pela manutenção do sentido e das imagens; alguns termos, somente, foram acrescentados, suprimidos e alterados para fins métricos e sonoros, como é o caso sobretudo de “prince des nuées” tornado “nobre superno”, e “au milieu des huées” tornado “preso ao mundano inferno”. Essa última, eu creio que seja a transposição que mais se afasta do original, mas não acuso nela perda de sentido, tendo em mente a concepção de multidão na obra de Baudelaire como apontamos neste ensaio. Enfim, todas essas releituras foram pensadas tanto para o afastamento de minha tradução das demais quanto para não me tornar um fidus interpres da obra original, dando um pouco de mim ao poema na medida do inofensivo.
Tradução autoral
O ALBATROZ
No tédio, é bem comum que os marinheiros peguem
À força do alto-mar imensos albatrozes
Que, indolentes, a nau acompanhando, seguem
A deslizar por sobre os pélagos atrozes.
E basta que ao convés arremessados sejam
Para que os reis do azul, acanhados e mancos,
Deixem tombar consigo as vastas mãos que adejam
Qual se fossem um par de longos remos brancos.
Pobre alado viajor, como é canhestra e lassa
Sua figura outrora altiva e ora tão feia!
Um, tomando um cachimbo, irrita-o com a fumaça,
Outro, a zombar do enfermo órfão do céu, coxeia!
O Poeta é semelhante a esse nobre superno
Que, acima, ri do arqueiro e afronta os vendavais:
Exilado no chão, preso ao mundano inferno,
Vacila rastejando as asas colossais.
Traduções estudadas
Teófilo Dias (1854-1889)
O ALBATROZ
A Arthur de Oliveira
O nauta, muita vez, por diversão, costuma
Apanhar o albatroz, águia dos mares largos,
Que segue desdenhoso a esteira de áurea espuma
Da nau que talha a onda em vórtices amargos.
Mal se expõe do convés ás gargalhadas francas,
O herói, que aos céus vingava os páramos extremos,
Deixa piedosamente as grandes asas brancas
Colherem-se nos pés, como esquecidos remos.
Como a envergura audaz comicamente agita,
Sem o garbo, o primor, que altívolo ostentava!
Um, metendo-lhe ao bico um ferro em brasa, o irrita;
Outro — inválido — apupa o enfermo que voava!
O poeta é como o rei do etéreo azul profundo,
Que ama os tufões, e fita, em face, o sol radiante:
Da turba exposto ao rir no exílio deste mundo,
Impedem-no de — andar — as asas de gigante!
Felix Pacheco (1879-1935)
O ALBATROZ
Muita vez, por brinquedo, os homens da equipagem
Deitam mão, no alto oceano, a albatrozes ousados,
que, num voo indolente, acompanhando a viagem,
seguem a nau que fende os abismos salgados.
E, mal no tombadilho assim os vão pousando,
como esses reis do azul se aviltam logo, esquerdos,
As asas sem medida e brancas semelhando
Dous remos laterais que se arrestassem lerdos!
Tão belo, não faz muito, e, ora, que cousa ignava!
O nauta audaz dos céus, como parece à toa!
Qual com um cachimbo aceso o bico lhe irritava,
E outro zomba, a coxear, do enfermo que não voa.
A seta e o raio entanto olhara com denodo,
E o Poeta é em tudo igual a esse príncipe do ar:
Exilado na terra, em meio a vaia e o apodo,
As asas de gigante o impedem de marchar!
Guilherme de Almeida (1890-1969)
O ALBATROZ
Às vezes, por prazer, os homens de equipagem
Pegam um albatroz, enorme ave marinha,
Que segue, companheiro indolente de viagem,
O navio que sobre os abismos caminha.
Mal o põem no convés por sobre as pranchas rasas,
Esse senhor do azul, sem jeito e envergonhado,
Deixa doridamente as grandes e alvas asas
Como remos cair e arrastar-se a seu lado.
Que sem graça é o viajor alado sem seu nimbo!
Ave tão bela, como está cômica e feia!
Um o irrita chegando ao seu bico um cachimbo,
Outro põe-se a imitar o enfermo que coxeia!
O poeta é semelhante ao príncipe da altura
Que busca a tempestade e ri da flecha no ar;
Exilado no chão, em meio à corja impura,
As asas de gigante impedem-no de andar.
Onestaldo de Pennafort (1902-1987)
O ALBATROZ
Às vezes, em recreio, os homens da equipagem
pegam um albatroz, enorme ave marinha
que segue, companheiro indolente de viagem,
o navio que sobre o atro abismo caminha.
Mal no convés se vê, todo desconjuntado,
logo esse rei do azul, em passos desiguais,
como dois remos, põe-se a arrastar a seu lado,
desajeitadamente, as asas colossais.
Esse alado viajor, como é grotesco andando!
Ei-lo horrível e inerme, ele que antes pairava!
Um chega-lhe o cachimbo ao bico, e outro, coxeando,
arremeda no andar o pobre que voava!
O poeta é o albatroz que nas nuvens se espraia,
que ri dos vendavais e afronta as setas, no ar;
exilado no solo, em meio ao riso e à vaia,
suas asas de gigante impedem-no de andar.
Jamil Almansur Haddad (1914-1988)
O ALBATROZ
Às vezes, por folgar, os homens da equipagem
Pegam de um albatroz, enorme ave do mar,
Que segue — companheiro indolente de viagem —
O navio no abismo amargo a deslizar.
E por sobre o convés, mal estendido apenas,
O imperador do azul, canhestro e envergonhado,
Asas que enchem de dó, grandes e de alvas penas,
Eis que deixa arrastar como remos ao lado.
O alado viajor tomba como num limbo!
Hoje é cômico e feio, ontem tanto agradava!
Um ao seu bico leva o irritante cachimbo,
Outro imita a coxear o enfermo que voava!
O Poeta é semelhante ao príncipe do céu
Que do arqueiro se ri e da tormenta no ar;
Exilado na terra e em meio do escarcéu,
As asas de gigante impedem-no de andar.
Ivan Junqueira (1934-2014)
O ALBATROZ
Às vezes, por prazer, os homens da equipagem
Pegam um albatroz, imensa ave dos mares,
Que acompanha, indolente parceiro de viagem,
O navio a singrar por glaucos patamares.
Tão logo o estendem sobre as tábuas do convés,
O monarca do azul, canhestro e envergonhado,
Deixa pender, qual par de remos junto aos pés,
As asas em que fulge um branco imaculado.
Antes tão belo, como é feio na desgraça
Esse viajante agora flácido e acanhado!
Um, com o cachimbo, lhe enche o bico de fumaça,
Outro, a coxear, imita o enfermo outrora alado!
O Poeta se compara ao príncipe da altura
Que enfrenta os vendavais e ri da seta no ar;
Exilado no chão, em meio à turba obscura,
As asas de gigante impedem-no de andar.
Pedro Mohallem é graduado em Letras Português-Inglês pela Universidade de São Paulo (USP)
A prefeitura vai bancar 100% do combustível e associação dos estudantes universitários e do ensino médio custeará o aluguel dos ônibus
[caption id="attachment_87217" align="aligncenter" width="320"] Hilux agora tem utilidade pública: transporta quem faz hemodiálise para Goiânia[/caption]
O prefeito de Nerópolis, Gil Tavares (PRB), tem uma missão: recuperar as finanças do município e recolocá-lo noutro ritmo de desenvolvimento. Além do excesso de buracos nas ruas, há problemas em várias áreas, que não eram devidamente equacionados. Por exemplo, o transporte de estudantes universitários e do ensino médio (alguns deles de escolas particulares) para Goiânia.
O transporte de estudantes universitários tem sido bancado pela prefeitura, mas, legalmente, não é de sua responsabilidade. O ex-prefeito Fabiano da Saneago cobrava 110 reais de cada estudante. A maioria dos ônibus está quebrada e, na gestão de Fabiano da Saneago, a prefeitura gastou 150 mil reais exclusivamente em manutenção — só em peças — dos veículos. Como os ônibus estão velhos e sucateados, havia inclusive risco para os alunos, a prefeitura suspendeu o transporte. Agora, os estudantes estão se organizando para montar uma associação e eles mesmos vão alugar novos ônibus. A prefeitura vai bancar 100% do combustível — decisão aprovada pela comunidade estudantil. A partir de agora, poderão contratar ônibus novos e, portanto, mais seguros para todos. E a prefeitura não vai ter mais custo de manutenção.
Hilux
Enquanto os estudantes eram transportados em ônibus caindo aos pedaços, o ex-prefeito Fabiano da Saneago passeava numa reluzente SW4 Hilux pelas ruas de Nerópolis e Goiânia como se fosse um príncipe árabe do petróleo. Gil Tavares decidiu vendê-la para comprar ônibus. Porém, enquanto não se faz o leilão, a Hilux está sendo usada para uma missão nobre, social: o transporte de pacientes que fazem hemodiálise em Goiânia. De manhã, são levados seis pacientes e, à tarde, mais seis pacientes. A informação mostra a diferença crucial entre as gestões de Fabiano da Saneago e a de Gil Tavares.
Entulhos
No momento, o prefeito Gil Tavares opera a limpeza de entulhos e a roçagem do mato. A operação tapa-buraco começa a ser definida nesta semana.

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