Opção cultural

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crônica
As ruas mortas de Goiânia fedem a cemitério de mosquitos

Mesmo ainda não estando sentado na cadeira do Paço Municipal, Sandro Mabel já está usando o cetro. Em suas redes sociais, postou que vai fazer um mutirão da limpeza na cidade e jogar duro contra aqueles que fazem descarte irregular de lixo

Cultura
A mente que se expande com uma nova ideia jamais volta ao seu tamanho original

Abílio Wolney Aires Neto*

Sou juiz de uma Vara Cível em Goiânia, mas os plantões na área criminal têm sido um laboratório intenso das contusões dos encontros humanos, nas rachaduras de uma sociedade brutalmente desigual. Entre interrogatórios sobre condições de prisão e graças a Deus, raras denúncias de algum abuso de policiais nas perguntas que faço nas audiências de custódia, onde o que mais me marca são as histórias de vida dos interrogados. São narrativas de vidas fragmentadas, atravessadas por ciclos de pobreza, abandono e exclusão num país onde temos mais de 70 por cento de pobres entre os milhões de brasileiros. Recentemente, deparei-me com um jovem dependente químico que perdeu os laços familiares após longos períodos encarcerado. Outro, já mais velho e com um membro amputado, confessou ao ser interrogado estar preso ao tráfico em um bairro de Goiânia, incapaz de romper com o ciclo que o devora. Nem casa, nem família, nem qualquer suporte social que lhes permitisse sonhar com outro destino.

Essas histórias nos transportaram às páginas do grande gênio das línguas neolatinas, Victor Hugo em sua obra Os Miseráveis, onde o protagonista Jean Valjean encarna a miséria social e a luta pela sobrevivência diante de um sistema que sufoca os mais vulneráveis e os criminosos, muitas vezes partidos pelo próprio sistema. As narrativas que ouço nas audiências não são ficção; são reflexos reais, um espelho contemporâneo da obra de Hugo. A miséria dos “miseráveis” vive nas periferias, nas calçadas, nos presídios brasileiros e nas sombras de um mundo que vira o rosto para eles.

A jornada de Jean Valjean, condenado por roubar um pão para alimentar a família, é emblemática. Ele passa anos tentando superar o estigma de ex-presidiário. Em cada história que escuto nas antessalas das cadeias de Goiânia, há ecos de Valjean: pessoas marcadas pela pobreza, pela exclusão e por um sistema que se apressa em punir, mas raramente se empenha em reabilitar. O jovem que recorre ao furto para sustentar seu vício em drogas não é apenas um caso isolado; ele é o reflexo de comunidades brasileiras onde a ausência de políticas públicas efetivas, o colapso familiar e a dependência química formam um círculo vicioso. Como Valjean, ele encontrou a condenação, mas não a compaixão.

Por outro lado, o homem amputado que sobrevive no tráfico é um retrato dos que, além de suas limitações físicas, são tragados por sistemas de exclusão. Sua história revela como a falta de suporte – seja na saúde, na moradia ou na reintegração – transforma seres humanos vulneráveis em “miseráveis” contemporâneos. Ambos são exemplos de como, enquanto sociedade, falhamos em trazer-lhes a oportunidade ou a “vara de pescar”. E, enquanto isso não ocorre, resta apenas o que Madre Teresa de Calcutá tão bem disse: “Enquanto vocês não trazem a vara de pescar, eu vou dando o peixe para que eles não morram de fome.”

As periferias da nossa capital são ecos das ruas descritas por Hugo: tanto aqui quanto lá, há migrantes, refugiados e moradores excluídos pela falta de políticas públicas eficazes. A distância entre a Goiânia de hoje e a Paris do século XIX se dissolve quando observamos as mesmas falhas estruturais, a mesma rejeição aos marginalizados.

Do ponto de vista político, ideologias de direita apresentam soluções centradas em iniciativas individuais e na redução da interferência estatal na economia. Para muitos políticos alinhados a essa visão, o fortalecimento do empreendedorismo, a criação de empregos por meio da iniciativa privada e a capacitação profissional são os caminhos para combater a pobreza. Acreditam que um mercado forte e dinâmico, aliado a incentivos fiscais e à redução da burocracia, pode oferecer às pessoas oportunidades para crescerem por conta própria. Essa abordagem, no entanto, muitas vezes é criticada por não considerar suficientemente as barreiras estruturais que limitam o acesso a essas oportunidades.
Tomara que tragam um dia, pois desde a Roma antiga, os
miseráveis da Via Apia vicejam, como milhões de pobres se encontram nos Estados Unidos, o país mais próspero do mundo, que tem sob as marquises ou debaixo dos seus complexo e arrojados viadutos centenas de viandantes e funâmbulos de rua, um retrato da pobreza da desigualdade do liberalismo econômico que libera para ins e deixa outros sem a graça de Deus na terra.

Numa visão de esquerda, Karl Marx enxergaria a raiz do problema na estrutura econômica do capitalismo, que, em sua visão, é incapaz de oferecer justiça social verdadeira. Para ele, a solução estaria na transformação radical do sistema, substituindo a propriedade privada dos meios de produção por uma economia coletiva e igualitária. Apenas eliminando a exploração de uma classe sobre a outra seria possível romper o ciclo de pobreza e exclusão que condena milhões à condição de “miseráveis”.

Por outro lado, o filósofo francês Allan Kardec, ao codificar o espiritismo, sugere que a solução deve unir a transformação espiritual e material pelas vozes de alem túmulo, que se levantaram do “inferno” ou do “céu” para dizer que a vida confia. A vida não cessa e a morte é jogo escuro das ilusões, daí porque nós ensinam que é por meio da caridade, da fraternidade e da justiça que a sociedade pode superar suas desigualdades e a revolução é a violência nunca resolveram o problema das desigualdades, ao contrário, as potencializaram e geraram novas guerras ou rumores de guerra no capítulo do egoísmo.
A mudança deve começar no coração humano, mas também se estender ao coletivo, promovendo ações concretas que garantam dignidade e inclusão. Acredita, assim, que o progresso moral e o material caminham juntos: sem a reforma íntima e o amor ao próximo, qualquer tentativa de transformação externa será insuficiente.

Contudo, há um agravante que não pode ser ignorado: o descrédito que muitas igrejas têm sofrido ao priorizarem a arrecadação em nome da “teologia da prosperidade”. Muitas instituições religiosas se preocupam mais em encher os “cofres dos pastores que pregam Jesus” do que em distribuir para os “filhos de Jesus” nessa loucura fanatizante da teologia da prosperidade, onde os trabalhadores do chão de fábrica pagam o dízimo, mas a prosperidade só chega para os “apóstolos” que marram em palacetes, moram em mansões, compram aviões e se enriquecem à custa do dízimo de pessoas ingênuas e manipuladas, empresariado sem freio e em franco mercado de comoditties da fé.
Essa inversão de valores desvia a missão da caridade para a acumulação, falhando em oferecer amparo aos necessitados. Essa postura não apenas fragiliza a credibilidade dessas igrejas, mas também perpetua a exclusão social, deixando os vulneráveis ainda mais desamparados.

Em Os Miseráveis, o bispo Myriel representava a luz da compaixão e a possibilidade de recomeço. Na vida real, precisamos de políticas públicas que substituam o desprezo pela inclusão, e de um esforço conjunto – de governos, instituições e indivíduos – para transformar as páginas dessa realidade. Victor Hugo nos legou um chamado à ação, um apelo para que a justiça vá além da punição e comece na dignidade e na inclusão. Resta a nós decidirmos se seguiremos o exemplo do bispo Myriel ou a rigidez do inspetor Javert. Afinal, fora da compaixão, não há salvação – nem para os miseráveis, nem para a sociedade que os ignora.

Abílio Wolney Aires Neto | Foto: Acervo Pessoal

*Abílio Wolney Aires Neto é Juiz de Direito da 9ª Vara Civel de Goiania.
Cadeira 9 da Academia Goiana de Letras, Cadeira 2 da Academia Dianopolina de Letras, Cadeira 23 do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás-IHGG, Membro da União Brasileira de Escritores-GO dentre outras.
Graduando em Jornalismo.
Acadêmico de Filosofia e de História.
15 titulos publicados

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Literatura
Geraldo Coelho Vaz, o gigante da Cultura Goiana, lança “Roque Alves de Azevedo – Primeiro Poeta Catalano”

*Abílio Wolney Aires Neto 

No dia 30 de novembro de 2024, às 9h, a Academia Catalana de Letras foi palco do lançamento do livro “Roque Alves de Azevedo – Primeiro Poeta Catalano”, obra inédita do escritor, historiador e ícone da cultura goiana, Geraldo Coelho Vaz. O evento marca mais um momento significativo na trajetória do autor, reafirmando seu papel na preservação e valorização da história literária de Goiás.

Nesta obra, Geraldo Coelho Vaz apresenta um estudo profundo sobre a vida e a obra de Roque Alves de Azevedo, considerado o primeiro poeta de Catalão. O autor combina pesquisa histórica minuciosa com sua sensibilidade literária característica para reconstruir a importância deste pioneiro para a cultura regional.

Geraldo Coelho Vaz: Um Pilar da Cultura Goiana

Geraldo Coelho Vaz é amplamente reconhecido como uma das figuras mais relevantes da história e cultura goiana. Poeta, escritor, historiador, advogado, jornalista e gestor cultural, Geraldo nasceu no bairro de Campinas, em Goiânia, em 24 de setembro de 1940, e viveu sua infância em Catalão, onde desenvolveu um olhar atento para a riqueza cultural de sua terra natal.

Ao longo de sua carreira, ele consolidou um legado extraordinário. Foi um dos fundadores do Grupo de Escritores Novos (GEN), movimento que renovou a literatura goiana nos anos 1960, e ocupou cargos de destaque, como secretário de Estado da Cultura de Goiás e presidente da Fundação Cultural Pedro Ludovico.

Sua vasta obra literária inclui livros como Senador Canedo – Vida e Obra, vencedor do Prêmio Clio de História, e estudos como Literatura Goiana: Síntese Histórica. Geraldo também se destacou por trabalhos biográficos e de preservação histórica, como Vultos Catalanos e Vultos das Letras Goianas, que resgatam figuras importantes da história regional.

Além de escritor, Geraldo é membro de instituições culturais como a Academia Goiana de Letras, onde ocupa a cadeira 33, e o Instituto Histórico e Geográfico de Goiás, sendo referência como historiador e promotor da identidade cultural de Goiás.

O lançamento de “Roque Alves de Azevedo – Primeiro Poeta Catalano” reforça o papel de Geraldo Coelho Vaz como um defensor incansável da memória cultural de Goiás. A obra é um convite ao resgate das raízes literárias do estado e uma homenagem a um dos grandes nomes que ajudaram a moldar a história da literatura goiana.

*Abílio Wolney Aires Neto é Juiz de Direito da 9ª Vara Civel de Goiania.
Cadeira 9 da Academia Goiana de Letras, Cadeira 2 da Academia Dianopolina de Letras, Cadeira 23 do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás-IHGG, Membro da União Brasileira de Escritores-GO dentre outras.
Graduando em Jornalismo.
Acadêmico de Filosofia e de História.
15 titulos publicados

Lugar de fala da mulher afro-brasileira é o tema do livro Vozes Mulheres, de Rosy Cardoso

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Crônica
Um filho te obriga a ir mais devagar

29 de novembro, primeiro dia de férias da escola. Acabouuuuu, grita o Galvão. A mãe tá feliz porque não precisa mais ficar dirigindo e fazendo lanche, e acordando às 5h. Aháaaa, quem disse? Pois a bonita da rotina com um bebê em casa ela dá um tapa na cara da gente. O menino Matheus, no auge dos 6 meses, acordou às 5h como de costume. Naquela hora que a casa inteira levanta e ele brinca com a irmã, vai no colo do pai, espera a casa acalmar de novo. Eu não estava sequer conseguindo manter meus olhos abertos, mas ele estava lá, sorrindo, pulando em cima da gente na cama do papai e da mamãe.

Na primeira reunião do dia, às 9h, eu já tinha trabalhado como uma adulta, arrumado a comida da gata (a pet mesmo, que também mia às 5h pra pedir a comida dela), feito o lanche da Cecília, meu café, coloquei roupa na máquina e tirei o lixo, um monte de fralda de cocô que não deu tempo de tirar ontem. E para conseguir me reunir, Cecília cuidou do Matheus e foi quando eu terminei a reunião que tirei essa foto pensando: Deus, como eu sou sortuda. Porque ser mãe é gritar no meio da tarde e sentir culpa quando eles dormem. É gratidão atrás de eita.

Cecília tem 9 anos e eu já conseguia andar mais depressa. Limpar a casa mais depressa, comer, me arrumar, tomar um banho demorado. Aos 9 anos um filho não te impede mais de fazer coisas de rotina. Quando eu tinha muito trabalho eu pedia para ela esperar um pouco, pegar a comida na geladeira, tomar banho… Eu tinha me esquecido de como um bebê muda tudo. Meu Deus, acho que a gente esquece a introdução alimentar para não desistir de outro filho. É caótico.

Enquanto eu escrevia essa crônica, eu olhava pro macarrão que tá no chão. O que caiu hoje e o que caiu ontem e não deu tempo de limpar. Limpar a comida no chão ou dar banho na criança que tá chorando com sono? Limpar a comida do chão ou trabalhar? Tem que escolher suas lutas, amiga! Saí pra levar a Cecília no ballet, Matheus chorou na volta e me fez gastar nada menos de 3 horas pra chegar em casa, numa chuva imensa. 15h30 da tarde e eu parada numa rua do setor Aeroporto, debaixo de uma árvore cantando Dona Aranha e ninando um bebê no colo. É, um filho te faz pisar no freio. Não tem jeito. É desacelerar e aceitar.

Eu e Cecília gostamos demais de conversar na volta da escola. Outro dia, eu com pressa, não perguntei como ela tinha saído na prova. Ligação, mensagem no WhatsApp, celular tocando e ela me solta: “Nossaaaaaa, queria minha mãe de volta. Você nem me perguntou como eu fui na prova de Geografia….” Eu segurei o riso, pedi desculpas e claro, perguntei da prova. Tem dias que ela me chama pra ver o formato de uma nuvem e minha cabeça tava lá, preocupada com os boletos. Eu amo que duas criaturinhas me fazem pisar no freio porque eu acho tão triste a vida no automático.

A maternidade me ensinou que o hoje passa rápido e amanhã é outro dia, eles aprendem coisas novas, o rostinho mudou. O bebê que não sentava começa a ficar de pé. A menina que aceitava sua opinião quer escolher a própria roupa, não usa mais laço no cabelo e aprendeu a cozinhar. Se você não prestar atenção na prova da escola, ou no vídeo que ela quer que você assista, um dia ela não vai querer te contar mais nada porque você não dá importância.

Eu tenho uma regra clara: se eles pedirem colo, eu paro o que estiver fazendo. Será que vão querer meu colinho pra sempre? Eu me lembro como se fosse hoje de quando chorei no colo da minha mãe em posição fetal depois de não ser aprovada no vestibular. Não existe lugar mais seguro. Eu aprendi que às vezes teremos banhos bem rápidos e colos demorados, mas que todas as fases vão passar. Você se lembrará pouco dos perrengues e sentirá uma saudade imensa de ser colo. Pisa no freio, vai com calma. E esse recado também é pra mim!

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