Quatro poemas inéditos em português de Alla Gorbunova
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08 dezembro 2024 às 00h00
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*Astier Basílio
Conheci a poeta Alla Gorbunova num programa de televisão, no canal Kultura, sobre Óssip Mandelstam. Era um poema com uma melodia que me soou familiar. Lembrava muito a canção “Cálice”, de Chico Buarque e Gilberto Gil. Traduzi-o com o título, que, tal qual no original, é o primeiro verso: “Se os inimigos nossos me pegarem”.
Depois, vi que era dela o prefácio assinado no livro “Narrador Não Confiável”, de Danila Davidov, obra poética com a qual foi vencedor do prêmio Andréi Biéli, conferido às mais importantes expressões da vanguarda russa, láurea esta que a própria havia recebido em 2019. Gorbunova também foi agraciada com o prêmio Debyut, destinado a estreantes, em 2005.
Nasceu em 1985, em Leningrado, atual São Petersburgo. Reside em Moscou e na sua cidade natal. Alla Gorbunova escreve prosa, vindo a ser distinguida com o prêmio NOS, em 2020 por “O fim do mundo, meu amor”. Mês passado Alla Gorbunova esteve na capital quando lançou o livro de contos Não existe Moscou nenhuma, ocasião em que nos conhecemos pessoalmente e pedi que me enviasse uma seleção de poemas para serem traduzidas nesta coluna.
Autora de oito livros de poesia e seis de prosa, Alla Gorbunova já foi traduzida para o inglês, alemão, francês, espanhol, sérvio, dinamarquês, sueco, finlandês, letoniano, búlgaro, esloveno. Na Itália, foram publicados três livros de poesia seus: “La rosa dell’Angola” (2016), “Il Promo Mattino Della Creazione” (2021), além de “Miniature” (2019), em prosa. Uma obra sua como ficcionista, Contos para loucos, foi publicada em 2017, na Bulgária.
Os poemas que traduzimos abaixo são os primeiros em língua portuguesa.
*
Fico olhando pra tudo o que nem é
no escondido que o esquilo em um oco tem
no que se deita numa manta que o inverno tece
no que à noite enterra-se na neve
somente no que há e o que nem é
casa calma, vereda que às estrelas leve
aquilo que vovó respira se adormece,
chuva que cai em todo canto e que não vêm
e tudo aquilo que num aqui se crê
como se houvesse, feito poente, amanhecer
em nada existir, não é o aqui, se vê
apenas traço, apenas o que nem há nem é
*
Três lugares para o corpo – guerra, Jordânia, centro clínico,
Que é onde ele ocorre desnudado e límpido
Estariam os feridos deitados no campo da infâmia
Ou em roupa branca a batizar-se na Jordânia
Ou em conta-gotas morrem no calar da enfermaria
Embora os anjos pelo campo de batalha
Aos pingos uma água morta espalhem
Em feridas abertas
E a palma de alguém fique sobre a cabeça
Soltando o corpo para que na água imerja
E os anjos caladas avós na enfermaria branca, vizinhas,
A chamar uma à outra de Fé, Esperança e Amor.
*
Vem passando uma pessoa,
Iluminada, excelente, boa
Não me tira a experiência da morte e da vida eterna
Nem fala pra mim que o mundo
É como um banco de parque
Pra descanso e sossego
Eu conheço este parque
E o meu corpo
Tem que se deitar neste banco
Ferido, morto, nu.
Dado a todos, a ninguém pertencente.
Amado e amando.
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*Astier Basílio é jornalista, escritor e tradutor. Doutorando em literatura russa, no Instituto Górki, de Moscou. É colaborador do Jornal Opção.