Opção cultural

Às voltas com um mundo de dúvidas, os intelectuais se agarram a uma certeza aparentemente mais próxima que o céu: a ideologia política

Defensores da democracia pedagógica choram pelos meninos pobres que não têm oportunidade para aprender latim; e “por isso” querem abrir-lhes a escola sem latim. O amor, à democracia; o ódio, ao humanismo

De Halsey a Sivuca, canções escolhidas para o feriado vão do pop à música cristã, passam pelo metal e pop rock, instrumentista nacional e banda francesa

“Hiroshima, Meu Amor”, do mestre francês Alain Resnais está em cartaz no Cine Cultura em cópia restaurada e digitalizada
[caption id="attachment_91835" align="alignnone" width="620"] Emmanuelle Riva e Eiji Okada: o amor impossível[/caption]
O melhor filme em cartaz nos cinemas de Goiânia está sendo exibido na sala do Cine Cultura, na Praça Cívica. Trata-se do clássico “Hiroshima, Meu Amor” (Hiroshima, mon amour), obra de estreia do francês Alain Resnais (1922–2014), uma produção franco-japonesa de 1959. Um regalo a mais para quem aprecia filme adulto de qualidade: a cópia é restaurada, o que ressalta a bela fotografia em preto e branco.
As imagens nos primeiros dez minutos são perturbadoras. Cenas em movimento e fotografias de escombros e de vítimas do ataque a bomba atômica desferido na cidade japonesa de Hiroshima no final de Segunda Guerra. Corpos mutilados, gente sendo operada, filas para receber atendimento médico, pessoas vagando a esmo pelas ruas...
O filme mostra um tanto do horror da guerra, mas não é a guerra o foco principal, mais que isso, trata dos efeitos dessa tragédia humana na mente e no coração das pessoas. “Hiroshima, Meu Amor” é uma história de amor e de paixão, de perdas e de impossibilidades, de intolerância. O roteiro (e diálogos) da escritora Marguerite Duras ((1914–1996) é poético, mesmo tratando de uma história em que a dor é a tônica.
As cenas iniciais fazem parte de um documentário que está sendo filmado na cidade. O filme em si é a história do relacionamento amoroso entre uma atriz francesa (Emmanuelle Riva) com um arquiteto local (Eiji Okada). Nos dois dias em que ficam juntos, eles vivem um romance tórrido nos planos emocional e físico.
As lembranças dão o tom, especialmente por parte da mulher, ainda purgando a dor do amor proibido vivido com um soldado alemão, um inimigo, portanto. Por causa dessa relação, ela foi punida pela cidade, sendo “tosquiada”, situações que ela conta e revive, assim revivendo a dor de forma dilacerante.
Os flashbacks sugerem o embaralhamento entre o presente e o passado. Os dois personagens principais são denominados apenas como Ela e Ele, o uso ousado e inovador dos flashbacks, certamente, são influência de Duras no roteiro, ela que foi um dos esteios do Nouveau roman, movimento que buscou quebrar a linearidade narrativa clássica.
“Hiroshima, Meu Amor” é uma obra metacinematográfica: além de contar uma história, também trata do fazer cinema, com seu filme dentro do filme. É uma obra de sofisticação altamente elaborada. Uma ode antibelicista. Um dos mais complexos tratados artísticos sobre a construção da memória, esse tema que os franceses trabalham como ninguém – vide os escritores Marcel Proust (1871-1922), vide Patrick Modiano (1945-).
Enfim, um filmaço.
PS.: A cópia restaurada de “Hiroshima, Meu Amor” vem a ser uma homenagem póstuma a Emmanuelle Riva, que morreu no dia 27 de janeiro passado, aos 89 anos. Quatro anos depois de estrelar o filme “Amour”, de Michael Haneke, no qual vive uma mulher que sofre os efeitos da devastação física que a idade inflige ao ser humano. A interpretação pungente lhe deu o prêmio César de Melhor Atriz no filme que levou o Oscar de Melhor Estrangeiro em 2012.

[caption id="attachment_91794" align="alignleft" width="620"] Da esquerda para a direita: Jesus (Aviv Alush), Mack Phillips (Sam Worthington), Deus (Octavia Spencer) e Espírito Santo (Sumire Matsubara). Caracterização incomodou fieis cristãos[/caption]
O filme "A Cabana" estreou há menos de uma semana e já está causando polêmicas. Nas redes, são várias as reclamações de religiosos, sobretudo evangélicos, sobre o longa inspirado no best-seller homônimo de William P. Young.
Tudo começa com a caracterização da Trindade: Deus é interpretado por uma mulher negra (Octavia Spencer); Jesus por um jovem despojado de traços árabes (Aviv Alush); e o Espírito Santo por uma jovem oriental (Sumire Matsubara).
Para muitos, dar essas características para à "Santa Trindade", sobretudo fazendo Deus ser vivido por uma mulher, é uma heresia e não vai ao encontro dos dogmas cristãos praticados pela maioria das denominações.
Além disso, muitos evangélicos dizem que o filme mostra um Deus que é só amor, que quer redimir a todos, independente de seus erros, e um Jesus que não é divino, mas prioritariamente humano. Muitos chegam a classificar a obra como um "despautério bíblico".
Se você é cristão e viu o filme, diga que achou.

Bandas goianas e músicos regidos pelo maestro inglês Neil Thomson farão apresentações com entrada gratuita no Oscar Niemeyer no dia 11 de maio

Inspirado nos “Quadros Parisienses”, de Charles Baudelaire, poeta curitibano traz à tona a experiência íntima do indivíduo marcado pela transitoriedade temporal e outros temas associados
[caption id="attachment_91718" align="aligncenter" width="620"] "Embora curto, ébrio ou falho,/ o sono é o cobertor do homem." Versos do poema "A um mendigo", de Wagner Schadeck[/caption]
MADHOUSE
Chegaram flores, cartas e lembranças,
mas ele não estava. Um rato apenas
viu que baldaram tantas esperanças
naquele ato ensaiado em várias cenas.
Os monitores, sem seus eletrodos,
piscavam, emitindo agudo alarma.
Cápsulas, comprimidos, esses todos
não seriam mortíferos como arma?
Mesmo assim, essas drogas aguardavam,
qual num doceiro onde adormecem balas,
bocas sem dentes que tanto as mascavam,
para depois ao chão regurgitá-las.
Tudo repousa. Enquanto tristes, sós,
os outros doentes sentem-se perplexos
na despedida. Há nas gargantas nós
a lhes emaranhar gritos complexos.
Ele partiu! Não mais olhar da esquina
no admirado céu sujar o sol.
Da janela levou uma cortina
em seu pescoço como um cachecol.
E não bastasse viver sem apriscos,
Resta seu o corpo pendurado e pasmo.
Mas nos seus olhos cerrados há ciscos
e a língua arreganhada de sarcasmo.
BUREAU
Deixaste tua papelada
acumular. E são folhas
que com tuas vistas zarolhas
lês não entendendo nada.
São jornais de ontem; são resmas
e guardanapos bem sujos,
nos quais dançam caramujos,
babando com suas lesmas.
Lá estão bulas de remédios,
provas com muitas rasuras,
alguns planos de aventuras
junto a projetos de prédios.
Lá estão em folhas puídas
dois testes de gravidez.
Mas quem sabe se os bebês
tiveram sorte em suas vidas?
A noite esvazia a praça.
larga as botinas, faceiro,
e arruma o teu travesseiro
com a garrafa de cachaça,
pois termina mais um ato.
Com mão rápida desata
em teu pescoço a gravata
de cadarço de sapato.
A cidade vela. E o céu
risca seus fósforos. Medras
num bocejo. Como as pedras,
és peso sobre o papel.
A UM MENDIGO
Dormes. E outros já não dormem.
Tens jornais como agasalho.
Embora curto, ébrio ou falho,
o sono é o cobertor do homem.
EPIFANIA
Há no culto fiéis de olhos fechados
que na esperança por mais um milagre
recebem todos juntos bênçãos, brados,
espargidos à esponja com vinagre.
Mãos na cabeça, seus braços para o alto,
com súbita aparência de um assalto.
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NOSFERATU
A chuva espanta os pássaros. As gentes
Infestam como ratos a bodega.
Requestam tragos. A atendente esfrega
os canecos. Um pulha cerra os dentes
na coxa escaveirada. A poeira encarde
vidros de estufa e fétidas compotas.
Servindo, a garçonete raspa as botas
contra o reboco. Mas por toda a tarde
um homem numa mesa espia os preços
da tabela. Nos números impressos
Preme os olhos. A quem murmura prece?
Quanto mais bebe mais se afoga em mágoa.
Pendurado em seu braço, enxugando a água
das asas, há um morcego que adormece.
HORA MARCADA
Preso ao tempo burocrata,
amarras outra gravata
no pescoço. E feito o laço,
empreendeste o último passo.
Na abrupta queda, suspenso,
eis que oscila o corpo imenso
e impreciso que recorda
um pêndulo preso à corda.
E este trabalho sem pausa
quem sabe fosse por causa
dos objetivos que obsedas.
É que o labor a que te alças
pôs no bolso de tuas calças
cerca de trinta e três moedas.
Wagner Schadeck nasceu em 1983, em Curitiba, onde vive. É tradutor, ensaísta, editor e poeta. Colabora com a Revista Brasileira (ABL), com a Revista Poesia Sempre (BN), entre outros. Em 2015, organizou a reedição de “A peregrinação de Childe Harold”, de Lord Byron, pela Editora Anticítera. Pela mesma editora, em 2017, publicou a tradução de “Odes”, de John Keats.

Em conversa com a coluna 365 Shows, guitarrista da Cachorro Grande fala sobre as gravações do disco duplo Chumbo & Pluma e a expectativa para o show em Goiânia

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“Idioma de um só” reúne narrativas que subvertem a linguagem formal em favor de uma visão alucinante e sarcástica da realidade
[caption id="attachment_91578" align="alignleft" width="620"] Ricardo Koch Kroeff desconcerta o leitor inúmeras vezes durante as histórias de “Idioma de um só”, seu livro de estreia | Foto: Divulgação[/caption]
Sérgio Tavares
Especial para o Jornal Opção
O título do livro de estreia de Ricardo Koch Kroeff indica uma singularidade que traduz com perfeição o estilo operado pelo autor gaúcho. “Idioma de um só” é o que pode ser entendido convencionalmente como uma reunião de contos, embora não exista nada de convencional na engenharia dos textos.
Kroeff manipula a forma de modo a criar um tipo de moinho mágico através do qual as palavras constituem um painel de natureza pictórica, uma tela animada de intensidade surrealista. A descrição meticulosa se ocupa dos pequenos gestos, da ação que se desprende dos movimentos mínimos, transformando a relação entre seres e objetos num enlace que proporciona uma dupla caracterização. A consciência se transfere de um a outro, nesse espaço de puras excentricidades.
É o caso de “Ruxandra Dragomir”, narrativa que abre o livro. O palco aqui é a final do torneio de Roland Garros. Ruxandra, que entrou na disputa como número 127 do mundo, enfrenta a número dois, a russa Nadiezda Maleeva. Uma missão dificílima, porém o ânimo para a vitória está conectado ao desempenho de um plano secreto.
As tenistas, então, adentram a quadra de pó de tijolo laranja. Ao lado, está uma mesa de plástico branco, dessas com um furo no meio, descontente por estar ali. Ela insiste que nasceu para morar à beira da piscina, sendo suja pelos picolés das crianças, pelos almoços em família. Ruxandra é a primeira a sacar. Pega uma bolinha amarela peluda e a joga para cima. O nome da bolinha é Pômpi, e “(...) sobe quietinha e para no ar; fecha os olhinhos de cílios longos, contrai a face gordinha e espera”.
A narrativa vai ganhando elementos cartunescos sem se dispersar do ponto central, que é a execução da partida. Da mesma maneira, dois instantes se entrecruzam ao presente: o passado da tenista, na antiga Checoslováquia, e a presciência dos acontecimentos depois do último set. Kroeff concentra-se num ritmo ágil, multívago, que por vezes assemelha-se a um desalinho, mas que preserva um fecho nos limites desse recorte de tempo, ainda que esse fecho não signifique o fim.
Os contos são tipos de documentos abertos, cujo eixos dão corda a uma multiplicidade de sentidos. Em “Solidão da baleia”, o narrador vai sendo seduzido por uma mulher chamada Alice, que diariamente passa, por debaixo da porta de sua casa, uma carta em que descreve partes inusitadas de seu corpo, a exemplo da curva de seu tornozelo e da parte interna de sua coxa esquerda.
A sedução cria uma necessidade, cujo resultado é o lançamento para um estado meio de sonho, meio de devaneio. Outra vez, o autor subverte a linguagem formal, agora unindo palavras e fabricando neologismos. “É por medo do mundo pós-alíctico que meu primeiro olho abre e entro em mim para tentar ver o que Alice enxergará-garia. (…) Procuro no chão os filhos desses olhos de terceiros que nasceram do momento-Alice e esmago os momentolhinhos”.
O sexo é retratado (obviamente) com tonalidades vivas em “I'm sexier than a bitchwitch in thigh-high boots”. A narradora descreve, da forma mais lasciva, uma cena que envolve felação. “Van Gogh Dylan” constitui-se a partir de entreatos que acompanham o pintor holandês Vincent Van Gogh e o músico estadunidense Bob Dylan em circunstâncias mobilizadas pelo curso de uma criação artística. É o texto mais complexo, desconcertante; uma coisa de espelhamento, de câmbio de identidade, de transfusão, preparada numa cornucópia de imagens, sons, reproduções, de algo que não se sabe bem o que é.
Todos os diálogos são escritos em inglês (há, ainda no livro, passagens inteiras em francês e no idioma de uma tribo indígena). Um quê de absurdo que transparece o absurdo que tomou a vida comum de assalto.
O mundo de Kroeff se edifica como parte de uma visão alucinante, inventiva e sarcástica da realidade; uma técnica de operar a escrita que remete à literatura de nomes como David Foster Wallace e George Saunders.
A parte final do livro é reservada a duas autoras inéditas que, segundo o autor, são essenciais para o projeto inclusivo que o livro deseja ser. Christine Gryschek, uma jovem paulista, poeta, que “com 27 anos escreveu-leu-ouviu sobre loucura”; e Paola Santi Kremer, porto-alegrense que reside na Argentina, admiradora do portunhol selvagem. Seus contos, em formato e conteúdo, diferenciam-se entre si e de todo o conjunto anterior. Mas será que elas realmente existem?
Independente da resposta, o indefinido é uma maneira perfeita de terminar uma obra cuja força está no poder de desestabilizar o leitor.
Sérgio Tavares é jornalista e escritor
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Serviço:
“Idioma de um só”, 144 páginas Editora: Não Editora Preço: R$ 39,90Trecho do livro

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