Por Marcelo Gouveia

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Inflação de setembro em Goiânia recua, mas permanece elevada em comparação ao último ano

A desaceleração foi influenciada, entre outros motivos, pela queda nos preços de gasolina comum e etanol, que registraram baixas de 4,15% e 5,63%, respectivamente

Nordestinos viram alvo de preconceito após vitória esmagadora de Dilma na região

Internautas tentaram justificar a preferência do eleitorado do Norte e Nordeste com ideias preconceituosas, como a suposta “falta de instrução política” dos estados que compõem estas regiões

Ronaldo Caiado: “Vou trabalhar 24h para eleger Iris Rezende”

O democrata foi eleito senador por Goiás com 47,57% da preferência do eleitorado

Aclamado por militância, Iris comemora 2º turno e diz que irá unir oposição

O peemedebista teve 28,40% da preferência do eleitorado, ficando atrás do governador e candidato à reeleição, Marconi Perillo (PSDB), que contou com 45,83%

80% das urnas apuradas: Dilma tem 40% e Aécio 35%

Com cerca de 80% das urnas apuradas, o resultado parcial aponta para segundo turno entre o presidenciáveis Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB).  Uma diferença de cinco pontos porcentuais separa a petista do tucano. Dilma aparece com cerca de 40% da preferência do eleitorado, seguida por Aécio com 35%. Em terceiro lugar, a ex-senadora Marina Silva (PSB) tem 20%.

Com quase 60% das urnas apuradas, Ronaldo Caiado lidera com vantagem de dez pontos porcentuais

O democrata Ronaldo Caiado, com quase 50% dos votos, lidera entre os candidatos ao Senado por Goiás. Em relação ao segundo colocado, o político apresenta vantagem de mais de 20 pontos porcentuais. Até o momento, cerca de 60% das urnas foram apuradas. Logo atrás do democrata vêm os senatoriáveis Vilmar Rocha (PSD) e Marina Sant’Anna (PT) com cerca de 37% e 9% da preferência do eleitorado, respectivamente.

Mais de cem pessoas foram detidas em Goiás durante as eleições

Dois eleitores, um em Goiânia e outro em Itapaci, que tirararam uma “selfie” enquanto votavam também foram presas. No município de Mozarlândia, um homem foi detido por “desacato ao mesário”

Erasmo de Rotterdam em Stefan Zweig

Stefan Zweig ao escrever seu ensaio “Erasmo, grandeza e decadência de uma ideia”, em 1928, talvez pressentisse que já traçava, de certo modo, o seu perfil e o destino que iria cumprir

O motivo da renúncia: “Cansei de votar a favor de Paulo Garcia e contra Goiânia”

O vereador sustenta que o PT de Goiás vive uma esquizofrenia política. Ele diz que o principal prefeito do partido no Estado não apoia o candidato Antônio Gomide, mas, sim, Iris Rezende (PMDB) para governador

Eça de Queiroz: a biografia definitiva

Ao lado de informações pouco conhecidas sobre a vida de Eça de Queiroz, o livro de Campos Matos traz vasta e preciosa iconografia, além de reflexões críticas que permitem uma visão aprofundada do percurso ideológico do escritor, da repercussão da sua obra e da sua figura pública entre os contemporâneos

Para onde vão os idiotas quando chegam ao topo

André J. Gomes

[caption id="attachment_16959" align="alignright" width="620"]Wikipédia Commons Wikipédia Commons[/caption]

— Parabéns, Presidente!

Pronto. Ele conseguiu. Tantos anos de trabalho o levaram ao posto mais alto de sua organização, ao topo do organograma, à tampa da panela. Ele acaba de ser escolhido para o cargo mais importante de uma invejada companhia multinacional.

— O senhor precisa de alguma coisa? — pergunta-lhe sua secretária executiva

— Preciso, sim. Que você saia daqui e me deixe só.

A secretaria o atendeu de pronto. Fez o que a vida já havia feito antes. Ele estava só. Havia lido por aí que o poder é um exercício solitário. E daí? Ele agora é “o homem”. Podia até ser uma mulher, mas ainda assim seria “o homem”.

Ali, no fim de mais um dia cheio, soberano em seu castelo de vidro, na maior sala do último andar de um suntuoso edifício, ele viu a noite cair lá fora e se deu de presente dois minutos, não mais que isso, para se recuperar dos tantos tapas nas costas que recebera durante o dia. De repente, ele se pegou pensando na vida que o levara até ali.

Estava nessa havia quanto tempo? Vinte anos? Mais, muito mais. Quantos idiotas ele fora obrigado a aturar? Quanto preconceito foi levado a ouvir e a praticar? Quanta burrice, quanto ódio! A quantos relacionamentos interesseiros ele sobreviveu, a quantos inimigos prometeu amor eterno, quanta gente ele esqueceu por aí? Dane-se. Danem-se todos eles. Quem diria? Ele estava lá. O dono do jogo agora era ele!

A noite já era feita lá fora e o homem ali, passeando por dentro. Lembrou de seus sacrifícios todos. Suas horas sem dormir, sua sede e sua fome não atendidas. Recordou os cachorros quentes consumidos às pressas, ele nunca esqueceu o quanto é bom um cachorro quente barato. Sentiu até o gosto do molho de tomate, a salsicha saborosa, o tempero forte, a maionese. De suas certezas todas, a de que às vezes só um cachorro quente pode salvar a sua vida persistiu. Não fosse agora um rico frequentador de caros restaurantes, jantaria um senhor cachorro quente na calçada lá embaixo.

Pensou também em seus amores perdidos, trocados pela empresa, deixados para trás. A alta velocidade do mercado é tão diferente do passo a passo lento do amor que não havia jeito. Os amores ficaram para trás. Não havia tempo para isso. Tempo para conversas demoradas, cinema à tarde, declarações de amor, almoços intermináveis com a família. Não! Um alto executivo jamais almoça em vão. Não perde tempo com isso. Todas as suas namoradas sabiam muito bem.

Ele ficou ali, pensando em cada u­ma delas. A amiga de infância, a ja­po­nesa, a baixinha com quem foi a Cu­ba, a professora de russo, a amiga da baixinha com quem foi a Cuba, a negra linda, dançarina, a ruiva e seu cabelo da cor da fórmica do balcão do bar, a atriz e seus sonhos, a filha do senador e suas possibilidades. Pen­sou em todas elas, em sequência, a­té chegar àquela com quem se ca­sou. Sem amor. Aquela de quem ele só não se separou por falta de tempo.

E agora? O que faz um sujeito no auge de sua vida profissional? Para onde mais subir? Em que investir agora? Viagens à lua, missões humanitárias na África, a solução dos problemas na Faixa de Gaza? Não, esses assuntos não interessam aos negócios de sua importante multinacional do ramo de seguros. E o caminhão de dinheiro que invadiu em cheio sua conta? Onde gastar tudo isso?

Herdeiros, não tem nenhum. Preferiu não mexer com isso. Não tivesse convencido a esposa a fazer aquele aborto, seu filho teria hoje o quê? Quinze anos? É isso. Uns quinze anos. E ele teria um punhado de problemas a mais. O peso de um filho lhe teria impedido de subir tão longe na hierarquia da corporação.

Agora, essa dinheirama sobrando lhe deu um tédio medonho. O que fazer? Quem sabe comprava uma comenda da República de Omã? Claro! Mandaria fazer uns cartões de visita novos. Antes de seu nome, a palavra “Comendador” lhe faria a distinção merecida, muito mais que o mero “Presidente” bem abaixo.

Era isso. Ele conseguiu. Chegou lá. O primeiro a chegar e o último a sair venceu na vida. Pisou o topo. Respirou o perfumado ar rarefeito a que poucos têm acesso.

Fim do expediente. O presidente estava pronto para ir. Arrumou suas coisas na pasta, desligou o computador, vestiu o paletó, olhou cada canto de sua sala com um tanto de desprezo, um tanto de carinho.

Depois ele abriu a janela, um vento selvagem lhe bateu na cara, tão diferente da brisa monótona e gelada de seu ar-condicionado, e pulou do trigésimo terceiro andar do suntuoso edifício. Lá embaixo, seu corpo se espatifou sobre uma carrocinha de cachorro quente, espalhando sangue e salsicha com molho de tomate por todo o calçadão.

André J. Gomes é escritor e publicitário.

via Revista Bula

Alexandre Magalhães requer na Justiça cancelamento das candidaturas de Antônio Gomide e Zé do Carmo

Pedido se baseia na possibilidade de o novo candidato a vice não ter se desincompatibilizado de cargo público em prazo de 90 dias antes das eleições. Presidente do PT goiano lamenta o episódio e alega se tratar de "desinformação" por parte do democrata-cristão

O último jogo

Paulo Lima

[caption id="attachment_16904" align="alignleft" width="620"]Revista Placar Revista Placar[/caption]

Dizem que foi mais ou menos assim... Decisão no Vigário Geral. Clima de festa, apesar de as torcidas adversárias declararem ódio uma à outra e meia dúzia de boleiros, de cá e de lá, jurarem botinadas entre si para descontar alguns estranhamentos ao longo do campeonato. O visitante, Barra da Tijuca, iria enfrentar uma barra daquelas, mesmo tendo a vantagem de jogar pelo empate, uma vez vencido o primeiro jogo no estádio [sic] do Chinelão.

Naquele ano, nenhum time havia conseguido vencer o VG no Cascalhão, seu estádio [sic de novo]. A pressão da torcida era qualquer coisa, um verdadeiro caldeirão, e seus jogadores cresciam no jogo diante do seu público fiel.

Mas a grande atração era mesmo o centroavante Oscar, carinhosamente apelidado por Linha. Reza a lenda que recebeu esse apelido porque fez teste aos 14 anos para jogar no gol, o sonho de seu pai, mas logo viram que ele não segurava nada, nem bola murcha atrasada com a mão. Então, no segundo tempo o garoto de pernas compridas foi jogar na linha e cravou cinco gols, cada um mais bonito que o outro. Nunca deu conta de explicar onde achou inspiração para fazer aquilo. Já seu pai jurava que o apelido tinha outra origem: de tão magro, ele tinha a silhueta de uma linha.

A verdade é que todo mundo torcia por ele, ainda que defendesse as cores da camisa rival. Tinha fama de bom moço e realmente era. Durante a semana, depois do batente, enquanto seus colegas de copo e de cruz se rendiam aos encantos da noite, ele no máximo bebericava dois copos de loira no bar do Lalau e logo voltava pra casa. Disciplinado, não queria perder a disposição de treinar mais à noitinha. Uma rotina que se estendia até as dez da noite, em dias alternados.

Nos fins de semana, após as pe­ladas — do futebol, bem entendido — demorava horas contando histórias que jurava serem verdadeiras e os amigos de verdade fingiam acreditar que fossem. Sua cerva mornava sobre a mesa. Bom de papo, conquistou uma outra loira de mesma idade, que conhecera no mesmo bairro, quando tinham oito anos. Casou cedo. Seu último gol tinha sido duas partidas antes, na semifinal contra o Magé. Passou em branco pela primeira vez no certame justo na primeira partida da final. O Vi­gá­rio perdeu por dois a zero e voltava a jogar contra o BT com uma desvantagem enorme no placar. Difícil de reverter, pois enfrentava o time de melhor defesa da competição. Na decisiva, teria que vencer por dois gols de diferença para levar o título, beneficiado com a combinação de resultados pontuados, o chamado placar agregado, em virtude de sua melhor campanha. Nada impossível para um time que, a despeito do revés anterior, tinha uma média de cinco gols e meio por partida.

A outra atração era a presença ilustre do olheiro do Botafogo, Eurico Salgado, que estava na arquibancada ou algo parecido, de olho em tudo. Foi ele quem havia revelado Garrincha, o que dispensava apresentações. A expectativa geral era de que ele fora pessoalmente confirmar o interesse do time da estrela solitária em levar para seu plantel o centroavante de 19 anos que arrasou no campeonato de várzea com seus incríveis 38 gols em 16 partidas.

No meio esportivo, aqui in­cluin­do-se os botecos e as acaloradas conversas entre os taxistas que fa­ziam ponto pelas praças cariocas, não se falava de outra coisa: a dupla “Ga-Linha”, futura fonte de alegrias para o Glorioso, para desespero de rubro-negros, tricolores e cruzmaltinos. Mesmo sendo a estrela maior do time, o jovem Linha podia con­tar com o apoio de uma escalação de dar inveja: Peroba, Ma­tei­ra, Elias (evitava-se chamá-lo pelo a­pelido, que ele odiava), Pe­zão, Can­gaço, Lindinho, Trigueiro, Ra­pa­dura, Jurubeba, Caixeta e An­jico, o centroavante substituto que nunca tinha chance de entrar, em­bora fosse fera também. Uma se­leção, na opinião dos especialistas!

Na esperança de faturar alto, nas imediações do campo disputavam o pouco espaço uma dezena de barraquinhas de churrasco e um batalhão de meninos defendendo o seu com laranjinhas de todas as cores e sabores. Estes, por sua vez, enfrentavam a indisfarçada hostilidade da concorrência: picolezeiros vindos de bairros próximos, com seus palitos gelados de leite condensado, frutas de todos os nomes, milho verde e creme holandês. Armado o palco, o árbitro ensaiou um rápido em nome do pai e soprou com força o apito, dando início ao último confronto do campeonato.

Não foi um jogo fácil. Naquela tarde quente de sábado, o Tijuca resolveu jogar bem de novo, muito firme na marcação, com aquela defesa marrenta, quase impenetrável. Do tanto que pulava, Macaco — o goleiro que mais parecia um gato peludo — naquele dia entrou disposto a não deixar entrar nem a própria toalhinha que, supersticioso, colocava sempre do lado de dentro da meta, no canto direito junto a um pote de água benta, procurando se defender de um inimigo que só ele via. Assessorado pela inspirada e truculenta dupla de zaga formada por Cocão e Tigrila, o ferrolho estava armado no gol do BT.

Rivalidades do futebol e nada mais. Foram amigos de escola e só defendiam camisas diferentes porque moravam em bairros distantes. Tinham até parentesco: Macaco era cunhado de Linha, da parte da irmã, e Cocão era primo da esposa dele. Mas, bons amigos, negócios à parte. Os quatro apostaram alto. O centroavante disse que faria pelo menos dois gols no trio de pernas de pau, do contrário penduraria as chuteiras. Eles também não iam deixar barato: caso isso ocorresse, prometeram lhe entregar todo o salário do mês, contadinho!

Foi um jogo disputado e sofrido. Para quem segurava o placar, o tempo andava feito tartaruga com mais de cem anos de estrada; para quem corria atrás, um cadeirante disputando prova com uma Ferrari.

O VG só conseguiu fazer um golzinho aos trinta e nove minutos do segundo tempo, quando a animada torcida já nem estava tão animada assim. De quem? Dele, claro. Mas foi gol de pênalti, para não dizer de bo­beira do lateral imprudente que botou a mão na bola meio sem querer e o juiz, na pressão, marcou in­con­tinenti para o time da casa. O guarda-metas quase pegou, e haveria de pegar se a bola não tivesse tocado an­tes num montinho artilheiro que fez a pelota subir um pouquinho a­ci­ma de suas mais sinceras pretensões.

Após rápida comemoração e a cera costumeira na reposição de bola, o final do combate prometia. Ainda restavam cinco minutos. Com uma pitada de sorte e boa vontade do juiz — e os juízes costumam ser voluntariosos nessas horas —, dava para chegar aos 48 minutos, contando os acréscimos. A esperança é a última que morre.

Mas as coisas não caminharam exatamente como a torcida vigariana queria. O Tijuca continuou dono de si e teve mais duas chances de marcar, o que é comum em jogos de várzea, onde o campo é menor e a motivação é maior. Talvez, por um desses mágicos segredos do futebol, tenha sido aí seu grande erro. O Vi­gá­rio tava acuado mas não tava mor­to. Tinha nego experiente, com lampejos de genialidade. Perce­bendo a situação, Linha fez algum sinal para Ma­teira que pareceu entender na ho­ra. E baixou a cabeça, com as mãos nos joelhos, simulando extremo cansaço, enquanto o time visitante fervia em cima dos donos da casa.

Foi aí que aconteceu. Aos 47 minutos, com o juiz pronto para dar por encerrada a batalha, Lindinho recuperou a bola e tocou de imediato para Mateira, que a empurrou dois metros à frente para fazer um lançamento de longa distância, sua especialidade. Foram quase 30 metros de um voo preciso, até a redonda chegar ao seu destino. O futuro companheiro de Garrin­cha correu por entre a zaga, que até então contava como certo que ele já estivesse batido, e recebeu a bola ainda no ar, matando a gorduchinha no peito estufado, se preparando para o chute certeiro quando ela caísse calmamente à frente do seu pé esquerdo. A torcida visitante, que apesar de em menor número fazia uma festa ensurdecedora, emudeceu. Sabia que aquele atacante era especial por muitos motivos, inclusive por uma característica matadora: era ambidestro.

Normal seria se a galera do VG soltasse gritos de comemoração antecipada, mas não foi o caso. Aconteceu muito rapidamente e quem presenciou se lembra de tudo em câmera lenta: o­lha­res atentos, esperando o desfecho que seria fatal para um dos ti­mes. Surpreendendo mais uma vez, o magricela habilidoso não chu­tou de imediato, optando por dar um lençol no zagueiro, deixando a bola limpa no outro lado. O ar­queiro anteviu o pior: seria um gol de placa, justo em cima dele que havia segurado tudo, mas não haveria de dar conta daquele balaço.

Seria. A perna direita de Linha não chegou a concluir a jogada. Antes disso, seu corpo magro caiu no chão e ali permaneceu, inerte. Tigrila, que havia ganhado de presente o último chapéu do campeonato ficou parado, olhando, sem saber se chutava a bola para bem longe ou se esperava alguém lhe dar alguma explicação. A torcida, já muda, calada continuou. O juiz segurou o apito na boca, andando devagar rumo à grande área, sem saber que decisão tomar. Só o médico, na verdade um enfermeiro com experiência em primeiros socorros, teve a iniciativa de sair correndo em direção ao local. Foi lá, de joelhos, diante do jogador estirado no chão de terra batida, que viu um par de olhos arregalados, boca aberta e arroxeada, a mão no peito e um coração sem nenhum sinal de vida. Também foi ele quem levou a notícia para a esposa, grávida, que ficara em casa aguardando pelo resultado do jogo, ansiosa.

Naquele tempo, os times não tinham departamento médico para saber antecipadamente quem estava em condições de seguir carreira ou mudar de profissão. Enquanto nos dias atuais os cardíacos são logo barrados na peneira dos clubes, o que importava era apostar no talento e ver no que daria. Linha foi mais uma vítima do despreparo do amadorismo que durante décadas reinou no futebol brasileiro. O mesmo que atingiu também o “moleque travesso”, de pernas tortas e dribles desconcertantes, que não conseguiu vencer a rotina de infiltrações e as armadilhas da bebida.

Foi a primeira vez que o time da casa perdeu um campeonato jogando em seus domínios. E, pela primeira vez, não houve vencedor nem comemoração. O time da Barra da Tijuca depositou a taça junto ao caixão, em homenagem, respeito e admiração pelo companheiro de papo e de bola.

Alguns anos se passaram, o bairro foi encurtando e a comunidade viu-se invadida pelo crescimento desordenado da cidade grande. O campinho virou estacionamento de supermercado e o técnico do virtual time campeão, o seu dono.

[caption id="attachment_16905" align="alignleft" width="620"]Werther Santana/Ae Werther Santana/Ae[/caption]

Macaco até hoje vê passar na sua memória flashes do gol antológico que o cunhado não lhe deu. Nos seus sonhos, beija com satisfação a medalha de vice como se fosse de ouro. Isso antes de acordar de madrugada, com os olhos ma­rejados, pelo menos uma vez por semana. Juntamente com a dupla de zaga do Tijuca, cumpriram a promessa e deram todo o salário e mais um pouco para bancar o funeral e auxiliar nas despesas diárias de uma jovem viúva.

O zagueiro Elias, mais conhecido como Cu Doce, montou uma oficina mecânica e foi levando a vida. Na companhia dos filhos, é visto com frequência bebendo suas Brahmas no bar do Lalau, bem ao lado.

Peroba, o goleiro, de tanta tristeza pela morte do melhor amigo, mudou-se para bem longe e, em São Paulo, conheceu a bela Ma­ria­na com quem se casou e finalmente foi feliz como vendedor de col­chões numa loja das Casas Bahia.

Mateira, com seus lançamentos precisos, chegou a treinar no Bangu, mas uma sequência de erisipelas frustrou seus planos. Juntou um dinheirinho, comprou um Ford Corcel 1.4 e atualmente vive dos rendimentos de um pon­to de taxi na Ilha do Governador.

Pezão, lateral direito, com a ajuda de um pistolão virou ator de novela na Globo. Fez sucesso nos anos 70, mas prometeu a si mesmo nunca revelar seu passado varzeano. E assim o fez. Cangaço, o lateral esquerdo, voltou para Patrocínio, sua cidade natal no sudoeste de Minas, e lá se aposentou como funcionário do Banco do Brasil.

Lindinho, o médio-volante, abriu uma escola com a esposa, professora de mão cheia, e acabou abrindo também uma academia de ginástica para o filho tocar.

Rapadura, ponta direita, montou uma fabriqueta de doces para vender sua produção nas feiras livres. Quebrou, abriu um restaurante de comida por quilo, quebrou de novo, se reergueu e hoje tem uma rede de cinco drogarias no morro do Flamengo.

Jurubeba virou policial. Foi baleado na perna numa operação de rotina, tornando-se um inválido para o serviço de rua. Desgostoso, pediu baixa da corporação e atualmente tá encostado pelo INSS.

O ponta direita Caixeta se enveredou pelas drogas e foi as­sassinado como bandido co­mum no morro do Jacaré, não se sabe pela polícia ou pelo alto comando do tráfico. Deu na TV.

Trigueiro, o ponta esquerda, abriu um centro de espírita — meio kardecista, meio de Umbanda — e dizem que já recebeu inúmeras mensagens dos falecidos, mas ninguém nunca deu muita bola pra ele.

Anjico, que nos treinos arrebentava no time reserva sem nunca participar de uma partida oficial, pendurou as chuteiras.

Urubu, o juiz, internou-se diversas vezes com crises de depressão numa clínica especializada, se perguntando por que não encerrou a peleja tão logo o Vigário recuperou a bola, evitando tudo aquilo.

Eurico Salgado nunca mais deu as caras por aquelas bandas.

Os jornais noticiaram no dia seguinte cada lance do jogo, com os detalhes e os exageros de sempre, como costumam fazer para aumentar as vendas de exemplares e conseguir mais anunciantes. As torcidas dos grandes clubes do Rio se comoveram com a tragédia, mas por motivos inconfessáveis também não lamentaram o ocorrido, exceção dos botafoguenses.

Dizem que foi mais ou menos assim. Não tenho certeza porque eu não estava lá: no campo, na arquibancada ou no alambrado. Apenas recolhi os depoimentos de alguns aqui e ali para recontar a história. Na época, só tinha quatro meses de vida e, na barriga da minha mãe, bem perto do coração, durante os meses seguintes só ouvi o choro dela, constante e doído, de saudade do meu pai.

Paulo Lima é escritor e publicitário.

Utopia

Sem o pensamento utópico, o homem continuaria habitando florestas, vestido de tanga e comendo carne crua com o nariz enfiado nas carcaças