Por Ana Carolina Coelho

Neste mês das mães, recomendamos três livros sobre a relação de mães com seus filhos e a vida familiar

Lidar com situações de estresse agudo como desastres, catástrofes naturais e demais violências podem gerar um impacto emocional intenso devido ao choque do imprevisível

Quem é Renata Guerra, a primeira mãe a concorrer ao título de Miss Brasil? Confira a entrevista na coluna "Conversas de Mãe" da professora Ana Carolina Coelho, especial para o Jornal Opção

A pesquisadora Juliana Márcia explica ainda que é necessário reconhecer que as mães têm desejos e sonhos que vão além da maternidade

A coluna traz hoje a entrevista com Viviane Pereira que é criadora/administradora do IG Maternidades Afetadas; entre outros assuntos, falaremos sobre a importância da saúde mental para a jornada da maternidade

*Professora Ana Carolina Coelho para o Jornal Opção
Hoje a nossa conversa viajou muitas milhas e alcançou espaço internacional! Recebemos aqui na coluna “Conversas de Mãe” a especialista em Neurociência e Desenvolvimento Infantil Telma Abrahão, criadora da Academia da Educação Neuroconsciente, que percebeu a necessidade da criação de uma especialização profissional, o Orientador Parental focado em levar conhecimentos para mães e pais sobre as questões da saúde mental, emocional e física das crianças para criarmos adultos plenos e uma sociedade mais saudável.
Telma Abrahão é uma mãe cientista engajada em transformar através do conhecimento e da ciência e tenho muita alegria em poder te conhecer um pouco mais aqui no “Conversas de Mãe”.
1. Olá! É um prazer falar contigo. As pessoas querem saber um pouco mais de você como mãe, pesquisadora: por favor se apresente e conte um pouco sobre sua trajetória.
2. Porque você decidiu trabalhar com a Neurociência e Educação Infantil e como é ser pioneira nessa área?
A minha infância foi muito desafiadora, com uma relação conflituosa com minha mãe e uma forma de educar muito dura e sem empatia. Na juventude passei por várias terapias e desde então desejava ser uma mãe diferente da que tive e proporcionar aos meus filhos uma criação positiva.
Me tornei uma adulta independente, estudiosa e apaixonada por autoconhecimento. Já aos 21 anos me formei em Biomedicina e depois fiz outras graduações.
Já casada, meu marido foi transferido no trabalho para os EUA, e lá fomos nós, sozinhos com duas crianças pequenas, na época com menos de 3 anos, para uma nova cultura, novo idioma, novo tudo! Além dos meus planos terem que ser readaptados, fiquei sem a rede de apoio e suporte emocional da família e amigos. Chegando no novo país, me vi com dificuldades para educar, para ser ouvida, para impor respeito sem gritos e castigos. Estava sendo uma mãe completamente diferente da que queria e entendi que precisava rever a maneira de educar meus filhos, foi quando comecei a estudar e pesquisar sobre o tema.
Fiz cursos com os maiores especialistas da área de desenvolvimento e comportamento infantil dos EUA e me especializei em Neurociência e Desenvolvimento Infantil.
Organizei todo o conhecimento que adquiri e criei a Academia da Educação Neuroconsciente, com certificações profissionais chanceladas pelo MEC. Recentemente formei a primeira turma de profissionais e Orientadores Parentais Neuroconscientes, e fiquei muito feliz em ter pediatras, pedagogos, psicólogos e pais interessados em se aprofundar nessa abordagem totalmente baseada em ciência e que tem o poder de transformar a vida pessoal e profissional do ser humano.
3. Você pode falar mais de como é o trabalho de orientadora parental? Quais as principais dificuldades e dúvidas dessa profissional? Quais os desafios?
O orientador parental ajuda os pais a lidarem com os desafios do relacionamento com os filhos. Costumo dizer que funcionamos como lanternas que chegam para iluminar a escuridão que eles se encontram por falta de conhecimento sobre a biologia do filhote da nossa própria espécie. As crianças nascem com o cérebro imaturo, elas não possuem controle de impulsos desenvolvido, tem dificuldade em lidar com a próprias frustrações, então o orientador parental leva um novo olhar nessas situações e ajuda a transformar o caos em harmonia.
O maior desafio é fazer os pais compreenderem que a mudança precisa começar por eles e que eles podem sim pedir ajuda nessa jornada de aprender a fazer diferente.
Viemos de gerações em que mostrar dificuldade na educação dos filhos é associado a incapacidade ou sinônimo de serem pais ruins, mas educar é, de fato, uma tarefa desafiadora e não há nada de errado em pedir ajuda, ainda mais quando hoje temos acesso a um conhecimento que nossos pais e avós não tiveram.
4. Você hoje é mãe, pesquisadora e orientadora. Como essa rotina de trabalho impacta em seu cotidiano e como seu cotidiano impacta em sua produção?
É uma rotina muito desafiadora! Moro nos EUA e não tenho rede de apoio ou família para ajudar, então somos eu e meu marido para cuidar das crianças e da casa. Mas ter rotina e disciplina ajuda muito.
Muitas vezes preciso trabalhar aos finais de semana , pois durante a semana tem as atividades escolares e esportivas das crianças que precisam da nossa atenção. Quando minha agenda de trabalho está mais intensa durante a semana, compenso a atenção com as crianças aos finais de semana. Tem que ter muito jogo de cintura e muita participação e cooperação de todos para que eu consiga dar conta de todas as demandas pessoais e profissionais.
5. A última pergunta é um espaço livre: fique à vontade para falar o que não perguntei, por favor.
A Educação Neuroconsciente é fundamental para prevenir traumas de infância e por isso é tão necessário que os pais cuidem da fase mais importante da vida dos filhos, que é a infância.
É nesse período que nossas bases emocionais e visão de mundo, de valor próprio, merecimento e capacidade são formados. Quando os pais compreendem a importância da infância para a saúde mental, física e emocional desse futuro adulto, todos ganham. As famílias, as escolas, a sociedade e o mundo.
Agradeço demais por você ser sempre ninho para tantas mulheres Vamos Juntas!

O “Conversas de Mãe” recebeu a ilustre visita da Rosângela Pin-Up, figura conhecida no cenário retrô goiano pela sua luta em prol dessa cultura em Goiás.

Fonoaudióloga explica como é ser mãe de uma criança autista e o que teve de adaptar na rotina de profissional autônoma para cuidar do filho

“Conversas de Mãe” recebe hoje Janaína Leslão que se define como escritora, psicóloga, lésbica, feminista, antirracista e mãe
Ana Carolina Coelho e Aline Bouhid
A vida nos toma de assalto e tira nosso fôlego como mães. Como assistir a uma tragédia como a de ontem e não ter inúmeras dúvidas e preocupações sobre o futuro de nossas crianças? Pensando nisso, o “Conversas de Mãe” dessa edição veio um pouco diferente.
Eu, Ana Carolina Coelho, e Aline Bouhid fomos conversar com duas feras no assunto: Brenda Vanessa Pereira Soares, Assistente Social; Especialista em Gestão Universitária pela Universidade Estadual do Maranhão; Mestra e Doutoranda em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Maranhão e atualmente atuando na 2° Vara Especial de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca de São Luis/ TJ-MA, e Marcella Brito, Psicanalista, professora, escritora e pesquisadora. Mestranda em psicologia social, especialista em teoria psicanalítica. Atende jovens e adultos de modo remoto, oferece supervisão clínica e cursos nas áreas de saúde mental e psicanálise. Mãe do Fernando, Miguel e Isabella.
Espero que essa conversa seja, para vocês leitoras e leitores, tão esclarecedora como foi para nós. E vamos conversar? Há muito o que ser dito ainda sobre as maternidades!
O que leva um adolescente a adentrar em grupos extremistas?
Marcella Brito – A adolescência é um período de grandes e intensos conflitos e ambivalências. Podemos pensar que este sujeito encontra-se no "limbo" entre a infância e a vida adulta, há uma carência de um repertório simbólico suficientemente desenvolvido para que se possa nomear objetivamente seus afetos e desejos. Concomitantemente há uma busca interna por referências que possam lhe assegurar um " lugar de ser e existir" em sociedade. E é nesse contexto que os grupos assumem um lugar crucial dentro do universo do adolescente: ideias, crenças, interesses que aproximam-se daquilo que esse jovem entende como seu e que alimenta esse processo de identificação… Como não há um amadurecimento emocional pleno, os extremos acabam seduzindo esse jovem que encontra nesses espaços uma espécie de decodificação para seus anseios, agressividade, impulsividade e demais afetos desconhecidos até então. Podemos considerar também a inferência da cultura nesse circuito: a franca reprodução e glamourização de violências e a massificação de discursos de ódio presentes em filmes, séries, jogos, músicas e demais produtos que são consumidos por esses jovens, o que pode reforçar a ideia disfuncional de que é preciso dominar, subjugar, violar para se obter poder, status e algum reconhecimento no laço social; na psicanálise chamamos de criação de um" falso self" esse movimento de criação de uma "personalidade distorcida" a fim de se adequar às demandas de um ambiente hostil e/ou ser aceito por esse.
Brenda Vanessa Pereira Soares – No meu ponto de vista enquanto assistente social, penso que não há uma única razão para responder a essa questão. Os motivos podem ser diversos, até porque estamos falando de pessoas com diversas subjetividades e vivências além, claro, do contexto em que esse adolescente está inserido. Porém, é importante destacar que vivemos nos últimos anos no Mundo (e sobretudo no Brasil) um avanço de ideologias conservadoras e extremistas, onde a violência é colocada como alternativa para a resolução dos problemas sociais do país.
Por que presenciamos uma quantidade cada vez maior desse processo de radicalização?
Brenda Vanessa Pereira Soares – Falando da especificidade do Brasil, é importante destacar que nosso país já nasce a partir da violência: contra a população indígena, a escravização do povo negro, com base no patriarcado, como sistema social composto por ideologias de inferiorização das mulheres. Assim, uma vez que nos últimos anos a ideologia conservadora e extremista da extrema-direita ganha espaço inclusive no cenário político brasileiro através da Internet (redes sociais) os jovens, que estão em fase de construção de suas identidades, acabam se tornando alvos mais fáceis e até mesmo propagadores e executores de atos extremistas, como vimos recentemente no atentado à escola que matou uma professora e deixou alguns alunos feridos. Esse adolescente já havia sido transferido de outra escola justamente porque utilizava-se das redes sociais para ameaçar colegas com armas de fogo, conforme vinculado ontem em outro veículo de imprensa.
Marcella Brito – A história da civilização se desenrola através de grandes conflitos, guerras e violências. A agressividade é algo inato ao ser humano, inicialmente como um instinto de sobrevivência que a posteriori é potencializada pelo meio através das dimensões de poder inscritas nos laços sociais. A radicalização não é algo novo, podemos observá-la em vários momentos da história mundial como na inquisição, colonização etc. Talvez a proporção e o potencial influenciador que esta radicalização esteja operando no contemporâneo se apresente como algo novo: hoje tudo está ao alcance de um click, em tempo real, sem o registro da impossibilidade ou da distância geográfica. Num tempo onde a internet das coisas arremessa o jovem numa quantidade infinita de informações e ideias sem a fiscalização full time de um adulto que possa lhe auxiliar na "filtragem e elaboração" desse conteúdo, há uma ruptura na lógica de seguridade, a ideia de se estar " dentro de casa" como garantia de proteção precisa ser repensada por pais e cuidadores com urgência, mais do que presença física é indispensável interesse pela "casa interior" desse jovem.
Como a família ou a escola pode ajudar para diminuir essa atração pelos extremos?
Marcella Brito – Gosto muito da frase que nomeia um livro de um teórico da psicanálise chamado Winnicott: "Tudo começa em casa", pois de fato a família (enquanto ambiente, lugar de cuidado) é o primeiro laço social instituído da criança, é através da parentalidade que os primeiros vínculos afetivos se inscrevem e o mundo exterior lhe é apresentado, um segundo núcleo crucial é a escola, essa parceria precisa perdurar por toda a fase de desenvolvimento emocional desse jovem, ou seja, um ambiente facilitador, que acolhe e observa a subjetividade e potencialidade desse indivíduo tende a promover uma construção de um ser mais equilibrado em suas relações interpessoais, seguro, empático e com senso de coletividade. É salutar que haja um diálogo, uma parceria entre pais e a escola, inclusive no período de adolescência, pois a tendência é que essa articulação diminua ou se perca com o passar dos anos, talvez aí esteja o erro. Embora seja interessante oportunizar uma certa autonomia a este adolescente para que consiga localizar seu lugar no mundo, é preciso considerar que esse ainda está em processo de desenvolvimento, a independência precisa ser relativa; os pais (independente do registro biológico ou de gênero) necessitam assumir seu lugar de orientadores, terceirizar a função de cuidado socioafetivo à escola pode significar a ruptura de um vínculo importante para esse jovem, que precisa de referências para se sentir seguro diante das instabilidades internas e do meio. É importante pontuar que quando falamos em "pais" não estamos dentro de um discurso familista que restringe esse lugar ao significante homem/ mulher, biológico ou não, mas sim a uma função que pode ser exercida por qualquer pessoa que se disponha a cuidar, orientar e que adote essa filiação simbólica.
Brenda Vanessa Pereira Soares – A família E A escola tem o dever de desde muito cedo desenvolver nessa criança e/ou adolescente, independente de ideologia a qual acredita, o respeito às diferenças, o combate às opressões e fortalecimento da autoestima. Combate ao machismo, ao racismo, à intolerância religiosa, o respeito à diversidade sexual e o combate ao bullying devem ser pautas fundamentais nesses espaços de socialização. Eu, por exemplo, tenho um filho de 1 ano e 7 meses, e sempre faço um momento de leitura durante o dia, mesmo que a rotina seja apertada. Nessas leituras eu seleciono livros que versam sobre as temáticas que mencionei acima. Tento também reduzir ao máximo o uso de telas, ocupando-o com brincadeiras e áreas livres fundamentais ao pleno desenvolvimento.
Como a escola ou a família podem evitar esse caminho?
Marcella Brito – Me parece essencial a atenção, o diálogo, o interesse nesse jovem e um trabalho constante de conscientização acerca da importância da respeito a diversidade. Outro caminho importante é a facilitação e promoção de um espaço de fala e escuta sem julgamentos no ambiente escolar, um trabalho psicoeducativo no sentido de acolher as narrativas e auxiliar o trabalho de nomeação dos afetos desse jovem.
Brenda Vanessa Pereira Soares – Complementando a questão anterior nas escolas essas temáticas ( de combate às opressões) devem ser centrais nos currículos e nos projetos pedagógicos. Devem ser desenvolvidos projetos e atividades diversas a respeito, além de formação com professores e demais funcionários das escolas, bem como com os pais, no intuito de que sejam multiplicadores de tais ensinamentos.
Quais seriam os principais sinais de alerta?
Brenda Vanessa Pereira Soares – É muito difícil identificar sinais de alerta, principalmente porque muitos pais estão na correria do dia a dia e ainda tem a questão das subjetividades…mas veja bem: introspecção, comportamento violento, abuso de telas, posicionamentos intolerantes e preconceituosos podem ser um alerta para os pais procurarem ajuda!
Marcella Brito – Os principais sinais de alerta são as mudanças comportamentais e de interação em casa ou no ambiente escolar, por isso essa aliança entre os pais e a escola é primordial. É fundamental ter atenção ao excesso de reclusão, maior irritabilidade, mudanças na forma de se vestir e na rotina, além dos materiais que este jovem consome. A busca por apoio profissional também é super interessante nesses casos, não somente direcionado ao jovem em questão, mas também aos cuidadores para que possam atravessar esse momento de modo mais assertivo, uma vez que esse período pode suscitar muitas questões internas desses pais pois está fase os convoca a se haver com sua própria história familiar e adolescência.

E quando as mães decidem que vão ocupar cargos de poder, ter carreira acadêmica e vida social? Quais desafios e problemas a estrutura social e política trazem com essas “decisões”? Elas precisam ser tão individuais e de “foro íntimo”? O Conversas de Mãe acredita que esse é um debate público que precisa ser pautado a todo momento para que boas mudanças nas maternidades do cenário brasileiro ocorram.
A mãe e professora que participa deste “Conversas de Mãe” é a Doutora Sônia Maria de Magalhães, que quando eu pedi que se apresentasse para esse bate-papo disse: “mineira, mãe do Rafael e do Tiago, casada com o Robson, que também é professor. Uma das minhas atividades favoritas é fazer quitandas. Os meus amigos são muito bem tratados… rs”. Eu atesto que tanto as quitandas são luxuosamente deliciosas, quanto a amizade dessa professora traz um sabor especial à vida.
Além de tudo isso, ela é Doutora em História, professora da UFG-Campus Goiânia e atual coordenadora do ProfHistória, Mestrado Profissional em História da UFG, recém criado e já renomado nacionalmente; pesquisadora de História das Saúdes e Doenças e da Alimentação no Brasil e integrante do GT Mulheres Cientistas e Maternidades Plurais da FH/UFG/CNPq, dentre tantas outras funções e qualificações. Ou seja, uma profissional extremamente gabaritada e competente, que têm uma ampla experiência no mundo acadêmico. E mesmo assim, seu relato se parece com o de tantas mulheres: cansaço, sobrecarga e, principalmente, um acúmulo de funções privadas e públicas.
Lembrando que aqui é um espaço para mães conversarem, e para quem não é mãe também. Afinal, o mundo é povoado de crianças e TODAS AS VOZES importam! Venha conosco nesse bate-papo que vai invadir 2023 e trazer muitos debates sobre maternidades, emoções, carreira, justiça social e afetos. Vamos conversar? Manda um e-mail para [email protected] e venha construir esse espaço conosco!
Quero começar afirmando que é uma alegria e uma honra receber uma colega de profissão e uma amiga tão dedicada e competente. Seja bem-vinda e fique à vontade. Fale para as pessoas um pouco sobre como você começou sua trajetória acadêmica e como você se tornou professora da UFG?
Ana, obrigada pelo convite e estou imensamente feliz em participar deste projeto, com uma mulher super influente como você e que congrega espaços e visibilidade para outras mulheres. A dedicação e competência vamos construindo diariamente, com muito trabalho e sempre pensando nos (as) discentes, que nos têm como referência. Encaro a docência com muita responsabilidade social. E esta consciência começou a se fortalecer desde o momento em que resolvi ser professora de História.
Como me tornei professora? Em primeiro lugar tive influência da minha mãe, Lourdes. Entre os vários ofícios que exerceu na sua juventude, foi professora do ensino primário. Ela lecionou até às vésperas do seu casamento, quando passou a se dedicar integralmente à família, ao marido e à educação dos seus dez filhos. Desde criança ouvia suas histórias, saudosas, do tanto que era feliz em alfabetizar crianças.
Além da influência da minha mãe, eu sempre respirei história, nasci dentro de um cartão postal. A minha família materna e paterna é oriunda de Catas Altas, uma linda cidade setecentista mineira. Os casarios, a mentalidade tradicional barroca das pessoas da comunidade, os costumes, as festas religiosas, tudo isto influenciou a minha trajetória e as escolhas ao longo da vida.
Quando mudei, junto com a minha família para a cidade de Mariana, às véspera de Natal de 1983, tudo ficou mais claro. Eu adorei a cidade, o céu, o casario colonial e o anfiteatro de montanhas emoldurando tudo. E através de um curso de extensão, conheci o Instituto de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal de Ouro Preto (ICHS/UFOP). A cidade, o lugar…Estava tudo certo, tudo confirmado.
Em 1990 tentei o vestibular da UFOP, fui aprovada e ingressei no curso de licenciatura em História. Esta instituição é conhecida nacionalmente por formar exímios historiadores. Tive os melhores professores. Confesso que no início do curso fiquei um pouco frustrada com a enorme carga teórica. Mas no terceiro período, na disciplina Brasil Colônia, tive certeza da minha escolha profissional. A partir daí, mesmo trabalhando em um comércio da cidade, durante todo o dia e fazendo o curso a noite, passei a me dedicar bastante aos estudos.
Mariana é um paraíso para os historiadores e possui vários arquivos históricos. E dentro do ICHS/UFOP, onde estudava, há o Arquivo da Câmara Municipal da Câmara de Mariana. As aulas acontecem no arquivo. Que privilégio!
Quando larguei o trabalho para me dedicar inteiramente aos estudos, passei a ter um orientador e consegui uma bolsa de iniciação científica do CNPQ. Foi a partir daí que comecei a desenvolver estudos na área da história da alimentação no Brasil. Temática que nunca abandonei. Após à conclusão da graduação em 1994, continuei a fazer pesquisa na UFOP. Em 1996 prestei o processo seletivo do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual Paulista (UNESP-Campus de Franca-SP). Fui aprovada, com bolsa Capes. Em 1998, conclui o mestrado com a dissertação a “Mesa de Mariana: produção e consumo de alimentos em Minas Gerais (1750-1850). Esta pesquisa é um divisor de águas na minha carreira e vida. É a partir daí que passei a ser reconhecida como historiadora da alimentação.
Em 1999, mudei para Goiânia e tive a primeira experiência docente no curso superior. O início da profissão é sempre muito difícil, carregava a sensação de não saber nada e não ter o que ensinar aos meus alunos. Em 2001, após a uma breve experiência na docência em alguns cursos superiores de Goiás, retornei ao estado de São Paulo para cursar doutorado. Sou da primeira turma de doutorado da UNESP, campus de Franca. Nesta instituição desenvolvi e defendi, de 2001 a 2004, com bolsa Capes, a tese intitulada “Alimentação, saúde e doenças em Goiás no século XIX”. Em 2005, retornei a Goiânia, grávida do Rafael, aos 36 anos.
As suas gravidezes tiveram impacto em sua produção acadêmica? Quais são os desafios de ser coordenadora de um programa de pós-graduação em História bem conceituado como o ProfHistória, ser mãe, esposa e mulher?
Tive três gravidezes, amei todas elas! Hoje tenho o Rafael e o Tiago comigo, e a minha menina, a Sofia, que é meu anjo. Quando retornei a Goiânia, gravidíssima, não consegui trabalho. Em 2006, porém, quando o meu Rafael estava com 8 meses, consegui uma bolsa de estágio pós-doutoral/PRODOC/CAPES que visa a complementação da formação de recém-doutores e a aquisição, por esses profissionais, de prática acadêmica junto a equipes docentes de programas de pós-graduação. Foi bem difícil retomar as atividades acadêmicas, mas a minha felicidade era maior que os desafios que se impunham naquele momento. A mudança da rotina, conseguir uma creche para o meu menino que ainda amamentava, foi bem difícil. Tentei uma vaga para ele na creche da UFG, mas não consegui. Coloquei-o em um berçário no Setor Sul. Por ter dedicado somente ao meu pequeno Rafael desde que nasceu, tínhamos uma ligação muito forte. Por isso, tivemos um processo doloroso de adaptação no berçário. Mas conseguimos!
A experiência no PRODOC foi maravilhosa! Trabalhei muito, publiquei muito. E o meu currículo teve um crescimento expressivo. Tudo isto teve um custo: noites em claro, escrevendo e preparando aulas. Entre mamadas, trocas de fraldas, os cuidados com o bebê e a casa, a carreira foi sendo construída e conduzida.
Em 2008 ingressei efetivamente na UFG. Ao final da semana de concurso fiquei sabendo que estava grávida da minha menina. Entre as náuseas da gravidez, sono e cansaço, assumi também a coordenação de Estágio do departamento de História. Lecionei, coordenei, escrevi pouco. Ao final da gestação, em dezembro desse mesmo ano, perdi a minha filha, ainda no meu ventre. O luto chegou me devastando, massacrando de tristeza. Em março de 2009, retornei as atividades na instituição. Não lembro muito bem da minha vida acadêmica nesta época, a minha dor era maior que tudo.
Em 2010 engravidei novamente, o Tiago, meu “bebê arco-íris”, meu bebê folião, nasceu no dia 7 de março de 2011 em plena segunda-feira de carnaval. Após seis meses de licença maternidade, retomei as minhas atividades na graduação e pós-graduação. Novamente me vi às voltas com a busca de uma vaga na creche na UFG. E tal qual como na primeira gravidez, não consegui. O jeito foi matriculá-lo em um berçário, recém inaugurado, em um setor próximo ao meu.
Eu ficava na universidade o dia inteiro, o leite acudia e molhava a minha roupa. Teve dias que três camisetas não foram suficientes. Lembro do primeiro dia que aconteceu em sala de aula, tanto os alunos como as alunas ficaram muito comovidos. Pedi licença, fui ao banheiro, troquei a blusa, e voltei para a sala de aula.
Lembro também de nos intervalos das aulas ir ao banheiro para tentar esvaziar o peito de alguma maneira. Só a mãe sabe o que é um peito empedrado e dolorido. Se tivesse conseguido vaga na creche para o meu filho, podia tê-lo amamentado nos intervalos das aulas. As mães - professoras, técnicas, estudantes - precisam ser mais bem acolhidas pela universidade e não transformar a fase mais maravilhosa na vida de uma mulher em um momento difícil e doloroso. Temos que combater certo silenciamento materno sobre as dificuldades em torno da maternidade e da criação dos filhos. Essas questões, que envolvem as dores e as delícias da maternidade, não são bem acolhidas na academia. A pesquisadora-mãe é percebida por alguns colegas, como descompromissada, pouco produtiva e que usa o tempo útil com as demandas dos filhos.
Algumas pesquisas recentes suas percebem que há diferenças de produção e tratamento na Academia entre mulheres que são mães e homens que são pais. Você pode falar um pouco dessas diferenças e de como afetam a carreira das mulheres universitárias?
Caminhar, concomitantemente, pelos caminhos da maternidade e da ciência é muito difícil, uma vez que a vida da mulher cientista requer dedicação, disciplina, estudo. A produtividade é um dos alicerces presentes na academia, auferida pelo número de publicações, projetos, orientações, disciplinas. Esta produção é avaliada para a (docente) progredir na carreira, concorrer a editais de fomento a pesquisa, orientar pesquisas, etc. Contudo, quando a cientista se torna mãe, ela reduz o tempo dedicado à pesquisa por conta do cuidado com os filhos. Aí vem a culpa, por não conseguir conciliar os dois papéis.
As cobranças sociais tem como efeitos o estresse, depressão e ansiedade. Esta situação se agravou com a epidemia de Covid-19 em 2020. Foi nessa época que eu, conjuntamente com a professora Ana Carolina, logo que ingressei no GT Mulheres Cientistas e Maternidades Plurais da UFG, iniciei uma investigação inédita sobre os impactos da pandemia na vida da comunidade universitária da UFG – sejam elas docentes, funcionárias administrativas ou estudantes – para subsidiar ações que possam discutir academicamente e promover debates sobre a equidade de gênero. O isolamento social no ambiente do lar evidenciou problemas comuns do âmbito doméstico, onde a mulher enfrenta a maior carga de trabalho não remunerado de cuidado e tarefas de gestão da casa.
Além de responsáveis principais por trabalho doméstico e de cuidado com as pessoas na casa no geral, existe ainda a carga mental do trabalho emocional, pois as mulheres são as responsáveis, na maioria das vezes, pelo planejamento e gerenciamento da casa, de toda alimentação e do cotidiano de vida. Nota-se que a maioria das mulheres ainda não conseguiu dividir com parceiros ou familiares essa responsabilidade, que não é somente sua. Acrescentamos ainda, naquela conjuntura, a alarmante constatação de que a pandemia reduziu a produção de trabalhos acadêmicos assinados por mulheres cientistas, pois a parte do dia dedicada ao trabalho intelectual só se torna possível após a jornada interminável do trabalho doméstico e atenção familiar. A cobrança pela produção científica, porém, continuava a mesma da época anterior à pandemia, na qual vigoravam condições mais favoráveis de existência e de execução das atividades acadêmicas.
Estudos do grupo Parent in Science da Universidade Federal do Rio Grande do Sul evidenciaram que mulheres negras, com e sem filhos, e brancas com filhos foram as mais impactadas no trabalho remoto, e também foram as que menos conseguiram submeter seus artigos científicos para publicação. De acordo com Soletti, “enquanto somente 50% das mulheres conseguiram fazer isso, para os homens esse índice foi de 70%”, aponta. “A idade dos filhos também é um fator muito importante: somente 28,8% das pesquisadoras que são mães têm conseguido fazer isso, enquanto entre os homens com filhos da mesma idade, esse índice é de 52,4%”. E ainda hoje, as mães e negras são as mais atingidas pelos efeitos da pandemia.
Quais os desafios de ser coordenadora de um programa de pós-graduação em História bem conceituado como o ProfHistória, ser mãe, esposa e mulher?
Toda a atividade de gestão exercida por uma mulher é desafiadora, trabalhosa, mas também muito gratificante, sobretudo, quando temos um projeto que defendemos e acreditamos, como o do Mestrado Profissional em Ensino de História. Trata-se de um projeto em rede que tem como objetivo proporcionar formação continuada, que contribua para a melhoria da qualidade do exercício da docência em História na Educação Básica. Atualmente 39 instituições associadas estão integradas à rede coordenada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. O ProfHistória é um curso com oferta nacional, conduzindo ao título de Mestre em Ensino de História. E a Universidade Federal de Goiás passou a integrar a rede em 2019. Desde esta época, estou diretamente envolvida na coordenação do curso.
O nosso programa é o mais concorrido do país! A cada ano tem ingressado em torno de 20 professores da educação básica. Faço questão de realizar a matrícula dos novos alunos presencialmente. É uma forma de conhecer melhor o nosso público e passar informações cruciais para a sua permanência no programa. A perspectiva de alçar a pós-graduação na UFG, conseguir o diploma de mestre, conseguir progressão na carreira, torna este momento muito emocionante para os alunos. O dia da matrícula costuma ser emocionante para os alunos e as alunas. Alguns (algumas) não conseguem conter as lágrimas. Em cada defesa de dissertação nasce um (a) mestre (a) altamente qualificado (a). É um momento muito especial e gratificante.
É difícil conciliar a coordenação do programa e ser mãe, esposa e mulher. Alguém sempre tem que aguardar a vez de ter atenção. Neste exato momento, estou às voltas com a redação de um relatório urgente que devo enviar a Universidade Federal do Rio de Janeiro. E já é a terceira vez que o meu filho mais novo chega até mim e me pergunta se vou leva-lo ao cinema para assistir “O Gato de Botas”. Já fiz sinal com a mão direita erguida, três vezes, para ele aguardar. Sim, nós vamos!
E é assim que as coisas estão acontecendo desde que assumi a coordenação do programa, vou definindo as demandas mais urgentes. Daqui a pouco vou fechar o computador e me aprontar para levar os meninos ao cinema. Gosto de fazer atividades com eles, sempre me divirto muito. Mas sempre vai ter alguém ou uma demanda, aguardando a sua vez na fila.
A minha família é prioridade, sempre foi e continua sendo. Adoro fazer festinhas na minha casa para receber os amigos queridos. Fazer quitandas, tomar um vinho no final de semana. E tenho uma certeza que norteia a minha vida, desde que ingressei na academia. A minha vida acontece fora da universidade!
Com relação às discentes mães, quais limitações elas enfrentam em relação aos homens pais discentes?
Até o momento orientei quatro discentes que engravidaram e tornaram-se mães durante os cursos de mestrado e doutorado. Como devem ter observado, eu adoro bebês! Recebo com muita felicidade a notícia de chegadas de novas vidas. Mas notei por parte das minhas orientandas, todas as vezes que me comunicaram suas gravidezes, muito nervosismo e ansiedade. O maior temor delas era a possibilidade de eu deixar de orientá-las, mas eu nunca faria isto. Contudo, a perspectiva do desligamento do programa é o ápice do medo. Durante a minha entrevista do doutorado, experienciei algo parecido. Uma das professoras me perguntou se eu pretendia engravidar durante o doutorado. Sim, de mulher para mulher. Acreditem!
Mas em geral, as minhas orientandas defendem de forma brilhante seus trabalhos. O que tem de ficar bem claro é que a maternidade não é um fardo. É de extrema urgência que as universidades acolham as mulheres, para que tenham condições plenas de exercer a maternidade e a pesquisa científica. Várias universidades estão criando políticas para conceder suportes para as alunas, docentes e cientistas que se tornam mães. Alguns editais de financiamento consideram a licença-maternidade na análise dos currículos. Mas inciativas desse porte ainda são incipientes no Brasil. Temos muito a avançar.
Em relação a pais discentes, estou tendo a minha primeira experiência. Em janeiro passado, um orientando me informou, um pouco reticente, que será pai novamente. Dei-lhe os parabéns com muita alegria. Mas percebi um certo encabulamento por parte dele. Acho que ele estava esperando, da minha parte, alguma advertência quanto ao encaminhamento do curso. Só sugeri a ele o agendamento da sua banca de qualificação o mais breve possível, assim ele poderá estar do lado da esposa na hora do parto e dividir as reponsabilidades dos cuidados com a recém-nascida e a primogênita. O que deve ficar claro é que cuidar de filhos não é tarefa só de mãe. Precisa se discutir a importância das licenças, tanto para as mães quanto para os pais.
Quero te agradecer MUITO por conceder sua disponibilidade e contribuição ao debate para o Jornal Opção e à coluna "Conversas de Mãe". E a pergunta final é sua: o que você gostaria de falar que eu não abordei?
Ana, me sinto integralmente contemplada na sua abordagem. Gostaria mesmo é de manifestar o meu agradecimento aos meus pais, Lourdes e José Domingos. Meus pais são integralmente responsáveis pela pessoa que sou hoje. Sei muito bem que construí a minha verdade em bases muito sólidas: sou filha de um operário braçal de uma companhia de extração de minério de ferro em Minas Gerais, e de uma mulher professora, enfermeira. De onde vim, poucos sobressaíram. A vida não é um mar de rosas, a qualquer momento ela nos desafia, nos dá uma rasteira e nos confronta com a nossa verdade. Por isso honro as minhas origens, honro a minha família. Gratidão!

Doutoranda em História pela UFG relata sua maternidade longe da romantização e como tem sido conciliar o puerpério com a vida acadêmica
Professora, doutora e pesquisadora, Kênia é mulher sensacional com visão científica e experiência pessoal com os “pés no chão”