Mães enfrentam uma crescente sobrecarga de responsabilidades domésticas, como revelado pelo Relatório Anual do Status da Maternidade de 2023. O estudo aponta que as mães enfrentam preocupações financeiras mais acentuadas e estão mais dispostas a cortar seus gastos pessoais para equilibrar as despesas familiares. Os efeitos diretos dessa situação incluem negligência em relação ao autocuidado devido à crescente ocupação, levando a um notável declínio na saúde mental. De acordo com o relatório, este ano, 58% das mães assumem a principal responsabilidade na gestão do lar e na criação dos filhos, representando um aumento de 2% em relação a 2022. A maioria delas (62%) relata ter menos de uma hora para si mesmas todos os dias.

Na internet, têm surgido páginas, blogs e fóruns que abordam essas questões relacionadas à maternidade, formando uma verdadeira “rede de apoio” virtual para as mães nos dias de hoje. É por isso que a coluna “Conversas de Mãe” apresenta hoje uma entrevista com Viviane Pereira, uma psicóloga social com mestrado em Ciências Humanas e Sociais pela UFABC. Ela também é especialista em sócio-psicologia pela FESP e Psicologia Social pelo CFP. Viviane coordena um Centro de Referência de Assistência Social e é a criadora e administradora do perfil “Maternidades Afetadas” no Instagram.

O “Maternidades Afetadas” desempenha um papel crucial na disseminação de ideias científicas e no fomento de debates sobre a necessidade de oferecer apoio emocional às mães. Além disso, é um espaço valioso para a troca de experiências e para manter o público atualizado sobre diversas questões relacionadas à maternidade. Convido você a embarcar nessa conversa atual e qualificada sobre a importância da manutenção da saúde mental das mães através dos cuidados e apoio através das redes de apoio e do suporte de bons profissionais. As maternidades são sempre afetadas e saber como lidar com as situações é um excelente caminho para igualdade social, concordam? Como eu sempre digo: “Vamos conversar?”

Ana Carolina Coelho – Primeiramente me fala um pouco de você. Quem é a Viviane e porque você se interessou em pesquisar as questões da maternidade?

Olá, obrigada pela oportunidade, costumo dizer que depois de me tornar mãe, só penso nas experiências maternas. Sou Viviane, psicóloga há 18 anos, aos 32 anos tive minha primeira filha, hoje com 9 anos e aos 33, tive um bebê que nasceu prematuro e faleceu com 14 dias. Vivenciar a maternidade, me fez refletir sobre as potencialidades e desafios dessa função, sobre as implicações sociais e culturais. Fiz uma pesquisa de mestrado sobre maternidades e sexualidades de mulheres que são mães e estão solteiras, porque vejo o quanto é difícil para as mães, vivenciar suas sexualidades e quantos preconceitos enfrentam, como se só tivessem que cuidar das crianças e apagar seu ser mulher.

Ana Carolina Coelho – Como psicóloga social, conte um pouco para nós sobre a ideia de instinto materno e como essa noção construiu um consenso de que “todas as mulheres querem ser mães”?

A ideia de que existe um instinto materno é um fator que aprisiona mulheres. Assim como diz Badinter (1985) em seu livro “um amor conquistado: o mito do amor materno”, toda relação humana é construída, não é dada logo de início, e assim acontece entre mãe e bebê. Dizer que toda mulher tem um instinto materno, desconsidera escolhas e possibilidades. Traz sofrimento para a mulher que se torna mãe, porque ela pode acreditar que deve saber “tudo”, quando ela também está aprendendo junto ao seu bebê. Além de gerar cobranças sociais para aquelas que não desejam ser mães. Acredito que desmitificar essa ideia, contribui com a saúde mental das mulheres e torna possível, relações mais leves, menos idealizadas e mais afetivas. O amor materno existe, mas é um processo, assim como as demais relações.

Ana Carolina Coelho – Hoje em dia se fala muito da sobrecarga materna. Como a sobrecarga dos cuidados impacta psicologicamente as mulheres e o que se pode fazer para melhorar esse cenário.

Eu gosto muito das pesquisas de Zanello (2018) em que ela diz sobre o dispositivo materno, em que mulheres são subjetivadas como cuidadoras inatas atrelando a capacidade de procriar com o aprendizado de cuidar. Pessoas são capazes de aprender a cuidar, independente do sexo/gênero. Quando se coloca essa condição social de que só mulher sabe cuidar, isso adoece as mulheres e prejudica as crianças. A maioria das mães brasileiras tem duplas, triplas jornadas, trabalhando fora de casa, em casa e sendo as maiores responsáveis pela criação e educação dos filhos/as. E quando analisamos por uma perspectiva intersecional, raça, classe e gênero vamos perceber que mulheres pretas e pobres têm mais desvantagens ainda. Isso tudo esgota física e emocionalmente. Por isso, me empenho em suscitar essas discussões, mulheres estão cansadas de serem guerreiras, queremos divisão de cuidados, principalmente com os genitores/pais, as crianças também precisam de outras referências, mães são humanas e não máquinas de cuidar.

Ana Carolina Coelho – Como administradora de um dos igs mais relevantes no Instagram sobre maternidades, o que você pode me falar da importância das Redes de apoio para mães?

Eu criei essa página para dividir minhas ideias, afetos e apoiar mulheres que são mães. Como rede de apoio também, eu gosto do ditado africano que diz “é preciso uma aldeia para criar uma criança”, então precisamos apoiar as mães e as crianças, menos dedos apontados e mais mãos estendidas. Vejo que se cada crítica for convertida em apoio, teremos uma sociedade melhor para todas e todos. Alguns exemplos: ao saber que uma amiga teve bebê, ofereça ajuda. Convide mães para passeios com espaços para crianças, mande mensagens, liguem, enfim considerem que ela continua existindo como pessoa para além da maternidade.

Ana Carolina Coelho – Ainda existem muitos preconceitos com relação ao tratamento psicoterapêutico em nossa sociedade. Quais a relevância em desmitificar esses aspectos para as mães?

Acredito que conversas como essa aqui já é uma contribuição. Quando a mãe diz sobre seus sofrimentos, isso não quer dizer que não ame sua criança, diz de sua humanidade, de seu cansaço, dúvidas, afetos, escuta qualificada, sem julgamentos é possibilidade de amenizar essas dores.
Procurar psicoterapia pode ser uma alternativa de auto cuidado e por consequência, de seu vínculo com o bebê e com as pessoas que a cercam.
Acredito que o pré-natal psicológico deveria ser acessível a todas, assim como o pré-natal que cuida do corpo da gestante. São tantas questões que eu poderia falar por semanas (rs). Rede de apoio também precisa ser construída. Vamos cuidar de quem cuida.

Ana Carolina Coelho – E agora a pergunta que na verdade é sua: o que você gostaria de falar que eu não abordei?

Obrigada pelo o espaço de fala e quero deixar um grande abraço a todas as mães. Desejo que tenho desejos, para além do maternar, assim também possibilitamos que as crianças cresçam e sejam livres para fazerem suas escolhas. Cuidem de sua saúde mental, procurem ajuda, não vistam essa imagem de mãe ideal, porque não existe perfeição, sejamos mães possíveis, porque fazer o que é possível, já é bastante coisa. Impor limites, ensina sobre limites, desejar ensina a desejar. As crianças querem mães felizes e não mães esgotadas e para isso, temos que continuar lutando por uma sociedade menos desigual e mais justa.