Livro motivacional e autobiográfico de maior biólogo vivo é imprescindível para jovens cientistas

16 setembro 2017 às 11h14

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“Carta a um Jovem Cientista”, de Edward Wilson, é essencial para pessoas que queiram se dedicar à ciência, seja na Academia, nos Institutos de Pesquisa, ou nas indústrias

Nilson Jaime
Especial para o Jornal Opção
Os livros do norte-americano Edward Osborn Wilson (1929), considerado o maior biólogo vivo, professor da Universidade de Harvard e duas vezes ganhador do Prêmio Pulitzer de não-ficção (1971; 1999), tornaram-se best-sellers, traduzidos para diversas línguas. Laureado com a Medalha Nacional de Ciências (1979) e com treze outros prêmios de relevância internacional, Wilson foi considerado pela revista “Time” uma das 25 pessoas mais influentes da América (1995). Foi responsável por popularizar o termo Biodiversidade entre o público e é autor de uma das maiores controvérsias científicas do Século XX, expresso em seu livro “Sociobiology: The New Synthesis”, de 1975: a teoria de que o comportamento animal (extensivamente aos humanos) pode ser compreendido utilizando-se uma abordagem evolutiva.
Às quase três dezenas de livros publicados, segue-se “Cartas a um jovem cientista” (Companhia das Letras, 2013, 202 páginas, tradução de Rogério Galindo), de cunho autobiográfico, com objetivo claramente definido: instruir jovens em início da carreira científica sobre as possibilidades de sua vocação. Embora muitas das experiências tenham sido relatadas em seu livro “Naturalista” (Nova Fronteira, 1994, 368 páginas), Wilson enfatiza neste livro suas motivações pessoais para algumas das pesquisas que realizou pela vida, os percalços, dúvidas, resistências, sucessos e fracassos. Sim, Wilson ensina que uma das virtudes do cientista é ter humildade para perceber os supostos fiascos e perseverança para entende-los como oportunidades de outras tentativas, ou consecução novas pesquisas, melhor concebidas.
Usando a mesma metodologia de seu livro “A Criação: como salvar a vida na Terra” (Companhia das Letras, 2008, 192 páginas), em que utiliza “cartas a um pastor evangélico” para conclamar a união de Ciência e Religião – a fim de impedir a destruição do planeta – neste livro E. O. Wilson lança mão de 21 “cartas” para instar um jovem cientista a seguir o bom caminho “na busca da verdade científica”.
No prólogo apresenta-se como cientista – como faria um professor à sua turma em primeiro dia de aula – e passa a mostrar a perspectiva de milhões de possibilidades que a Ciência pode proporcionar a um neófito, em incontáveis áreas do conhecimento. A divisão do livro, em si, já é uma mostra do método científico, pois é feito numa sequência lógica, em cinco partes. Na primeira delas – “Caminho a seguir” – fala da importância da paixão pelo que se faz, antes mesmo que os estudos: “A decisão e o trabalho duro baseados em uma paixão duradoura nunca vão decepcionar você”. Não lhe escapa nesta primeira parte discorrer sobre uma disciplina que “é tanto uma ferramenta fundamental quanto uma potencial barreira para sua carreira: a matemática, o grande pesadelo de muitos que desejam se tornar cientistas”. O autor afiança que mais importante que sólidos conhecimentos em matemática (ou estatística), são as motivações e talento para fazer as perguntas certas. Estabelece cinco princípios para nortear a carreira de um cientista, sendo o primeiro deles sobre a matemática: “É bem mais fácil que cientistas obtenham a colaboração necessária de matemáticos e estatísticos do que esses encontrarem cientistas capazes de fazer uso de suas equações”.

Na parte 2 do livro, o autor discorre sobre “O processo criativo”, começando por conceituar o que é ciência. Não lhe escapa esclarecer confusões comuns sobre os termos “fato”, “hipótese” e “teoria”. Mostra que o processo criativo, às vezes, prescinde de processos mentais, quase uma fantasia. Cita como exemplo o ficcional “Parque dos Dinossauros” (livro e filme), de Michael Crichton, em que os genes responsáveis pela recriação desses animais foram retirados do sangue de mosquitos que lhes picaram, e que foram preservados no âmbar. Segundo Wilson, isso poderia funcionar, em princípio, embora tudo fique “no limite da impossibilidade”. Mas um cientista, para iniciar uma pesquisa, precisa dessas imagens, “quase um delírio”, para dar marcha ao processo criativo, ensina o professor.
O autor fala das ferramentas necessárias para se fazer ciência, muitas vezes passíveis de criatividade e improvisação; noutras, de auxílio em recursos materiais e humanos remotos, e, ou, onerosos. Aconselha os jovens cientistas, ou estudantes de mestrado ou doutorado, a “cutucar a natureza”, e observar as reações decorrentes. Grande parte das experiências de Edward Wilson, advêm de sua área de conhecimento, obviamente – a taxonomia, a filogenética, a biodiversidade e a biogeografia – porém o autor se esforça por extrapolar seus exemplos para outras áreas da ciência, como a química, a biofísica e até a astronomia.
Wilson diz que a paixão e a ambição honesta podem ser proativas e necessárias ao sucesso do cientista. Acha útil estabelecer arquétipos, a fim de motivar a carreira científica: a) “a busca por regiões inexploradas ou desconhecidas”, seja no fundo do mar, no espaço sideral, no alto de uma montanha, em uma floresta, no interior de um tronco, nas entranhas de uma célula, ou de um animal, nas fendas de rochas tectônicas, dentre os incontáveis ecossistemas passíveis de estudo e novas descobertas; b) “a busca pelo graal”, transliterado por algo incomum, como “a descoberta de uma nova enzima ou hormônio”; a decifração do código genético; ou a descoberta de buracos negros e multiuniversos; c) “a luta do bem contra o mal”, onde o cientista encarna o herói, o mocinho, o bom anjo, o bom mago, o campeão que vence ao final, na luta contra o câncer, na vitória sobre a fome, no domínio de novas fontes de energia ou na vitória sobre o aquecimento global. Para E. O. Wilson, esses arquétipos são valiosos para o bom termo da missão do cientista.
Voltando-se para seu campo de estudo, o autor mostra aos jovens cientistas o quanto há por se fazer em todas as áreas da ciência, inclusive na Taxonomia. Citando dados de 2009, Wilson acrescenta que foram catalogados pela ciência 1,9 milhões de espécies na Terra, incluindo animais, plantas e fungos, sendo estimado cerca de 10 milhões de espécies existentes. Se computadas as bactérias e arqueias, esse número bem pode passar de 100 milhões. Portanto, apenas 2% dos seres vivos estariam nominados pela ciência, e um número infinitamente menor com biologia conhecida. Há muito por se fazer nessa área, portanto.
Wilson encerra suas cartas falando da ética científica, com dicas de comportamento que devem nortear os jovens cientistas na busca da verdade. Não olvida que há rivalidade e inveja no meio científico e uma vaidade legítima, que é a única gratificação do cientista. Assim, defende o eminente entomologista, que dar crédito a quem de direito é “o ouro e a prata da ciência”, sendo um imperativo moral dos cientistas ser rigoroso ao ler e citar informações obtidas. Por fim, alerta para o perigo da fraude, que nunca será perdoada.
“Carta a um jovem cientista” é um livro referência, capital para pessoas que queiram se dedicar à ciência, seja na Academia, nos Institutos de Pesquisa, ou nas indústrias. Deveria ser leitura obrigatória para alunos de graduação e pós-graduação, nas disciplinas de iniciação à Ciência. Saído da cabeça e da pena de um grande cientista, é um livro motivador, merecendo toda a atenção de professores e seus aprendizes de cientistas.
Nilson Jaime, engenheiro agrônomo, mestre e doutor em agronomia, é colaborador do Jornal Opção.