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“Esse ofício de rabiscar sobre as coisas do tempo exige que prestemos alguma atenção à natureza.” Aristóteles — um dos primeiros a teorizar sobre a poesia —, em sua obra “Arte Poética”, falou do prazer advindo da observação das imagens. Segundo ele, as imagens, ao serem contempladas, proporcionam instrução a quem as repara de modo a permiti-lo discorrer sobre elas.

A frase aspeada no início deste texto é a frase inicial da crônica “Fala, Amendoeira”, do meu conterrâneo de mineirice poeta Carlos Drummond de Andrade, que é um dos meus bardos prediletos. Enquanto ele nasceu em Itabira, eu nasci em Boa União de Itabirinha. São 332 quilômetros de distância entre as duas cidades. Visitei Itabira em 2016. Era uma necessidade dentro da minha “drummonlatria”.

Fui lá para conhecer a cidade natal do poeta e também o Memorial Carlos Drummond de Andrade, inaugurado em 1998, um ano após a morte do poeta. Por trás do projeto arquitetônico, ninguém menos que o renomado arquiteto Oscar Niemeyer. É um belo prédio na encosta do Pico do Amor. Por lá é possível ver toda a cidade, a qual Drummond, no poema “Confidência do Itabirano”, expressa sua lembrança dolorida da sua cidade, dizendo que ela “é apenas uma fotografia na parede”.

Nessa necessidade de se prestar atenção à natureza (Drummond) e assim dela falar com palavras ensinadas por ela mesma (Aristóteles), foi que o poeta pôde abrir a janela de seu apartamento, ver uma amendoeira e ter, digamos assim, um papo metafísico com ela. Um papo profundo. A árvore, que em Goiás é conhecida como sete-copas, chegou a dar um precioso conselho ao poeta: “Quero apenas que te outonize com paciência e doçura. (…) Outoniza-se com dignidade, meu velho”.

Quanto ao pé de seriguela, que não é uma frutífera nativa do Brasil, ele não se dirigiu a mim como ocorreu entre a amendoeira e Drummond. Ela apenas ecoou seu grito de socorro. Percebi seu pedido de ajuda ao observar seu tronco. Em diversas partes dele, havia sinais da retirada de pedaços de sua casca. Num determinado local, o facão (certamente era um) atingiu até o cerne da fruteira. A colheita de casca foi bruta.

Os jatobás têm sido as maiores vítimas dessa ação ignorante, que tem finalidade medicinal, haja vista que a casca, conforme pesquisei no doutor Google, pode ser usada como cicatrizante, para resolver problemas hepáticos, renais, intestinais… No Parque Botafogo, um jatobá já setentão teve de ser sacrificado. Foram cruéis com ele. Retiraram tanto a sua casca que acabaram anelando seu tronco. Isso acontecendo, a árvore vai morrendo de fome aos poucos, pois não ocorre a circulação de seixa bruta e elaborada, que é o material nutritivo que circula nos vasos internos que existem dentro da casca.

Distinguindo-se desses ignorantes, há uma súcia mais ignorante ainda. Essa corja anela árvores não em busca de remédio, mas tão-somente para matá-las por achar que elas geram problemas, como folhas secas nas calçadas, obstrução de fachada de estabelecimentos, entre outros motivos afins. Essa ação dendroclasta é crime ambiental que se enquadra no artigo 49 da Lei nº 9.605/98, que dá xilindró de três meses a um ano. Porém, nunca vi ninguém levar cana por tal crime.

Há também as árvores assassinadas por envenenamento. Em 27 de junho de 2023 joguei palavras ao vento numa crônica aqui publicada, denunciando o envenenamento de um cega-machado na rua 61, no Centro. Realmente naquele ano, foi a sua última florada. Há apenas um pedaço seco de seu tronco na calçada. E ela não estava sob rede elétrica.

Cega-machado na rua 61, Centro, foi assassinada por envenamento; as duas cavidades no tronco indicam por onde o veneno foi injetado | Foto: Sinésio Dioliveira

Sinésio Dioliveira é jornalista, poeta e fotógrafo da natureza