O remorso fez o policial puxar o gatilho

22 junho 2025 às 10h17

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Joame foi o nome que José Américo se deu depois que se separou da mulher. Juntou o Jo de José com o ame de Américo. Esse nome foi sua libertação. A separação lhe fez se sentir mais livre para ser quem realmente era. Estava vivendo agoniado, pois tinha segredos que ele vivia escondendo.
Ele fazia a cabeça de muitos adolescentes do bairro. Isso acontecia mais no final da tarde e umas duas, três vezes por semana ao retornar do trabalho. Quando essa história aconteceu, não era como hoje, em que qualquer esquina se consegue comprar droga fácil. Até pela Internet se pode comprar droga hoje. O barato daquela época era maconha. E o adolescente do bairro que quisesse ficar “ligado” tinha de morrer na mão de Joame. Ele não fumava, nem traficava, mas apenas tinha maconha em sua casa para, digamos assim, deixar a molecada de alto astral e ele saciado sexualmente.
Todo mês uma fatia do seu salário era destinado à compra de uns duzentos gramas de maconha. E logo fazia baseados dela, a maioria deles era grande, o que tinha uma finalidade, que adiante é explicada. Os baseados eram guardados numa lata de leite em pó que era escondida dentro de uma touceira de samambaia numa varanda no fundo da casa. Ficava bem amoitada. A droga era comprada de um policial, cujo final de vida foi bem trágico. Esse policial levava a maconha para Joame. O remorso advindo de sua má conduta acabou lhe tirando a própria vida e a de mais duas pessoas.
Maconha era a moeda de troca de Joame. Era a isca usada para atrair os adolescentes à sua casa, na qual só morava ele. Sua mulher foi embora para a casa de seus pais quando descobriu a homossexualidade do marido. Isso depois de quase cinco anos de relação. Pegou o marido no flagrante com um adolescente na cama deles.
Ela contou o episódio até para os cães da rua, pois queria humilhar o marido para dividir com ele a sua humilhação de ser traída e sobretudo por saber que ele era gay. Isso a fez entender o porquê da ausência de intimidade dele para com ela, que assim resolvia seus desejos sozinha no banheiro. Os dois irmãos delas deram uma surra no cunhado. Levaram todos os móveis da casa. E o ameaçaram de contar o seu segredo sexual no seu trabalho caso ele fosse à delegacia dar parte deles por causa da surra. A casa em que Joame, a mulher e o filho de quatro anos moravam era de aluguel. Joame comprou movéis novamente. E melhores que os que foram levados.
Os jovens sempre apareciam para fazer a cabeça e pagavam a “viagem” com sexo. Na verdade, não acontecia o coito entre Joame e os adolescentes. Seu fetiche era sexo oral, e não gostava de fazer com um jovem só. Era de dois para cima. Chegou a fazer com quatro certa vez. Enquanto eles iam fumando um gigantesco baseado com as calças arriadas, Joame também realizava o seu tabagismo.
No dia em que os quatro adolescentes estavam em sua casa, o policial apareceu por lá para vender um pedaço de maconha que havia tomado de um hippie, que, além de ficar sem a droga, ainda teve de dar o que tinha no bolso, adquirido com a venda de artesanatos. Entre os jovens, estava o filho do policial. O que foi estopim da reação de fúria do pai. Sua fúria o cegou completamente. Ele sabia da finalidade da maconha por parte de Joame, a quem conhecia como José Américo.
Em sua cólera, o principal ingrediente era o peso de consciência. Afinal o filho estava pagando com sexo pela maconha que fora vendida pelo pai, que não falou uma única palavra diante da cena. O diabo apossou-se dele. Houve um alvoroço nos olhares: o filho, desesperado, olhando para o pai, este fitando o filho e o Joame, que não sabia do parentesco dos dois. Joame morreu sem ficar sabendo. Foi o tiro fatal no peito. Ensandecido, o policial também matou o filho e também a si logo depois. O remorso lhe fez puxar o gatilho. O diabo fez a festa naquela noite.
Os três jovens que escaparam do assassinato deram o que tinham nas pernas. O acontecimento acabou saindo nos noticiários. Houve acréscimos de muitos pontos. Noticiou-se que o policial e seu filho foram assassinados por um bandido que vendia drogas no setor, que também fora morto na troca de tiros. Não saiu uma vírgula sobre o que realmente aconteceu. Foi divulgado também que havia duas armas no episódio. A ex-mulher foi à casa de Joame com os irmãos e levou todos os pertences. A lata de leite ninho com os baseados ficou por lá escondida no meio da touceira de samambaia.
*Sinésio Dioliveira é jornalista, poeta e fotógrafo da natureza