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“O Estado superestatista somente atrapalha”

Everaldo Leite cartas1 As empresas geram riqueza, o Estado oferece assistencialismo. Aliás, o dinheiro destinado a este advém também da produção do setor privado. Dinheiro não nasce em árvore, não é cacau. Um país é rico quando possui fatores de produção em eficiente combinação, conseguindo obter a produtividade necessária para gerar emprego, renda e salários melhores. Se há contínua inflação por aumento irresponsável da base monetária, se há grande endividamento por excesso de crédito subsidiado, se o governo é populista e provoca déficits por razão eleitoreira, se as instituições perdem a credibilidade, se a burocracia e o estatismo aumentam, se a carga tributária não para de crescer, tudo isto significa ingerência do Estado sobre a economia real, que não raramente resulta em baixa competitividade, baixo crescimento e falta de interesse em se investir. Governo e economia deveriam se manter o mais distante que pu­dessem, portanto. A economia, no âmbito da concorrência verdadeira, motiva melhor o desenvolvimento e a justa distribuição, sobretudo porque as decisões tomadas pelos agentes (trabalhadores, empresários, acionistas, rentistas, consumidores etc.) têm como parâmetro o comportamento dos preços e a disposição das oportunidades, um conhecimento que o Estado (técnicos, gestores etc.) não possui em sua totalidade por estar dissolvido na sociedade. Ninguém sabe mais sobre os negócios, sobre os mercados, do que aqueles que estão efetivamente envolvidos no processo, desde o pipoqueiro na Praça da Matriz até os gestores de uma gigantesca companhia internacional de produção de aço, desde um desempregado que encontrou uma atividade informal que tem melhorado a sua vida até um grande executivo que resolve abrir seu próprio empreendimento. O Estado superestatista somente atrapalha esta ação natural e espontânea dos indivíduos, quando resolve impor regras excêntricas e forçar artificialmente a distribuição. Isto hoje está óbvio no Brasil, que continua subdesenvolvido tendo todos os fatores de produção que necessita para ser desenvolvido. Todavia, o Estado é importante, a política e as leis são importantes. Estes servem, sim, para definir os limites dos interesses econômicos e impedir um ultraliberalismo (o lado oposto do superestatismo). A assistência social, devidamente restringida e em conformidade com programas bem formulados de redirecionamento do cidadão à vida ativa econômica, impede que o infortúnio de alguns se torne um tipo de “destino dos fracassados e oprimidos”. Ademais, o Estado precisa continuar a construir ordens jurídicas para que haja transparência nas relações sociais e econômicas, e a desconstruir leis obsoletas que suscitam discriminações, para que haja igualdade na dignidade humana - evitando políticas desnecessárias de cotas. A economia não pode ser escrava da democracia, como questiona o economista Rodrigo Constan­tino, mas deve continuar sob o olhar crítico do conjunto da sociedade no objetivo de impedir que os mercados ou alguns indivíduos (lobos e afins) se tornem um mal para o desenvolvimento ético e político das pessoas, mas de incentivar que se torne um bem para o desenvolvimento material dos cidadãos. Assim, a falha que leva à desigualdade somente pode ser combatida com o estímulo da sociedade — às vezes pela política de Estado — à geração de riqueza e não dos desdobramentos residuais de serviços assistenciais. A desigualdade, como se sabe, não é diminuída pela distribuição via tributação, mas, sim, pelo crescimento sustentável da economia, através da poupança, da baixa taxa de juro e do investimento, por meio também do consumo e do comércio livre entre pessoas, Estados e países. Perceber tudo isto é quase uma autoevidência; entretanto, infelizmente, são muitas as cortinas de fumaça jogadas sobre os olhos dos indivíduos, advindas essencialmente do interesse pessoal de alguns políticos, acadêmicos, profissionais e empreendedores velhacos, que, se não estão se beneficiando do capitalismo de compadrio, estão vivendo politicamente e economicamente à custa da pobreza (que, em público, dizem ser contrários) e da ignorância (que, em segredo, adoram que dure) de parte significativa da sociedade. Como disse antes, governo e economia deveriam se manter o mais distante que pu­dessem, mas... Everaldo Leite é economista, professor e colaborador do Jornal Opção. E-mail: [email protected]  

“Nossa cidade não tem nada de sustentável”

Tadeu Alencar Arrais Como professor do Instituto de Estudos Socioambientais (Iesa), eis a minha resposta à reportagem “Gra­ciliano Ramos, não, mas prefeitos atuais sofrem com a falta de planejamento urbano” (Jornal Opção 2028): primeiramente, devemos ter a clareza do significado da palavra patrimonialismo que foi usada, historicamente, para demarcar as relações promíscuas entre o público e o privado. É uma característica, como pode ser observado em Raimun­do Faoro [sociólogo e cientista político, autor de “Os Donos do Poder”], de governos absolutistas e personalistas. Qualquer semelhança com o PT de hoje não é mera coincidência. Esse é o primeiro erro. Ao defender que as áreas públicas não sejam vendidas, o Iesa está, de fato, contra a visão patrimonialista do atual governo municipal, que mistura o público ao primado. Os grandes grupos imobiliários, felizmente, não frequentam os gabinetes de professores do Iesa com a assiduidade que frequentam o Paço Municipal. Em seguida, quero afirmar o compromisso do Iesa com a construção de uma cidade sustentável, que preserve espaços públicos, ao contrário da política urbana patrocinada pelo governo municipal. É no mínimo irônico que os representantes do governo municipal, que se recusaram a debater o assunto, só manifestem sua opinião agora. Segundo dizem no Paço, a ordem agora é tentar minimizar os prejuízos políticos. Apostam na curta memória da população. Essas áreas só serão desafetadas, isso é insofismável, por causa da lamentável situação das finanças públicas. O modelo espacial do Plano Diretor, que já não era bom, foi rasgado. O secretário Nelcivone Melo cita, como exemplo, o shopping na Peri­metral Norte. Parece que não conhece, de fato, a região. Sugiro que, pelo menos uma vez na semana, se atreva, em comunhão com o senhor prefeito Paulo Garcia, a tentar se locomover naquela região. Pre­fe­rencialmente um dia de chuva, com a água brotando das galerias e escorrendo das vertentes do Córrego Cavei­rinha para o Meia Ponte. Ali seria um lugar perfeito para uma espécie de Parque Linear. Nossa cidade, repito, não tem nada de sustentável. Essa é, aliás, uma das poucas unanimidades que presencio nos corredores do Iesa. Tadeu Alencar Arrais é professor do Instituto de Estudos Socioambientais (Iesa) da UFG. E-mail: [email protected]  

“Patrícia Secco não teve a decência do inglês que respeitou Machado de Assis”

Leonardo Corrêa [caption id="attachment_4997" align="alignleft" width="300"]Machado de Assis: defesa de sua obra contra adaptação de Patrícia Secco (centro) com citação de John Gledson (direita) Machado de Assis: defesa de sua obra contra adaptação de Patrícia Secco (centro) com citação de John Gledson (direita)[/caption] O jornalista José Maria e Silva foi perfeito no artigo “Discípula de Paulo Freire assassina Ma­chado de Assis” (Jornal Opção 2029). Disse tudo o que eu queria dizer e muito mais. Patrícia Secco não teve a decência de John Gledson, o inglês que reuniu em um livro, “Contos/Uma An­­­­­to­­­lo­gia — Machado de Assis”, dentre outros, “O Alienista”. Com a palavra, John Gledson: “Pro­curamos apresentar um texto modernizado ortograficamente e fiel às intenções de Machado de Assis. É uma tarefa menos simples do que pode parecer. Significa reproduzir a última versão publicada em vida pelo autor, a que representa a sua vontade final.” (…) “Essa preocupação de apresentar um texto fidedigno pode parecer pedantismo. Certamente, não é: mas, nesse contexto, quero salientar um aspecto crucial desses textos, que requer um cuidado e um respeito especial pela vontade do autor. (…) Machado não hesitava em quebrar as regras gramaticais estritas, embora sempre de maneira discreta. A área mais difícil e mais fascinante é a pontuação, que afeta tanto o andamento de uma frase como o de um parágrafo, e pode produzir uma pausa irônica, ou até omitir essa pausa a fim de não acentuar demais a ironia, deixando ao leitor o prazer ou o desafio de encontrá-la por si mesmo. Isso quer dizer que temos de nos ater ao sistema de pontuação machadiano, que em alguns aspectos não é o moderno, porque interferir, por pouco que seja, nesse tecido tão cuidadosamente calculado pode afetar o conjunto.” E-mail: [email protected]  

“Prefeito de Palmas fala, fala e não diz nada”

Benedito de Castro [caption id="attachment_5001" align="alignleft" width="300"]Prefeito Carlos Amastha (PP) recebe críticas de leitor pelo  conteúdo da entrevista concedida à edição 2028 do Jornal Opção Prefeito Carlos Amastha (PP) recebe críticas de leitor pelo
conteúdo da entrevista concedida à edição 2028 do Jornal Opção[/caption] Ao ler a entrevista intitulada “Palmas terá o melhor sistema de transporte coletivo do mundo” (Jornal Opção 2028), como tenho dito em diversas oportunidades volto a dizer: o sr. prefeito de Palmas, Carlos Amastha (PP), fala, fala e não diz nada. O que fala e escreve é muito bonito no papel, mas na prática não é nada disso e ele deixa muito a desejar no que diz respeito à gestão pública, pois até agora, passados que são um ano e quatro meses de sua posse, ele ainda não disse a que veio. Amastha se gaba muito de ter conseguido mundos e fundos em termos de recursos para o município, mas infelizmente não vemos ne­nhum investimento na cidade e nada de diferente, desde que o ex-prefeito Raul Filho (PT) deixou o cargo. O que temos visto, e muito, são as viagens do prefeito ao exterior, na maioria das vezes para tratar de assuntos particulares, gerando uma insatisfação muito grande à população, pois que a cidade fica sem seu administrador, porque não tem a figura do vice-prefeito. É bom que se diga que todas as obras que são inauguradas ou tocadas neste momento, foram iniciadas no governo do ex-prefeito Raul Filho, não tendo nada de novo que tenha sido começado na gestão atual, a não ser um relógio digital, que já foi modificado várias vezes, e que tem sido motivo de críticas e até zombaria por parte da população. As três prioridades básicas de qualquer governo municipal — e que são saúde, educação e infraestrutura (pois que a segurança pública é atribuição do Estado) — não estão sendo atacadas. A saúde vai de mal a pior, com falta de médicos, enfermeiros, equipamentos, insumos e medicamentos e, embora a população reclame constantemente, não se vislumbra uma solução em curto prazo. Quanto à educação, também está mal. Há ameaça de greve dos funcionários da área por causa de salários baixos, a infraestrutura é deficiente e existem outros reclamos. Também não se tem notícia de nenhuma previsão de melhora e nem mesmo a ida do sr. prefeito a Cingapura para copiar o que é feito por lá em termos de educação tem resolvido, pois a meu ver, isso é só desculpa para viajar ao exterior e tratar de assuntos particulares, como tem feito constantemente. Com relação à infraestrutura, está do mesmo jeito que a deixou o ex-prefeito, ou talvez um pouco pior, pois não foi feito praticamente nada, a não ser trabalhos para ornamentação e montagem de arquibancadas para Natal, carnaval e agora os festejos do aniversário da cidade. O que interessa mesmo ainda não foi feito, pois os buracos nas ruas e avenidas estão cada vez maiores, conforme se tem visto “in loco” ou pela imprensa escrita e televisiva. Neste período de chuvas que está prestes a terminar é que saltam aos olhos as deficiências no escoamento e na drenagem de águas pluviais, provocando alagamentos na cidade, o que a torna quase intransitável. Esta é a melhor cidade em saneamento básico do Brasil? É uma utopia. Ao contrário do prefeito em­preendedor, como ele se intitula, temos um prefeito falastrão e que só tem cuidado de política e politicagem, desde que assumiu a Prefeitura de Palmas. É bom que se diga que sua eleição foi uma dessas aberrações políticas tipo “Tiririca”, com todo o respeito, pois o prefeito só foi eleito pelo voto de protesto, e sua má gestão começou já no período de transição — tanto que seu vice-prefeito, o deputado Sargento Aragão (Pros) nem ao menos assumiu seu cargo, por não concordar com a mudança de rumos sobre o que havia sido estabelecido na campanha e que temos a infelicidade de comprovar atualmente. Outras mazelas: o péssimo transporte coletivo; a mudança da sede do governo para um prédio luxuoso de propriedade do dono da concessionária desse mesmo transporte; a deficiência na coleta do lixo; a limpeza malfeita da cidade; o problema dos quiosques; o aumento exorbitante do IPTU; o tratamento prioritário que vem sendo dado à política, em detrimento dos interesses e da melhora da qualidade de vida da população. Tudo isso poderia por mim ser citado, mas certamente, iria tomar tanto espaço neste veículo de comunicação, que, salvo melhor juízo, não seria nem publicado. Finalizando, devo dizer que a campanha eleitoral com vistas às eleições municipais de 2016 e as eleições estaduais de 2018 já está lançada e vou guardar essa extensa e enfadonha entrevista, para cobrar, no momento oportuno, o cumprimento das promessas que estão sendo feitas pelo sr. Prefeito Carlos Amastha. E-mail: [email protected]

Os números não badalados da pesquisa do Ibope falam alto como a voz das ruas

Resultados como a rejeição aos presidenciáveis e a aprovação ou não ao governo possuem tanto valor quanto a cotação direta de voto em cada candidato

Dilma abre e fecha a semana com o agronegócio ao lado, mas não esqueceu a

[caption id="attachment_4990" align="alignleft" width="300"]Presidente Dilma Rousseff com líderes do agronegócio: ela tenta recuperar um prestígio que está indo para Aécio / Foto: Roberto Stuckert Filho/ PR Presidente Dilma Rousseff com líderes do agronegócio: ela tenta recuperar um prestígio que está indo para Aécio / Foto: Roberto Stuckert Filho/ PR[/caption] A presidente Dilma rompeu a semana de trabalho na segunda-feira e encerrou o expediente na noite de sexta com um projeto novo, mas que agora se fixou em sua cabeça: a conquista do agronegócio, que anda de namoro com o rival Aécio Neves, além de se incomodar com a ex-ministra Marina Silva na companhia de Eduardo Campos como candidata a vice-presidente. Na manhã de segunda, a primeira coisa que a presidente fez foi a solenidade com pompa e cerimônia no Planalto para anunciar o plano anual de safra. O agronegócio não soltou foguete para comemorar. Mas na sexta, Dilma recebeu representantes da área para um jantar no Alvorada. O programa na noite de sexta no Alvorada não deixa de ter a sua razão tática. O pessoal do campo gosta de ser franco – e às vezes, rude. Na intimidade do palácio residencial, em torno de uma mesa de jantar, quem sabe as pessoas não se quietam? Além disso, a festa já se encerra no fim de semana, quando os assuntos de trabalho podem receber uma trégua. O plano agropecuário não chegou ao campo em festa, mas Dilma, ao encerrar o discurso de 31 minutos, registrou: “Reafirmo o meu compromisso, não só com setor agropecuário, mas com todos os setores, no sentido do investimento que o governo federal deve fazer em infraestrutura ou permitir que o investidor privado faça em parceria ou individualmente”. Nas 37 palavras da frase, a presidente engatou aquela afirmação de que seu compromisso não é apenas “com o setor agropecuário, mas com todos os setores”. Não custa não despertar melindres em outras áreas do capitalismo, nem evitar a supervalorização de um ambiente um tanto hostil ao governo. Mas o fato é que os negócios da cidade, também nem sempre receptivos à candidata, estiveram na semana de trabalho de Dilma, mas de uma forma um tanto estranha. O Planalto abriu as portas, na quinta, para receber os representantes de 36 setores da indústria, mas não havia uma pauta de trabalho. A presidente nem discursou. Apenas cumprimentou os convidados. Os empresários, porém, não se fizeram de rogados. Puxaram conversa. Perguntaram a Dilma sobre um assunto que andava nos jornais da semana: a possibilidade o governo tornar permanente a desoneração da folha de pagamento das indústrias para reduzir as despesas das empresas. A presidente não respondeu. Apenas prometeu a resposta em uma semana. Enquanto isso, Dilma ganha tempo para o governo pensar no assunto. Mas as empresas pretendem mais do que a manutenção do estímulo nos setores onde já estão. Desejam incluir novas áreas, o que aumentaria o rombo fiscal do governo. Será um teste para a candidata à reeleição.

Em Curitiba, juiz dribla o rocambolesco vacilo do ministro Zavascki no Supremo

[caption id="attachment_4988" align="alignleft" width="620"]Ministro Teori Zavascki mandou soltar 12 envolvidos em crimes, mas só Paulo Roberto Costa ganhou a liberdade Ministro Teori Zavascki mandou soltar 12 envolvidos em crimes, mas só Paulo Roberto Costa ganhou a liberdade[/caption] Há uma semana, na noite de domingo, o ministro Teori Za­vascki, 64 anos, sentiu-se à vontade para assinar aquela liminar em nome do Supremo Tribunal Federal para mandar soltar 12 presos na Operação Lava Jato. Mas apenas um foi solto no dia seguinte, quando o Supremo divulgou a liminar do ministro. Era Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petro­bras, cujo advogado pediu ao tribunal a liminar a favor do cliente. Ao perceber a repercussão de sua decisão, Zavascki se arrependeu daquela noite de domingo em menos de 48 horas. Sob o sol da terça-feira, o ministro confessou que assinou a liminar sem conhecer suficientemente os processos de todos os presos. “Sem conhecer, não quero tomar decisões precipitadas”, explicou-se. Mas já tomara as decisões. Atribuiu seu recuo a uma intervenção do juiz federal Sérgio Moro, carcereiro dos presos da Lava Jato em Curitiba. O juiz teria informado ao ministro que, entre aquelas 12 pessoas que mandou soltar, havia algumas com dinheiro depositado no exterior e que também eram ligadas a negócios no narcotráfico. Elas poderiam fugir do país. Era o caso de quatro doleiros. Entre eles, a cabeça mais importante no meio dos 12, o doleiro Alberto Youssef, a quem o ex-diretor Paulo Roberto Costa oferecia assistência. Ele, Costa foi o único que atravessou as grades em Curitiba e foi para casa, no Rio. A retenção dos outros 11 parecia ser uma decisão do ministro arrependido. Mas não era. Mais 24 horas se passaram e, na quarta-feira, em nova explicação a jornalista sobre o seu comportamento, Zavascki deixou escapar que a decisão de não soltar todos foi do juiz Sér­gio Moro. Então, deduza-se, a sol­tura apenas do ex-diretor Cos­ta foi coisa do juiz Sérgio Moro. Antes, na véspera, o ministro, na sequência de sua fala ao admitir a precipitação e recuar, disse que ainda não sabia quem mais de­veria continuar preso entre a­queles 11 que sobraram. Zavas­cki estava desnorteado, abalado pelos efeitos da decisão de domingo. Novamente, deduza-se. Se o ministro mandou soltar 12 e o juiz liberou apenas um, houve uma insubordinação em Curitiba contra a ordem vinda de Brasília. Mais uma dedução: Moro mandou soltar apenas Costa porque a liminar era iniciativa do advogado dele. Além disso, em ordem de im­portância, o ex-diretor era o se­gundo, depois do doleiro Youssef, que continuava nas grades. E Zavascki, assimilou a rebeldia de Moro? Por enquanto, sim. Conformou-se porque sua liminar pegou mal, embora juridicamente pudesse estar correta. Alguém poderia considerar nulos os atos do juiz porque o processo geral envolve três deputados federais, todos governistas, com direito a julgamento pelo Supremo: o paranaense André Vargas, ex-PT; o baiano Luiz Argôllo, do Soli­dariedade; e o paulista Cândido Vaccarezza, do PT.

Mais uma razão para o STF colocar disciplina na barafunda jurídica da casa

[caption id="attachment_4985" align="alignleft" width="620"]Juiz Sérgio Moro: aviso ao ministro sobre possível fuga dos investigados na Operação Lava Jato, se fossem soltos / Foto:  JF Diorio/Estadão Conteúdo Juiz Sérgio Moro: aviso ao ministro sobre possível fuga dos investigados na Operação Lava Jato, se fossem soltos / Foto: JF Diorio/Estadão Conteúdo[/caption] Em silêncio, os dez colegas de Teori Zavascki no Supremo acompanharam o drama do ministro, o caçula entre eles. O ministro mais recente na casa chegou em 29 de dezembro de 2012, entre a pausa de fim de ano e as férias. Esperava-se que aproveitasse a folga para estudar o mensalão e voltar ao trabalho em condições de integrar-se ao julgamento das infringências, uma das questões incertas no principal tribunal do país. A insegurança jurídica existente no Supremo ficou exposta claramente no tropeção de Zavascki no caso da Lava Jato. Acidente de percurso que compromete o tribunal acima do qual não há outra instância para o cliente recorrer. O silêncio dos outros dez ministros ao longo da última semana confirma o abalo que sacudiu a credibilidade do Supremo. No corolário do caso Lava Jato, há alguns pontos que o tribunal poderia disciplinar como legislação. Ao mandar soltar 12 presos, Zavascki se baseou no fato de que as prisões seriam nulas por causa de uma incompetência do juiz federal Sérgio Moro para apreciar, em Curitiba, um processo que inclui deputados federais, que possuem direito a foro privilegiado no Supremo. Ao explicar o recuo na prisão dos 12, o ministro afirmou que a “jurisprudência mais recente” é no sentido de desmembrar o processo para o Supremo se ocupar dos privilegiados: André Vargas, ex-petista eleito pelo Paraná; o baiano Luiz Argôllo, do Solidariedade; e o paulista Cândido Vaccarezza, do PT. Se ele disse a “mais recente”, há instabilidade. O juiz Moro respondeu a Zavascki que os três são apenas citados no processo. A simples citação do nome de alguém com foro privilegiado pode ser motivo para aquela pessoa, no caso, não ser da alçada do Supremo e, portanto, o processo não ser desmembrado? A propósito, uma questão a ser discutida com o Congresso: é necessária existência do foro privilegiado, quem o merece? Outra coisa a esclarecer. Mesmo que o juiz esteja indo além das citações aos deputados por suas ligações com o doleiro Alberto Youssef, preso pela Operação Lava Jato com outros três operadores do dólar, todos aqueles 12 deveriam ser soltos? E deve um ministro desmontar com uma liminar, por exemplo, uma operação de investigação policial como a Lava Jato ao mandar soltar os presos e, às vezes, determinar que o processo se reinicie do zero? Seria melhor entregar o poder de editar liminar a um grupo de ministros? No embalo, poderia decidir definitivamente sobre os embargos de infringências. Esse tipo de recurso é previsto no regimento do Supremo porque, antes da Constituição de 1988, os tribunais tinham autonomia para estabelecer as regras internas do serviço. Depois, passaram a depender de aprovação parlamentar. Então a infringência se tornou obsoleta, mas o Supremo nunca a expurgou do regimento. Daí, surgiu a primeira ação de Zavascki no novo trabalho. Ele pegou o bonde do mensalão e foi decisivo na formação da maioria que, por um voto, aceitou a validade do embargo de infringência, o que permitiu a redução de penas de mensaleiros. A infringência é um dos pontos que pode compelir o Supremo a esclarecer de uma vez por todas para ter firmeza no trabalho. Enfim, o efeito Zavascki lembrou algo que ninguém esquece. O banqueiro mafioso Alberto Cacciola fugiu para a Itália depois de receber, em 2007, um habeas corpus do Supremo, assinado pelo ministro Marco Aurélio de Mello, para responder o processo em liberdade. Foi capturado apenas dois anos depois, ao ser surpreendido em Mônaco.

A falta que um bom rótulo faz na vida de quem tem alergia alimentar

Campanha cobra do governo informações mais claras em produtos industrializados sobre a presença de substâncias que podem até mesmo matar caso ingeridas por pessoas vulneráveis

Gabriel García Márquez, o intérprete da América Latina, ganha biografia exaustiva

Gerald Martin realizou centenas de entrevistas, em 17 anos de pesquisa, para mergulhar na trajetória de Gabriel García Márquez e revelar os labirintos da vida do autor de “Cem Anos de Solidão”

[caption id="attachment_4963" align="alignright" width="620"]Gabriel García Márquez: um dos mais aclamados escritores da história. Ganhador do Nobel de Literatura, seus livros venderam mais de 50 milhões de cópias em todo o mundo | Foto: Edgard Garrido/Reuters Gabriel García Márquez: um dos mais aclamados escritores da história. Ganhador do Nobel de Literatura, seus livros venderam mais de 50 milhões de cópias em todo o mundo | Foto: Edgard Garrido/Reuters[/caption]

Salatiel Soares Correia Especial para o Jornal Opção

O incidente aconteceu num cinema na Cidade do México, em 1976. Lá estava prevista para ocorrer a première do filme “Os Sobreviventes dos Andes”, do qual um importante escritor da América Latina era o autor do roteiro. De repente, um velho amigo desse escritor que estava presente abriu os braços para ele e fez uma calorosa saudação: “irmão”!

A resposta ao cumprimento não poderia ser mais inesperada. O cumprimentado, praticante de boxe amador, deferiu um potente soco no olho direito de quem o cumprimentou e disse: “Isso é pelo que disse a Patrícia”. Alguns afirmam que o nocauteador proferiu a seguinte frase: “Isso é pelo que fez à Patrícia”. Pouco importa o motivo, o estrago já estava feito. A potência do soco foi tamanha que o nocauteado caiu, bateu a cabeça no chão e ficou de fato tonto. Os dois protagonistas da lamentável contenda nunca mais se encontrariam. Nunca mais se falariam.

A verdade nunca, de fato, saberemos qual foi. O fato é que aquele so­co encerrou uma amizade de 10 anos entre dois dos mais importantes escritores da América Latina: o pe­ruano Mario Vargas Llosa e o co­lombiano Gabriel García Márquez.

Passados quase 40 anos do episódio, as especulações a respeito do fato persistem até hoje. Ciúme da mulher, inveja pelo sucesso que o colombiano vinha obtendo como escritor. O recente falecimento de Gabriel García Márquez levou com o ele o segredo para o túmulo. Ma­rio Vargas Llosa, ao ser recentemente indagado a respeito do episódio, foi de uma elegância que reflete o res­peito que possui pela obra de seu en­tão opositor. “É um pacto [a razão do atrito] entre García Már­quez e eu. Ele respeitou isso até sua mor­te e vou fazer o mesmo [...] va­mos deixar a nossos biógrafos, se me­recemos isso, investigar o assunto.”

Gabriel Garcia Márquez se foi deste mundo, mas sua obra certamente vencerá as areias do tempo. O episódio relatado se encontra na obra de seu biógrafo inglês. Só mesmo a paciência de um inglês, evidenciada em 17 anos de pesquisa, foi capaz de mergulhar nas entranhas da vida do autor de “Cem Anos de Solidão” e revelar os labirintos de sua vida. Este inglês se chama Gerald Martin. Falemos um pouco dele para, em seguida, mergulharmos no esplendor de sua obra.

Professor emérito de línguas modernas na Universidade de Pittsburgh é ele, também, pesquisador sênior de Estudos do Caribe na London Metropolitan University. Mais conceituado biógrafo de Gabriel García Márquez, Gerald Martin é um profundo conhecedor da América Latina. Para produzir seus escritos, viajou pelos lugares onde viveu o autor de “O Amor nos Tempos do Cólera”. Conheceu seus hábitos, as histórias contadas por gente próxima do escritor, pesquisou documentos para, enfim, pacientemente, compor as 814 páginas do mais importante mergulho que já se fez na vida de um dos maiores escritores do século 20.

Fonte da imaginação

O fluxo da vida se passa como num filme cujas imagens vão se desencadeando e explicando o âmago de nossa existência. Se existe uma etapa na vida de Gabo que irrigou sua obra literária esta se passou ao lado daquele que seria a maior influência em seus escritos: os avós. O coronel Nicolás Márquez e a avó Tranquilina Igurán foram os verdadeiros pais do menino Gabito.

Criado distante dos irmãos e da influência paterna e materna, o autor de “Crônica de uma Morte Anunciada” passou a infância em Aracataca; e os pais, noutra cidade da Colômbia (o pai de García Márquez era farmacêutico e viveu nas cidades colombianas de Sucre, Cartagena e Barranquilla). Gabo e o avô eram, na verdade, os únicos homens numa casa repleta de mulheres, por onde transitavam a avó, tias, empregadas.

Certamente, a companhia feminina e a dependência delas exerceram influências decisivas na vida do futuro escritor. Nessa ambiência é que se destacava a figura masculina do avô Nicolás. Quem já conhece a história de vida desse grande autor colombiano, não terá dúvidas de que toda consciência política de Gabito foi moldada no imaginário do escritor, sob a influência do coronel Nicolás Márquez, este foi um ativo participante da Guerra Civil colombiana. Quanto a isso, conta-nos seu biógrafo que “seria ele [Gabriel] quem herdaria as memórias do velho coronel, sua filosofia de vida e sua moralidade política, além da visão de mundo; o coronel viveria através dele. Foi o avô quem lhe contou sobre a Guerra dos mil dias sobre os próprios feitos e os de seus amigos, todos liberais heroicos; foi o coronel quem explicou a presença das plantações de bananas, da United Fruit Company, com suas casas, lojas, quadras de tênis e piscina da companhia e os horrores da greve de 1928. Batalhas, cicatrizes e lutas. Violência e morte”.

United Fruit, a luta entre conservadores e liberais, a greve de 1928, as revoluções de um continente fadado a revoluções. Todos os in­gre­dientes estavam ali para tomar forma e tornarem-se, anos mais tar­de, um dos mais celebrados romances que levariam Gabriel García Már­quez ao patamar ao qual se en­controu durante toda sua vida e, cer­tamente, transcenderá a sua morte. O romance de que falo é o cé­lebre “Cem Anos de Solidão”, o mais importante livro escrito em língua hispânica depois de “Dom Quixote”.

Outra fonte dos personagens encontrados nos romances do futuro escritor foi coletada nas cidades que a família García Márquez viveu. Nesse sentido, relata-nos seu biógrafo: “Ali [em Sucre, uma das cidades que os pais de Gabo viveram] ou em outras cidades vizinhas, Gabito conheceria muitos de seus personagens mais conhecidos, entre eles, a inocente Erêndira, de ‘A Incrível e Triste História de Cândida Erêndira e sua Avó Desalmada’, e a prostituta que ele chamaria de Maria Alejandrina Cervantes em ‘Crônica de uma Morte Anunciada’”.

A história de amor entre os pais foi outra fonte inspiradora que a mente criativa de Gabriel García Márquez imortalizaria naquele considerado, por muitos (incluo-me nesta opinião), como um dos mais belos romances de amor produzido pela literatura universal. Falo de “O Amor nos Tempos do Cólera”. Em vida, o neto do coronel Nicolás sempre afirmou que esse belíssimo romance — e não “Cem Anos de Solidão” — de fato será seu passaporte para a imortalidade.

[caption id="attachment_4965" align="alignright" width="300"]Por ciúme de sua mulher, Vargas Llosa nocauteou García Márquez. Nunca mais se falaram | Foto: David Levenson Por ciúme de sua mulher, Vargas Llosa nocauteou García Márquez. Nunca mais se falaram | Foto: David Levenson[/caption]

O gosto pelo cinema foi outra influência que o garoto Gabito aprendeu a apreciar convivendo com o avô na sua primeira infância. Era costume do coronel Nicolás levar o neto para assistir os filmes que passavam na pequena Aracataca. Seu biógrafo assim descreve os primeiros contatos do menino Gabito com o cinema: “Ele [o avô] costumava me levar para ver todo tipo de filme, ele me fazia contar-lhe a história, para ver se eu tinha prestado atenção. Assim, não somente preservei com muita clareza os filmes na minha mente, mas também me preocupava em saber como poderia narrá-los, porque sabia que meu avô me faria contar a história, passo a passo, a fim de ver se eu tinha compreendido”.

O amor pela sétima arte se propagou no viver do futuro escritor. Anos mais tarde, passando um tempo em Roma, tornou-se, o jovem Gabriel, um frequentador dos famosos estúdios da Cinecittà. Creio ser do conhecimento de todos qual foi o destino do dinheiro ganho por Gabriel García Márquez quando do prêmio Nobel: fundar uma escola de cinema em Cuba. Além disso, certamente, a influência paterna foi decisiva para a profissão que um de seus dois filhos — Rodrigo — viria a abraçar, nos Estados Unidos: a de diretor de cinema.

Assim, as cenas do filme da infância do autor de “Crônica de uma Morte Anunciada” passam como tudo na vida passa, só permaneceram vivas na sua alma as lembranças de uma cidade solitária, repleta de personagens solitários que o mundo conheceria anos mais tarde como sendo a Macondo de “Cem Anos de Solidão”. O gênio do escritor daria universalidade à terra dos avós e mostraria ao mundo que, na América Latina, pratica-se uma literatura de alta qualidade. Certamente, o sucesso absoluto de “Cem Anos de Solidão” consagrou, anos mais tarde, a brilhante carreira literária de seu autor. Isso todo mundo sabe. O que pouca gente sabe é o que ele passou para chegar lá. “Todo mundo é meu a­mi­go desde ‘Cem anos de So­li­dão’, mas ninguém sabe o que me custou chegar até aqui. Ninguém sabe que fiquei reduzido a comer lixo em Paris”, disse ele a seu biógrafo, explicando-se, em seguida, a respeito da espantosa afirmação: “Uma vez, estava numa festa, na casa de alguns amigos que me ajudaram um pouco. Depois da festa, a dona da casa me pediu que colocasse o lixo na rua para ela. Eu estava com tanta fome que peguei tudo que pude do lixo e comi, ali e depois”. Pois é. A maioria de nós gosta de quem chega ao cume da montanha. O que pouca gente avalia é o que se passou na vida para chegar lá.

Jornalismo e literatura

Vejamos mais uma cena do filme da vida do neto do coronel Nicolás Márquez: a de estudante de direito em Bogotá. O jovem Gabriel foi estudar direito não por vocação, mas para satisfazer a vontade dos pais: “Não, ele não era um bom aluno”. Assim relatou a Gerald Martin, um de seus professores na faculdade. O professor estava certo. Decididamente, o direito não morava no sangue do futuro escritor. Sua verdadeira vocação estava em outra seara: o jornalismo.

A respeito do talento literário de Gabo, um dos mais respeitados colunistas do prestigiado jornal colombiano “El Espectador”, Zalamea Borda, profetizou algo que o futuro mostraria ser uma verdade: “Em Gabriel García Márquez, estamos vendo o nascimento de um extraordinário escritor”. Ciente de sua vocação, Gabriel García Már­quez não pensou duas vezes na decisão que tomaria a respeito de sua vida: paulatinamente, foi abandonando o curso de direito sem nunca o ter concluído. Seguiu para Cartagena consciente do que gostaria de fazer na vida: um aprendiz, segundo ele mesmo dizia, daquela que, para ele, era “a melhor profissão do mundo”.

Levava consigo a experiência de ter sido testemunha dos famosos pro­testos e desordens que ocorreram no centro de Bogotá, protestos ocasionados pelo assassinato do candidato a presidente Jorge Eliécer Gaitán. Também, levava consigo uma vida de boemias vivenciadas nos prostíbulos da capital colombiana e, lógico: uma considerável bagagem de leituras de autores que, certamente, anos mais tarde, influenciaram o gênio literário a elaborar um estilo próprio de narrar suas histórias, que ficou conhecido pelo mundo afora como Realismo Mágico.

Gabriel García Márquez foi um jornalista de excepcionais qualidades. Sua incansável maneira de apurar os fatos, abordando ângulos inovadores da notícia, logo, fez a diferença para que se tornasse o que veio a ser para a imprensa de seu país: um nome de respeito. Quem conhece seus escritos sabe o quanto foi importante na formação do futuro escritor ter sido, antes, um jornalista. Veja-se pelo próprio título de suas obras. “Cem Anos de Solidão”, “Crônica de uma Morte Anunciada”, “O Amor nos Tempos do Cólera”, “Notícias de um Sequestro”, “Ninguém Escreve ao Coronel”, “O General em seu Labirinto”, “A Incrível e Triste História da Cândida Eréndira e da Sua Avó Desalmada”, “A Má Hora: o Veneno da Madrugada”. Reparem bem: todos os títulos de livros mais se parecem com chamamento de manchetes de jornais. Em quase todas as suas obras literárias, faz-se notar a presença do jornalista. Certamente, fazer literatura-arte como se fosse reportagens muito contribuiu para cativar o enorme público leitor de seus escritos: “Minha escrita é sempre uma espécie de literatura jornalística”, reconhecia o próprio Gabo.

Como jornalista, o neto do coronel Nicolás Márquez foi enviado para ser correspondente na Europa. Sua estada na França, embora repleta de privações financeiras, possibilitou-lhe descobrir o mundo, até então, desconhecido, anterior à queda do muro de Berlim: o da cortina de ferro. Na Europa, pôde solidificar suas convicções políticas que abraçou durante toda sua vida: à esquerda sem excessos.

Gabo pôde avaliar, numa Alemanha divida pela ideologia, as contradições existentes entre o capitalismo e o socialismo. Quanto a isso, nada mais proveitoso do que avaliar in loco os contrastes de uma Berlim dividida pela Guerra Fria. “Berlim ocidental é uma enorme agência de propaganda capitalista”, disse ele ao conhecer a cidade. Trafegando por Berlim oriental, veio a comprovação de uma cidade, ao mesmo tempo, sombria e desencantada, onde a competição entre o ocidente e o oriente se tornava visível e clara num mesmo espaço geográfico. A conclusão do neto do coronel Nicolás não poderia ser mais apropriada para aquele mundo que, a ele, apresentava-se: “Berlim era um espaço humano aterrorizado, imprevisível e indecifrável, onde nada era o que parecia, onde tudo era manipulado, um lugar em que todos estavam envolvidos em fraudes diárias e ninguém tinha a consciência limpa”.

Na União Soviética, Gabriel García Márquez não só se impressionou com o tamanho de seu território, mas, sobretudo, com o paradoxo de uma sociedade que era capaz de construir e lançar o Sputnik (foguete) na órbita da terra, mas era incapaz de dotar seu povo de padrões razoáveis de vida, expressos por bens de consumo.

Outro fato curioso que não passou despercebido aos olhos do jornalista escritor se refere à inexistência de algo muito presente na América Latina e praticamente inexistente na União Soviética da Guerra Fria: o ódio aos Estados Unidos. A rivalidade se dava muito mais no campo das invenções do que propriamente no tocante ao sentimento de rejeição, como se manifestou no nosso continente contra o ianque invasor ou pelo imperialismo tanto propagado pela esquerda radical latino-americana.

A visão do autor de “O Outono do Patriarca” a respeito da União Soviética que conheceu foi “favorável e solidária”. Prova disso foi a maneira como apoiou Cuba e Fidel na década de 1970. Entretanto, embora simpático à causa socialista, o senso crítico de Gabo não deixou de apontar as fragilidades do regime.

Viver na Europa deu universalidade às futuras obras que o escritor iria produzir. Pari passu, a essa universalidade estava sendo sedimentada a influência de grandes autores, como refino de sua prodigiosa imaginação. O caminho estava, assim, sendo construído para que as lentes do neto do coronel Nicolás voltassem como, anos depois, voltaram-se: para a pequena Aracataca e seus solitários habitantes que o mundo, tempos mais tarde, conheceria como a Macondo de “Cem Anos de Solidão”. Gabo seria capaz de dar universalidade àquele torrão de mundo eternamente condenado à solidão. Uma solidão que se confunde com a própria história da América Latina.

Imaginação prodigiosa

Gabriel García Márquez costumava simplificar as coisas quando fazia referência às suas prestigiosas obras. “Tudo que fiz foi recontar o que vivi”, costumava dizer. Não é bem assim. Sem respirar os ares do mundo e sem o enfrentamento de grandes autores, não se constrói grandes escritores. Sem essas duas qualidades, a escrita cai na vala comum dos escritores de província que nunca conseguem dar universalidade ao que é meramente regional. Escri­to­res regionais não conseguem construir o necessário elo de suas províncias com os ares do mundo. Decidi­damente, este não foi o caso de Gabo, pois ele leu e recebeu influência de autores do primeiro time da literatura mundial. O tcheco Franz Kafka foi um deles.

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Os escritos contidos na “Meta­mor­fose”, de Kafka, em que um ho­mem se transforma numa barata, mostraram a Gabo que era possível narrar coisas surreais em literatura. O autor de “Cartas ao Pai” influenciou decisivamente na confiança que o neto do coronel Nicolás Márquez passou a ter em si mesmo. E percebe-se essa influência em romances como “Cem Anos de Solidão”. A ação de seus personagens, como é o caso da previsão do cigano Melquíades, que profere que, caso casamentos consanguíneos se repetissem na árvore genealógica da família Buendía, a criança originada desse incesto nasceria com alguma deformidade, não poderia ser mais kafkiana: a criança, tal qual o homem que se metamorfoseou em barata, nasceu com um rabo de porco. A repetição do casamento consanguíneo condenou ao desaparecimento todas futuras gerações dos Buendía “porque as estirpes condenadas a cem anos de solidão não tinham uma segunda chance sobre a terra”.

Tanto Kafka como o colombiano Gabriel García Márquez sofreram com o autoritarismo da figura paterna. A figura opressora de seus progenitores muito influenciou nos “demônios” que ambos os escritores carregaram para a vida e, como escritores de si mesmos, transportaram para seus escritos tal peso. Aliás não apenas Kafka e Gabo padeceram desse mal. O peruano Vargas Llosa também tratou de exorcizar a figura paterna na sua literatura.

O americano William Faulkner foi outro autor de fundamental importância na formação literária do neto do coronel Nicolás. Gabo nutria pelo autor de “O Som e a Fúria” não só uma relação professoral (chamava Faulkner de “mestre”), mas, sobretudo, nutria absoluto respeito pelo seu talento literário. “É um escritor muito bom.” Bom demais para o prêmio Nobel que o autor de “Palmeiras Selva­gens” não ganhou em 1949, em­bo­ra tenha ele recebido o prêmio em 1950. Quando, finalmente, Fau­lkner foi laureado com o No­bel, Gabo não deixou de apontar o deslize ocorrido em 1949. Para ele, o prêmio estava atrasado porque Faulkner era “o maior escritor do mundo contemporâneo e um dos maiores de todos os tempos”. Com o prêmio ganho, te­ria ele de aceitar “o privilégio desconfortável de se tornar moda”.

Assim como Faulkner criou o condado imaginário de Yokna­patawpha, Gabriel, talvez inspirado no mestre, teve a ideia de fazer sua pequena Aracataca se transformar na imaginária Macondo. Não restam dúvidas de que a literatura de Faulkner teve influência decisiva na formação do grande escritor, que viria a tornar-se Gabriel García Márquez. O autor de “O Som e a Fúria” alimentou a alma literária de alguém que tinha um destino certo: tornar-se, como o mestre, um dos maiores escritores do século 20.

Ernest Hemingway foi outro autor pelo qual Gabo nutriu enorme admiração. Hemingway, jornalista como Gabo, teve influência direta em algo que o autor de “O Velho e Mar” sabia fazer como poucos: escrever. Conhecer a obra de Hemingway fez de Gabo o que ele mesmo refere a respeito dessa influência: “Aprendi a ser escritor”.

Muitos estudiosos de suas obras atribuem à inglesa Virginia Woolf um papel menos relevante do que o recebido por Gabo dos três autores acima citados. Outros, entretanto, comungam da ideia de que o grande escritor argentino Jorge Luis Borges tenha influenciado demasiadamente na literatura de Gabo, ao ponto de “‘Cem Anos de Solidão’, quando aparecesse, seria um livro distintamente borgiano”.

Sem intencionar esgotar o leque de grandes autores que influenciaram direta ou indiretamente nos escritos de Gabriel García Már­quez, penso estarmos aptos para dizer que não é nada fácil chegar ao cume da montanha como chegou Gabo depois da publicação de “Cem Anos de Solidão” e o que disso resultou: ganhar o prêmio Nobel e transformar-se numa celebridade mundial. Este é o cume da montanha. Todo mundo vê o cume, mas não enxerga a escalada de subida dessa montanha. Na trajetória de subida, o neto do coronel Nicolás teve muitas privações financeiras na Colômbia e fora dela, muita leitura de grandes escritores, muitas viagens pelo mundo afora. Basta disser que, após os 18 meses que Gabriel García Márquez hibernou no México para escrever sua obra-prima, faltou dinheiro até para enviar os originais pelo correio para um editor na Argentina. Depois do sucesso, todo mundo quis ser amigo de Gabo e, como ele mesmo disse, porém “poucos sabem o que é que eu passei para chegar lá”.

Amizade com Fidel

Gabriel García Márquez poderia muito bem adotar uma atitude típica de outros autores que, como ele, foram laureados com o prêmio Nobel de literatura: a acomodação. Já era um escritor mundialmente consagrado, com uma respeitável produção literária e uma obra-prima incluída entre os cânones da literatura universal. Mas não foi isso que veio a acontecer.

Não se passaram mais que três anos e veio outra obra-prima que representou a metamorfose do talento literário de Gabo. Falo de “O Amor nos Tempos do Cólera”. Vejamos o que nos diz Gerald Martin a respeito do sucesso dessa obra: “O livro impressionou leitores e críticos, porque representava um novo García Márquez, um escritor que havia se metamorfoseado, de algum modo, numa espécie de romancista do século 19 para os tempos modernos, um homem que escrevia sobre o poder e sobre o amor, e o poder do amor”.

[caption id="attachment_4966" align="alignright" width="620"]A amizade com Fidel Castro amordaçou o poder da crítica. García Márquez foi chamado de lacaio do ditador cubano | Foto:  El Tiempo A amizade com Fidel Castro amordaçou o poder da crítica. García Márquez foi chamado de lacaio do ditador cubano | Foto: El Tiempo[/caption]

O trio amoroso que protagoniza o romance, composto de Floren­tino Ariza e seu amor de juventude Firmina Daza, que acaba se casando com o médico Juvenal Urbino, mostra o quanto o poder do amor pode ser represado e florescer em tempos tão adversos como foram aqueles presentes numa Colômbia impregnada pela epidemia do cólera. O reencontro amoroso entre Firmina Daza e Florentino Ariza já na velhice, após a morte do marido dela, é, sem dúvida, um dos pontos altos de uma literatura da mais alta qualidade.

Gerald Martin revela, em seus escritos, que “‘O Amor nos Tempos do Cólera’ pode ser interpretado como um reencontro com seu pai [de Gabriel] e com o passado da Colômbia, mas também como uma investigação do conflito entre o casamento e as aventuras sexuais; é, acima de tudo, um livro sobre o subúrbio de Manga, onde seus pais viveram”.

O prestígio de escritor mundialmente reconhecido concedeu a Gabriel García Márquez considerável peso em outro campo que não o da literatura: na política. Nessa área, seu perfil ideologicamente mais à esquerda, aliado a sua sincera simpatia por Cuba, foram ingredientes suficientes para aproximá-lo de uma figura que sempre suscitou polêmicas no mundo intelectual: Fidel Castro.

Gabo foi um amigo muito próximo do líder da Revolução Cubana. Pessoalmente, sou daqueles que pensam que o intelectual, quando se torna íntimo de governantes, acaba ficando privado da maior arma que dispõe para exercer seu nobre ofício: a liberdade de criticar.

Aconteceu isso com Gabo. Sua amizade com poderosos refletiu, muitas vezes, num incômodo silêncio. Vargas Llosa, seu ex-amigo e ideologicamente identificado com os liberais, não deixou por menos: “Lacaio de Fidel Castro” e “oportunista político”.

Certamente, oportunista político Gabriel García Márquez não demonstrou ser, pois se existe alguém que se dispôs a investir muito de seu dinheiro em Cuba, este alguém foi Gabo. Entretanto muito do seu silêncio em relação às polêmicas (até os erros cometidos pelo regime) evidencia aquilo que anteriormente mencionamos: a proximidade com o poder amordaça o poder da crítica, tão necessário aos intelectuais que privam pela sua liberdade de expressão.

[caption id="attachment_4970" align="alignright" width="300"]Gerald Martin, autor do mais importante estudo sobre a vida e a obra de Gabriel García Márquez | Foto: Mario Guzm‘n Gerald Martin, autor do mais importante estudo sobre a vida e a obra de Gabriel García Márquez | Foto: Mario Guzm‘n[/caption]
O novo Cervantes

A última cena do filme da vida do autor de “Ninguém Escreve ao Coronel” acabou de ser rodada. Gabriel García Márquez deixou órfãos não só sua família, mas, também, milhões de admiradores que tem pelo mundo afora. Na sua vida privada, teve uma família harmoniosa e uma esposa que o acompanhou por cerca de 60 anos. Mercedes foi uma “companheira cheia de qualidades”, que sempre primou pela perspicácia, discrição e apoio incondicional ao marido. O mesmo se pode dizer dos seus filhos. Com os quais, declarou ele, certa vez, à revista “Paris Match” ter “excelentes relações. Eles [os dois filhos] são o que querem ser e aquilo que eu queria que eles fossem”.

Ao contrário de Miguel de Cer­vantes, que, em vida, não foi reconhecido, Gabriel García Márquez conheceu a glória em vida. Prova de sua importância foi a enorme repercussão que teve sua morte pelo mundo afora. Não tenho dúvidas de que neste e no outro mundo o neto do coronel Nicolás Márquez será sempre eterno.

Para saber mais sobre García Márquez

Para uma leitura perspicaz da prosa e do próprio García Márquez, recomenda-se o ensaio “Gabriel García Már­quez — À Sombra do Pa­triarca”, inserto no livro “Os Redentores — Ideias e Poder na América Latina” (Benvirá, 606 páginas, tradução de Magda Lopes, Cecília Gouvêa Dou­rado e Gabriel Federicci), do jornalista, ensaísta e historiador mexicano Enrique Krauze, parceiro de Octavio Paz na criação da revista “Vuelta” e professor convidado de Oxford. Leia breve comentário sobre o livro no link: http://bit.ly/1gOJb6S. Sobre o conflito com Mario Vargas Llosa pode-se ler no link: http://bit.ly/1h8O0Ta.

Salatiel Soares Correia é crítico literário e mestre em Planejamento Energético pela Unicamp.

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Philip Roth e a seiva do fanatismo

Em “Indignação”, o escritor norte-americano Philip Roth mostra como nossas escolhas mais insignificantes podem ter consequências devastadoras

[caption id="attachment_4940" align="alignright" width="620"]Philip Roth, escritor americano, cria um universo ficcional para tratar de dois assuntos polêmicos: a Guerra da Coreia e a tensão sexual entre jovens e adultos | Foto: Richard Drew/AP Philip Roth, escritor americano, cria um universo ficcional para tratar de dois assuntos polêmicos: a Guerra da Coreia e a tensão sexual entre jovens e adultos | Foto: Richard Drew/AP[/caption]

J.C. Guimarães Especial para o Jornal Opção

Matemático e fundador do X-Center, em Viena, John Casti es­tuda eventos extremos. Em livro traduzido no Brasil, “O Co­lapso de Tudo, o cientista enumera sete princípios da complexidade, entre eles o chamado Efeito Borboleta: “A ideia básica é que os sistemas complexos são patologicamente sensíveis a mudanças minúsculas em seu estado inicial”. Tais mudanças, apesar de insignificantes, evoluem exponencialmente e produzem consequências devastadoras, na extremidade. Um exemplo aleatório, inacreditável e verdadeiro, segundo Casti: George W. Bush se reelegeu presidente dos Estados Unidos, em 2004, porque uma funcionária do processo eleitoral americano, Theresa Le Port, aumentou o tamanho da tipografia na cédula eleitoral.

Imagino que esta seja uma maneira nada convencional de começar a estudar um romance; no caso, “Indignação”, do americano Philip Roth, traduzido por Jório Dauster. A antropologia demonstrou que as relações sociais, com seus códigos, ritos e valores, constituem verdadeiros sistemas, e as últimas palavras do protagonista Marcus Messner justificam a analogia em questão, ao referir-se à “forma terrível e incompreensível pela qual nossas escolhas mais banais, fortuitas e até cômicas conduzem a resultados tão desproporcionais”. O resultado a que se refere é a própria morte numa guerra, e as escolhas banais um conjunto de pequenos atos, o primeiro dos quais a fuga de casa para escapar da perseguição paterna, estimulada por premonições. Mais tarde, a masturbação fortuita com que a única namorada satisfez a ereção súbita do herói, dentro de um hospital, gesto decisivo para aquele trágico desfecho. “Por um rápido toque de mão de Olívia, minha recompensa seria a Coreia”, diz, já morto, rememorando os fatos de sua vida. Que nexo previamente oculto pode haver entre tudo isto e aquilo?

Desvendar o que está por trás de tais absurdos — similares aos absurdos da vida real — foi a tarefa que se propôs Philip Roth com “Indignação”, história organizada em quatro núcleos dramáticos: a família, constituída de pai e mãe; a universidade, representada pelo diretor de alunos Howes D. Caudwell e pelo presidente Albin Lentz; as confrarias da instituição, sobressaindo os colegas Sonny Cottler, o endiabrado Bertram Flusser e Elvyn Ayers Jr.; por último o amor, Olívia Hutton. A guerra é a sombra que paira do primeiro ao último parágrafo; sombra que é o simulacro da morte, empestando de sangue a vida de Messner desde a adolescência até o campo de batalha. Grande ironia, o eviscerador de galinhas terminará fatiado por uma baioneta aos 19 anos de idade, cumprindo as premonições do pai.

Marcus Messner é filho de açougueiros judeus, único rebento de um pai atemorizado pela ideia de perdê-lo em função de algum descuido, “a menor coisinha”. O contexto histórico justifica sua paranoia: o drama se passa entre 1951 e 1952, nos Estados Unidos, durante a guerra contra os comunistas no extremo oriente, e o passado da família em conflitos dessa natureza é negativo. Compreen­sível, o temor paterno vira obsessão, e é com o objetivo de livrar-se desse tormento doméstico que o rapaz entra para a universidade: “Estava ansioso para me tornar adulto e independente, exatamente aquilo que vinha causando terror em meu pai”.

Messner estuda o primeiro ano na Robert Treat, localizada em Newark, onde mora, e assim seria até se formar, caso o pai não começasse a persegui-lo. Isso o leva a transferir-se para a provinciana Winesburg, na área rural de Ohio, primeiro daqueles passos fatais. A nova universidade é provinciana, tradicionalista e profundamente influenciada pelo moralismo puritano dos seus dirigentes, em contraste com as convicções liberais do novo aluno. O rapaz se depara com os valores predominantes da direção e também das confrarias de estudantes, que tentam cooptá-lo: “Quase toda a vida social dos cerca de mil e duzentos alunos da universidade se passava atrás das pesadas portas com ferragens negras das fraternidades”. Apesar do assédio, Mes­s­ner mantém-se equidistante, com um único objetivo em mente: estudar. É tão aplicado nos estudos — que lhe serviriam ainda para es­capar da convocação militar, ou, quando menos, assegurar-lhe uma patente — que logo desentende-se com Bertram Flusser, companheiro de quarto que não lhe dá sossego. Consequentemente, muda-se para outro quarto, onde trava relações com o silencioso Elvym Eyers Jr., cujo único interesse é o próprio carro, um possante modelo La salle, da GM.

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Enquanto isso Messner se envolve com Olívia Hutton, primeira e única experiência erótica de sua curta existência: “Jamais me sentira tão vulnerável ao repartido dos cabelos de qualquer pessoa”. Como ele próprio, Olívia é uma estudante solitária e inteligente, muito acima da média. Certo dia saem juntos no carro de Elvym, quando então a garota lhe faz sexo oral, deixando-o extasiado e entregue à paixão. Logo ele descobrirá que a garota é depressiva e tentara o suicídio, cortando o pulso. Trocam correspondências, e Messner decide revelar o que lhe aconteceu a Elvym, que, insensível, chama Olívia de prostituta. Este aproveita a ocasião e diz que ela houvera praticado o mesmo gesto em Sonny Cottler, de traços principescos e líder de uma das fraternidades locais. Desentendem-se e Messner decide trocar de quarto pela segunda vez: entra em cena o diretor de alunos Howes D. Caudwel, iniciando uma perseguição não menos implacável que a do pai. Discutem abertamente e Caudwel descobre as tendências ateias e materialistas de Messner, que apenas piora sua situação junto ao diretor, tradicionalista empedernido.

Enquanto discutem o rapaz passa mal e, em seguida, é internado num hospital para tratar uma apendicite. Internado, recebe a visita de Olívia, oportunidade em que ela lhe faz carícias sexuais: por infelicidade o casal é surpreendido pela enfermeira no momento exato do clímax. Dá-se, assim, o terceiro passo para cumprir aquele trágico destino (como adivinhar o futuro?). Também sua mãe vem visitá-lo e conhece Olívia. Perspicaz, desaprova veementemente tal relacionamento; ela tem sobre a família do velho Messner — de quem pretende ser separar — as mesmas reservas do filho racional, agora tentado pelos sentimentos, dando-lhe o conselho memorável: “Não seja como eles. Você tem que ser maior que seus sentimentos. Não sou eu que exige isso de você; é a vida que exige. Se não, você vai ser levado de roldão pelos seus sentimentos. Eles vão te levar até o mar e você não será mais visto. Os sentimentos podem ser o maior problema na vida”.

O filho promete, mas não cumpre, ir adiante com a namorada, e quando volta para a universidade não consegue mais reencontrá-la. Os fatos vão se concatenando e Caudwel novamente convida o rapaz para ir ao seu gabinete, com a desculpa de convidá-lo para o time de beisebol da universidade. Lá chegando, o afoito Messner precipita-se e pergunta ao diretor sobre o paradeiro de Olívia, sendo informado que ela fora internada numa clínica psiquiátrica, e mais: está grávida. A suspeita recai sobre ele, uma vez que o diretor ficou sabendo o que houve no hospital, entre o casal.

O último passo em falso de Messner, que poderia ser descoberto por Caudwel, foi ter aceitado o conselho de Sonny Cottler — de quem sempre desconfiara — para subornar um certo Marty Ziegler com o objetivo de prestar o serviço religioso em seu lugar, já que não suporta a obrigatoriedade de assistir à doutrinação religiosa, de acordo com o programa universitário. Na sequência, ocorre um fato capital, de ressonâncias políticas: a rebelião de estudantes conhecido depois como Grande Ataque às Calcinhas Brancas, quando uma simples brincadeira na neve evolui para uma catarse coletiva de fortes conotações sexuais. A repercussão é nacional e escandalosamente inaceitável para a instituição e seus fundamentos retrógrados. Iniciam-se os interrogatórios e uma série de alunos terminam expulsos, entre os quais o infeliz Marcus Messner. Ao ser expulso é convocado pelo exército. Convocado, morre na guerra da qual tentou, desesperadamente, escapar.

As últimas páginas sumariam a carnificina no campo de batalha, e só então tomamos conhecimento de que estávamos ouvindo a narrativa de um cadáver: “Memória em cima de memória — nada mais do que memória.”

“Indignação” é a lembrança de um morto, aliás como a do nosso melancólico Brás Cubas. Curiosa­mente, Roth leu o romance de Machado de Assis e depois esqueceu o nome do autor brasileiro, conforme declarou em entrevista concedida à revista “Época”.

“Você sabe que li um único autor brasileiro? É a imagem que tenho do Brasil. Não me recordo do nome dele, mas é um romance irônico, de narrativa descontínua, sobre um homem morto que conta suas paixões e confusões em primeira pessoa. Adorei.”

Esquecer Machado de Assis é, de nossa pers­pectiva, um tanto inacreditável, principalmente por sensibilidades extraordinárias quanto a do escritor americano. Ele tampouco es­cla­rece quando é que o leu (seu romance foi pu­blicado em 2008), em todo o caso a analogia é evidente, sem que se possa falar com se­gu­rança em influência direta ou indireta. Roth nasceu em 1933 e tornou-se um dos mais premiados autores dos Estados Unidos, tendo amealhado o Pulitzer, por “Pastoral Ame­ri­ca­na”, e o Príncipe das Astúrias, por sua contri­bui­ção à literatura. Malcolm Bradbury (“O Ro­mance Americano Moderno”) o situa no grupo dos “judaico-norte-americanos”, do qual fazem parte Saul Bellow, Norman Mailer e Bernard Malamud. O humanismo era o ob­je­tivo comum desta vertente, além do desejo de “ligar a história do indivíduo com o processo mais amplo da sociedade, porém tais indivíduos tinham de ser vistos também como alienados, vitimizados, deslocados, materialmente satisfeitos mas espiritualmente danificados, conformistas mas sem lei, racionais mas anárquicos”.

Podemos enxergar algumas dessas características em Marcus Messner, seguramente vitimizado, deslocado e racional a ponto de não tolerar a influência religiosa na instituição laica, na qual pretende se ver livre do pai. “Indignação” trata de dois assuntos polêmicos, bastante conhecidos da geração de meados do século 20, nos Estados Unidos: a Guerra da Coreia e o moralismo sexual prevalecente nas regiões mais provincianas do país. O auge desse conflito de valores culturais entre gerações explodiria anos mais tarde, durante a luta pelos direitos civis no contexto político da Grande Sociedade, de Lyndon Johnson. Para tratar daqueles assuntos, com a propriedade de uma testemunha, é que Roth cria o universo inteiramente novo e surpreendente de “Indignação”. É impossível prever a sorte desse livro na extensa e representativa produção de Roth, em todo caso ele tem a força das obras capitais.

Do autor eu li também “O Animal Agonizante”, romance mais intimista e, a meu ver, menos fascinante, que narra a aventura amorosa de um velho com uma garota sensualíssima. Permite estabelecer uma tendência do autor, observada por Bradbury, ao registrar a ligação da história individual com “o processo mais amplo da sociedade”. De fato, ele gosta de colocar seus personagens em choque contra os valores institucionalizados. Outra vez deparamos com o tema da liberdade sexual, e outra vez nos vemos dentro de uma narrativa parcialmente histórica, colidindo duas ideologias por intermédio da ação individual. O individualismo de Messner é eloquente, e ignoro se por isso Roth — autor de pelo menos 30 obras literárias — pode ser definido como escritor emersoniano. Mas “Indigna­ção” possui elementos que reafirmam aquele ethos individualista, proclamado pelo sábio de Concord. Baseio essa opinião no conflito do personagem contra a moral prevalecente e num importante ensaio transcendentalista, “Autoconfiança”, em minha opinião o mais memorável dos escritos que conheço de Ralph Waldo Emerson.

No longo e tenso diálogo ocorrido no primeiro encontro com o diretor Caudwell — quando o conselho da mãe cede ao impulso e ele manda o diretor “se foder!” (“Os sentimentos podem ser o maior problema na vida”, dizia ela) —, nesse encontro Messner evoca Bertrand Russel para fundamentar sua recusa em aceitar as regras impostas pela instituição, dizendo que pretende viver em conformidade com o ideário contido no ensaio “Por que Não Sou um Cristão”, do filósofo inglês. As altercações do diretor se voltam todas para a preferência religiosa, o relacionamento social e o convívio familiar de Messner, permitindo acompanhar como a moral puritana se infiltra na intimidade dos estudantes, pretendendo dominá-los completamente. Trata-se do diálogo mais absurdo do mundo, no qual o diretor de alunos faz perguntas invasivas que poderiam ser feitas a si mesmo, diante do espelho, para cair em contradição. É um capítulo de alto humorismo, de onde aliás se extrai o título “Indignation”, inspirado no hino nacional chinês, que Messner recordará ao entrar na sala do intragável diretor de alunos:

“Erguei-vos, vós que recusais a serdes escravos! Com nossa própria carne e sangue Constituiremos uma nova Grande Muralha! O povo chinês encontrou o seu dia de perigo. A indignação enche o coração de todos os nossos compatriotas, Erguei-vos! Erguei-vos! Erguei-vos!”

Caudwell não admite as “dificuldades de socialização” e “isolamento” de seu aluno, seguro o bastante para afirmar a própria independência: “Não tenho interesse pela vida nas fraternidades”. Então, apesar da declarada influência de Russel, a idiossincrasia de Messner reverbera a do próprio Emerson, quando este proclama que “quem deseja ser um homem tem de ser um dissidente”. Mais do que uma invenção emersoniana, estaríamos na verdade diante de uma característica cultural que parece transcender gerações de americanos. Messner é a perfeita encarnação do dissidente: não liga para “fraternidades” — latu sensu, partidos, clubes, grupos, associações, igrejas — e só se interessa pelo conhecimento: “meu único interesse são os estudos”, declara provocativamente o jovem que “não tem medo de ficar sozinho”. É algo instintivo, inato, e não pelo qual tenha sido educado. As palavras abaixo poderiam seguramente fazer parte do credo de Marcus Messner: “Por toda parte a sociedade está em conspiração contra a virilidade de cada um de seus membros. A sociedade é uma companhia por ações, na qual os sócios concordam, para melhor assegurar o pão de cada acionista, em renunciar à liberdade e à cultura de quem dela desfruta. A virtude de maior demanda é a conformidade. A autoconfiança é causa de aversão. À sociedade não aprazem realidades e criadores, mas nomes e costumes”.

Emerson era gnóstico e Messner, apesar do sangue judeu, ateu convicto. Mesmo assim foi capaz de sugerir irresistivelmente a manifestação do mal em dois colegas: Sony Cotller, magistralmente descrito como figura luciferiana (“o anjo da morte”), e Merty Ziegler, bem próximo de Judas ao aceitar o suborno de Messner para substituí-lo nos serviços religiosos da Winesburg, ao custo de um dólar e cinquenta centavos: “Esse Zigler era um erro, eu tinha certeza — o erro final”.

A causa primeira e insignificante daquele destino desproporcional foi o medo paterno incorporado pelo herói, destinado por associação a representar o terror de gerações sucessivas de jovens norte-americanos. O pai é um sujeito simples e trabalhador, tendo ensinado a Messner um ofício sangrento. Mas a relação de amor entre os dois termina em ódio, em função da paranoia que toma conta do velho açougueiro kosher. Transforma-se assim no símbolo de uma autoridade renegada que Messner, todavia, volta a reencontrar encarnado no velho e poderoso Caudwell, em Winesburg. A guerra particular de Messner é contra a autoridade e tudo o que ela significa de repressão aos instintos vitais do homem. As únicas referências positivas na vida do estudante são as duas figuras femininas do romance: a mãe — “era tudo, menos frágil e submissa” — e a namorada, Olívia, com quem perde a virgindade, por ele tratada como verdadeira heroína.

Roth integra uma possível tradição romanesca que inclui Gabriel García Márquez, Machado de Assis e Gustave Flaubert: a tradição que exalta a mulher como figura de fibra superior e mais heroica do que o homem, descrito como materialista, frágil e mesquinho.

Estou de acordo com isso. Porém, tenho opiniões sobre Olívia que talvez não sejam facilmente partilhadas pelos demais leitores de Roth, sobretudo mulheres. A mais importante: ela simboliza, em primeira ordem, o desejo masculino insatisfeito no mundo real, onde é recriminado. Qual desejo? Ser compreendido por elas em sua ânsia insaciável por sexo (que parece ser um dos temas prediletos de Roth). Ela declara a Messner, após a primeira experiência com ele: “Eu-queria-te-dar-o-que-você-queria. Será que é muito difícil entender essas palavras?” A pergunta sobre a dificuldade de entender é principalmente dirigida ao leitor (ou melhor, leitora), e acho difícil imaginá-la como especulação de mulher. Nesse sentido, Olívia tampouco seria criação de uma romancista: só poderia ser concebida por quem entende a angústia masculina — um homem; nesse caso o escritor Phillip Roth, criador de sensualistas tão incorrigíveis quanto David Lurie, de J.M. Coetzee (“Desonra”) e Antônio Fernandes, de Sérgio Sant’Anna (“O Livro de Praga”).

Mas a sondagem da psicologia feminina não fica a dever: o que as excita, ao menos de um ponto de vista masculino, é o poder — o carrão de Elvyn Ayers Jr., dentro do qual Messner e Olívia iniciam sua aventura amorosa — e, pelo menos em 1950, os limites, proibições e tabus que impediam as moças de reestabelecer os vínculos familiares perdidos. Ou seja, nada a ver com as tentações da carne, como acontece com os homens: o que as motiva em primeira ordem, nos relacionamentos, é a segurança e a estabilidade pessoal e da prole. Porém Olívia é exuberante demais e comporta outra interpretação fundamental, ao lado de seu amante: a de vítima do modelo educacional e da moral repressiva capitaneados por Caudwell, que atinge a medula da sociedade, isto é, a família. Afinal: “Seu pai é um cirurgião de Cleveland e ilustre ex-aluno da Winesburg, por isso a recebemos a pedido do doutor Hutton. Não deu certo nem para o doutor Hutton nem para a universidade, e muito menos para Olívia”.

Trata-se de uma confissão inconsciente de Cau­dwell quanto ao fracasso do modelo educacional implantado. No mesmo capítulo, o que dirá Messner? Que “eu próprio havia sido tragado pela insipidez não apenas dos costumes de Winesburg, mas da retidão que tiranizava minha vida, a retidão sufocante que, eu estava pronto a concluir, levara Olívia à loucura”.

O destino da namorada, como será o seu e de vários jovens, é produto desta retidão in­con­sequente. Outro efeito colateral, e desta vez coletivo, dessa educação repressiva, é im­placavelmente diagnosticado: a catarse desenfreada dos estudantes que culmina no Grande Ataque às Calcinhas Brancas, no epílogo: “Vez por outra, uma voz masculina profunda, articulando o pensamento de todos aqueles que não eram mais capazes de obedecer ao sistema prevalecente de disciplina moral, urrava abertamente: Queremos as garotas!”. A conformidade perturbadora dos estudantes termina explodindo de maneira irracional, culminando naquelas consequências desproporcionais, aludidas desde o começo. Messner, devido ao ato libidinoso, ao desacato da autoridade e à fraude, é expulso de roldão, junto com os colegas insubordinados. Sua racionalidade não prevaleceu sobre os impulsos, dando inteira razão às advertências da mãe.

O panorama final de “Indignação” reflete a nulidade das associações humanas, sem chegar ao extremismo niilista, com a combinação explosiva das religiões institucionalizadas. Para Roth, cuja única crença possível parece ser no individualismo, não é daí que emergem os indivíduos moralmente sãos. O prêmio de Messner, por se rebelar contra as regras da religião e seguir a própria consciência, foi a morte prematura: outra vez o fanatismo religioso derramara o sangue dos inocentes.

J.C. Guimarães é ensaísta e historiador.

via Revista Bula

Mais partidos aderem ao governo

Três novos partidos podem aderir à base do governo San­do­val. O PP do prefeito de Pal­mas, Carlos Amastha, o PRB do deputado federal César Halum, e o PDT do deputado federal Ângelo Agnolin. Três siglas importantes no processo e que certamente podem ajudar a consolidar o projeto de reeleição do governador, o que pode ser a salvação do siqueirismo.

Sandoval comemora adesão

O governador Sandoval Cardoso (SD) comemora entendimento com líderes destas agremiações, às quais chamou de “partidos do bem”. Segundo ele, as legendas são bem-vindas ao seu governo. Sandoval é diferente de Siqueira, embora faça um governo de continuidade, e isso atrai adesão, mas ele não pode confundir: é o poder que atrai, não o seu governo, que ainda não disse a que veio.

Formação de nova base governista

Untitled-4   O PP fazia parte da terceira via que acabou antes de começar com a desistência Roberto Pires (foto), que retirou a pré-candidatura ao governo do Estado. O PDT vinha mantendo independência com certa simpatia pelo governo. Agora pode assumir de vez a posição que defendeu, que é estar no governo. O PRB não tem tradição no Tocantins, mas apreendeu que com o governo fica mais fácil.

Líderes do PMDB dão uma trégua, mas diferenças internas seguem

Não se pode prever quanto tempo vai durar, mas o certo é que o PMDB está comemorando a paz interna. Que finalmente chegou depois de mais de um ano de divergências e brigas internas. O ex-governador Marcelo Miranda e o deputado federal Júnior Coim­bra dividiram palanque em encontro do partido em Palmei­rópolis, durante lançamento da candidatura do ex-prefeito Enoque Souza a deputado estadual, e iniciaram um processo de entendimento que pode levar à união da legenda. A verdadeira paz interna ainda pode estar distante. Diante da possibilidade de entendimentos, prefeitos do partido (certamente aliados do Palácio Araguaia) dizem que se Marcelo Miranda for candidato vai vencer as eleições, mas não vai poder tomar posse, por isso preferem apoiar o candidato do governo. Mar­celistas dizem que bandeira branca estendida por Júnior Coimbra não mudou nada. PMDB continua trabalhando contra o PMDB.

Roberto Pires joga a toalha

O empresário e pré-candidato ao governo Roberto Pires (PP) jogou a toalha. Anunciou na se­ma­na passada por meio de nota a im­prensa que não é mais pré-candidato ao go­verno. O em­pre­sário explica que a desistência tem mo­tivação puramente pessoal. Na ver­dade, Pires desiste porque não con­seguiu reunir condições políticas para manter a candidatura. Pelo teor da nota sai da disputa, mas se mantém na oposição.