STF pode reavaliar Lei da Anistia em casos de ocultação de cadáver
16 dezembro 2024 às 08h00
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O Supremo Tribunal Federal (STF) está prestes a reavaliar a anistia concedida aos agentes do regime militar acusados de ocultar corpos de vítimas da ditadura. Neste domingo, 15, o ministro Flávio Dino reconheceu a repercussão geral de um recurso do Ministério Público Federal (MPF) que questiona a aplicação da Lei da Anistia, promulgada em 1979, para esse tipo de crime.
O recurso do MPF trata do caso específico do tenente-coronel Lício Maciel, acusado de executar opositores políticos durante a Guerrilha do Araguaia, nas décadas de 1960 e 1970, e de esconder os corpos. No entanto, Dino destacou que a discussão extrapola o caso de Maciel e pode estabelecer jurisprudência para outros envolvidos em crimes semelhantes.
“Quem oculta e mantém algo oculto, prolonga a ação até que o fato se torne conhecido. O crime está se consumando inclusive na presente data, logo, não é possível anistia para esses fatos posteriores”, explica Dino.
Com o reconhecimento da repercussão geral, o caso será debatido em uma sessão virtual do plenário do STF, permitindo que os demais ministros se posicionem. A análise do mérito, no entanto, será feita em uma etapa futura.
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O MPF havia denunciado Maciel e o tenente-coronel Sebastião Curió (falecido) por homicídio qualificado e ocultação de cadáver, mas a Justiça arquivou o processo com base na Lei da Anistia. A legislação, elaborada durante o processo de transição para a democracia, garantiu perdão para crimes políticos e conexos cometidos entre 1961 e 1979.
“A manutenção da omissão do local onde se encontra o cadáver, além de impedir os familiares de exercer seu direito ao luto, configura a prática do crime”, avalia Dino.
No entanto, o MPF sustenta que a anistia não deve abranger crimes permanentes, como a ocultação de cadáveres, que se estendem no tempo. O ministro Flávio Dino, ao reconhecer a importância do tema, afirmou que todas as famílias têm o direito de localizar e enterrar dignamente seus entes queridos, e que a ocultação dos corpos fere esse direito fundamental.
A decisão do STF pode abrir caminho para uma nova interpretação da Lei da Anistia e trazer consequências jurídicas para outros casos semelhantes da história brasileira.
“Ainda Estou Aqui”
O ministro do STF cita entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que colocou o desaparecimento forçado de pessoas como crime de natureza permanente, o também o filme “Ainda Estou Aqui”, que narra o desaparecimento de Rubens Paiva (nunca encontrado), para fundamentar sua decisão.
O longa, que tem “comovido milhões de brasileiros e estrangeiros”, retrata a perseguição política sofrida pela família Paiva e o desaparecimento de Rubens, o pai da família, “cujo corpo jamais foi encontrado”.
Embora a Lei da Anistia tenha sido validada pelo plenário em 2010, questionamentos sobre sua aplicação ainda aguardam julgamento na Corte.
O atual contexto político pode ser favorável para tratar do tema, especialmente diante das investigações sobre a tentativa de golpe contra a democracia em 2022. A Polícia Federal (PF) aponta que, naquele período, militares trocaram mensagens com referências ao golpe militar de 1964, traçando paralelos com o cenário político contemporâneo.
As investigações já resultaram no indiciamento de 40 pessoas, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro e o general Walter Braga Netto, que foi preso preventivamente no último sábado, 14.
O possível avanço das ações sobre a Lei da Anistia ocorre em um momento de maior atenção ao papel das Forças Armadas na política e na preservação das instituições democráticas. Especialistas veem a discussão como crucial para revisar os limites da anistia frente a crimes cometidos durante o regime militar.